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defendem a precedência das grandes

AS CIVILIZAÇÕES DA organizações civilizadas da região à qualquer


MESOPOTÂMIA outra do mundo.

b) A origem do Estado
01. Introdução O surgimento dos primeiros grandes
núcleos urbanos na região foi acompanhado do
a) Aspectos geográficos desenvolvimento de um complexo sistema
hidráulico que favorecia a utilização dos
A Mesopotâmia - nome dado pelos pântanos, evitava inundações e garantia o
gregos e que significa "terra entre dois rios"- armazenamento de água para os períodos de
compreendia os vales e planícies irrigados seca. Admite-se, frente ao sucesso do
pelos rios Tigre e Eufrates, onde hoje é o desenvolvimento das atividades produtivas
território do Iraque e terras próximas. Inserida mesopotâmicas, que perto de 4 000 a.C.
na área do Crescente Fértil, a Mesopotâmia algumas cidades cresceram tanto a ponto de
estendia-se desde os montes Zagros no Irã, a reunir mais de dez mil habitantes, a exemplo de
leste, até os desertos da Arábia, a oeste, Uruk. As cidades, além de viabilizarem a
contando com os rios que desciam das sobrevivência na região, propiciaram a defesa
montanhas em direção ao golfo Pérsico. Estes militar, a centralização da autoridade e do
rios corriam paralelamente e a distância entre controle sobre a população. As mesmas
eles variava entre um mínimo de 30 e um muralhas que defendiam a cidade serviam
máximo de 80 km de largura. também para o comando e domínio de toda a
A neve dos montes da Armênia, quando população urbana.
derretia, provocava na Mesopotâmia A produção de alimentos necessitava de
inundações anuais, muito mais violentas e sem um planejamento de acordo com a época das
a uniformidade e a regularidade do rio Nilo, no cheias. As sobras precisavam ser estocadas, e o
Egito. Na época das cheias, os rios Tigre e esforço coletivo, aproveitado. Desse processo
Eufrates transbordavam e provocavam surgiu o Estado.
enchentes em sua planície. Quando as águas O poder do Estado justifica-se,
retornavam ao leito normal, uma rica camada inicialmente, porque um governo centralizado
de limo e húmus ficava sobre a terra molhada, talvez coordenasse melhor a construção das
tornando-a fértil e própria para a produção de obras de interesse comum. Houve, no entanto,
grandes quantidades de legumes, grãos etc. um desvio das funções que se esperavam do
Além disso, os rios, cheios de cardumes, Estado. O pequeno grupo de pessoas que
favoreciam a pesca ribeirinha. E ainda havia controlava o governo passou a usar o poder que
caça abundante pelas margens do rio. detinha para explorar o restante da sociedade.
O bom aproveitamento dessas Os governantes aumentavam suas riquezas e
vantagens naturais dependia, entretanto, do privilégios. A maioria do povo era vítima da
trabalho e da inteligência dos homens. Era pobreza e da exploração. Assim, cresceu a
necessária a construção de diques e barragens distância entre governantes e governados.
para conter as violentas enchentes, além de Depois da criação do Estado, as
canais de irrigação para levar a água dos rios às melhores terras deixaram de pertencer à
terras mais distantes. comunidade e tornaram-se propriedade privada
A parte norte, na Alta Mesopotâmia, era da elite guerreira, que controlava o governo.
mais montanhosa, desértica e menos fértil, Essa elite associou-se aos sacerdotes e aos
enquanto o centro e o sul do vale entre os rios grandes comerciantes, formando então, a classe
Tigre e Eufrates, onde se encontram a Média e exploradora dos camponeses, artesãos e
a Baixa Mesopotâmia, eram construídas de escravos.
planícies muito férteis. Descobertas
arqueológicas revelam que a sedentarização c) Sucessivas invasões
das comunidades humanas na Média e Baixa
Mesopotâmia ocorreu durante a transição do Observando o Egito e a Mesopotâmia,
Paleolítico para o Neolítico, por volta de 10 sobressaem algumas similaridades comuns às
000 a.C., e não são poucos os especialistas que duas regiões, como a aridez do clima e a
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fertilidade favorecida pelos rios. Por outro com vários povos da Costa Mediterrânea e do
lado, o acesso à Mesopotâmia por povos vale do Indo. Aperfeiçoaram técnicas de
nômades era mais fácil que ao vale do Nilo. De irrigação, arquitetura e artes. Dividiram o
certa forma, a imensidão do deserto que círculo em 360 graus e elaboraram o calendário
envolve o Egito serviu de proteção natural de doze meses.
contra os invasores. Ademais, a Mesopotâmia Inventaram a escrita cuneiforme que foi
constituía uma passagem natural entre a Ásia e utilizada por todas as civilizações da
o Mediterrâneo. Por isso, as invasões foram Mesopotâmia e povos vizinhos. A escrita era
constantes e sucessivas, imprimindo uma feita, originalmente, na argila mole, com um
marca diferenciada do seu desenvolvimento ao estilete em forma de cunha. Isso determinou o
longo da Antiguidade. formato dos sinais. Por isso a escrita sumeriana
ficou conhecida como cuneiforme (em forma
02. Principais Povos Mesopotâmicos de cunha). Era uma escrita ideogramática, onde
o objeto representado expressava uma idéia.
02.1 Sumerianos e Acadianos (antes de 2 000 Um barco marcado por determinados sinais,
a.C.) por exemplo, poderia significar que ele estava
carregado ou vazio
a) As Cidades-Estado A escrita destinava-se , inicialmente, ao
registro da contabilidade dos templos. Os
No final do período Neolítico, os povos registros eram necessários porque os templos
sumerianos, vindos do planalto do Irä, fixaram- precisavam administrar seu rico patrimônio,
se na Caldéia e fundaram diversas cidades acumulado através das oferendas religiosas,
autônomas, verdadeiros estados independentes que englobavam escravos, rebanhos e terras.
(cidades-Estado), como Ur, Uruk, Nipur, Portanto, a administração desses bens exigia
Lagash e Eridu. Estas cidades, muitas vezes, que os sacerdotes mantivessem um controle
guerreavam entre si em função de disputas preciso de operações como: empréstimo de
comerciais e políticas. animais ou sementes, pagamento a construtores
Cada cidade sumeriana possuía um de barcos ou comerciantes estrangeiros, relação
centro político, religioso e econômico: era o de mercadorias estocadas etc. A solução para o
templo. O chefe absoluto do templo e da controle foi registrar por escrito as operações.
cidade chamava-se patesi (vigário de deus) ou A escrita sumeriana foi desenvolvendo-
lugal (o grande), que exercia a autoridade se com o tempo. Por volta de 3 000 a.C.,
política, religiosa e militar. Acompanhado dos passou a ser utilizada não só na contabilidade
sacerdotes e burocratas, o patesi controlava a dos templos, mas também no registro de textos
construção de diques, canais de irrigação, religiosos, literários e das normas jurídicas.
templos e celeiros, impondo e administrando os
tributos a que toda a população estava sujeita. c) O Primeiro Império Mesopotâmico
Os deuses eram considerados os
proprietários de todas as terras, a quem os Enquanto as cidades-Estados
homens sempre deviam servir, sendo as sumerianas viviam constantemente em guerra
cidades suas moradas terrenas. Junto aos pela supremacia na região, produzindo
templos das cidades, homenageando o seu deus hegemonias sucessivas, os acadianos, povo
patrono, não raramente eram erigidos nômade-pastoril de origem semita, ocupava a
zigurates, pirâmides de tijolos maciços que região central da Mesopotâmia. Fundaram ali
serviam de santuários e acesso dos deuses várias cidades, das quais a principal foi Acad.
quando desciam até seu povo. Diversamente do Por volta de 2 350 a.C., os acádios,
Egito, os governantes mesopotâmicos, salvo liderados por Sargão I (rei de Acad),
raras exceções e mesmo assim só depois de dominaram as cidades da Suméria. Nas
mortos, não eram tidos como deuses e sim seus batalhas, os acádios utilizavam arco e flecha,
intermediários e representantes. mostrando-se mais rápidos e eficientes que a
infantaria (tropa que age a pé) sumeriana, que
b) A Escrita Cuneiforme se armava com pesadas lanças e escudos.
Sargão I, conquistou as cidades-Estado
Empreendedores e criativos, os sumérias e unificou politicamente o centro e o
sumérios estabeleceram relações comerciais sul da Mesopotâmia, tornando-se conhecido
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como o "soberano dos quatro cantos da terra". O Código abarca praticamente todos os
Os acádios fundaram o primeiro império aspectos da vida babilônica, passando pelo
mesopotâmico, que se expandiu desde o golfo comércio, propriedade, herança, direitos da
Pérsico até as regiões de amorru e da Assíria. mulher, família, adultério, falsas acusações e
Mas as estruturas políticas da Suméria escravidão. As punições variavam de acordo
continuaram existindo. Os reis das cidades com a posição social da vítima e do infrator.
sumerianas foram mantidos no poder e Hamurábi também empreendeu uma
reconheciam-se como tributários dos ampla reforma religiosa, transformando o deus
conquistadores acadianos. Ao mesmo tempo, o Marduk, da Babilônia, no principal deus da
Império Acadiano incorporou a cultura Mesopotâmia, mesmo mantendo as antigas
sumeriana, com destaque para os registros da divindades.
nova língua semítica em caracteres Após a morte de Hamurábi, o império
cuneiformes. entrou em decadência principalmente por causa
Devido às diversas revoltas internas e à das rebeliões internas e novas ondas de
continuação de invasões estrangeiras, o invasões, como a dos hititas e a dos cassitas. A
Império Acadiano acabou se enfraquecendo e desorganização do Império Babilônico
desaparecendo - isto ao redor de 2 100 a.C. -, promoveu o surgimento de vários reinos
permitindo o breve reerguimento de algumas menores rivais, propiciando a ascensão dos
das cidades-estados sumerianas, como Ur. assírios, a partir de 1300 a.C.

02.2 Os Amoritas (Antigos Babilônios)


(2000 a. C. - 1750 a. C.) 02.3 Os Assírios (1300 - 612 a.C.)

Entre os invasores que destruíram o Os assírios fixaram-se no norte da


Império Acadiano destacam-se os amoritas. Mesopotâmia por volta de 2500 a.C., fazendo
Vindos do deserto da Arábia, impuseram seu da cidade de Assur - nome de sua principal
domínio na Mesopotâmia, partindo de sua divindade - a sua capital. Ocupavam as
cidade principal chamada Babilônia. As margens do rio Tigre e as montanhas próximas,
disputas entre ela e as demais cidades-estados onde era abundante a madeira e várias riquezas
mesopotâmicas, além de outras ondas minerais, como o cobre e o ferro, sobrevivendo
invasoras, resultaram numa luta quase graças às atividades agropastoris e à caça. A
ininterrupta até o início do século XVIII a.C., região era utilizada como passagem natural
quando Hamurábi, rei da Babilônia, realizou a entre a Ásia e o Mediterrâneo. Sendo lugar
completa unificação, conseguindo dominar com muitos atrativos, a Assíria sofreu o ataque
toda a região, desde a Assíria, na Alta de muitos invasores. Foi talvez esse perigo
Mesopotâmia, até a Caldéia, no sul, fundando o constante de invasões que despertou no povo
Primeiro Império Babilônico. assírio um feroz espírito guerreiro.
Rapidamente, a capital babilônica Aos poucos, edificaram um forte
transformou-se num dos principais centros Estado militarizado, organizando um dos
urbanos da Antiguidade, sediando um poderoso primeiros exércitos permanentes do mundo. O
império e convertendo-se no eixo cultural e exército assírio foi um dos mais poderosos de
econômico da região do Crescente Fértil. sua época: a infantaria era equipada com
Hamurábi também elaborou o primeiro código lanças, escudos e espadas de ferro; a cavalaria
jurídico, com leis escritas, de que se tem tinha carros de combate com rodas reforçadas,
notícia, assentado nas antigas tradições puxados a cavalo. Esses armamentos eram bem
sumerianas. superiores aos dos vizinhos , os quais foram
O Código de Hamurábi apresenta uma submetidos ao seu domínio.
diversidade de procedimentos jurídicos e Comandados por reis como Sargão II,
determinação de penas para uma vasta gama de Senequerib e Assurbanipal, os assírios
crimes, partindo, a maior parte delas, do fizeram grandes conquistas militares e
princípio "olho por olho, dente por dente". O construíram um dos maiores impérios da
Código de Hamurábi decorria da Lei de Talião Antiguidade. Do século VIII ao século VI a.C.,
que preconizava que as punições fossem dominaram uma extensa região que incluía
idênticas ao delito cometido. toda a Mesopotâmia, o Egito e a Síria.

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Assurbanipal, além de grande guerreiro, Durante o reinado de Nabucodonosor
era um entusiasta da ciência e literatura, o que (604-561 a.C.), o Segundo Império Babilônico
explica a criação de uma grande biblioteca na viveu o seu apogeu. Foi a época das grandes
nova capital assíria. A Bibblioteca de Nínive construções públicas, como os templos para
reuniu um amplo acervo cultural de toda a vários deuses, especialmente o de Marduk, as
região, formada por dezenas de milhares de grandes muralhas da cidade, os palácios, a
tijolos de argila. exemplo dos "Jardins Suspensos da
O predomínio social entre os assírios Babilônia", considerados pelos gregos como
cabia a uma aristocracia sacerdotal e militar uma das maiores "maravilhas do mundo" e a
que sujeitava toda massa camponesa, a qual era torre de Babel (zigurate com mais de 90
obrigada ao pagamento de tributos em cereais, metros de altura)
metais, gado e a prestar serviços gratuitos ao Nabucodonosor também expandiu seu
Estado. Com a crescente expansão e império, dominando boa parte da Fenícia, Síria
militarização da sociedade assíria, a produção e e Palestina, e escravizando os habitantes do
os serviços públicos acabaram ficando a cargo reino de Judá, que foram transferidos como
das populações vencidas, transformadas em escravos para a capital ( "Cativeiro da
escravos, e grande parte dos lavradores, e Babilônia".)
artesãos assírios passou a compor o exército. O Segundo Império Babilônico não
A expansão assíria foi caracterizada sobreviveu por muito tempo à morte de
pela extorsão de tributos e a extrema Nabucodonosor, sendo conquistado em 539
crueldade com os povos vencidos. Os a.C. pelo rei persa Ciro I. A partir daí, a
exércitos assírios viajavam acompanhados de Mesopotâmia e seus domínios passaram a
manadas de bois e cavalos e de grandes pertencer ao Império Persa.
carregamentos de cereais e metais preciosos,
saqueados das regiões conquistadas. Cortavam 03. Economia.
orelhas, órgãos genitais e narizes daqueles que
ousassem ameaçar seu domínio, buscando a A estrutura produtiva mesopotâmica, tal
total intimidação dos conquistados. como a do Egito, inseria-se no modo de
Incendiavam e destruíam as cidades produção asiático. O modo de produção
conquistadas. Por onde passavam, deixavam asiático tem as seguintes características:
multidões de mortos empalados e montes de  As terras não pertencem diretamente à
cabeças cortadas nas portas das cidades comunidade. Elas são usadas pela
vencidas. comunidade, mas estão sob o controle
Após a morte de Assurbanipal (631 de classes dirigentes.
a.C.), o Império Assírio declinou rapidamente,  Essas classes organizam e administram
graças às revoltas dos povos dominados, o Estado.
sucumbindo definitivamente em 612 a.C. Nesta  O Estado é "dono" das terras e dirige o
data, Nabopolassar, rei dos caldeus, e com trabalho da sociedade.
ajuda dos medos, seus vizinhos, destruíram  A maior parte da sociedade (os pobres)
Nínive e todo o Império Assírio, inaugurando o passa a servir aos interesses dos
Segundo Império Babilônico. governantes (os ricos e poderosos),
devendo-lhes obediência e tributos
(sistema de servidão coletiva).
02.4 Os Caldeus (Neobabilônios) (612 a.C.- A agricultura era a principal atividade
539 a.C.) econômica da Mesopotâmia. A cevada, o trigo
e a tâmara eram os produtos mais cultivados. A
Os caldeus, povo de origem semita, agricultura estava ligada à pecuária, cujo
derrotaram os assírios e fizeram da Babilônia rebanho mais importante era o bovino.Além de
novamente a capital da Mesopotâmia. Os fornecer carne ( artigo de luxo) e leite, o gado
caldeus reconstruíram a Babilônia, tornando-a era utilizado para puxar carros e arado.
uma das mais belas e esplendorosas cidades da Destaca-se também a criação de asnos, animais
Antiguidade, e por isso ficaram conhecidos muito usados nos transportes terrestres.
como neobabilônios. Assim nasceu o Império A unidade econômica da cidade-estado
Neobabilônico, mais grandioso que o de ou do império dependia do templo, eixo da
Hamurábi, e mais de mil anos depois. religião, e dos sacerdotes, que atuavam como
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elo de ligação entre a população e a autoridade  a classe dominante: formada pelos
política, o patesi ou o imperador. Como as governantes, sacerdotes, militares e
terras pertenciam aos deuses aos deuses, os comerciantes.
seus representantes (políticos e religiosos)  a classe dominada: formada pelos
administravam essas terras e dominavam camponeses, pequenos artesãos e
camponeses, artesãos (padeiros, oleiros, escravos (geralmente prisioneiros de
tecelões, ferreiros, etc.), soldados e serviçais guerra)
menores, obrigados a produzir, defender e a A classe dominante desfrutava o
trabalhar nas obras públicas. controle das três manifestações básicas do
Uma aristocracia de governantes, poder: a riqueza econômica, a força política e
sacerdotes e funcionários públicos, através do militar, o saber instituído.
Estado, controlava a construção de A posição mais elevada pertencia a um
reservatórios de água, diques, canais de rei, que governava com muitos poderes:
irrigação, estradas e depósitos de alimentos, religiosos, militares e políticos. O rei não era
além de impor tributos sobre quase tudo que considerado um deus vivo, mas um
era produzido. Também contava com a mão- representante dos deuses, alguém capaz de
de-obra escrava, constituída dos vencidos nas traduzir a vontade divina.
guerras. Nos celeiros públicos, conhecidos os A classe dominada consumia
estoques, definia-se o critério de distribuição diretamente os alimentos que produzia na
dos excedentes agrícolas obtidos da população. agropecuária e era obrigada a entregar o
Nas cidades mesopotâmicas existia excedente da produção aos dominadores, que
grande quantidade de oficinas de artesãos, dirigiam os templos e palácios.
como alfaiates, carpinteiros, metalúrgicos,
ourives, cortadores de pedras, ceramistas, 05. Cultura e Mentalidade
tecelões etc.
O comércio de longa distância adquiriu A cultura mesopotâmica descendia, em
grande importância, com seus negociantes grande parte, dos sumérios, destacando-se a
organizando caravanas que iam da Arábia à escrita cuneiforme, decifrada pelos estudiosos
Índia, buscando ou levando produtos, como lã, Grotefend e Rawlison.
tecidos, cevada e minerais, entre outras A religião mesopotâmica, de herança
mercadorias. Quando utilizavam os rios Tigre e sumeriana e ampliada por seus sucessores,
Eufrates ou o mar, alcançado através do Golfo tinha inúmeros deuses (politeísmo) que
Pérsico, freqüentemente contavam com navios representavam fenômenos da natureza
tripulados por marinheiros fenícios. A (atualmente são conhecidos cerca de três mil) e
intensidade das atividades econômicas da era vista como meio de obter recompensas
Mesopotâmia chegou a transformar muitas de terrenas imediatas, pois, ao contrário dos
suas cidades em grandes entrepostos egípcios, os mesopotâmicos não acreditavam
comerciais, destacando-se, especialmente, a na vida após a morte. Cada cidade-Estado tinha
Babilônia. um deus protetor que era adorado de modo
Até o século VI a.C., não havia moeda especial pelos seus habitantes. Mesmo assim,
cunhada na economia mesopotâmia. na Assíria e na Babilônia, a religião evoluiu
Entretanto, a cevada e metais com a prata e para a crença de que os mortos deveriam
cobre eram muitos utilizados como padrão de receber boas sepulturas para não, abandonarem
valor nas trocas comerciais, e na importação de seu mundo de sombras. Do contrário, eles
mercadorias, o pagamento podia ser efetuado achavam que a alma não encontraria paz e
com lingotes de metal. ficaria vagando pela terra e sofrendo
eternamente e provocando desgraças. Para
04. Sociedade alcançar as vantagens terrenas, os
mesopotâmicos submetiam-se aos rituais de
A organização social na Mesopotâmia magia e feitiçaria, comandados pelos
variou ao longo dos séculos, de acordo com o sacerdotes, durante os quais muitos animais
povo que dominava a região. Entretanto, de eram mortos. Também mantinham a crença de
modo geral, encontramos com mais freqüência que era possível fazer adivinhações mediante a
a divisão da sociedade em dois grupos sociais: observação do fígado dos animais sacrificados.
Os templos, além de serem o centro da vida
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religiosa, podiam abrigar também o celeiro e as também, como grande marco da história do
oficinas, integrando, inclusive, a torre do Direito, o Código de Hamurábi.
zigurate.
Os mesopotâmicos sobressaíram-se nas
ciências, na arquitetura e na literatura. O ANTIGO EGITO
Observando o céu, especialmente a partir de
suas torres e buscando decifrar a vontade dos
deuses, os sacerdotes desenvolveram a 01. As Condições Geográficas
astrologia e a astronomia, conseguindo atingir
um amplo conhecimento sobre fenômenos Entre as primeiras civilizações orientais
celestes, como o movimento de planetas e pertencentes ao modo de produção asiático,
estrelas e a previsão de eclipses. baseadas na servidão coletiva, a egípcia
Aprimorando os conhecimentos de sobressaiu-se como uma das mais grandiosas e
astronomia, avançaram no domínio da a mais duradoura. Marcada pelas grandes obras
matemática que também servia às hidráulicas (canais de irrigação, diques),
necessidades da vida econômica. Foram os fundamentais para a agricultura, a civilização
inventores da álgebra, desenvolvendo cálculos egípcia contava com um Estado despótico que
de divisão e multiplicação, incluindo a criação controlava a estrutura socioeconômica e
de raiz quadrada e da raiz cúbica. Também administrativa, graças às instituições
dividiram o círculo em 360 graus e criaram um burocráticas, militares, culturais e religiosas
calendário com o ano de doze meses, que controlavam e subordinavam toda a
divididos em semanas de sete dias e estes, em população.
períodos de vinte e quatro horas, cada hora Situada no nordeste da África, numa
com 60 minutos e cada minuto com 60 região predominantemente desértica, a
segundos.. civilização egípcia desenvolveu-se no fértil
Na arquitetura, os mesopotâmicos vale do Nilo, beneficiando-se do seu regime de
foram inovadores com a aplicação de arcos; na cheias. As abundantes chuvas que caem
escultura e pintura, enfatizaram a estatuária e durante certos meses na nascente do rio, ao sul
elaboração dos baixos-relevos com sentido do território egípcio (atual Sudão), provocam o
decorativo, especialmente para templos e transbordamento de suas águas. Essas cheias,
palácios. Entre seus marcos figuram os ao ocuparem as margens do rio, depositam ali o
zigurates, que são construções formadas por húmus fertilizante. Quando termina o período
diversos andares, cada um menor que o chuvoso e o rio volta ao seu leito normal, as
anterior. Entretanto, como na Mesopotâmia não margens ficam prontas para uma agricultura
tinha pedras duras, a maioria das edificações farta. Esse quadro natural levou à
era feita de tijolos, e grande parte delas não sedentarização, ao desenvolvimento da
resistiu à erosão dos séculos. agricultura e das técnicas de irrigação, por
Na literatura, constituída volta de 5 000 a.C.
principalmente de poemas e narrativas épicas,
destacam-se duas obras sumerianas, a Epopéia
de Gilgamés, a mais antiga narrativa sobre o
02. Períodos da História do Antigo
dilúvio, e O Mito da Criação.
Na primeira, Gilgamés é apresentado Egito
como rei de Uruk que busca a imortalidade,
acompanhado em suas aventuras por Enkidu. A história do Antigo Egito, a grosso
Em uma de suas passagens, o poema modo, dividiu-se em cinco períodos: Pré-
assemelha-se intensamente à posterior Dinástico, Antigo Império, Médio Império,
descrição do dilúvio no Antigo Testamento, Novo Império e Renascimento Saíta.
não deixando dúvidas de que os autores do
Gênesis ali se inspiraram.
Já o Mito da Criação, narra a origem do 02.1 Período pré-dinástico (5 000 - 3 200
mundo através do mito do Marduk, deus da a.C.)
Babilônia, que criara o céu e a terra, os astros e
o homem, para servir aos deuses. Vale destacar

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Neste período, o Egito não possuía cidade de Mênfis, atual Cairo. Durante esse
unidade política e seus habitantes ainda não período, os faraós conquistaram enormes
estavam sujeitos à autoridade de um governo poderes no campo religioso, militar e
centralizado. Não havia um Estado organizado, administrativo.
submetido ao poder de um único soberano. O Para comandar o Estado egípcio, os
Egito era habitado por povos que viviam em faraós mantinham a seu lado um grande
tribos, denominados nomos, comunidades número de funcionários. Nos postos mais altos
autônomas que desenvolviam uma agricultura ficavam os administradores locais das
rudimentar e eram chefiadas pelos nomarcas. O províncias (nomarcas), os supervisores dos
crescimento da população e o aprimoramento canais de irrigação, os planejadores das
agrícola logo possibilitaram o nascimento das grandes construções.
primeiras cidades cujos habitantes foram A maior parte da população trabalhava
aperfeiçoando as técnicas de irrigação e, na agricultura e, não raramente, era convocada
simultaneamente, uma cultura de para trabalhar nos grandes projetos
características singulares, a exemplo da escrita arquitetônicos, como as pirâmides, os templos
hieroglífica e do calendário solar. funerários, destinados ao faraó e sua família.
Para agregar esforços na construção de Depois de 2780 a.C., foram erigidas as grandes
diques e canais e irrigação, deu-se a reunião pirâmides de Gizé, túmulos dos faraós da
dos nomos, originando a formação de dois quarta dinastia egípcia: Quéops, Quéfren e
reinos, o reino do Alto Egito, localizado ao sul Miquerinos. A pirâmide de Quéops espalha-se
do Nilo, e o do Baixo Egito, ao norte, por volta por mais de 60 mil metros quadrados e contém
de 3500 a.C. Em 3200 a.C., Menés, governante mais de 6 milhões de toneladas de pedra,
do Alto Egito, impôs a unificação dos reinos, atingindo 145 metros de altura. A sua
tornando-se o primeiro faraó, subordinando 42 construção levou cerca de vinte anos de
nomos. Os nomarcas, convertidos em trabalho, sendo recrutada toda a população
representantes do poder central nessas egípcia, a um ritmo de cem mil homens em
comunidades, administravam diversas aldeias e rodízio de três em três meses.
pequenas cidades, cuidando da coleta dos Depois de longa estabilidade política e
impostos e da aplicação das determinações social, o Egito, a partir de 2300 a.C., conheceu
estabelecidas pelo faraó. um período de enfraquecimento do poder
Portanto, a constituição do Estado central e um conseqüente fortalecimento dos
egípcio, e o posterior desenvolvimento da nomarcas, ocasionando a descentralização
desigualdade social, assim como na política conhecida por período feudal egípcio.
Mesopotâmia, originou-se a partir da Foi uma época de acirradas lutas entre os
necessidade de organização do trabalho nomarcas e de inúmeras revoltas sociais, o que
coletivo. resultou em profundas crises decorrentes da
Com a unificação, iniciou-se o chamado desorganização da produção.
período dinástico da história egípcia. O faraó
adquiriu o papel de supremo mandatário,
concentrando todos os poderes em suas mãos e 02.3 O Médio Império (2 000 a. C. - 1580 a.
apropriando-se de todas as terras; a população C.)
deveria pagar tributos a ele e servi-lo.
Reforçando seu poder, o faraó encarnava Perto do século XX a.C., teve início
também o elemento religioso, passando a ser uma luta contra os nomarcas, que,
considerado um deus vivo, sendo cultuado progressivamente, acabou restabelecendo o
como tal. Daí chamarmos monarquia teocrática poder do faraó e a unidade do império. A
o regime político do Egito antigo. cidade de Tebas transformou-se na nova
capital, sendo que os novos faraós,
especialmente os da XII dinastia, abriram um
02.2 O Antigo Império (3200 a.C. - 2300 novo período de prosperidade contando com a
a.C.) vassalagem geral da sociedade, submetida pelo
poder central.
Com a unidade política criada por Durante o Médio Império, o Egito
Menés, a capital do Egito passou a ser a cidade atingiu certa estabilidade política, crescimento
de Tinis e, mais tarde, foi transferida para a econômico e florescimento artístico. Isso
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determinou o impulso de ampliação das fenícios e outros povos. Tal extensão territorial,
fronteiras que levou à conquista militar da assegurada pelas conquistas, fez do Egito o
Núbia (região fornecedora de ouro, marfim e primeiro império mundial. A força militar do
granito para as construções). faraó era formada pela infantaria, armada de
O dinamismo do período deveu-se às arcos, setas e lanças, e pela cavalaria, equipada
novas obras de irrigação, ampliando as áreas com carros. Dispunha também de uma
agrícolas e produtivas, e à construção de esquadra composta de galeras a remo e barcos
grandes tumbas e templos. Tal foi o a vela. Os povos submetidos eram obrigados a
desenvolvimento que as artes e a literatura pagar para o faraó tributos em forma de ouro,
egípcia desta época transformaram-se em escravos, alimentos, artesanato etc.
modelos áureos e fontes de interesse para as Já o faraó Amenófis IV (1337-1358
gerações posteriores. a.C.), conhecido como rei herético, procedeu
Contudo, os vários levantes uma reforma religiosa monoteísta, tentando
empreendidos pelos nobres que reivindicavam pôr fim ao culto politeísta. Tida pelo faraó
maior autonomia, acompanhados de rebeliões como uma doutrina ultrapassada e
camponesas estimuladas pela penúria popular, conservadora, a religião egípcia cultuava várias
minaram o poder central egípcio. Perto de 1800 divindades (tendo Amon-Ra, o sol, como a
a.C., agravando ainda mais o quadro geral, teve mais importante) e concedia amplos poderes
início uma onda de invasões estrangeiras, com aos sacerdotes.
hebreus e, principalmente, hicsos, Há muito que o aumento constante da
estabelecendo domínios na região. riqueza e da ingerência política dos sacerdotes
Os hicsos, povos de origem asiática, de Amon ameaçavam a autoridade do governo
usavam cavalos, carros de guerra e armas feitas central. Bem antes de Amenófis IV, já havia
de ferro, equipamentos que até então eram começado a ganhar adeptos na corte uma nova
desconhecidos no vale do Nilo. Esses recursos forma de culto solar, de influência asiática, em
permitiram aos invasores isolar os faraós em que todos se dirigiam ao próprio disco visível
Tebas e exercer completo domínio sobre a do sol. Pouco a pouco, o novo culto evoluiu de
tributação, controlando o país por quase dois uma tímida religiosidade com conotações
séculos. políticas para, no tempo de Amenófis IV,
transformar-se no foco de uma crise político-
02.4 O Novo Império (1580 a.C. - 1090 a.C.) religiosa sem precedentes. Amenófis IV buscou
mudar esse quadro, estabelecendo o culto
A dominação dos hicsos uniu os monoteísta a Aton, o círculo solar, confiscando
egípcios, despertando um forte sentimento bens dos sacerdotes e excluindo os demais
militarista entre eles, que, a partir de Tebas e deuses.
sob a liderança de Amósis I, conseguiram Os casamentos sucessivos de Amenófis
expulsar os invasores, em 1580 a. C. Após a IV não resultaram num esperado herdeiro, o
expulsão dos hicsos, os hebreus, também que favoreceu o retorno do poderio dos
invasores de origem asiática, foram dominados sacerdotes e do culto politeísta tradicional.
e escravizados. Perto de 1250 a.C., os hebreus Nem sua esposa principal, a bela Nefertiti, que
conseguiram deixar a região, sob o comando de lhe deu várias filhas, nem o casamento com
Moisés, no chamado Êxodo. Assim, a unidade algumas de suas filhas, puderam resultar num
territorial e política foi restabelecida e Tebas varão que garantisse a sucessão.
retomou a posição de capital, dando início ao Aproveitando-se dessa fragilidade, os
Novo Império, período de apogeu da sacerdotes depuseram Amenófis IV e
civilização egípcia. outorgaram a Tutankhamon, genro de
A força do Novo Império tratou de Amenófis, título de faraó, ratificando a força
ampliar as fronteiras imperiais, destacando-se do Estado egípcio.
os faraós Tutmés III e Ramsés II, bem como o O prosseguimento das conquistas
reformador religioso, Amenófis IV. militares deu-se no governo do faraó Ramsés II
Sob o governo de Tutmés III (1480 - (1292-1225 a.C.), que enfrentou e venceu
1448 a.C.), o império alcançou a sua maior vários povos asiáticos, como os hititas.
expansão territorial, estendendo-se da quarta O poderio e o esplendor alcançados no
catarata do rio Nilo, ao sul, até o rio Eufrates Novo Império eram evidenciados não apenas
na Ásia, ao norte, subjugando os sírios, os pelas conquistas militares como também pelas
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manifestações culturais, a exemplo da tornaram-se cada vez mais freqüentes e bem
construção dos templos de Karnak e Luxor, sucedidas, até que, em 525 a.C., os persas,
iniciados ainda no Médio Império e ampliados comandados pelo rei Cambises, conquistaram o
por outros faraós. Egito na batalha de Pelusa, destronando o faraó
Contudo, depois de Ramsés II, foram Psamético III.
poucos os períodos de estabilidade e unidade Transformado pelos conquistadores em
sob o comando do governo central; assim, uma província do Império Persa, o Egito foi
iniciou-se a fase de declínio da civilização vítima, posteriormente, de outras dominações,
egípcia. Entre as várias razões para essa como a dos gregos, macedônios, romanos,
decadência destacaram-se as disputas políticas árabes, turcos e ingleses, recuperando sua
que envolviam as autoridades sacerdotais, que, autonomia política somente no século XX.'
em alguns momentos, chegaram a constituir
um Estado dentro do Estado, sob o comando do 03. Economia
sumo-sacerdote, não raramente ignorando o
poder do faraó. No antigo Egito, a organização das
Outra razão era o próprio exército, que, atividades produtivas era uma atribuição do
formado em grande parte por mercenários Estado, detentor da maioria das terras férteis.
estrangeiros, acabou dispersado por interesses Mas, além da agricultura, o Estado egípcio
estranhos a uma obediência hierárquica, também dirigia muitas outras atividades
determinando a quebra do poder estatal. econômicas. Por intermédio de seus
Desprotegido militarmente, o Egito foi funcionários, administrava as pedreiras, as
perdendo pouco a pouco suas antigas minas, a construção de obras públicas.
conquistas e seus domínios orientais. Cabia à população camponesa,
subjugada ao poder do faraó, pagar impostos
02.5 Renascimento Saíta sob a forma de produtos ou trabalho,
constituindo o que se denomina servidão
Após 1100 a.C., o Egito voltou a se coletiva. Dessa forma, o Estado apropriava-se
dividir, passando a ter governantes autônomos dos excedentes da produção, utilizando mão-
e rivais no Alto e no Baixo Egito, fragilizando- de-obra gratuita para construir depósitos de
se e facilitando o avanço de conquistadores armazenagem e uma ampla burocracia estatal
vizinhos. Dentre estes, destacaram-se os para cobrar impostos. Mesmo as poucas
assírios, que, em 662 a.C., sob o comando de propriedades privadas que existiram no Egito
Assurbanipal, conquistaram a região. Os Antigo também sofriam controle do Estado.
egípcios porém, resistiram à dominação assíria Na época das cheias do Nilo, quando a
e o faraó Psamético I (655 a.C.-610 a.C.) atividade agrícola era suspensa, os
obteve a libertação da nação, iniciando um trabalhadores eram geralmente requisitados
intenso florescimento econômico e cultural. pelo Estado para trabalhar nas obras de
No período denominado renascimento construção de diques, canais de irrigação,
saíta, pois Sais havia se transformado na nova templos, palácios etc.
capital, o Egito recuperou alguns territórios e Na produção agrícola destacavam-se,
uma forte unidade. Foi nessa fase, como entre outros itens, o trigo (usado para fazer
descreve o historiador grego Heródoto, que o pão), a cevada (usada para fabricar cerveja), o
faraó Necao intensificou o comércio com a algodão, o papiro (usado para fazer um
Ásia e financiou o navegador fenício Hamon material sobre o qual se escrevia), o linho
numa viagem que contornou toda a costa (usado na confecção de tecidos). Os egípcios
africana. O navegador partiu do mar Vermelho, criavam animais como: bois, asnos cabras,
desceu pelo oceano Índico, cruzou o sul da carneiros, porcos e aves, além da intensa pesca
África, voltando a dirigir-se ao norte já no no rio Nilo. Também foram desenvolvidas
oceano Atlântico e, depois de três anos, estava várias atividades artesanais, bem como a
de volta ao Egito pelo mar Mediterrâneo. produção de tecidos e vidros e a construção de
Depois de Necao, as disputas políticas navios.
envolvendo burocratas, sacerdotes e militares O Egito também importava e exportava
ganharam intensidade e descontrole, e somadas diversos produtos. Esse comércio era
às rebeliões camponesas, enfraqueceram controlado pelo Estado, que enviava
definitivamente o império. As invasões expedições para a Palestina, Creta, Fenícia etc.
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Os principais produtos exportados pelos dos camponeses era conseguida graças à
egípcios eram o trigo, o tecido de linho, as repressão e às características da cultura egípcia,
cerâmicas. Entre os importados estavam o na qual a religião, amplamente difundida,
marfim, os perfumes, as peles de animais etc. promovia a preservação da ordem existente.

04. Sociedade 05. Política

A partir dessa base econômica, a A sociedade e a economia eram


sociedade egípcia estruturava-se da seguinte dirigidas por um governo teocrático, baseado
forma: acima de todos achava-se o faraó. Ele na união entre a Igreja e o Estado. A teocracia
concentrava poderes administrativos, militares era um regime no qual a religião e a política
e religiosos. Considerado um deus vivo, sua estavam interligadas e se influenciavam
autoridade era absoluta. Só alguns altos reciprocamente. O poder religioso fornecia as
dirigentes e chefes de província questionavam bases ideológicas que explicavam e
algumas ordens do faraó. a maioria da justificavam o poder político. O faraó era, a
sociedade, no entanto, obedecia-lhe sempre, um só tempo, deus e rei: encarnação de Hórus e
pois o consideravam um ser divino. Rá e expressão do poder e do Estado.
Logo abaixo do faraó e de sua ampla Considerado o "senhor de todos os homens e
família vinha a elite dirigente, isto é, o grupo dono de todas as terras", o faraó exercia as
de pessoas que dominava o resto da sociedade funções de comandante-em-chefe, supremo
egípcia. A elite dirigente era composta de: juiz e grão-sacerdote.
aristocracia privilegiada constituída por
sacerdotes, funcionários do Estado 06. Religião
(burocratas e militares) e nobres,
descendentes das grandes famílias dirigentes A religião influenciou poderosamente
dos nomos. Entre os burocratas destacavam-se os diversos setores da vida política, social e
os escribas, funcionários responsáveis pela cultural do Egito. Dava-se mais atenção aos
contabilidade, cobrança dos impostos, deuses e aos mortos que aos vivos. Isso pode
supervisão da organização administrativa, ser observado, por exemplo nas construções
organização das leis etc. Todo escriba sabia ler, egípcias. Quando construíam templos e
escrever e contar. túmulos, como as grandiosas pirâmides,
Na base da sociedade egípcia, estava a aplicavam um esforço imenso para trazer de
maioria da população, que pertencia ao grupo lugares distantes pedras duras e valiosos
dominado, formado por: metais. Eles, no entanto, moravam em casas de
- artesãos: trabalhadores das cidades, tijolo cru (adobe), decorados de forma
como barbeiros, ferreiros, carpinteiros, modesta. Os templos e os túmulos eram tão
barqueiros, tecelões, ourives, ceramistas. sólidos que duraram vários séculos. Mas quase
Muitos deles trabalhavam na construção dos todas as suas cidades desapareceram sem
templos e pirâmides e levavam uma vida de deixar vestígios, a não ser cacos de cerâmica.
pobreza. A religião politeísta era constituída por
- felás: a maioria da população. uma centena de deuses, alguns em forma de
Trabalhavam no campo (os camponeses), na animais, como vacas, touros, crocodilos,
construção de obras públicas, no transporte etc. serpentes, gatos etc. A diversidade de
Viviam na miséria. divindades remontava às origens das aldeias e
- escravos: os estrangeiros capturados dos nomos do período pré-dinástico, com seus
em guerra e escravizados. Trabalhavam nos cultos locais, depois agrupados e remodelados
serviços mais pesados, como as pedreiras do numa religião nacional. De todas as divindades
Estado. Viviam em condições precárias, mas egípcias, sobressaía-se Amon-Ra (sol),
tinham alguns direitos civis. Podiam ter bens especialmente fortalecido no Novo Império,
pessoais, casar com pessoas livres, testemunhar após a tentativa frustrada de reforma religiosa
em tribunais, entre outras coisas. de Amenófis IV. Outras divindades
A sociedade de castas do Egito Antigo importantes eram Osíris, Ísis, Set, Hórus,
era imobilista e hierarquizada: as profissões, Anúbis e Ápis. Haviam cerimônias
cargos, ofícios e funções eram geralmente patrocinadas pelo Estado (culto oficial) e em
transmitidos por hereditariedade. A sujeição
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cerimônias praticadas espontaneamente pelo solar composto de doze meses, cada um com
povo (culto popular). trinta dias. E, para o desenvolvimento da
Da mesma forma como as cheias engenharia e da arquitetura, além das obras
sucediam às vazantes, o dia à noite, os egípcios hidráulicas, como diques e canais, a construção
acreditavam que o mesmo acontecia com a de templos e pirâmides foi de fundamental
vida, a qual sucedia à morte. Às vezes, importância.
imaginavam o morto voltando à vida na própria Quase sempre voltada para os deuses,
tumba, considerada como uma "casa de para o faraó e para a corte, a pintura egípcia
eternidade", de onde só poderia escapar distinguia-se pela ausência de perspectiva e a
temporariamente assumindo a forma de escultura, muitas vezes monumental, pela
pássaro. Outras vezes, depois de renascido, o rigidez. Na literatura, cultivava-se a poesia, a
indivíduo navegava na barca solar ou então filosofia e a medicina, destacando-se o "Hino
passava pelo julgamento do deus Osíris, depois ao Sol", feito por Amenófis IV, e o Livro dos
do qual, se não fosse condenado por seus Mortos.
feitos, iria viver num outro mundo melhor. O Egito antigo desenvolveu três tipos
Para que o corpo pudesse voltar a de escrita: a sagrada, chamada escrita
abrigar a alma, desenvolveu-se o culto aos hieroglífica, inventada no período pré-
mortos e a técnica de mumificação de dinástico, e que possuía mais de seiscentos
cadáveres, um conhecimento controlado pelos sinais; a hierática, mais usada para documentos
sacerdotes. Depois de mumificados, os corpos e era uma forma mais simples e derivada da
eram guardados nos sarcófagos. Acreditando anterior; e a demótica, a popular, nascida bem
em sua ressurreição, deixavam junto com as mais tarde e é uma simplificação da hierática
múmias diversos objetos, como alimentos, com cerca de 350 sinais. Os hieróglifos são
roupas, jóias e um exemplar do Livro dos ideogramas e pictogramas, sinais que
Mortos (coleção de textos religiosos para representam idéias e objetos concretos. Aos
serem recitados quando a alma comparecesse poucos, os hieróglifos foram adquirindo
ao Tribunal de Osíris). No início, a também um sentido convencional para
mumificação era uma exclusividade do faraó, representar conceitos abstratos.
progressivamente estendida a todos aqueles A decifração destas escritas coube ao
que pudessem pagar as elevadas despesas da francês Champollion, que utilizou uma pedra
mumificação. encontrada na região de Roseta por um soldado
de Napoleão Bonaparte, em 1799. Com seus
07. Ciências e Artes trabalhos iniciou-se a egiptologia, produzindo
conhecimentos cada vez mais aprofundados do
A técnica da mumificação foi tão Egito Antigo.
desenvolvida no Egito que permitiu apurado
conhecimento da anatomia humana, A CIVLIZAÇÃO FENÍCIA
favorecendo o desenvolvimento da medicina e
o surgimento de especialistas de várias áreas, 01. Introdução
como para doenças do estômago, do coração ou
fraturas. não eram raras, no Egito antigo, as A Fenícia corresponde à região
bem-sucedidas intervenções cirúrgicas litorânea da Síria, no norte da Palestina,
cranianas. O ensino, especialmente o mais restringindo-se à faixa estreita cercada por
aprofundado, aquele que assemelharia ao curso montanhas, os montes Líbano e Carmelo, e
superior na atualidade, visava manter as classes pelo rio Orontes. Dada a pobreza do solo e a
dirigentes da sociedade, com seus inexistência das facilidades agrícolas
profissionais, sábios e eruditos. observadas em outras áreas do Oriente Médio,
A medicina, a arquitetura e a os fenícios desenvolveram muito pouco a
engenharia foram utilizadas e estimuladas atividade agrária, apesar de serem favorecidos
pelo poder central - tanto pelo faraó, quanto pela produção agrícola de seus domínios
pelos sacerdotes. Também foram incorporadas coloniais.
as demais áreas refinadas do saber, cujos O território fenício foi ocupado em data
técnicos e artistas atuavam como verdadeiros anterior a 3000 a.C. por tribos semitas, as
funcionários do Estado. Do desenvolvimento quais, a princípio, dedicaram-se principalmente
da astronomia egípcia nasceu um calendário
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à pesca, à extração do cedro na abundante Das expedições fenícias mais ousadas e
floresta do interior, além de reduzida longas, são sempre lembradas aquelas que
agricultura das videiras e oliveiras. Foram, atravessaram o estreito de Gibraltar (indicado
desde logo, atraídas pela atividade marítima e na Antiguidade como o local das colunas de
artesanal, acabando por desenvolver uma Hércules), dirigindo-se para as ilhas britânicas
intensa atividade comercial entre o Oriente e o ou seguindo a costa atlântica africana até
Ocidente, sendo considerados os maiores alcançar o oceano Índico e o mar Vermelho.
mercadores e navegantes da Antiguidade Hábeis na navegação, tinham adquirido
oriental. conhecimentos astronômicos dos babilônios e
usavam as estrelas, especialmente a estrela
02. As Cidades-Estados Polar, para a orientação nas viagens à noite.
Ficaram muito conhecidos também na
Os fenícios não construíram um império engenharia e na produção de jóias. Entre as
como seus contemporâneos egípcios e obras de engenharia, destacam-se a famosa
mesopotâmicos e sim desenvolveram cidades canalização de água para abastecer a população
autônomas e independentes controladas por de cidades, como Tiro, e a construção do
uma elite mercantil (talassocracia), liderada templo de Jerusalém, na época de Salomão;
pelo rei, ou por um corpo de anciãos ilustres, além disso, muitos dos principais artífices e
os sufetas. A alta cúpula social era composta de técnicos especializados eram fenícios. Os
mercadores, de proprietários de navios (os produtos comercializados pelos fenícios iam
armadores) e dos sacerdotes que controlavam desde os nacionais, como navios, tecidos,
os grandes templos. madeiras, azeite, jóias, vidro (transparente ou
As cidades-estados fenícias, colorido), até os mais diversos artigos que
monárquicas ou republicanas, criaram uma conseguiam com outros povos, como os
situação invejável, a ponto de merecerem dos escravos. Ficaram famosos os tecidos tingidos
gregos o rótulo de depositárias de toda a na Fenícia com um molusco, o múrice, de cor
civilização oriental. Os fenícios ficaram viva, conhecidos como a "púrpura de Tiro",
conhecidos também como os melhores usados especialmente pelas altas camadas
navegadores de sua época. Apesar de algum sociais dos grandes impérios a Antiguidade. O
exagero na afirmação, inegavelmente, a ampla próprio nome fenício deriva da palavra grega
atividade comercial desenvolvida pelos phoinix, que significa "púrpura".
fenícios permitiu-lhes o contato com as mais A história fenícia caracterizou-se pela
brilhantes e refinadas civilizações da alternância da hegemonia política das
Antiguidade, o que lhes garantiu, ora o principais cidades-estados - Biblos, Ugarit,
aprimoramento dos seus costumes e valores, Sidon e Tiro. A mais antiga predominância
ora o impulso e a disseminação de suas coube a Biblos e Ugarit, seguidas por Sidon,
próprias realizações. Por este aspecto, são isto antes do século XIII a.C., sendo que
exemplos o vidro desenvolvido no Egito, a Biblos, situada um pouco ao norte da atual
literatura mesopotâmica e a simplificação da Beirute, destacou-se no comércio com o Egito,
escrita, base da atual escrita ocidental, cujas e Ugarit com a Mesopotâmia e Ásia Menor. O
raízes eram anteriores às grandes cidades- final da hegemonia de Biblos e Ugarit deveu-se
estados fenícias. à dominação egípcia e invasões hititas e dos
Os fenícios instalaram feitorias e povos do mar Egeu, os chamados "povos do
colônias em diversas regiões para dar mar".
sustentação às atividades mercantis, A época de maior desenvolvimento de
especialmente nas ilhas do mar Egeu, na Ásia Sidon, que estabelecera amplo comércio no
Menor, na Sicília, na Sardenha, na costa Mediterrâneo oriental, terminou frente ao
mediterrânica, inclusive no norte da África e na expansionismo assírio. A seguir, deu-se o
Espanha. Ganharam enorme importância período de supremacia de Tiro, cujo apogeu
Palermo, na Sicília, Cádis e Málaga na situa-se entre os séculos X e IX a.C.,
Espanha, e especialmente Cartago, no golfo e submetendo-se mais tarde aos domínios
Túnis (norte da África). Além das feitorias e babilônico, persa e grego, em meio a
colônias, os fenícios chegaram a criar pontos sucessivos reerguimentos.
comerciais em várias cidades importantes da Com os persas, a Fenícia transformou-
Antiguidade. se em uma província de seu império e, com
12
Alexandre Magno da Macedônia, Tiro acabou CIVILIZAÇÃO MEDO-PERSA
sendo subjugada completamente no século IV
a.C. Finalmente, ao domínio macedônico sobre
01. Histórico
a Fenícia sucedeu-se o romano.
No período da hegemonia de Tiro, o
comércio fenício, que até então se restringia à Em torno de 6000 a.C., tribos
parte oriental, estendeu-se para o Ocidente. originárias da Ásia Central, pertencentes a um
Como conseqüência, a Fenícia fundou diversas grupo lingüístico comum chamado indo-
colônias e feitorias, assumindo o controle europeu ou ariano, ocuparam a região do atual
comercial sobre o Mediterrâneo. Nessa época planalto do Irã. Sua população ampliou-se
os fenícios fundaram a sua mais importante consideravelmente graças a novas e seguidas
colônia ocidental, Cartago, que, depois da vagas migratórias indo-européias,
decadência fenícia frente às invasões intensificadas principalmente por volta de 2000
estrangeiras, se transformou num grande a.C.
império marítimo, rivalizando com a crescente Situada a leste da Mesopotâmia, esta
expansão romana do século III a.C. área caracterizava-se pela baixa fertilidade do
solo com quase um terço de seu território
03. Economia, Sociedade e Cultura Fenícias. formado por desertos ou montanhas. A
agricultura só era possível, na maior parte da
A economia comercial fenícia era região, com a utilização de técnicas de
controlada pelos ricos mercadores e donos de irrigação artificial.
embarcações, a talassocracia, controladora das Com capital em Ecbátana,
cidades-estados e da massa popular, constituída primeiramente ergueu-se o Reino da Média,
por trabalhadores livres e escravos. que chegou a ter algum controle sobre o Reino
Os fenícios acreditavam em várias da Pérsia, destacando-se entre seus primeiros
divindades, identificadas com as forças da soberanos Dejoces e Fraortes. Estes foram
natureza, especialmente as que serviam de responsáveis pela edificação de um poderoso
orientação aos navegadores e as que garantiam Estado despótico regional que, com o
a fecundidade da terra. Em cada cidade-estado, governante seguinte, Ciáxares, a Média aliou-
cultuava-se uma divindade principal, além de se à Babilônia na destruição de Nínive e
outras comuns a todos os fenícios e, também, anexou o Império Assírio.
divindades estrangeiras. Em seus cultos Em meio às disputas e alianças com os
religiosos, não raramente, realizavam vizinhos persas, o sucessor de Ciáxares acabou
sacrifícios humanos. Os templos fenícios, destronado por Ciro I, da Pérsia, completando a
como era comum durante a Antiguidade fusão ao novo Reino da Pérsia ou Aquemênida.
oriental, controlavam vastas propriedades e Com Ciro I (559 a 529 a.C.), iniciou-se a
domínios e os sacerdotes formavam uma elite dinastia Aquemênida, nome advindo de um
associada à cúpula governamental da cidade. ancestral do unificador tido como primeiro rei
A agricultura e especialmente o dos persas, e um expansionismo territorial que
progresso da navegação permitiu o levaria a civilização medo-persa a construir um
desenvolvimento da astronomia e da enorme Império.
matemática, ligadas ao cálculo do movimento Ciro I conquistou a Lídia e colônias
dos astros. A matemática ainda serviu às gregas da Ásia Menor e, a seguir, em 539 a.C.,
atividades comerciais, base do a Babilônia, libertando os judeus do cativeiro,
desenvolvimento econômico fenício. Contudo, permitindo seu regresso à Palestina.
foi a elaboração de um sistema de escrita Progressivamente, a Fenícia, a Palestina e a
simples e prático, fundamentado num alfabeto Síria também se submeteram ao domínio persa,
de 22 letras, que constituiu o seu maior legado cujo império se estendeu da Ásia Menor e costa
para as civilizações posteriores. Adotado e mediterrânica, no ocidente, à Índia, no oriente.
aprimorado por gregos e romanos, este alfabeto O domínio de diferentes povos numa
é a matriz de nossa escrita atual. única administração era conseguido com uma
política que respeitava as diferenças culturais e
religiosas. Diferentemente de impérios
anteriores conciliava interesses, permitindo
uma autonomia política que disfarçava a

13
sujeição econômica. Foi a hábil do domínio autorização de Dario, continuava a existir o uso
persa com elites locais dos povos integrados ao local das tradicionais moedas de cobre e prata,
seu império que, justamente, originou o apelido cunhadas pelos sátrapas, porém, sem a
o grande, dado ao imperador Ciro. Este, ao que importância da moeda imperial.
parece, morreu em 529 a.C. A garantia do enorme império estava no
O sucessor de Ciro, o filho de Cambises exército formado por soldados das satrapias e
I (529-522 a.C.), continuou o expansionismo, comandados pelos medos-persas, cujo poderio
empreendendo uma expedição persa sobre o levou Dario I à tentativa de dominação
Egito, conquistando-o na batalha de Pelusa, em completa das colônias gregas da Ásia Menor,
525 a.C. originando um dos maiores conflitos militares
No Egito, o último faraó Psamético III do mundo antigo: as Guerras Médicas.
foi prisioneiro e Cambises, reconhecido como Este confronto entre Oriente e Ocidente
rei sucessor, desenvolveu uma política sem a levou várias cidades gregas a uma união militar
tolerância típica da administração de seu pai. na luta pela autonomia e defesa de seu
Com Cambises, impôs-se uma crescente território, culminando nos insucessos militares
centralização, um despotismo político, tão de Dario I e de seu sucessor, o filho Xerxes I.
comum aos reinos da Antiguidade oriental. O resultado final foi a vitória grega que marcou
Ao morrer, sem deixar um filho o início da completa decadência do império, de
herdeiro, com apenas sete anos de reinado, forma rápida e incontrolável. Em grande parte,
Cambises foi sucedido por outro membro de a heterogeneidade do exército medo-persa
sua família, apoiado pela cúpula política favoreceu as seguidas derrotas para os gregos.
constituída pelo Conselho Real, o conjunto de No governo de Xerxes I (481-465 a.C.)
líderes que representavam as tribos que, unidas, e, mais intensamente, no de seus sucessores, as
tinham dado origem ao Império Persa. Este revoltas das populações subjugadas acabaram
herdeiro era Dario I (512-484 a.C.), soberano completando o enfraquecimento e a
persa que levaria o império ao seu apogeu e desintegração do império, o que permitiu a
que foi considerado um administrador completa conquista macedônica de Alexandre
exemplar. Magno, em 330 a.C., pondo fim à dinastia
Dario I reforçou a diplomacia de Aquemênida.
respeito às tradições nacionais e religiões
locais, além de estabelecer uma organização 02. Economia, Sociedade e Cultura
administrativa que dividiu o Império Persa em Medo-Persas
vinte províncias, chamadas satrapias, as quais
eram regidas por um sátrapa (governador) e
Com uma economia baseada na
obrigadas a pagar um imposto ao império de
agricultura e ampla atividade comercial, a
acordo com as posses e riquezas da província.
população dominada pelo Império Persa estava
Ao mesmo tempo, fixou tropas em cada
submetida ao pagamento de pesados tributos e
satrapia cujo comando cabia exclusivamente ao
prestação de serviços públicos, seja nas
imperador, buscando evitar demasiada
grandes obras urbanas e construção de estradas,
concentração de poder nas mãos dos sátrapas.
seja no exército, constituindo a servidão
Para maior controle das províncias, Dario I
coletiva, típica do Oriente antigo. Boa parte da
criou um eficiente sistema de correio e uma
atividade comercial, que contava com uma rede
ampla rede de estradas que ligavam as cidades-
de estradas e garantias imperiais, era realizada
sedes de governo (Susa, Pasárgada e
pelos babilônicos, fenícios e judeus, enquanto a
Persépolis) às províncias. Além disso, o
atividade agrícola, pelo restante da população
imperador enviava anualmente os inspetores
subjugada.
especiais, chamados de "olhos e ouvidos do
A burocracia, especialmente os
rei", para ouvir as reclamações de governados e
sátrapas, os fiscais e os comandantes militares,
governantes.
colocava-se junto ao imperador e aos
Aprimorando a administração, Dario
sacerdotes, os chamados magos, formando a
viabilizou os sistemas de impostos e estimulou
elite privilegiada do império Medo-Persa. Era
o intercâmbio comercial com a criação da
essa elite que controlava as terras e as cidades,
moeda de ouro, o dárico, transformada na
a cobrança de tributos, a força e as crenças que
primeira unidade monetária internacional
confiável e aceita no mundo antigo. Sob a
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mantinham o funcionamento da ordem política pelo rio Jordão, cujo vale constituía a área mais
e econômica. fértil e favorável à prática agrícola e à
As artes apresentaram grande sedentarização de sua população. O restante da
desenvolvimento: a escultura tinha uma função Palestina, ao contrário, era formado por colinas
decorativa, sobressaindo-se os baixos relevos; a e montanhas, de solo pobre e seco, e ocupado
arquitetura monumental destacou-se com a por grupos nômades dedicados ao pastoreio.
construção de palácios reais, como os de Susa e As tribos hebraicas chegaram à
Persépolis, contando com forte influência dos Palestina antes de 2000 a.C., conhecida há
povos dominados, a exemplo dos egípcios e muito como terra de Canaã devido aos seus
mesopotâmicos. Na época de Dario, ficaram primeiros habitantes, os cananeus. Tanto estes
famosos os pairidaeze, jardins murados e como os hebreus eram de origem semita,
protegidos dos fortes ventos e da areia do denominação moderna de Sem, mencionado no
deserto,que, frente à beleza e contraste com o Antigo Testamento como o filho primogênito
restante da paisagem, serviu de matriz para o de Noé, e tido como o remoto antepassado dos
significado da palavra paraíso. hebreus (hebreu também significa "povo do
Na religião persa havia duas divindades, outro lado").
o Ahura-Mazda (ou Ormuz-Mazda, em grego), A principal fonte da história hebraica é
o deus do bem, da luz, do reino espiritual, e a Bíblia, pois em sua primeira parte, o Antigo
Arimã, o deus do mal e das trevas. Estas duas Testamento, são apresentados não apenas
divindades, segundo as crenças, confrontavam- elementos morais e jurídicos dos hebreus,
se freqüentemente e ao homem cabia a missão como também seus valores religiosos e
de adorar o seu criador, o Ahura-Mazda, para narrativas históricas, muitas delas confirmadas
evitar o triunfo das trevas. Viam no imperador pelas pesquisas arqueológicas. Esta simbiose
o representante maior do deus do bem, de entre seu desenvolvimento histórico e religioso
quem recebera o poder e o comando na luta explica por que seus principais personagens e
incessante contra o mal. feitos estão sempre envoltos pelo sagrado e
O culto religioso e as práticas rituais sobrenatural.
não requeriam templos e eram comandadas
pelos magos (sacerdotes) que, vestidos de 02. A Era dos Patriarcas
branco, lideravam os hinos e a manutenção do
fogo sagrado que representava o Ahura-Mazda. As tribos semitas, no início da história
Admitiam que existia vida após a morte e hebraica, distribuíam-se entre a Siria oriental e
acreditavam no paraíso para os justos, e no a Mesopotâmia, empreendendo inúmeras
purgatório e no inferno para os guerras pela conquista territorial e para
pecadores.Esperavam pela vinda de um obtenção de escravos e mulheres. Quando um
Messias que um dia salvaria os homens justos, desses grupos semitas, os hebreus, chegou à
livrando-os dos sofrimentos. Os fundamentos Palestina, teve início a disputa pelo domínio da
dessa religião estavam no Avesta (Zend- região, originando prolongados conflitos contra
Avesta), escrito pelo legendário Zoroastro (ou os cananeus e os filisteus, dos quais os hebreus
Zaratustra). A denominação zoroastrismo dada saíram vitoriosos.
à religião persa decorre desse nome, sendo Os hebreus, estabelecidos na Palestina,
também comum o nome masdeísmo, advindo organizaram-se em grupos familiares
do deus Mazda. O masdeísmo influenciou o patriarcais, seminômades, iniciando o
judaísmo e o cristianismo. desenvolvimento das atividades agrícolas e
pastoris. O primeiro grande líder hebreu,b
segundo o Antigo Testamento, foi Abraão,
CIVILIZAÇÃO HEBRAICA mesopotâmico originário da cidade de Ur, na
Caldéia, considerado o primeiro patriarca
hebreu. Dirigindo-se à Palestina, Abraão
01. Introdução
anunciava uma nova cultura religiosa,
monoteísta, que mais tarde cimentaria a
A civilização hebraica desenvolveu-se unidade dos hebreus; estes acreditavam que
na antiga Palestina, correspondendo a uma Abraão recebera de Jeová (Iavé, deus dos
região cercada pela Síria, pela Fenícia e pelos hebreus), a promessa de uma terra para ele e
desertos da Arábia. Seu território era cortado

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seus descendentes, onde haveria de correr "leite comum, destacaram-se Gideão, Sansão, Gefté e
e mel". Samuel.
Na narração bíblica, depois de Abraão, Samuel buscou pôr fim às divergências
as tribos hebraicas foram lideradas pelos tribais, visando à unidade política entre as doze
patriarcas Isaac e Jacó (ou Israel), sendo que tribos, o que só se concretizou com o seu
este último deixou doze descendentes que sucessor.
deram origem às doze tribos de Israel. A
seguir, devido aos diversos conflitos contra 04. A Era dos Reis
vizinhos e às dificuldades econômicas, muitos
hebreus acabaram abandonando a Palestina, Dada a séria ameaça de os hebreus
dirigindo-se para o Egito, onde permaneceram caírem sob o jugo filisteu, as tribos hebraicas
por mais de quatrocentos anos. Ao que parece, instituíram a monarquia sob o comando de
o faraó franqueava às tribos hebraicas as Saul, da tribo de Benjamim. Entretanto, o
regiões próximas ao delta do Nilo, ricas para as primeiro rei não teve sucesso no enfrentamento
pastagens, buscando obter produção agrícola e contra os inimigos e, vencido, suicidou-se.
criar uma barreira defensiva contra as No século XI a.C., o sucessor de Saul,
agressivas tribos beduínas próximas. Davi, conseguiu reverter o quadro militar,
Os hebreus viveram por muito tempo vencendo definitivamente os inimigos e, assim,
associados ao Estado egípcio até que, frente a inaugurando a fase mais brilhante e poderosa
uma política xenófoba dos faraós, acabaram da história hebraica. O Estado israelita, forte e
sendo escravizados. a resistência hebraica à estável, foi dotado de um exército permanente
escravidão encontrou força na identidade e de uma organização burocrática, tendo a
religiosa monoteísta. Para poderem se libertar cidade de Jerusalém como capital. Davi ainda
da opressão egípcia, os hebreus empreenderam expandiu as fronteiras do reino, conquistando
o Êxodo, liderados por Moisés, e, após as terras a leste do rio Jordão e parte da Síria.
perambularem durante quarenta anos pelo Durante o governo de Salomão (século
deserto, retornaram à Palestina. Durante a X a.C.), o Reino Hebraico conheceu o apogeu,
permanência no deserto, conforme com a transformando-se numa das grandes
Bíblia, Moisés recebeu de Deus, no monte monarquias orientais, ampliando suas
Sinai, os Dez Mandamentos, conjunto de atividades comerciais e empreendendo a
determinações para a vida que os hebreus construção de diversas obras públicas, como o
deveriam seguir. Dessa forma, Moisés Templo de Jerusalém, dedicado a Jeová. Esta
avançava na unidade e coesão do povo época foi de singular opulência e
israelita, acrescentando à sua chefia religiosa, grandiosidade, cujos exageros envolveram
política e militar, a autoridade jurídica. Com desde a economia e cultura até o cotidiano
Josué, sucessor de Moisés, os hebreus familiar. Um exemplo vem do próprio Salomão
conseguiram alcançar a Palestina, reativando as que, segundo a Bíblia, desposou setecentas
antigas disputas territoriais da região. princesas e ainda possui trezentas concubinas.
Dada a excepcional localização do seu
reino e a aliança com os fenícios que
03. A Era dos Juízes dominavam o comércio marítimo, Salomão
pôde controlar as grandes rotas terrestres do
Com Josué, os hebreus conquistaram a comércio oriental. Contava também com a
cidade de Jericó, na Palestina, e, dada a debilidade momentânea da Mesopotâmia e do
organização em tribos politicamente Egito, incapazes de cercear o seu
independentes, mas não completamente coesas, desenvolvimento econômico.
apesar da identidade religiosa, lingüística e de Contudo, a cobrança de pesados
costumes, seguiu-se uma grande dificuldade impostos e o trabalho dos camponeses nas
para a conquista da restante do território grandes obras públicas semearam o
palestino. Mesmo assim, para enfrentar os descontentamento que, com a morte de
guerreiros que ocupavam o litoral, nomearam Salomão, agravou e ativou a disputa entre as
os juízes, líderes militares indicados pelas tribos pela sucessão do monarca. O herdeiro e
tribos. Entre esses chefes temporários, sucessor de Salomão, Roboão, não conseguiu
escolhidos para fazer frente a uma dificuldade manter a unidade do reino hebraico: as dez
tribos do Norte, lideradas por Jeroboão,
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separaram-se e fundaram o Reino de Israel, a Mesopotâmia ao Egito, os hebreus passaram
estabelecendo sua capital em Samaria. Apenas a desenvolver um grande comércio regional.
as duas tribos do Sul continuaram fiéis a Na sociedade hebraica, os camponeses,
Roboão e constituíram o Reino de Judá, com pastores e escravos formavam a maior parte da
capital em Jerusalém. Esta divisão, ocorrida em população e, como era comum na antiguidade
926 a.C., corresponde ao Cisma Hebraico que Oriental, estavam submetidos a vários tributos
fragilizou o povo hebreu diante de outros pagos em impostos e em trabalho, incluindo-se
povos expansionistas. o serviço militar. Acima dessa base social,
As divergências entre os hebreus, achavam-se burocratas e comerciantes, e no
seguidas de intrigas palacianas, rebeliões topo da hierarquia, formando a elite mais
militares e assassinatos, facilitaram a poderosa e privilegiada, estavam os
decadência e a conquista estrangeira. No século proprietários de terras, os sacerdotes (rabinos),
VIII a.C., Sargão II, rei dos assírios, conquistou a cúpula administrativa e a família real.
Israel. O Reino de Judá só conseguiu escapar Como vimos, a civilização hebraica
do mesmo destino devido a sua localização sofreu enorme influência da cultura
geográfica. Entretanto, a independência de mesopotâmica a exemplo das passagens do
Judá durou apenas algum tempo, pois, no Antigo Testamento já enunciadas no Mito da
século VI a.C., Nabucodonosor, imperador da Criação e na Epopéia de Gilgamés.
Mesopotâmia, tomou e saqueou Jerusalém, Como já foi destacado, a unidade
levando os sobreviventes como cativos para a nacional, cultural e política dos hebreus
Babilônia. dependeu da identidade religiosa judaica, a
Quando em 539 a.C., Ciro I da Pérsia qual admitia um só deus (monoteísmo) e o
conquistou a Babilônia, os hebreus foram messianismo, isto é, a vinda de um messias
libertados e retornaram à Palestina, libertador na luta contra as dominações
reconstruindo o Estado hebraico na região de estrangeiras, além da concepção de "povo
Judá, porém subordinado ao Império Persa. eleito". Foi este monoteísmo hebraico a matriz
Mais tarde, a Palestina foi conquistada para outras religiões posteriores como a cristã e
pelos greco-macedônicos e pelos romanos, que a muçulmana. Suas festas religiosas resgatam a
submeteram os hebreus a enormes tributos e tradição histórico-religiosa, como a Páscoa,
violenta opressão, dando origem a diversas relembrando a saída dos hebreus do Egito, e o
revoltas na região, e promovendo a migração Pentecostes, o recebimento do Decálogo por
dos judeus para outras regiões. Em 70 d.C., Moisés. Os hebreus santificavam o Sabat
durante o governo do imperador Tito, a cidade (sábado), considerado o sétimo dia da criação
de Jerusalém foi destruída e os hebreus do mundo.
completaram sua dispersão, abandonando a Os princípios que regem a religião
Palestina. Esta saída dos hebreus da Palestina é judaica estão tanto nos livros escritos pelos
chamada de Diáspora. sacerdotes, o Talmude, como no Antigo
Testamento. Esta parte da Bíblia é composta
05. Economia, Sociedade e Cultura pelo Pentateuco, Livros Históricos, Livros
Hebraicas Proféticos e Livros Didáticos e representa a
maior realização literária dos hebreus.
No Pentateuco, estão os primeiros cinco
Antes da unificação hebraica, a
livros atribuídos a Moisés: o Gênesis sobre a
economia foi preponderantemente pastoril e
origem do povo hebreu; o Êxodo, narrando a
agrária. Às margens do rio Jordão, cultivavam-
libertação do Egito; o Levítico, descrição dos
se coletivamente cereais, videiras, figueiras e
rituais judaicos; o Livro dos Números, uma
oliveiras e o resultado era revertido para a
espécie de censo da população hebraica; e o
tribo. A partir do governo de Saul, com a
Deuteronômio, que conta a história de Israel.
centralização política, a terra converteu-se em
Nos Livros Históricos, é descrita a
propriedade privada, concentrada nas mãos de
história dos hebreus na Palestina desde Josué
uma aristocracia ligada ao Estado.
até a conquista e dominação persa. Entre eles
No governo de Salomão, graças à
estão o Livro de Josué, o Livro dos Juízes, o
situação geográfica privilegiada da Palestina,
Livro de Samuel e o Livro dos Macabeus. Os
localizada na confluência de rotas que ligavam
Livros Proféticos narram a vitória do
monoteísmo sobre o paganismo e superstições
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dos povos vizinhos. Entre eles estão o Livro de contatos marítimos com o Egito, a Grécia e a
Isaías, o Livro de Amós, o Livro de Ezequiel e Ásia Menor, regiões com as quais desenvolveu
o Livro de Daniel. Já os Livros Didáticos intenso comércio. Seu território era formado
visam ensinar os princípios religiosos, morais e por maciços montanhosos e, ao contrário do
sociais a serem seguidos, destacando-se o Egito e da Mesopotâmia, em Creta não existia
Livro de Jó, os Salmos de Davi, os Provérbios um grande rio que fertilizasse o solo, mas
e o Cântico dos Cânticos. dispunha de algumas planícies férteis, onde a
Em comparação ao enorme agricultura podia ser praticada. O relevo
desenvolvimento nos campos religioso e montanhoso era compensado por um litoral em
literário, os hebreus apresentaram um tímido que existiam excelentes portos naturais, o que
progresso nas ciências. Na arquitetura, deve-se favorecia a navegação, a pesca e o comércio.
ressaltar a construção do Templo de Jerusalém, A origem da população cretense é
também chamado de Templo de Salomão. incerta. É provável que a ilha tenha sido
povoada por volta de 3000 a.C. por grupos
GRÉCIA ANTIGA. vindos da Anatólia e da Síria. Com o tempo, o
crescimento demográfico, agravado pela falta
A Grécia desempenhou papel de de terras férteis, obrigou parte da população a
primeiro plano na Antiguidade, constituindo emigrar, fundando colônias nas ilhas do Egeu,
uma civilização cuja influência foi profunda na nas costas da Ásia Menor e no sul da Grécia
formação da cultura ocidental. Da Grécia (Peloponeso). Aqueles que permaneceram em
antiga herdamos não só uma extensa gama de Creta sobreviveram, dedicando-se à indústria,
conhecimentos científicos, desenvolvidos por ao comércio e à navegação. Até o século XV
pensadores como Pitágoras, Eratóstenes, a.C, Creta exerceu a mais completa hegemonia
Euclides, Tales, Arquimedes, como também os comercial sobre essa região do Mediterrâneo,
grandes fundamentos do pensamento filosófico estendendo seus domínios à Grécia continental,
e político presentes nas obras de Sócrates, onde conquistou diversas cidades, suas
Platão, Aristóteles e outros. Também nossos atividades comerciais se estendiam do sul da
padrões estéticos de arte e beleza foram Itália até o mar Negro.
herdados dos gregos, influenciados por sua As características desta civilização
escultura, arquitetura e teatro. lembram, em suas estruturas, a Antiguidade
Assim como a Civilização Ocidental foi Oriental. Em Creta, dado o enorme
fortemente influenciada pela cultura grega, esta desenvolvimento das práticas comerciais, o
por sua vez, sofreu grande contribuição da controle político concentrava-se nas mãos de
Civilização Cretense. uma elite comercial (talassocracia), liderada
por reis (monarquia teocrática), denominados
01. A CIVILIZAÇÃO CRETENSE também de Minos. A cidade de Cnossos era a
capital do reino, a qual, na época de seu
As origens da civilização grega estão apogeu, chegou a contar com uma população
profundamente relacionadas à história de de mais de cem mil habitantes. Minos vivia no
Creta, que viveu o processo de ascensão e grande palácio de Cnossos, cercado de muitas
queda de sua civilização entre 2000 a.C e 1400 salas luxuosas, corredores, pátios e oficinas.
a.C. Eram tantos os aposentos - mais de 1500
Essa civilização - conhecida como cômodos - que esse palácio ficou conhecido,
cretense, egéia ou minóica - foi contemporânea nas lendas gregas, como o labirinto do
das do Egito e Mesopotâmia. No entanto, Minotauro.
diversamente destas, que tinham por base uma A indústria e o comércio marítimo
agricultura de regadio , Creta transformou-se foram as principais atividades econômicas de
numa talassocracia, isto é, num império Creta. Na indústria, desenvolveram os ramos
marítimo-mercantil, cujas principais atividades da metalurgia, cerâmica, ouriversaria, dos
eram a navegação e o comércio. A civilização tecidos e fabricação de armas de luxo. Os bons
cretense irradiou-se pelo mar Egeu e, através portos naturais, as estradas pavimentadas que
da cultura creto-micênica, exerceu grande ligavam os palácios às cidades e portos, e um
influência sobre a civilização grega. prático sistema de pesos e medidas facilitaram
A privilegiada situação geográfica de o desenvolvimento do comércio interno e
Creta, a maior ilha do mar Egeu, favoreceu os externo cretense. O comércio era realizado com
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o Egito, Grécia, Ásia Menor, Chipre, Fenícia e ainda as sacerdotisas, mais importantes do que
Síria. Creta dominou o comércio nos mares os sacerdotes, que desempenhavam o papel
Egeu e Mediterrâneo, criando o primeiro principal nas cerimônias religiosas.
império comercial marítimo do qual temos A religião era de caráter matriarcal e
conhecimento (aproximadamente dois mil anos baseava-se na adoração de uma divindade
antes dos fenícios). As exportações eram de feminina, a Deusa-Mãe, que dominava a terra,
cerâmica, jóia, vinho e azeite; as importações o céu e o mar. Essa deusa da fecundidade era,
eram de ouro, prata, tecidos, marfim, estanho e ao mesmo tempo, a fonte do bem e do mal. Os
cobre. Também praticavam a agricultura cretenses cultuavam, também, os animais,
(cereais, vinhas e oliveiras), a criacão de como o touro, a serpente e o Minotauro
animais (bovinos e equinos) e a pesca. (metade homem e metade touro); certas árvores
Com suas 90 cidades, a civilização sagradas; e objetos, como a cruz. Não havia
cretense era predominantemente urbana. templos. Celebravam cultos em lugares
Destacavam-se, entre elas, Cnossos, Faístos, elevados, cavernas e capelas dos palácios. Nos
Mália e Tilisso. As ruínas encontradas revelam cultos religiosos, matavam-se diversos animais
cidades bem planejadas, com ruas, calçadas, em sacrifício oferecido aos deuses, para obter
sarjetas, lojas de comércio e casas luxuosas. Os sua amizade e proteção. Havia festas religiosas
palácios e as moradias dos ricos eram luxuosos, com danças sagradas, procissões, teatro, jogos
decorados com objetos de ouro e prata e e torneios, em que se destacavam acrobatas que
animados por grandes festas. A maior parte da se exibiam sobre touros (tauromaquia). Os
população das cidades dedicava-se ao comércio cretenses acreditavam numa vida depois da
marítimo ou às oficinas artesanais, vivendo morte e, por isso, enterravam os mortos com
modestamente e trabalhando para sustentar o objetos pessoais e alimentos, artigos
luxo das classes altas. necessários para o bem-estar da pessoa na outra
Parece, no entanto, que em Creta a vida vida.
das pessoas comuns era melhor que a de outras Os cretenses revelaram extraordinário
comunidades da Antiguidade. Vários aspectos brilho e originalidade em sua produção
demonstram isso: artística. A arte cretense era dotada de grande
* Embora o Estado fosse o maior independência e originalidade em relação aos
empresário, o número de propriedades privadas modelos artísticos de outras civilizações. Os
era superior ao de qualquer outro povo artistas eram considerados simplesmente
civilizado da região. Os artesãos podiam artesãos e não se destacavam individualmente.
trabalhar nas oficinas do palácio ou nas Essa arte, só igualada à dos antigos gregos,
particulares e mesmo por conta própria. caracterizava-se pelo naturalismo,
* A economia cretense, baseada no espontaneidade e delicadeza dos traços, sendo
artesanato e no comércio, proporcionava aplicada inclusive na confecção de objetos de
grande número de ocupações uso cotidiano. Os artistas cretenses não
e mais chances de escolha de trabalho. estavam preocupados em utilizar a arte para
* Em Creta existiam poucos escravos, e imortalizar os poderosos, impor idéias
eles eram geralmente estrangeiros. Era religiosas ou retratar e construir obras
permitido o casamento de escravos com grandiosas. Estavam preocupados, sim, com a
pessoas livres. A escravidão não foi muito beleza.
importante para a vida econômica cretense. A pintura é considerada a mais
* Não existia a servidão coletiva, isto é, importante manifestação artística dos cretenses.
o Estado não exigia o trabalho obrigatório dos Era feita em vasos cerâmicos e nas paredes e
cidadãos urbanos. muros dos palácios, mansões, tumbas e
* A liberdade social das mulheres edifícios públicos. Os principais temas eram
cretenses, liberdade não encontrada em outras seres marinhos, touros, pombas, cenas do
regiões do mundo antigo, onde as mulheres cotidiano e plantas. Na escultura, salientam-se
eram semi-escravas dos homens. As obras de as estatuetas feitas de argila, bronze e marfim.
arte de Creta mostram mulheres passeando A arquitetura, por sua vez, notabilizou-se
pelas ruas, praticando jogos e danças, pelos elegantes palácios, confortáveis e
ocupando lugar de destaque nos teatros e nos arejados, com banheiros e canalização de água
circos. Elas participavam, ao lado dos homens, e esgoto.
de esportes como touradas ou lutas. Havia
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Os cretenses usavam dois tipos de * o mar: praticamente nenhum ponto da
escrita, a pictográfica e a linear, decifrada em Grécia fica distante do mar. Bastante recortado,
1953. Tinham grandes conhecimentos de o litoral grego apresenta bons portos e
matemática e engenharia civil. O ilhas próximas umas das outras. As águas
planejamento urbano das cidades e a calmas desse mar e as pequenas distâncias
construção dos palácios revelam muitos desses entre as ilhas eram um convite à navegação.
conhecimentos. Além disso, desenvolveram um Tanto nas comunicações como no comércio o
eficiente sistema de canalização de água e mar teve um papel importante na vida grega.
esgoto, implantado nos palácios. * as montanhas: com um relevo
Povo alegre e festivo, os cretenses bastante acidentado, a Grécia apresenta
apreciavam a música, o teatro a dança e os numerosas cadeias de montanhas que
esportes. Entre estes, destacavam-se o boxe, o ocupam 80% de sua superfície, dificultando a
xadrez, as corridas, a ginástica, a acrobacia e, comunicação entre as cidades, e a
sobretudo, a corrida de touros. constituição de um Estado grego. Ao
Em meados do século XV a.C, os contrário, essa situação favoreceu à formação
aqueus - povo que habitava nessa época a de diversas cidades- Estados, que tinham
Grécia continental - invadiram Creta, puseram- suas próprias leis, seu sistema de
se a atacá-la e saqueá-la, dando início à governo autônomo. Sendo comum, portanto, a
civilização creto-micênica, cujos representantes existência de rivalidades entre as
se espalhariam pelo mar Egeu dominando-o até cidades, que se expressaram em conflitos
o século XIII a.C. Embora fundada por aqueus, armados. Entre uma montanha e outra,
a cidade de Micenas adotou muitos valores encontram-se planícies férteis, onde nasceram
cretenses, especialmente os artísticos, apesar de diversas cidades.
impor a supremacia patriarcal, iniciando a Percebe-se assim que um dos traços
transição para o mundo grego. O predomínio mais marcantes da Grécia é a sua diversidade.
de Micenas, que vencera também sua rival, O que unia o povo grego eram alguns
Tróia, duraria até o século XII a.C., quando a elementos culturais, como a língua (apesar dos
região foi invadida pelos conquistadores gregos dialetos regionais), as crenças religiosas, a
chamados dórios. proximidade geográfica, a realização de
competições esportivas e o sentimento comum
02. Grécia Antiga: unidade na de que eram bem diferentes dos bárbaros
diversidade (como eram chamados os povos que não
partilhavam da cultura grega).
A Grécia Antiga situava-se ao sul da
Europa, na península Balcânica. Era cercada 03. A Grécia Pré-Homérica
pelos mares Mediterrâneo (ao sul), Egeu (a
leste) e Jônio (a oeste) e por uma região Provavelmente, os primeiros povos a
denominada Macedônia (ao norte). habitar a Grécia foram os pelasgos, ou
A Grécia Antiga era dividida em três pelágios. Ao que tudo indica, por volta do ano
grandes áreas: 2000 a.C., esses povos, organizados em
* Grécia Continental: ficava ao norte comunidades coletivistas, ocupavam a zona
do istmo de Corinto. Era a região maior, litorânea e mais alguns pontos isolados na
localizada no interior do continente Grécia continental. Foi aproximadamente nessa
europeu. época que teve início, na Grécia, um grande
* Grécia Peninsular: ficava ao sul do período de invasões, que se prolongaria até
istmo de Corinto, na península do Peloponeso. 1200 a.C. Os povos invasores - indo-europeus
* Grécia Insular: era a região formada provenientes das planícies euro-asiáticas -
por diversas ilhas, destacando-se entre elas a chegaram em pequenos grupos, subjugando
ilha de Creta. lentamente os pelasgos.
Observando o território grego, Os primeiros indo-europeus que
percebemos as presenças marcantes das invadiram a Grécia foram os aqueus, e ali se
montanhas e do mar para o desenvolvimento da estabeleceram entre os anos 2000 a.C. e 1700
civilização grega: a.C. Foram eles os fundadores de Micenas,
cidade que constituiu o berço da civilização
creto-micênica.
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Entre 1700 a.C. e 1400 a.C., outros podemos afirmar que o período homérico foi
povos atingiram a Grécia: os eólios, que também o período das comunidades
ocuparam a Tessália e outras regiões, e os gentílicas.
jônios, que se fixaram na Ática, onde Cada geno constituía uma unidade
posteriormente fundariam a cidade de Atenas. econômica, social, política e religiosa da
A partir de 1400 a.C., com a decadência da sociedade grega. De fato, esses pequenos
civilização cretense, Micenas viveu um agrupamentos humanos conseguiam,
período de grande desenvolvimento, que isoladamente, assegurar sua sobrevivência com
terminaria por volta de 1200 a.C., quando se uma economia natural e coletivista. Os meios
iniciaram as invasões dos dórios. de produção (terra, sementes), assim como os
Os dórios - o último povo indo-europeu bens produzidos (alimentos, objetos),
a migrar para a Grécia - eram essencialmente pertenciam a todos os indivíduos, ou seja, a
guerreiros. Ao que parece, foram eles os propriedade não tinha caráter particular. E
responsáveis pela destruição da civilização portanto, não havia desigualdade social.
micênica e pelo conseqüente deslocamento de Na organização hierárquica dos genos,
grupos humanos da Grécia continental para o patriarca, ou pater, era a autoridade máxima,
diversas ilhas do Egeu e para a costa da Ásia exercendo as funções de juiz, chefe religioso e
Menor. Esse processo de dispersão é conhecido militar. O critério que definia a posição dos
pelo nome de Primeira Diáspora. indivíduos na comunidade era o seu grau de
parentesco com o pater.
04. Período Homérico (do século XII
ao século VIII a.C) 05. O Período Arcaico (do século VIII
ao século VI a.C.)
Após o esplendor da civilização
micênica, seguiu-se um período em que as As comunidades gentílicas existiram
cidades foram saqueadas, a escrita desapareceu durante quase todo o período homérico.
e a vida política e econômica enfraqueceu, Apenas por volta do século VIII a.C., iniciou-
caracterizando um processo de regressão da se o processo de desintegração dos genos,
Grécia a uma fase primitiva e rural. Desse evoluindo mais rapidamente em algumas
período (séculos XII a.C. a VIII a.C.), que foi a regiões do que em outras. Diversos fatores
base da civilização grega, não se tem registro, contribuíram para a dissolução dos genos no
exceto os poemas Ilíada e Odisséia atribuídos final dos tempos homéricos, entre eles o
a Homero, que, tendo vivido no século VI crescimento populacional e o aumento do
a.C., teria recolhido histórias transmitidas consumo. Entretanto, a produção continuava
oralmente durante os séculos anteriores. Por limitada, pois havia poucas terras férteis e as
essa razão, esse período, posterior à invasão técnicas de produção eram bastante
dórica, ficou conhecido como tempos rudimentares.
homéricos. Em decorrência, o período anterior A luta pela sobrevivência, que dependia
a 1200 a.C., caracterizado pela imigração de basicamente da terra, desencadeou uma série
povos indo-europeus e pela formação da de guerras entre genos. Para enfrentar um
cultura creto-micênica, recebeu a denominação inimigo comum, alguns deles se uniram,
de tempos pré-homéricos. formando uma fratria. Reunidas, as frátrias
Para compreendermos a evolução constituíam uma tribo, a qual se submetia à
política da Grécia Antiga, é necessário autoridade do filobasileu, o supremo
retrocedermos aos tempos pré-homéricos, comandante do exército. A união de várias
quando os povos indo-europeus ali se fixaram. tribos deu origem ao demos ("povo",
Já nessa época, esses grupos humanos "povoado"), que reconhecia como seu líder
encontravam-se divididos em genos, famílias supremo o basileu.
coletivas, que descendiam de um mesmo A crise da sociedade gentílica alterou
antepassado, constituídas por um grande profundamente a estrutura interna dos genos.
número de pessoas sob a liderança de um Aos poucos, a terra deixou de constituir
patriarca. Após as invasões dos dórios, os propriedade coletiva, sendo dividida, de modo
genos passaram a constituir a forma desigual, entre os membros dos genos. As
predominante de organização social. Assim, melhores parcelas de terra foram tomadas pelos

21
parentes mais próximos do pater, e por esse Siracusa, no sul da Itália, região que se
motivo, passaram a ser chamados de desenvolveu muito graças ao cultivo de cereais
eupátridas ("bem-nascidos"). O restante das e que ficou conhecida como Magna Grécia.
terras foi dividido entre os georgóis Também foram fundadas cidades como
("agricultores"), parentes mais distantes do Bizâncio, Marselha, Odessa etc. A colonização
patriarca. Nesse processo de divisão, os mais grega promoveu uma difusão da cultura grega
prejudicados foram os thetas ("marginais"), e a expansão do comércio marítimo, graças às
para os quais nada restou. Algumas pessoas trocas exercidas entre as cidades-mães e as
desfavorecidas, passaram a exercer outras colônias.
atividades como o artesanato e o comércio,
sendo chamados de demiurgos. 06. O Período Clássico (do século V
As famílias que possuíam as melhores ao século IV a.C.)
terras produziam mais do que precisam para si.
Passaram, então, a trocar os produtos que
No período clássico, a Grécia atingiu,
sobravam. Isso deu impulso ao comércio entre
de modo geral, seu apogeu. Foi uma época de
diversas regiões gregas, e o artesanato também
grande desenvolvimento econômico e
cresceu. Em conseqüência, diversas aldeias (os
esplendor cultural. Atenas e Esparta tornaram-
antigos genos) se tornaram cidades. Cada uma
se as mais importantes cidades gregas. A
dessas cidades era como um país, pois tinha
ascensão econômica trouxe muitos choques de
independência. Estamos falando da polis, as
interesses, levando os gregos a guerras entre si
cidades-Estado gregas. As cidades-estados
e contra outros povos.
tinham como ponto central a acrópole, parte
Enquanto Atenas fortalecia sua
mais alta da povoação, governada pelo
estrutura democrática, os persas, que já eram
conselho de aristocratas, os eupátridas. Além
senhores de grandes domínios no Oriente,
da acrópole, havia também a ágora (praça
avançaram em direção ao oeste. Sob o
central) e o asti (mercado de trocas).
comando do imperador Dario I, chegaram à
Foi no período arcaico, a partir do
Ásia Menor, onde atacaram Mileto, Éfeso e as
século VIII a.C., que teve início uma expansão
ilhas de Samos e Lesbos. Após algum tempo de
grega em direção a diversas regiões do litoral
submissão, essas regiões rebelaram-se, e
do mar Mediterrâneo e do mar Negro. Até o
Atenas enviou navios e tropas em seu auxílio.
século VI a.C., foram inúmeros os gregos que
Entretanto, esses esforços foram insuficientes,
deixaram suas cidades-mães (cidade de
permitindo que os persas destruíssem Mileto e
origem) e partiram para essas regiões, onde
iniciassem seu avanço sobre a Grécia. Era o
fundaram novas cidades (as colônias gregas).
início das Guerras Médicas.
Esse processo de colonização está relacionado
A primeira expedição enviada por Dario
à desintegração da sociedade gentílica.
I foi desbaratada em Maratona (490 a.C),
Com a crise das comunidades
numa batalha em que os gregos, apesar da
gentílicas, a Grécia continental se transformou
inferioridade numérica, acabaram vitoriosos.
em palco de inúmeros conflitos e tensões
Nos anos seguintes, Atenas reforçou sua
sociais, que resultaram em uma nova dispersão
marinha e as cidades gregas puderam preparar-
do povo grego - a Segunda Diáspora. Os
se para enfrentar os novos ataques persas.
principais fatores que provocaram esse novo
Entretanto, quando Xerxes, sucessor de Dario,
deslocamento foram o crescimento
deu início à segunda investida contra o
demográfico, a escassez de terras cultiváveis na
território grego, esteve muito próximo de
Grécia continental, em grande parte
estender seu domínio sobre toda a Grécia. Após
conseqüência da concentração da propriedade
derrotar um exército espartano comandado por
nas mãos de uma pequena parcela da
Leônidas, no desfiladeiro das Termópilas,
população; a falta de alimentos; a fuga da
chegou a invadir e incendiar Atenas. Todavia,
escravização devido às dívidas.
os persas acabaram por ver malograr seus
Desse modo, boa parte da população
intentos com a derrota na Batalha Naval de
excedente, constituída, principalmente, pelos
Salamina. Sem suprimentos ou reforços, o
menos beneficiados na partilha das terras,
exército de Xerxes recuou para a Ásia Menor e
emigrou para regiões do Mediterrâneo
foi derrotado na Batalha de Platéia (479 a.C.)
ocidental, ali fundando diversas colônias.
por forças atenienses e espartanas, sob o
Assim surgiram cidades como Tarento e
22
comando de Pausânias e Aristides. A luta com interferência ateniense na política e sociedade
os persas, porém, não estava encerrada. dos demais aliados. Após pressões, o tesouro
Em meio à guerra, forjou-se a união de Delos foi transferido para Atenas; quando
militar das pólis gregas, denominada alguns Estados-membros quiseram se retirar,
Confederação de Delos. Cada cidade-estado Atenas obrigou-os a permanecer por meio da
deveria contribuir com navios ou dinheiro, a força, transformando-os de aliados que eram
serem depositados na ilha de Delos. Quase em Estados que lhe pagavam tributos. Se
todos os Estados gregos do mar Egeu aliaram- Péricles era democrata em Atenas, em relação
se, comandados por Atenas, que tomou aos outros Estados era imperialista. Em troca
definitivamente a ofensiva contra os persas, dessas imposições, oferecia-lhes proteção
libertando algumas províncias da Ásia Menor. contra invasões marítimas e vantagens
Finalmente, em 449 a.C., foi assinada a comerciais.
Paz de Címon, pela qual os persas Assim, o desenvolvimento e a
comprometiam-se a abandonar o mar Egeu. O manutenção da democracia ateniense dependia
Mediterrâneo oriental ficava, assim, aberto à desse imperialismo, do intenso comércio, dos
frota ateniense, que, sem rivais, pôde expandir tributos cobrados das outras pólis, além da
o comércio e o poderio da cidade, que se prata extraída das minas do Láurio. Era com
encontrava em seu período de maior recursos advindos da dominação interna, com a
prosperidade. Paralelamente a isso, as cidades escravidão, e dessa dominação externa, com o
gregas estavam militarmente fortalecidas. imperialismo, que os atenienses ostentavam o
O período compreendido entre os anos status de cidadãos e garantiam o esplendor
461-429 a.C. é considerado a "idade de ouro" econômico e cultural do século de ouro.
de Atenas, quando a cidade viveu seu auge As demais cidades-estados que haviam
econômico, militar, político e cultural. Nesse permanecido aristocráticas, representadas
período, Atenas foi governada por Péricles, e especialmente por Esparta, opunham-se ao
nesses trinta anos tornou-se a cidade mais expansionismo ateniense, considerando-o um
importante da Grécia, graças às reformas perigo econômico e político. Assim,
implantadas tanto no nível político, organizaram, sob liderança espartana, a sua
aperfeiçoando-se a democracia, quanto no própria liga - a Confederação do Peloponeso.
cultural, produzindo-se obras-primas, até hoje Em 431 a.C., as duas cidades rivais
modelos de beleza. entraram em conflito frontal ( Guerra do
Embora aristocrata de nascença, Peloponeso ) devido a uma disputa comercial
Péricles deu maior amplitude à democracia entre Atenas e Corinto, velha aliada de Esparta.
ateniense, permitindo o ingresso e a Durante dez anos, os conflitos se estenderam
participação política de parcelas da população sem que houvesse vitórias ou derrotas
antes excluídas. Atenienses de baixa renda, definitivas. Em 421 a.C. foi assinada a Paz de
envolvidos no trabalho constante para garantir Nícias, rompida por Atenas sete anos depois,
a sobrevivência, não podiam dedicar-se à reiniciando as lutas que só se encerraram com a
participação política. Entre as reformas vitória espartana na batalha de Égos Potamos
políticas estão a instituição do misthoy, soldo (404 a.C.). Atenas foi obrigada a entregar seus
para os integrantes do exército, assim como navios, demolir suas fortificações e renunciar
uma pequena remuneração para as funções e ao império.
cargos públicos, o que possibilitou maior Iniciou-se o período da hegemonia
participação popular. Péricles retirou também espartana, com a ascensão dos governos
diversas outras restrições à cidadania, embora oligárquicos e o fim da democracia ateniense.
os cidadãos ainda constituíssem uma minoria. O imperialismo e a democracia atenienses,
Péricles empenhou-se também na desta forma, sucumbiram juntos, cabendo à
reconstrução e embelezamento de Atenas. Guerra do Peloponeso o papel de desfecho
Assim, entre as grandes construções realizadas, final. Mas o domínio espartano que se iniciou,
destacaram-se o Partenon - templo à deusa durou pouco tempo.
Atena -, o Erectéion e novas muralhas A cidade de Tebas, localizada no
defensivas em torno da cidade que crescia. estreito de Corinto, projetava-se
Com o passar do tempo, o predomínio crescentemente como grande potência militar
de Atenas na Confederação de Delos da Grécia, quando se iniciou a hegemonia
transformou-se em imperialismo: havia espartana. Tebas opos-se a Esparta e, graças à
23
tática militar de dois excelentes generais, império. Entretanto, morreu precocemente, aos
Epaminondas e Pelópidas, os tebanos venceram 33 anos de idade (323 a.C), e seus sucessores
a batalha de Leutras (371 a.C.) e iniciaram sua não conseguiram manter a unidade do enorme
supremacia, que foi também de curta duração. império, que acabou dividido entre quatro de
Na prática, essas guerras constantes seus generais: Ptolomeu, que ficou com o
enfraqueceram os gregos, e, a partir de meados Egito, a Fenícia e a Palestina; Seleuco, com a
do século IV a.C., nenhuma das cidades tinha Pérsia, a Mesopotâmia e a Síria; Cassandro,
condições para se sobrepor às outras. Enquanto com a Macedônia; e Lisímaco, com a Ásia
isso ocorria, a Macedônia - ao norte da Grécia Menor e a Trácia.
- expandia-se e fortalecia-se, tornando O fracionamento do império de
inevitável seu avanço sobre a Grécia. Alexandre e as lutas internas que se seguiram
trouxeram o enfraquecimento e a possibilidade
07. O Período Helenístico (do século de conquista romana, que se concretizaria nos
III a.C ao século II a.C.) séculos II e I a.C.

A Macedônia é uma região isolada do ESPARTA


mar, situada a nordeste da Grécia continental,
cujos habitantes, também descendentes dos Esparta, ou Lacedemônia, localiza-se na
povos indo-europeus e falantes de uma língua península do Peloponeso, na planície da
derivada do grego, eram chamados por eles - os Lacônia. Foi fundada no século IX a.C., às
gregos - de bárbaros. margens do rio Eurotas, após a união
Enquanto as cidades gregas entravam (sinecismo) das três tribos dórias. Embora
em decadência, provocada pelas contínuas defendida por um conjunto de montanhas
guerras entre si, os macedônios, até então cujos desfiladeiros formavam fortificações
isolados, fortaleciam-se e iniciavam conquistas naturais e a isolavam das regiões vizinhas,
aos territórios gregos vizinhos. Sob o reinado parece ter seguido, até o século VII ªC, uma
de Filipe II (359-336 a.C.), venceram a evolução semelhante à das demais cidades
Batalha de Queronéia em 338 a.C, e foram dominadas pelos dórios.Nesse período,
dominando a Grécia, iniciando sua hegemonia. Esparta conquistou a região da Messênia,
Após o assassinato de Filipe, sucede-o que a circundava, e solidificou seu caráter
seu filho, Alexandre, que, tendo sido educado essencialmente guerreiro, vindo a
pelo sábio grego Aristóteles, assimilou os desenvolver-se de forma peculiar e distinta
valores da cultura grega. Após sufocar revoltas das demais pólis gregas.
internas e consolidar seu domínio sobre a A estrutura social esparta era rígida e
região balcânica, atravessou o Helesponto em dividia-se em:
334 a.C. e iniciou seu avanço sobre o Oriente. Espartanos ou esparciatas: descendentes do
Na batalha de Granico, venceu os conquistadores dórios, eram os únicos
persas e conquistou a Ásia Menor. Estendeu detentores da cidadania e, portanto, com diretos
seu domínio, em seguida, sobre o Oriente políticos. Formavam uma classe privilegiada
Próximo, chegando até o Egito, onde fundou a que monopolizava o poder militar e, por
primeira das várias cidades com o nome de decorrência, político e religioso.
Alexandria. Continuando a avançar sobre o Periecos: eram os habitantes dos arredores
Império Persa, chegou com suas tropas até as da cidade, provavelmente descendentes das
margens do rio Indo, na Índia. Em dez anos, populações nativas que se submeteram
transformou o Império Macedônio em um dos pacificamente aos dórios. Livres, dedicavam-se
maiores de toda a Antiguidade. ao comércio e ao artesanato, tarefas
Alexandre Magno, através de sua desprezadas pelos espartanos.
política expansionista, promoveu a difusão da Hilotas: eram servos pertencentes ao Estado,
cultura grega pelo Oriente. A cultura Ocidental, prováveis descendentes da população
misturou-se assim com a Oriental, e desta fusão conquistada pelos dórios. Eram cedidos aos
surgiu a Cultura Helenística. espartanos juntamente com a terra na qual
Voltando de suas campanhas militares, trabalhavam e, por constituírem a maioria da
iniciou a reorganização de seu exército e população, eram mantidos em obediência pelo
escolheu a Babilônia como sede de seu terror.
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A legislação espartana baseava-se num ATENAS
código de leis atribuído a Licurgo, cuja
existência é posta em dúvida pelos Atenas, situada na Ática, apresenta uma
historiadores. Essa legislação preservava a paisagem movimentada, onde colinas e
sociedade guerreira assegurando aos cidadãos- montanhas parcelam pequenas planícies. Cada
soldados (espartanos) totais privilégios. região recebe uma denominação específica:
Politicamente, Esparta organizava-se sob regiões de planícies férteis chamavam-se
uma diarquia, ou seja, uma monarquia Pédium, regiões de montanhas áridas, Diácria,
composta por dois reis, que tinham funções e regiões litorâneas, Parália.
religiosas e guerreiras. As funções executivas, A ocupação inicial da Ática foi realizada
entretanto, eram exercidas pelo Eforato pelos aqueus, seguidos posteriormente por
composto por cinco membros, eleitos eólios e principalmente jônios. Atenas, que
anualmente, que administravam os negócios havia sido fundada pelos jônios, foi poupada,
públicos e fiscalizavam a vida dos cidadãos. graças à sua localização – próxima ao mar e
Havia, ainda, a Gerúsia, composta por 28 cercada por montanhas -, às invasões dóricas
membros da aristocracia, com idade superior a do século XII a.C.
sessenta anos, que tinha funções legislativas e No final da época homérica, entretanto,
de corte suprema e controlava a atividade dos também a Ática passou por profundas
diarcas. Na base das estruturas políticas, transformações, desde a degradação da
encontrava-se a Ápela ou assembléia popular, comunidade gentílica até à formação da
formada por todos os cidadãos maiores de sociedade de classes. Foi nesse período,
trinta anos, que tinha a função de votar leis e aproximadamente século X a.C., que ocorreu a
escolher os gerontes. unificação das células gentílicas em quatro
Ao contrário de Atenas e de outras pólis tribos, em torno do centro político-militar-
gregas, Esparta manteve-se sempre oligárquica, religioso que a acrópole de Atenas
não evoluindo para a democracia. O modo de representava.
vida espartano, rigidamente regulamentado,
visava perpetuar, de todas as formas, a Atenas conservou a monarquia por muito
estrutura social existente. Atendendo a essa tempo, até que os aristocratas acabaram por
disposição, a educação do cidadão espartano solapar o poder do basileu (rei), que foi
era dirigida intensamente para a obediência à substituído pelo arcontado – composto por
autoridade e para a aptidão física, fundamentais nove arcontes cujos mandatos eram anuais:
a um Estado militarizado. Sob essas condições, arconte polemarco (tinha poder militar e de
a debilidade física era inadmissível e as julgar os estrangeiros); arconte epônimo
crianças que apresentassem algum indício de (representava o poder religioso); arcontes
doença ou fraqueza eram sacrificadas ao thesmothetas (em número de seis, tinham o
nascer. As demais ficavam com suas famílias poder judiciário sobre os thetas e georgóis).
até os sete anos de idade, quando então os Foi também criado um conselho – o
meninos eram entregues aos cuidados do areópago – composto por eupátridas, com
Estado. função de regular a ação dos arcontes.
Aprendendo a viver em duras condições, Estabeleceu-se, assim, o pleno domínio
sob rígida disciplina, obtinham, até os 18 anos, oligárquico.
uma férrea educação guerreira. Com essa idade Nesse período, chamado pós-homérico ou
ingressavam no exército, tornando-se hoplitas. arcaico, a escassez de terras férteis e o aumento
Aos trinta anos tornavam-se cidadãos, sendo- populacional impulsionaram algumas cidades –
lhes permitido casar e Ter participação política. como Corinto, Mégara e, destacadamente,
Somente aos sessenta anos os espartanos eram Atenas – a estabelecer colônias com fins
desmobilizados do exército, podendo fazer comerciais e de povoamento em vários pontos
parte da Gerúsia. do mediterrâneo – era o período da segunda
De acordo com o culto ao preparo físico, diáspora. Durante o transcurso dos séculos
também as moças eram educadas severamente VIII, VII e VI a.C., os gregos instalaram
pela família e obrigadas a executar exercícios entrepostos e colônias, principalmente no sul
atléticos. da península Itálica, em torno do mar Negro –
chamado, então, de Ponto Euxino - e na Ásia
Menor.
25
O comércio entre essas áreas baseava-se nas Dentre esses legisladores, destacou-se
exportações de azeite, vinho e peças de Drácon, que, em 612 a.C., organizou e
artesanato gregas e na importação de artigos registrou as leis que, até então, baseavam-se na
como trigo, metais preciosos, cobre, ferro e tradição oral e eram conhecidas apenas pelos
madeira das regiões mediterrânicas. Essa eupátridas. O código legal de Drácon,
expansão atenuou os problemas agrários entretanto, além de ser extremamente severo,
internos, enriqueceu a cultura grega. manteve os privilégios sociais e políticos
Em Atenas, as classes ligadas ao comércio, existentes. Assim, mesmo com as leis escritas,
ao mesmo tempo que adquiriam maior poder as desigualdades continuaram ativando o
econômico, procuravam ampliar seu domínio descontentamento, levando, conseqüentemente,
social e político, fato desencadeador de à ocorrência de choques sociais.
confrontos e lutas que ajudaram a moldar sua Em 549 a.C., Sólon, outro legislador, deu
nova estrutura. início a reformas mais ambiciosas. Eliminou as
Além dos eupátridas, georgóis e thetas (que hipotecas por dívidas, libertou os escravizados
em boa parte emigraram em expedições por elas e dividiu a sociedade censitariamente,
colonizadoras), a sociedade ateniense ainda se ou seja, de acordo com o padrão de renda dos
subdividiria, a partir do século VIII a.C., em: indivíduos. O critério de riqueza passou, então,
Demiurgos: comerciantes, em geral: a determinar privilégios, abrindo espaço para a
georgóis que perderam as terras, thetas que ascensão política dos ricos demiurgos. Além
permaneceram na pólis ou artesãos. Foi uma disso, criou a Bulé, ou Conselho dos
classe intermediária que fez da riqueza um Quatrocentos, da qual participavam elementos
valor que se sobrepôs à tradição. das quatro tribos em que estava dividida a
Escravos: prisioneiros de guerra, sem Ática; a Eclésia, assembléia popular que
direitos políticos, eram de início aprovava as medidas da Bulé; e o Helieu,
numericamente inexpressivos, mas logo se tribunal de justiça aberto a todos os cidadãos.
transformaram na base da produção agrária. As reformas de Sólon desagradaram os
Em Atenas, atuaram em todos os ofícios, e aristocratas, que perderam parte de seus
muitos até chegaram a alcançar a liberdade, privilégios oligárquicos, e o povo, que esperava
embora nunca a cidadania. reformas mais extensas e profundas. A
A estrutura social ateniense ativou o conturbação política que se seguiu à reforma de
confronto de interesses e impasses que Sólon permitiu o surgimento dos tiranos,
caracterizaram o período arcaico. De maneira ditadores que usurparam o poder. O primeiro
geral, havia rivalidades políticas resultantes da foi Pisístrato, que governou Atenas de 561 a.C.
posição socioeconômica dos diversos grupos a 527 a.C. e procurou amenizar os confrontos
existentes em Atenas. Os eupátridas, donos das sociais, patrocinando várias obras públicas,
maiores e melhores terras na planície (Pédium), gerando empregos a thetas e georgóis
buscavam conservar seus privilégios e o poder. descontentes.
Já os comerciantes, controladores do litoral Pisístrato foi sucedido por seus filhos
(Parália), enriquecendo crescentemente, Hiparco e Hípias, que não deram seguimento a
buscavam mudanças a fim de conseguir essas reformas, perdendo apoio popular e
participação no poder. gerando insatisfação. Em 510 a.C. eclode uma
Em pior situação estavam os georgóis e os revolta liderada por Clístenes. Finaliza-se a
thetas, habitantes da montanha (Diácria), ditadura e inaugura-se a democracia ateniense.
vivendo em péssimas condições, sem direitos
políticos. Muitos recorriam a empréstimos para Uma das primeiras medidas de Clístenes foi
poder cultivar suas terras, visando a a redivisão de Atenas em dez tribos em lugar
sobrevivência. Com isso, endividavam-se, das quatro anteriores. Dessa forma, foi
ficando sujeitos aos poderosos, o que semeava neutralizada a influência dos eupátridas,
descontentamento e anseio por mudanças. eliminando-se o papel político tradicional de
As lutas entre as classes sociais, a genos, tribos e fratrias. Procedendo à
instabilidade, o crescimento da pólis e o reorganização dos órgãos públicos, a Bulé
desenvolvimento do comércio foram fatores passou a contar com 500 membros (50 por
que motivaram o surgimento de reformas, tribo), os quais se revezam no governo da
feitas por legisladores, que expressavam as pólis; ao colégio de nove arcontes foi
divisões no interior da sociedade. acrescentado um secretário (10 membros), um
26
eleito de cada tribo. A Eclésia, assembléia educação dos jovens. Sua estrutura dramática,
popular composta por 6000 cidadãos de todas seus temas profundos, abordando a natureza
as classes, teve seus poderes decisórios humana, são tidos até hoje como ponto alto da
ampliados, fiscalizando a atuação das demais arte teatral.
instituições políticas e votando as propostas da As encenações eram feitas ao ar livre, os
Bulé. atores usavam máscaras que expressavam as
A Eclésia tinha também o poder de votar o características dos personagens, e todos os
ostracismo – exílio por um período de 10 anos papéis, inclusive os femininos, eram
– contra todos os que pusessem em perigo a desempenhados por homens. Outra
democracia ateniense. O exilado não perdia característica do teatro grego eram os coros,
suas propriedades, que lhe eram restituídas, que cantavam e dançavam nos espetáculos.
juntamente com seus direitos civis, ao retornar Durante os festivais de teatro – muitos
à cidade. populares e concorridos – eram feitos
É importante lembrar que a democracia concursos, que davam grande projeção aos
instituída pelas reformas de Clístenes eram um vencedores.
sistema político do qual participavam todos os Os mais destacados teatrólogos e suas obras
cidadãos atenienses, adultos, filhos de pai e foram: Ésquilo, considerado o criador do
mãe atenienses. Estes, entretanto, constituíam gênero tragédia, cujas peças mais importantes
uma minoria da qual estavam excluídos os são: Os persas, Os sete contra Tebas e
estrangeiros (metecos), os escravos e as Prometeu acorrentado; Sófocles, que escreveu
mulheres. grandes clássicos como Édipo rei, Antígona e
Clístenes foi denominado o “pai da Electra; Aristófanes, que escreveu diversas
democracia” e suas reformas trouxeram a comédias, entre elas, As vespas, As nuvens, As
estabilidade social e permitiu a expansão rãs; e Eurípedes, que produziu Medéia, As
econômica ateniense. troianas, As bacantes etc.
Atenas era, assim, o reverso político de
Esparta e essa oposição seria marcante na b) História
história grega, ficando agrupadas em torno de
uma ou de outra, as demais cidades-Estado Os gregos foram os primeiros a tratar a
gregas. Entretanto, durante o século V a.C. história com espírito científico, separando as
essas diferenças ficariam obscurecidas pelo lendas dos fatos. Heródoto de Halicarnasso –
esforço conjunto contra o avanço dos persas chamado o “o pai da história” – foi o prosador
sobre as colônias gregas orientais e, das Guerras Médias, buscando suas causas e
posteriormente, sobre a própria península seu fim, na tentativa de fazer uma análise
Balcânica. equilibrada dos fatos. Outros historiadores
destacados foram Xenofonte e Tucídides, este
último, autor de Guerra do Poloponeso.
A CULTURA GREGA
c) Poesia
A herança cultural deixada pelos gregos foi
muito rica e influenciou toda a civilização A mais famosa obra poética grega – além de
ocidental. Suas concepções de beleza, sua mais antiga obra literária- são os poemas
retratadas nas obras de escultura, pintura e atribuídos a Homero, a Ilíada e a Odisséia, que
arquitetura, foram tidas como clássicas, por seu permitiram a reconstrução de parte da história
equilíbrio e harmonia. Também sua produção grega anterior ao século VII a.C. A Ilíada narra
teatral, filosófica e científica foi fecunda e a guerra de Tróia (Ílion, em grego) enquanto a
marcou as linhas do pensamento até a Idade Odisséia conta as viagens do herói. Ulisses
Moderna. (Odisseu, em grego) e o retorno ao seu reino de
Ítaca. Além de Homero, destacam-se os poetas
a) Teatro Píndaro, que enalteceu os jogos olímpicos;
Hesíodo, que escreveu O trabalho e os dias, e a
O teatro grego, basicamente dividido em poetisa Safo.
tragédia e comédia, era acessível a toda a
população, sendo de grande importância para a

27
d) Filosofia século VI a C., surgiu a Escola Pitagórica,
fundada por Pitagóras. Os pitagóricos
Buscando resposta sobre as questões mais defendiam o número, elemento abstrato, como
diversas, os estudiosos da época, chamados a essência de tudo, concebendo um universo
filósofos (“amigos da sabedoria”), com espírito imutável, fundamento na ordem e na harmonia.
crítico destruíram crenças, mitos e construíram No início do século V a C, entretanto,
teorias. A própria palavra filosofia é uma Heráclito, contrariando os pitagóricos, provou
criação grega, resultado da fusão de duas que tudo no universo se transformava,
outras: philo, derivada de philia, que significa passando por constantes mudanças. Nessa
amor fraterno, amizade, e sophia que quer dizer época, que correspondeu à da democracia
sabedoria (da qual se originou sophos, isto é, ateniense, surgiu a Escola Sofista, que negava a
sábio). existência de uma verdade absoluta buscava
A filosofia grega deixou como legado para o conhecimentos úteis para a vida, enfatizando a
Ocidente, entre outras contribuições, a idéia de retórica e o uso da palavra. Entre os sofistas,
leis e princípios universais regulando a destacou-se Protágoras, o autor da frase “O
natureza, as quais podem ser conhecidas pelo homem é a medida de todas as coisas”.
pensamento humano, rompendo com a Durante todo o século V a C , a filosofia
tradicional concepção dos conhecimentos ocupou-se como o homem, especialmente com
secretos e misteriosos só atingíveis pela a ética. Surgiu, então, a Escola Socrática,
religião. Para se alcançar o conhecimento os fundada por Sócrates e contrária aos sofistas.
gregos firmaram a noção das regras e normas Sócrates defendia que a reflexão e a virtude
necessárias para descartar o falso e atingir o eram fundamentais à vida; foi ele o autor,
verdadeiro, ou seja, o desenvolvimento lógico, portanto, da frase “Conhece a ti mesmo”. Por
o ordenamento, a organização, enfim, o saber criticar o Estado ateniense durante as Guerras
racional. do Peloponeso, foi condenado à morte, tendo
O nascimento da filosofia na Grécia deveu- sido executado com cicuta (399 a.C.).
se, entre outras coisas, à expansão colonial, A Escola Sócratica continuou com Platão,
desmistificando o mundo carregado de defensor da virtude, cultiva com ideais de
monstros e grandiosas figuras encantadas das bondade, beleza e justiça. Para Platão, cada
versões mitológicas tradicionais, e ao fenômeno terrestre era como um pálido reflexo
desenvolvimento comercial e produtivo ligado do mundo das idéias; foi considerado por isso o
à sua vida urbana que produziram a política, filósofo do ideal, tendo fundado a Academia de
como expressão da vontade da coletividade Atenas e escrito A República, Apologia de
humana. Na pólis (pólis, raiz da palavra Sócrates, O banquete, entre outras obras.
“política), as lutas civis conquistaram os Outro expoente da Escola Socrática foi
direitos que estabeleceram o espaço público Aristóteles, considerado o “pai da lógica”, e
para a discussão, para o convencimento e para autor de Política. Ao contrário de Platão,
a decisão racional, negando o preestabelecido e Aristóteles se concentrava no estudo das
a revelação sobrenatural. mutações do mundo material: nascimento,
A filosofia, com a coerência, a lógica e a transformação e destruição. Para ele, o real
razão, foi o rompimento com o mito, que vem existia independentemente das idéias, e para
da palavra grega mythos, que significa narrar conhecê-lo era necessário desenvolver a lógica.
para o público sobre as origens de qualquer Vale destacar que Atenas, voltada para o
coisa, com um sentido fabuloso, mágico, comércio, indústria, marinha, letras e artes, o
divino e incontestável. principal eixo de desenvolvimento ou de
Os primeiros filósofos surgiram no século ressonância da filosofia grega, contando com o
a.C, na Escola de Mileto, destacando-se Tales forte espírito especulativo de suas elites
de Mileto, Anaxímenes e Anaximandro. Eles externas. O inexpressivo desenvolvimento de
defendiam que tudo na natureza derivava de Esparta, ao contrário, deveu-se ao completo
elemento básico gerador de todas as coisas. monitoramento cultural realizado pelo Estado,
Para Tales esse elemento era água, para buscando a formação de cidadãos fisicamente
Anaxímenes, o ar, e, para Anaximandro, a capacitados e fiéis na manutenção da ordem
matéria. vigente. A elite espartana, através do laconismo
Com aprofundamento do conhecimento e da xenofobia, dificultou ao máximo a
sobre a natureza e sobre o universo, no final do
28
penetração de idéias “perigosas” ou “nocivas” g) Religião
à estrutura espartana.
A religião grega era politeísta e
e) Artes antropomórfica, sendo composta de vários
deuses que se assemelhavam aos homens, já
Os gregos alcançaram notável progresso no que possuíam características físicas e psíquicas
campo das artes, principalmente nas arquitetura idênticas às humanas (fraqueza, paixões,
e na escultura. Desenvolveram também a virtudes).
pintura, a música e a cerâmica. As artes gregas, Havia também heróis divinizados – ou
em geral, caracterizavam-se pelo humanismo semideuses -, dentre os quais os mais famosos
através da glorificação do ser humano; do foram: Hércules, famoso por sua força; Teseu,
nacionalismo, que simbolizava o orgulho do que matou o Minotauro do palácio Creta,
povo pela sua cidade; da simplicidade, do libertando Atenas; Perseu, que matou a
equilíbrio, da harmonia e da ordem. Medusa, monstro que convertia em pedra todos
Na arquitetura destacaram-se Ictinio e os que a olhavam; e Édipo, o decifrador dos
Calícrates, os construtores do Partenon. Os segredos da esfinge, que subjugava Tebas.
principais estilos arquitetônicos foram o jônico,
o dórico e o coríntio, diferenciados
especialmente pelo feito do capitel das colunas. CIVILIZAÇÃO ROMANA
No jônico, são evidentes os traços de elegância
e beleza, enquanto no estilo dórico patenteia-
01. Introdução
se, especialmente, a funcionalidade o rigor das
formas, expressões transbordantes de Esparta.
Já no estilo decorrente de Corinto, uma das A Itália primitiva era constituída por
cidades mais opulentas da Grécia, destaca-se a uma península estreita e alongada que se
abundância, a riquezas de detalhes. Os gregos projetava pelo mediterrâneo. Próximas à
deram os maiores exemplos de sua arte na península, existiam três grandes ilhas: a Sicília,
construção dos templos erigidos em a Sardenha e a Córsega. A península e as ilhas
homenagem a seus deuses. possuíam, conjuntamente, uma superfície de
Na escultura, o maior destaque foi Fídias, 300 mil km (pouco menor que a do Estado do
autor da estátua da deusa Atena que existia no Maranhão). A Itália peninsular era cortada no
Partenon, e Míron, autor de O discóbulo. A sentido norte-sul pela cadeia montanhosa dos
maior característica da escultura grega, Apeninos e possuía três rios caudalosos: o Pó,
especialmente durante o período clássico, era a o Arno e o Tibre. Em comparação com a costa
naturalidade e harmonia das formas. da Grécia, o litoral italiano quase não tinha
bons portos e era menos favorável à navegação.
Em compensação, o solo italiano era mais fértil
f) Ciências
e seu relevo menos acidentado que o grego, o
que facilitava as comunicações terrestres e
Berço de grandes pensadores, gerou também favorecia o desenvolvimento da agricultura.
cientistas teóricos, especialmente nas áreas da No século VIII a. C. , época da
matemática, da medicina e das ciências fundação de Roma, a Itália era habitada por
naturais. Assim, Tales de Mileto e Pitágoras diversos povos. Ao norte, os gauleses
deixaram como herança grandes trabalhos de ocupavam a fértil planície do rio Pó. O centro
cálculos matemáticos e leis geométricas. do país era habitado pelos etruscos e italiotas.
Na medicina, o estudioso Hipócrates de Cós Os etruscos ocupavam a região da Toscana,
deu os primeiros, passos para a compreensão situada entre os rios Arno e Tibre. Os italiotas
das doenças através dos sintomas, habitavam a região do Lácio e estavam
abandonando os tratamentos baseados em divididos em diversos grupos: os úmbrios, os
crenças e superstições. Também contribuíram samnitas, os sabinos e os latinos. O sul havia
nessa área, Empédocles e Alcménon. No sido povoado pelos gregos e era conhecido
campo das ciências naturais, destacaram-se como Magna Grécia. Desses povos, os mais
Anaximandro e Aristóteles, este último importantes para a formação de Roma foram os
considerado o maior pensador grego. latinos, habitantes do Lácio, que viviam

29
divididos em várias tribos, e os etruscos, hábito de reuniões para a tomada de decisões
habitantes da Toscana (Etrúria). coletivas.
Roma foi fundada no Lácio, por volta A organização em gens era restrita à
de 753 a.C. Ao que tudo indica, foi população nativa da cidade e seus líderes eram
inicialmente um centro de defesa latino contra conhecidos como patrícios, derivação da
os ataques constantes dos etruscos. Tem-se, palavra latina pater, que significa pai ou chefe
todavia, a versão lendária da fundação de de família, o qual tinha o direito de vida e
Roma, relatada por Tito Lívio em sua História morte sobre os outros membros. Portanto, os
de Roma e reforçada na obra Eneida, pelo patrícios eram proprietários de terras e gado,
poeta romano Virgílio, segundo a qual Enéias, eram os únicos com direito à cidadania, isto é,
príncipe troiano filho de Vênus, fugindo de sua a participar das decisões políticas,
cidade, destruída pelos gregos, chegou ao constituindo-se na aristocracia romana.
Lácio e se casou com uma filha de um rei A reunião de dez gens constituía uma
latino. cúria, e da reunião de dez cúrias formava-se
Seus descendentes, Rômulo e Remo, uma tribo. Cada cúria tinha suas práticas
foram jogados por Amúlio, rei de Alba Longa, religiosas, seus santuários e sacerdotes. Das
no Tibre. Mas foram salvos por uma loba que tribos saía o grande sacerdote e chefe militar.
os amamentou, tendo em seguida sido Os povos submetidos pela população
encontrada por camponeses. Conta ainda a romana nativa não faziam parte das gens e
lenda que, quando adultos, os dois irmãos eram chamados de plebeus. Os plebeus
voltaram a Alba Longa, depuseram Amúlio e compunham a maioria da população. Eram
em seguida fundaram Roma, em 753 a.C. Após camponeses, artesãos, pequenos proprietários e
desentendimentos, entretanto, Rômulo matou o comerciantes; homens livres mas sem direitos
irmão e se transformou no primeiro rei de políticos, ou seja, não eram cidadãos. Apesar
Roma. disso eles pagavam impostos e prestavam
serviços militares. A diferença entre patrícios e
02. A Monarquia (de 753 até 509 a.C.) plebeus era marcada por barreiras de tabus
extremamente exclusivas. Os plebeus não
O período monárquico iniciou-se com a podiam casar-se com filhas de patrícios, ter
fundação da cidade de Roma e terminou em emprego público, votar nas assembléias ou
509 a.C., quando uma revolta da aristocracia partilhar da repartição das terras conquistadas
depôs o último rei – Tarquínio, o Soberbo. pelo Estado romano.
Durante a Monarquia, a vida política e Além dos patrícios e plebeus, existiam
social romana estava baseada na gens, ou os clientes, homens livres, mas que tinham
comunidades gentílicas, que podemos definir uma dependência pessoal com os patrícios. Os
como uma comunidade formada por um grupo clientes podiam ser pobres ou ricos, poderosos
de pessoas que se reconhecem descendentes de ou miseráveis, que se obrigavam a prestar
um antepassado comum e organizam sua vida honras a seu patrono. Eram pessoas que
econômica e social com base na solidariedade. queriam ser incluídas no testamento do
A gens romana, entretanto, não tinha patrono, que pretendiam fazer carreira no
características de comunidade igualitária, pois serviço público, pobres coitados que não
constituía uma organização aristocrática, tinham como se alimentar, intelectuais pobres
fortemente hierarquizada e proprietária de que dependiam dos favores do aristocrata,
escravos. comerciantes que esperavam do político
As propriedades e as fortunas não saíam proteção para seus negócios. Toda essa
do interior da gens, porque imperava o direito multidão enfileirava-se de manhã na porta da
paterno, que excluía as mulheres da herança. casa do aristocrata para desejar-lhe bom dia.
Essas, a partir do casamento, deixavam de Eram dezenas e, em alguns casos, centenas de
pertencer à gens paterna para se vincularem à pessoas, dependendo da importância do
do marido. protetor. A saudação matinal era um rito e
A vinculação com uma gens criava faltar a ela significava quebrar o laço de
laços de solidariedade obrigatórios. A gens clientela. Para o aristocrata, era um sinal de
tinha uma sepultura comum para os mortos, prestígio ter vasta clientela, a quem prestava
cultos particulares aos antepassados míticos e o favores e fornecia alimentos. A clientela
tornou-se mais importante na República e no
30
Império, quando passou a fornecer o grande patrícios ainda detinham a primazia das
eleitorado que votava em seus protetores para decisões, pois possuíam 17 tribos rurais,
os cargos públicos. enquanto a plebe se repartia pelas 4 urbanas
A escravidão já existia em Roma desde (cada tribo, um voto).
época bem remota, embora só se tornasse
importante na República, a partir da expansão 03. República (de 509 a 27 a.C.)
externa romana. A origem dos escravos era
diversificada: para escapar da fome, o sujeito 3.1 Organização Política
poderia se vender como cativo; os devedores
que não conseguissem saldar sua dívida Em 509 a.C., o rei Tarquínio, o
poderiam ser mortos ou vendidos como Soberbo, de origem etrusca, foi derrubado por
escravos pelo credor; as crianças abandonadas uma conjuração patrícia do Senado, que queria
pelos pais, os prisioneiros de guerra etc. Os pôr fim à interferência real no poder
filhos dos escravos herdavam a condição dos legislativo. Tarquínio governava de forma
pais. Os escravos eram considerados despótica, anulando, desse modo, os anseios
propriedade da família patrícia e faziam todos patrícios de participação política. Terminou,
os serviços, exceto ocupar cargos públicos, que assim, a realeza romana, e em seu lugar surgia
eram exclusivos dos patrícios. uma nova estrutura administrativa, na qual o
A Monarquia ou realeza foi a primeira poder do Senado sobrepunha-se aos demais.
forma de governo adotada em Roma. Segundo O Senado, transformado em órgão
a tradição, Roma foi governada por sete reis: os máximo da República, controlava toda a
quatro primeiros, latinos e sabinos; os três administração, as finanças, além de decidir pela
últimos, etruscos. É possível deduzir que, na guerra ou pela paz. Somente os patrícios
fase final da Monarquia, Roma tenha caído no tinham acesso a esse órgão legislativo.
domínio da Etrúria. Inicialmente, os chefes das grandes famílias
Em Roma, o Monarca desempenhava compunham o Senado. Seus membros
as funções de supremo juiz, sumo sacerdote e passaram depois a ser recrutados entre antigos
comandante do exército. Sua autoridade magistrados, com base numa lista preparada
política era, entretanto limitada. O poder real pelos censores (Álbum Senatorial). Os cargos
era fiscalizado por um Conselho de Anciãos, o eram vitalícios.
Senado, formado por representantes da Os Magistrados, em geral patrícios,
aristocracia patrícia, eles assessoravam o rei e exerciam o Poder Executivo. A Assembléia
tinham o direito de veto e sanção das leis Centuriata os elegia, com exceção do censor,
apresentadas pelo rei. A ratificação dessas leis para o mandato de um ano. Os magistrados
era feita pela Assembléia Curiata, composta eram:
por todos os cidadãos em idade militar.  Cônsules: em número de dois e eleitos pela
A partir de 616 a.C. Roma passou a ser Assembléia Centurial pelo período de um
governada por reis etruscos. Tarquínio Prisco ano, propunham leis e presidiam o Senado e
foi o primeiro rei etrusco, seguido por Sérvio as Assembléias.
Túlio. Sérvio implementou uma série de
 Pretor: administrava a justiça.
reformas que beneficiaram os plebeus em
 Censor: cabia-lhe fazer o censo da
prejuízo dos patrícios, criando a Assembléia
população; o critério usado era a renda do
Centuriata (baseada na centúria = unidade
cidadão, que lhe fornecia os dados para
básica do exército romano, composta de cem
elaborar o Álbum Senatorial, isto é, a lista
soldados armados à sua própria custa) e
dos senadores.
permitindo o acesso dos plebeus ao serviço
militar. As questões militares passaram a ser  Edil: era encarregado da conservação da
decididas nestas assembléias, mas centúrias cidade, do policiamento, do abastecimento,
patrícias conseguiam impor sua posição porque etc.
eram em maior número.  Questor: cuidava do tesouro público.
No fim do período monárquico, toda a  Ditador: em épocas de graves crises, como
população foi repartida em distritos calamidades e guerras, era escolhido um
administrativos territoriais. Isto deu origem à ditador pelo período máximo de seis meses,
Assembléia Tribal, quebrando o monopólio que governava com plenos poderes.
patrício da Assembléia Curiata. Mas os
31
Existiam ainda três assembléias, qualquer pessoa que se julgasse injustiçada, daí
completando as instituições políticas suas casas ficarem abertas dia e noite.
republicanas: Em 450 a.C., após outras revoltas
 Assembléia Centurial: ganhou poder de plebéias, os patrícios convocaram dez juristas
decisão tornando-se a mais importante delas, nomeados para redigir um código de leis. O
era dividida em centúrias, isto é, em grupos resultado foi a elaboração da Lei das Doze
de cem soldados cidadãos, os chamados Tábuas, primeira compilação escrita das leis
centuriões, cuja função era votar os projetos romanas. Pouca coisa mudou, o poder
apresentados e eleger magistrados (cônsules continuava com os patrícios e a escravidão por
e pretores). Havia 98 centúrias patrícias e 95 dívida permanecia. Em 445 a.C. os plebeus
plebéias, e como o voto aos projetos era exigiam o fim da proibição do casamento entre
contado por centúria, a aristocracia patrícios e plebeus. A reivindicação foi
controlava as decisões. atendida com a Lei Canuléia permitindo o
 Assembléia Tribal: nomeava os questores e casamento entre plebeus e os patrícios. Mais
edis e votava algumas leis. uma vez de efeito limitado: em geral, só
 Assembléia Curial: perdeu suas funções plebeus enriquecidos casavam com gente de
políticas, restringindo-se às atividades família patrícia. Em 367 a.C, foram adotadas as
religiosas. Leis Licínias, que possibilitaram aos plebeus
partilhar as terras conquistadas, aboliu a
3.2. Conquistas plebéias escravidão por dívida, além de conquistar o
direito de ser um dos cônsules. Em 300 a.C., os
A grande parcela da sociedade romana, plebeus conquistaram a igualdade religiosa,
durante a República, era constituída pelos adquirindo o direito ao exercício de cargos
plebeus, que viviam marginalizados sacerdotais. Em 286 a.C. os plebeus
politicamente, mesmo que enriquecessem conseguiram impor aos patrícios que as leis
através do comércio. Quando um plebeu, por votadas na Assembléia da Plebe tivessem
exemplo, tornava-se insolvente, sem condições validade para todo o Estado: era a decisão da
de pagar suas dívidas, tinha de se submeter ao plebe, ou plebiscito.
nexum, instituição que colocava o devedor
subordinado ao credor até a total extinção da 3.3. A Expansão Romana
dívida, criando-se uma servidão que chegava a
durar toda uma vida. A marginalização e o Do século V a.C ao III a.C., Roma
descontentamento, do início do período empenhou-se em conquistar a península Itálica
republicano, levaram ao agravamento das lutas devido à necessidade de obter gêneros para o
de classe em Roma. abastecimento essencial, bem como de pôr fim
Em 494 a.C., os plebeus, em sinal de às ameaças de invasões dos povos da região.
protesto, retiraram-se para o monte Sagrado, Em 272 a.C, Roma alcançou o extremo sul,
exigindo representação política. Como sua conquistando Tarento, na região da Magna
participação na economia e no exército de Grécia.
Roma era de extrema importância, os patrícios A expansão deu dinâmica própria à
concordaram em atender aos plebeus, que estrutura escravista que, estabelecida, passou a
ganharam representação através de dois exigir novas conquistas para aumentar o
tribunos da plebe (em 471 a.C. passaram a ser número de cativos, os quais cada vez mais
dez). Os tribunos conquistaram também o passavam a ser indispensáveis à estrutura
direito a veto sobre as decisões do Senado e socioeconômica do mundo romano. Estima-se
eram considerados intocáveis (imunidade). que, somente no século IV a.C., a população de
Mas, para valer, o veto devia partir de todos os escravos somou não menos de quarenta mil
dez tribunos da plebe; e eles ainda eram indivíduos.
escolhidos pela Assembléia Centuriata, onde os Embora tivesse conquistado a península
patrícios tinham a maioria de votos. Em 471 Itálica, a hegemonia cartaginesa no
a.C., os plebeus constituíram a Assembléia da Mediterrâneo impedia a expansão romana na
Plebe, para eleger seus tribunos. Isso aumentou região. A cidade de Cartago, fundada pelos
o poder de veto e de ação dos tribunos da fenícios, com cerca de 250 mil habitantes,
plebe. Os tribunos podiam ser procurados por localizava-se ao norte da África, mas possuía
inúmeras colônias na Córsega, Sardenha,
32
Sicília e península Ibérica. A disputa pela posse entretanto, trouxe ao Estado romano inúmeras
da Sicília originou guerras entre Roma e rebeliões de cativos, entre as quais a mais
Cartago que se estenderam de 264 a 146 a.C. e significativa foi comandada pelo trácio
ficaram conhecidas como Guerras Púnicas. Spartacus, de 73 a.C. a 71 a.C., que chegou a
Os romanos viveram momentos de ameaçar a própria cidade de Roma. Escapando
grande tensão quando o general cartaginês de Cápua, cidade ao sul de Roma, 74
Aníbal atravessou Gibraltar, os Pireneus e os gladiadores refugiaram-se próximo ao vulcão
Alpes para atacar Roma, embora não tenha Vesúvio, onde reuniram mais de 120 mil
obtido sucesso e tenha sido obrigado a soldados.
regressar a Cartago. Aníbal foi derrotado em A transformação de uma economia
Zama, ao sul de Cartago, pelo general romano baseada principalmente na pequena
Cipião, o Africano. Em 146 a.C., entretanto, propriedade agrária e no trabalho livre num
Roma conseguiu arrasar definitivamente sistema escravista de produção provocou a
Cartago, dizimando sua população, e continuou ruína dos camponeses, a concentração da
sua expansão, tomando todo o mar terra nas mãos da aristocracia e o surgimento
Mediterrâneo, que passou a se chamar de mare de uma grande massa de desempregados, os
nostrum (nosso mar). proletários (plebeus miseráveis, cuja única
Outras conquistas romanas foram, no posse era uma prole numerosa). Esses
Oriente, a Macedônia, a Síria e o Egito., e no desempregados migraram dos campos para as
Ocidente, a península Ibérica e o sul da Gália. cidades, o êxodo rural foi de tal ordem que no
A expansão territorial provocou, em século I a.C. existiam somente em Roma mais
Roma grandes transformações sociais, de 200 mil desempregados. O Estado fornecia
econômicas e culturais. As instituições pão, vinho e espetáculos no circo romano
políticas republicanas, implantadas antes das (política do “pão e circo”), para alienar a
guerras de expansão, entraram em crise com a multidão, potencialmente revolucionária.
nova realidade socioeconômica criada pelas A expansão abriu novos mercados à
conquistas romanas. Essa crise política, economia romana, criando condições para um
agravada pela eclosão de novas lutas sociais, grande desenvolvimento da manufatura e do
teve seu desfecho na substituição da República comércio. A conseqüência dessa prosperidade
pelo Império. econômica foi a formação de uma nova classe
Houve um grande afluxo de riquezas de comerciantes e militares que se
para Roma, proveniente das conquistas. As enriqueceram com as guerras: os “homens
conquistas produziram enorme espólio de novos” ou cavaleiros. Essa nova classe
guerra: jóias, pedrarias, ouro, prata. Sem contar emergente possuía, entretanto, reduzida
as indenizações, os escravos que enriqueciam participação política no regime republicano,
os generais, as terras férteis repartidas entre os cujos cargos eram controlados principalmente
ricos proprietários. pela aristocracia.
A sociedade romana sofreu forte Essas transformações desencadearam
influência da cultura grega. As casas foram em Roma um período de novas lutas sociais
aumentadas, para receber os convivas. A que assinalaram a crise da República. A
alimentação, antes frugal, ganhou requintes. Os sociedade romana dividiu-se em dois campos:
romanos passaram a comer à grega: recostados, o partido popular e o partido aristocrático. O
assistindo a lutas e a espetáculos musicais. A partido popular era formado pelos cavaleiros e
roupa ganhou enfeites. O uso de cosméticos pela grande massa dos desempregados; estes
difundiu-se entre homens e mulheres. A reivindicando a redistribuição da terra através
influência grega chegou igualmente às artes e à de uma reforma agrária, aqueles exigindo
arquitetura. maior participação nas instituições políticas
Uma das conseqüências das guerras de republicanas. O partido aristocrático era
expansão foi a redução de imensos composto pelos grandes proprietários rurais
contingentes de prisioneiros de guerra à que se opunham à realização de reformas que
condição de escravos e a sua utilização como reduzissem seus privilégios econômicos e
mão-de-obra na economia romana, políticos. As lutas entre esses dois partidos
favorecendo o modo de produção escravista, estenderam-se de 133 a 27 a.C. e
que se efetivou com a derrota de Cartago. A caracterizaram a fase de decadência da
ampla utilização da mão-de-obra escrava, República Romana.
33
conseguiu abafar na Espanha uma revolta
3.4 As Lutas Civis popular comandada por Sertório, enquanto
Crasso reprimiu a revolta dos escravos
Frente à crise geral por que passavam liderados por Spartacus, em Cápua. O prestígio
os pequenos agricultores, alguns grupos militar alcançado pelos dois generais
mobilizaram-se na busca de reformas. aproximava-os da política, na qual já se
Destacaram-se, nesse período, dois tribunos da destacava Júlio César. O clima de insatisfação
plebe, Tibério e Caio Graco. perdurava e houve nova tentativa de golpe
Tibério, eleito tribuno da plebe em 133 político, dessa vez de um patrício, Catilina, que
a.C., propôs uma lei pela qual quem tivesse tencionava tomar o poder e assassinar os
mais de 310 acres de terras deveria doar o magistrados. Essa conjura foi delatada e
excedente para o Estado, a fim de que este as evitada por Cícero, destacado orador, eleito
arrendasse aos cidadãos pobres. O Senado cônsul.
opôs-se a tais medidas e, numa tumultuada Os cidadãos de Roma disputaram o
sessão no recinto do próprio Senado, Tibério e controle do Estado, ativando a instabilidade
mais trezentos de seus adeptos foram política que caracterizou o final da República
assassinados. romana.
Caio Graco foi eleito tribuno em 123
a.C., dez anos depois do assassinato de seu 3.5 Os Triunviratos
irmão Tibério. Caio elaborou leis para
melhorar as condições de vida da plebe, como Em 60 a.C., o Senado acabou elegendo
a Lei Frumentária, que determinava a três fortes líderes políticos ao Consulado: Júlio
distribuição de trigo a baixo preço aos plebeus, César, Pompeu e Crasso governaram juntos no
além da reforma agrária. Os aristocratas chamado Primeiro Triunvirato, dividindo
reagiram contra Graco e seus seguidores, o que entre si os domínios romanos.
resultou em vários confrontos armados, até Contudo, em 54 a.C, Crasso morreu
que, cercado numa das colinas romanas, Caio combatendo na Pérsia e, dois anos depois,
ordenou a um escravo que o matasse. O Pompeu foi proclamado cônsul único
escravo suicidou em seguida. destituindo César do comando militar da Gália.
Após a morte dos Gracos, houve a Ao receber a mensagem senatorial de sua
polarização política seguida da radicalização destituição, César, entretanto, resolveu lutar e
nas lutas governamentais, e a República avançou para o sul.
Romana entrou em crise. De um lado estavam Foi nesse momento que César,
os aristocratas, preocupados com a manutenção atravessando o rio Rubicão, fronteira entre sua
da ordem existente; de outro, os populares, província e a Itália, teria dito "A sorte está
ansiosos por reformas. Destacaram-se nesse lançada!" (Alea jacta est) e dirigiu-se para
período o general Mário, defensor da plebe, e Roma, causando a fuga de Pompeu. César
o general Silas, que defendia os conservadores. assumiu imediatamente o poder romano, mas
Mário chegou a ser eleito cônsul por só iria derrotar Pompeu definitivamente na
seis vezes consecutivas, conseguindo Grécia, em Farsália, em 49 a.C. Pompeu
transformar o exército, cujos postos eram escapou ileso e fugiu para o Egito, onde acabou
privilégios dos cidadãos, em um exército sendo assassinado.
popular, composto por assalariados. Os Nessa época, crescia no Egito a disputa
soldados passaram a receber um soldo, pelo poder entre o faraó Ptolomeu e sua irmã
participação nos espólios e, ao cabo de 25 anos Cleópatra. Júlio César foi para Alexandria,
de carreira, direito a um pedaço de terra. Com a apoiou Cleópatra e colocou-a no poder. Em
morte de Mário, em 86 a.C., Silas estabeleceu seguida, dirigiu-se à Ásia Menor, onde
uma ditadura militar e perseguiu violentamente aniquilou as tropas sírias inimigas.
os antigos seguidores de seu antecessor, Retornando a Roma, Júlio César foi
conseguindo desarticular os grupos políticos proclamado ditador vitalício, em clara oposição
populares ao Senado. Durante seu governo, Júlio César
Em 79 a.C, Silas, já velho, abdicou, e o acumulou diversos cargos, centralizando o
período que se seguiu foi de aparente calma, poder em suas mãos. Para lutar contra a
pois novos líderes aristocráticos, como aristocracia e o Senado, César se apoiou nos
Pompeu e Crasso despontavam. Pompeu soldados e nos membros da Assembléia
34
Popular. Ele anulou os poderes do Senado das sobrepondo-se ao Senado. A ele competia
Assembléias e tribunos; fez uma nova divisão nomear magistrados, controlar os exércitos,
das terras, procurando o apoio da plebe urbana; interferindo, até mesmo, nas questões
obrigou os latifúndios a empregar um número religiosas. Com a plena centralização,
determinado de trabalhadores livres; criou conseguia-se a estabilidade, anulando os
novas colônias; concedeu cidadania a muitas tradicionais conflitos entre as várias facções
províncias; e limitou os poderes dos políticas. O Império foi, enfim, a solução
governadores provinciais. O enfraquecimento governamental encontrada para pôr fim ao
da aristocracia patrícia, algumas medidas descontrole político republicano.
populares e o pleno controle das forças Otávio Augusto, o primeiro imperador
militares fortaleceram significativamente os (27 a.C.-14 d.C.), preocupou-se com as obras
poderes de César. Assim, gradativamente, a públicas, sendo dessa época muitas das
República caminhava para seu fim, mas Júlio magníficas construções, cujas ruínas podem ser
César se recusava a assumir a condição de rei vistas ainda hoje em Roma. Para cuidar da sua
ou imperador. O Senado começou a organizou segurança, criou-se a Guarda Pretoriana, cuja
uma conspiração contra ele, até que em 44 a.C, principal função era defender o imperador e
César foi assassinado a punhaladas em pleno vigiar a capital. Ao mesmo tempo, Otávio
Senado. Augusto, distribuía trigo à população e
Sua morte gerou uma grande revolta na organizava sistematicamente grandes
população, fato habilmente explorado por espetáculos públicos de circo, a chamada
Marco Antônio, um dos fortes generais de política do pão e circo, ampliando muito a sua
Júlio César que, juntamente com Otávio e popularidade.
Lépido, formou o Segundo Triunvirato. Após Administrativamente, foi criada uma
eliminarem os opositores de César, os novos nova estrutura, que visava modificar desde a
triúnviros iniciaram suas disputas internas. forma de cobrança de tributos, pondo fim ao
Otávio, aproveitando-se da ausência de Marco usual arrendamento da arrecadação, até as
Antônio, que se encontrava no Egito, tentou divisões sociais e a convocação de homens
ampliar seus poderes. Desconsiderou Lépido e para o exército. O funcionalismo público
declarou guerra a Marco Antônio, o qual foi também foi ampliado, sendo o conseqüente
derrotado na batalha naval de Actium, em 31 aumento de despesas coberto pelos crescentes
a.C. fluxos de riqueza.
Em seguida, Otávio recebeu do Senado Para uma população imperial de quase
o título de princeps (primeiro cidadão), 60 milhões de habitantes, a sociedade romana
primeira etapa para obter o título de imperator passou a ser dividida em cidadãos, cerca de 5,5
(o supremo). Otávio tornou-se milhões de pessoas, e provinciais. Os cidadãos,
progressivamente senhor absoluto de Roma, por sua vez, eram hierarquizados de acordo
recebendo, além dos dois títulos, o de Augustus com suas fortunas: no topo da escala social
(o divino), até então inédito entre os ficava a ordem senatorial, um conjunto
governantes romanos. aproximado de duas mil pessoas; em seguida
vinha a ordem equestre (cavaleiros), cerca de
04. O Império (de 27 a.C. a 476 d.C.) vinte mil indivíduos; e finalmente abaixo,
ficava a ordem plebéia.
Com o advento do Império, No plano militar, Otávio Augusto
reorganizou-se a estrutura política romana, organizou um poderoso exército de mais de
concentrando-se toda a autoridade nas mãos do 300 mil homens, divididos em 25 legiões,
imperador. Esse último período apresenta duas compostos por cidadãos e tropas auxiliares das
etapas distintas: o Alto Império (séc. I a.C. a III províncias, cujos membros só recebiam a
d.C) e o Baixo Império (séc. III a V). cidadania após o serviço militar. Foi, graças ao
Roma atingiu seu apogeu, durante o poder e à estabilidade iniciada por Augusto,
Alto Império, devido ao desenvolvimento sem que Roma pôde desfrutar de um período de
precedentes do modo de produção escravista e grande prosperidade, constituindo a pax
às conquistas territoriais, alcançando riqueza e romana que duraria pelo menos mais dois
poder como nenhuma outra civilização. séculos após o seu governo.
Ao imperador, supremo mandatário, Durante o governo de Otávio, nasceu
cabia exercer totalmente o controle político, Jesus Cristo, em Belém de Judá, o fundador de
35
uma nova religião - o cristianismo - que, Romano em dois: o do Oriente, que tinha
pouco a pouco, foi ganhando seguidores em como capital Constantinopla; e o do
todo o Império. Na literatura, o período de Ocidente, cuja capital era Roma. Ao final de
governo de Otávio Augusto foi conhecido seu governo, os bárbaros conseguiram se
como século de ouro graças a seu ministro infiltrar por todo o Império, o que culminou
Mecenas, que, por seu grande interesse pelas nas invasões e na queda definitiva do
artes, apoiou, entre outros, escritores como Império Ocidental, em 476, quando a tribo
Horácio e Virgílio. dos hérulos, chefiada por Odoacro, derrubou
Os sucessores de Augusto o último imperador romano, Rômulo
desestruturaram o governo, minando o modo Augusto.
de produção escravista, fator de riqueza para o Foram diversos os fatores que causaram
Império, além de favorecerem o descontrole a decadência romana, destacando-se o
político com as constantes intrigas palacianas, imperialismo, as guerras civis, a anarquia
as crises sucessórias e a imoralidade em nível militar, a crise do escravismo, a ascensão do
não só pessoal, mas também administrativo. cristianismo e as invasões bárbaras.
O Baixo Império foi marcado pela O imperialismo romano e as guerras
decadência, pelas grandes crises e pela civis internas foram responsáveis pela
anarquia, devidas principalmente à interrupção ampliação do aparelho militar e burocrático,
das conquistas, o que arruinou a economia bem como pela instabilidade política. As
imperial, baseada no trabalho escravo e na sucessivas lutas pelo poder geraram corrupção,
exploração das províncias. Escasseando os descontrole político, queda de valores
tributos impostos aos vencidos, Roma tradicionais, desencadeando uma séria crise
caminhou para o progressivo esgotamento moral.
econômico. No século III impôs-se a anarquia
Merecem destaque os seguintes militar: as legiões entronavam e destronavam
imperadores do Baixo Império: imperadores segundo interesses imediatos (de
 Diocleciano (284-305): na tentativa de 211 a 284, por exemplo, sucederam-se cerca de
salvar o Império da falência, baixou o Edito vinte imperadores). Os soldados, que gozavam
Máximo, fixando preços máximos para as de grande prestígio, apoiavam irrestritamente
mercadorias e salários, sendo os infratores os generais, que se apossavam, mesmo que por
condenados à morte. A medida não surtiu curtos períodos, de regiões provinciais, o que
efeito, pois as mercadorias desapareceram contribuía para o acirramento da crise.
enquanto os preços continuaram a subir A crise do escravismo, ocasionada pelo
descontroladamente. Outra decisão fim das guerras de conquistas e que fez
importante de Diocleciano foi a criação da escassear o número de prisioneiros, tornou-se
tetrarquia - divisão do Império entre quatro um obstáculo à produção, baseada
generais buscando conseguir a paz social e o fundamentalmente na escravidão. Os
controle político perdido. proprietários foram então obrigados a arrendar
 Constantino (313-337): através do Edito de suas terras a camponeses, que se sujeitavam a
Milão, concedeu liberdade de culto aos pagar quaisquer tributos que lhes fossem
cristãos, já importantes em número e cobrados. Substituía-se o escravismo pela
influência. Buscou também estabilizar a servidão rural.
produção rural frente à escassez de mão-de- O crescimento do cristianismo foi
obra decretando, com a Lei do Colonato, a outro fator de desagregação do Império, pois se
obrigatoriedade de fixação do colono à terra opunha à estrutura militar e escravocrata,
que trabalhava. Era a intensificação do uso sustentáculo do Império Romano.
do trabalho servil em substituição ao A crise econômica, advinda da crise
trabalho escravo. Outra medida de destaque escravista, resultou na diminuição de receitas
tomada por Constantino foi a fundação de para cobrir os gastos com a manutenção da
uma segunda capital do Império - burocracia e do exército. Ao lado disso, houve
Constantinopla (hoje Istambul) -, situada no uma nítida diminuição de áreas cultivadas,
Oriente, com a finalidade de garantir a devido à falta de mão-de-obra, o que veio a
proteção da fronteira do leste. encarecer os produtos. Ao mesmo tempo, o
 Teodósio (378-395): oficializou o Estado desvalorizava a moeda, devido à
cristianismo e, em 395, dividiu o Império diminuição de metais nobres, como ouro e
36
prata, único meio de que dispunha para para especialmente, a popularidade que, não
saldar seus compromissos. Houve, em raramente, acabava viabilizando um esperado
conseqüência, uma inflação crescente, que futuro político em Roma. Na época imperial,
resultou num caos monetário, no início do durante o governo de Cláudio, a advocacia
século III, e que acelerou a decadência perdeu seu caráter predominantemente
econômica. voluntarista e seus profissionais passaram a ter
A volta para uma economia rural de uma disciplina a cumprir e uma remuneração
subsistência fez com que a população rural se definida.
isolasse em vilas auto-suficientes e autônomas, Outro ramo da cultura romana que se
para poder enfrentar a crise geral do Império. desenvolveu consideravelmente foi a
Finalmente, as invasões bárbaras minaram as literatura, destacando-se Cícero, poeta e o
forças imperiais, já agonizantes, tomando maior orador romano; Virgílio, autor de
pouco a pouco seus territórios e pondo fim ao Eneida; Tito Lívio, autor de História de Roma,
Império Romano em 476. e Ovídio, autor de Arte de amar, entre outros.
A arquitetura romana celebrizou-se
05. A Cultura Romana pela grandiosidade de suas obras: aquedutos,
estradas e muralhas, que sobreviveram ao
O Código de Leis foi o mais importante tempo.
legado romano às civilizações posteriores. Em Roma, a religião dominante era
Divide-se em Jus Naturale (Direito Natural), politeísta, na medida em que se inspirava na
compêndio de filosofia jurídica; Jus Gentium religião grega, adaptada, porém, às condições
(Direito das Gentes), compilação de leis de vida dos romanos.
abrangentes, isto é, que não levam em conta as No final do Baixo Império, a
nacionalidades; e Jus Civile (Direito Civil), decadência de Roma foi acompanhada pelo
conjunto de leis aplicáveis aos cidadãos de colapso dos valores culturais, inclusive
Roma. religiosos, abrindo espaço para a ascensão do
O sistema jurídico romano foi cristianismo, religião de cunho universal,
construído progressivamente, desde os radicalmente incompatível com as bases de
primeiros tempos da civilização. Apesar de os sustentação do Império Romano, já que
poderes acharem-se concentrados, ao longo da condenava o militarismo e o escravismo.
história romana, em mãos de uma elite,
reconheciam, por exemplo, os direitos legais
dos estrangeiros, os quais eram inalienáveis e OS BÁRBAROS
originaram normas que formaram o jus
gentium, base do atual direito internacional. 01.Introdução
Além disso, surgiu um corpo de juristas com
autoridade para interpretar e aprimorar as leis Os antigos gregos e, mais tarde, os
que regulavam a vida pública e privada, já que romanos chamavam de bárbaros a todos os
admitiam que a dinâmica das transformações povos que viviam fora dos domínios de sua
devia também influenciar as leis. civilização. Para os romanos, bárbaro era o
O método de formação dos advogados, povo que falava a língua diversa do grego e do
até o final da República, era essencialmente latim e que adotava outro modo de vida, ou
prático, cabendo aos jovens acompanhar o seja, que tinha outras normas, usos e costumes.
mestre em suas consultas aos clientes. Aos Dos povos bárbaros, os germanos
poucos, alguns centros de consultas jurídicas, estavam em contato com as fronteiras do
próximos a templos e bibliotecas, Império Romano. Eles se destacaram na
transformaram-se em escolas públicas de conquista do Império Romano e na formação
Direito. Sob Cícero, o ensino foi sistematizado da Europa medieval. Os povos germanos se
e dotado de um corpo de princípios, divisões e dividiam em vários grupos: anglos, saxões,
classificações, apoiados em terminologia e visigodos, ostrogodos, alanos, francos, suevos,
definições precisas. Era o nascimento da burgúndios, lombardos e alamanos.
ciência do Direito.
Os advogados eram atraídos pelos
02. O Modo de vida dos Germanos.
debates, em que desenvolviam a oratória, a
intimidade com os problemas da vida pública e,
37
Antes do contato com o Império assemelhadas.
Romano, o modo de vida dos povos germanos - Escravos: grupo que reunia os
foi marcado pelas seguintes características: prisioneiros de guerra, seus descendentes e as
pessoas que não
a) Organização social. pagavam suas dívidas.

Os germanos não moravam em cidades. c) A economia


Viviam em aldeias rurais, habitando casas
afastadas umas das outras. Os germanos produziam a maior parte
A base dessa sociedade era a família: do que precisavam, ficando o comércio em
pai, mãe e filhos. Vinha, depois, um grupo segundo plano. Eles praticavam uma
maior, o clã ou estirpe: que resultava da agricultura pouco desenvolvida, cultivando
reunião de famílias aparentadas, com produtos como trigo, cevada, centeio, ervilha e
antepassados comuns. Finalmente, havia as milho. A atividade econômica que mais se
tribos, formadas pelos agrupamentos de vários destacava era a criação de animais como bois,
clãs. carneiros e porcos. Dedicavam-se também à
Entre os germanos, não existia produção metalúrgica (lanças, espadas,
propriamente uma organização do Estado. O machados) e de objetos cerâmicos.
órgão mais importante de cada grande tribo era A criação de animais e o trabalho
a assembléia dos guerreiros, que decidia agrícola ficavam mais a cargo das mulheres,
sobre assuntos como a guerra ou a paz, a dos semilivres e dos escravos. Os homens
libertação de prisioneiros e o julgamento de livres (guerreiros) dedicavam-se
pessoas. Algumas assembléias elegiam chefes principalmente às expedições militares, cujo
(reis) para funções religiosas, militares e objetivo era a conquista do inimigo e o saque
judiciais. de seus bens.
Esses chefes tinham o direito de
organizar uma tropa (séquito), formada de d) O direito.
guerreiros experientes e fiéis. Com o tempo a
assembléia de guerreiros foi perdendo o poder, A justiça entre os germânicos não se
a tropa tornou-se numerosa e deu origem ao orientava por leis escritas. Os conflitos eram
comitatus: guerreiros que se mantinham solucionados pela aplicação de normas
ligados pelo juramento de fidelidade ao chefe e baseadas em usos e costumes, que se
pelo sentimento de companheirismo entre os transmitiam, oralmente, de geração a geração,
membros do grupo. Unidos em torno de um direito consuetudinário.
chefe, recebiam em troca benefícios como a Um tipo de prova muito utilizado nos
divisão dos bens que saqueavam nas lutas, julgamentos era o ordálio. O acusado de algum
armas, terras etc. crime tinha de segurar um ferro quente ou pisar
em brasas. Se resistisse à dor, era considerado
b) As diferenças sociais. inocente.

De uma sociedade em princípio mais e) A religião.


igualitária, desenvolveram-se entre os
germanos diferenças sociais a partir da Os germanos eram politeístas.
distribuição desigual de poder e privilégios Adoravam diversos deuses, que representavam
entre as pessoas, então, quatro grandes grupos forças poderosas da natureza. Os principais
sociais: deuses eram: Odim, deus do céu e da terra,
- Nobreza: grupo formado pela elite protetor da guerra, e Thor, deus do trovão,
que chefiava a sociedade. protetor dos camponeses.
- Homens livres: grupo composto pelos Acreditavam na vida depois da morte.
guerreiros armados, que expressavam suas Diziam que os guerreiros mortos em batalha
opiniões nas eram levados pelas valquírias (deusas da
assembléias. guerra) até uma espécie de paraíso chamado
- Homens semilivres: grupo constituído walhalla. Já os homens que morressem de
pelas populações vencidas em guerra, mas de velhice ou doença iriam para o hell, uma
culturas espécie de inferno.
38
Depois do contato com o Império Em 455, os vândalos, por exemplo,
Romano, os germanos foram sendo convertidos invadiram e saquearam Roma durante 15 dias.
para a religião cristã, devido à ação Depois, incendiaram a cidade e capturaram
evangelizadora da Igreja Católica. milhares de romanos, levando-os como
escravos.
Além do avanço dos hunos, outros
03. A Entrada dos Germanos fatores estimularam os germanos a invadirem o
Império Romano. Entre eles, destacam-se:
A penetração dos germanos nos
domínios do Império Romano ocorreu em duas  Muitos povos germânicos enfrentavam
fases bem diferentes: a das migrações e a das problemas de falta de alimentos em suas
invasões. terras devido a condições climáticas
desfavoráveis. Essa falta de alimentos os
a) Migrações: convivência pacífica levou a buscar novas terras para a
agricultura e a criação de animais;
A fase das migrações, que vai do século  A organização guerreira dos germanos, que
III ao século IV, corresponde ao período em os incentivou a lutar e conquistar o Império
que os germanos entraram nos domínios do Romano.
Império Romano de forma pacífica, por meio
de acordos com o próprio governo de Roma. c) A formação dos reinos bárbaros
Nessa fase, os germanos estabeleceram-
se em terras especialmente destinadas a eles. O último imperador romano foi deposto
Seus guerreiros ingressavam no exército de em 476 por Odoacro, chefe dos germanos
Roma e os chefes bárbaros atingiam elevados hérulos.
postos no comando militar romano. Também Com a dissolução do Império Romano
era permitido o casamento entre bárbaros e do Ocidente, os diversos povos germânicos
romanos. Havia, enfim, um clima de foram dominando diferentes regiões da Roma
cooperação entre os dois povos. Antiga. Novos reinos se formaram nas regiões
conquistadas e, por volta do século VI, a maior
b) Invasões: o fim do império parte dos povos germânicos já estava
estabelecida.
A fase das invasões, que começa a De todos os reinos bárbaros surgidos
partir do século V, corresponde ao período em na Europa no século V, apenas o dos francos
que os germanos penetraram no Império foi duradouro. Assim, enquanto o reino dos
Romano de forma violenta e brutal. ostrogodos e dos vândalos foram conquistados
Um dos principais motivos que pelo Império Bizantino, e o dos visigodos pelos
desencadearam as invasões foi o avanço dos muçulmanos, no século VIII, o Reino Franco
hunos (bárbaros mongóis) nos territórios dos consolidou-se nas terras da Gália, lançando as
diversos povos germânicos. Vindos da Ásia, bases do que viria a ser um grande império.
eles invadiram a Europa, pressionando os
germanos a ultrapassarem as fronteiras do d) Fim da Antiguidade
Império Romano.
Guerreiros ferozes, os hunos Tradicionalmente, a queda do Império
aniquilaram primeiramente os ostrogodos, em Romano do Ocidente marca o fim da
375. Logo depois, atacaram os visigodos. Antiguidade e o início da Idade Média.
Para escapar à fúria dos hunos, o chefe O período medieval europeu costuma
dos visigodos pediu permissão ao imperador ser dividido em duas grandes etapas:
romano, Valente, para entrar com seu povo nos  Alta Idade Média (séculos V a X) - fase da
domínios de Roma. Sem imaginar o que completa decomposição da sociedade
poderia ocorrer, o imperador consentiu que romana antiga e da formação do sistema
milhares de germanos atravessassem o rio feudal.
Danúbio e penetrassem no império.  Baixa Idade Média (séculos XI a XV) - fase
Posteriormente, esses mesmos germanos da decadência do sistema feudal e formação
saquearam e pilharam aldeias e cidades do sistema capitalista.
romanas, iniciando o período das invasões.
39
REINO DOS FRANCOS poder dos grandes proprietários de terras.
Como não havia a noção de Estado, de bem
público, as terras do reino eram constantemente
distribuídas entre o clero e a nobreza, como
01. Introdução.
recompensa por serviços prestados. Assim, a
partir de meados do século VII, os reis da
Como vimos, entre os reinos bárbaros dinastia merovíngia foram perdendo
que se formaram apenas o dos francos autoridade, ficando sujeitos aos senhores
conseguiu criar um poderoso reino na Europa, feudais (grandes proprietários de terras). Esses
durante a Alta Idade Média. Foram eles que reis ficaram conhecidos como Reis Indolentes,
lançaram as bases da França atual. devido à incompetência com que governaram.
Estabelecendo-se na Gália, os francos Nessa época, o poder foi sendo
formaram o reino sob o governo de duas transferido para altos funcionários da corte, os
dinastias: prefeitos (ou mordomos) do palácio,
 Dinastia merovíngia - que vai do século V verdadeiros primeiros-ministros. Na prática,
ao século VIII esse prefeito do palácio desempenhava o papel
 Dinastia carolíngia - que vai do século VIII de verdadeiro rei. Um dos mais famosos
ao século IX. mordomos do paço foi Carlos Martel (714-
741). Ele ganhou grande prestígio e poder,
02.Dinastia Merovíngia principalmente depois que deteve a invasão dos
muçulmanos em direção à Europa, na célebre
Desde o século II, os francos vinham Batalha dos Poitiers, em 732.
invadindo as fronteiras romanas, acabando por
ocupar uma pequena porção da Gália. 03.Dinastia Carolíngia
No século V, o mais importante chefe
dos francos chamava-se Meroveu. Ele Após a morte de Carlos Martel, seus
comandou seu povo nas lutas contra os hunos poderes políticos foram herdados por seu filho
na Batalha dos Campos Catalúnicos. Os Pepino, o Breve. Em 751, Pepino, o Breve,
descendentes de Meroveu formaram a primeira aproveitando-se do prestígio de seu cargo de
dinastia dos reis francos: a dinastia merovíngia. prefeito e obtendo o apoio do papa Zacarias,
Clóvis, neto de Meroveu, é considerado destronou Childerico III, o último rei
o criador efetivo do Reino Franco, tendo merovíngio, e fundou a dinastia carolíngia.
governado durante 29 anos (482-511). Clóvis Em retribuição ao apoio do papa,
conseguiu unificar as tribos dos francos, Pepino lutou contra os lombardos, um povo
tornando-se assim o primeiro rei dos francos. germânico que ameaçava o poder da Igreja
Através de campanhas militares vitoriosas, Católica. Vitorioso nas batalhas, Pepino doou
Clóvis conquistou na Gália, regiões ocupadas ao papa as terras que conquistou na Itália.
por outros povos bárbaros, expandindo os Formou-se, então, o Patrimônio de São Pedro,
domínios territoriais do reino. Em 496, Clóvis que se tornou o Estado da Igreja.
converteu-se ao catolicismo, ganhando, assim, Após a morte de Pepino, sucedeu-lhe no
o apoio do clero e da maior parte da população trono seu filho Carlos Magno, que governaria
da Gália, constituída por cristãos. os francos durante 46 anos (768-814).
A aliança entre Clóvis e a Igreja foi Por meio de uma série de conquistas
fundamental para a unificação política da militares, Carlos Magno submeteu diversos
Gália, na medida em que fortaleceu a povos bárbaros germânicos e apoderou-se de
autoridade do rei e contribuiu para a fusão um vasto território, ampliando o domínio dos
entre conquistadores e conquistados. Por outro francos. O Império Carolíngio corresponderia,
lado, o apoio do rei possibilitou à Igreja atualmente, aos seguintes países: França,
libertar-se da influência dos imperadores Alemanha, Bélgica, Áustria, Suiça, Holanda,
bizantinos e ganhar novos adeptos entre os Iugoslávia, República Tcheca, Eslováquia,
bárbaros da Europa ocidental. Hungria, Itália e parte da Espanha.
Durante a dinastia merovíngia, Foi por meio dessas guerras que Carlos
consolidou-se o processo de feudalização da Magno garantiu os laços de dependência entre
Europa ocidental, intensificando-se a o poder central e a nobreza: parte das terras
ruralização da economia e fortalecendo-se o conquistadas eram doadas à aristocracia, que
40
assumia em troca obrigações e compromissos - os "emissários do senhor"-, funcionários do
de lealdade para com o rei-suserano. Assim, imperador encarregados de conter os abusos de
embora as forças descentralizadoras condes e marqueses e de zelar pela aplicação
continuassem atuando, devido ao contínuo das leis imperiais, chamadas Capitulares.
processo de feudalização, elas foram
temporariamente controladas pela forte b) A renascença carolíngia.
centralização política do governo de Carlos
Magno. O êxito político e administrativo do
O êxito das campanhas militares de reinado de Carlos Magno foi acompanhado de
Carlos Magno deveu-se, sobretudo, ao apoio da grande desenvolvimento cultural, incentivado
Igreja, pois, paralelamente à expansão do pelo próprio imperador, denominado
Reino Franco, efetuou-se a propagação do Renascimento Carolíngio. Desde o final do
cristianismo. Com a ampliação de seus Império Romano, a cultura vinha sucumbindo
domínios, o Reino Franco tornou-se o mais devido às guerras e invasões dos bárbaros.
extenso da Europa Ocidental, restaurando, em Pepino, o Breve, não sabia escrever o próprio
parte, os limites do antigo Império Romano do nome e Carlos Magno só o aprendeu em idade
Ocidente, o que fazia renascer a concepção de adulta.
império. A reversão desse quadro passou a ser
Assim, no dia 25 de dezembro de 800, o uma das metas de Carlos Magno que reuniu
papa Leão III, motivado por interesses como a sábios como o monge Alcuíno, o bibliotecário
difusão do cristianismo e o conseqüente Leidrade e os historiadores Paulo Diácono e
fortalecimento da Igreja de Roma, coroou Eginardo, a fim de favorecer a instrução. Abriu
Carlos Magno como o imperador do Novo escolas e mosteiros, estimulou a tradução e a
Império Romano do Ocidente. Com isso, cópia de livros antigos, protegeu e patrocinou o
pretendia-se reviver a antiga unidade do mundo trabalho dos artistas. Em colaboração com a
ocidental, agora sob o comando de um Igreja, deu novo impulso às letras e às artes
imperador cristão. com a fundação de várias escolas, como a
Escola Palatina, situada nas dependências do
04.O Império Carolíngio próprio palácio. Nessa escola, dirigida pelo
teólogo e pedagogo inglês Alcuíno, ensinava-se
O Império Carolíngio não tinha uma gramática, retórica, dialética, aritmética,
capital fixa. Sua sede era o lugar onde se geometria e música.
encontrava o imperador e sua corte. Em geral, As realizações dessa época
Carlos Magno permanecia por maior tempo na contribuíram para a preservação e a
cidade de Aquisgrã (Aix-la-Chapelle), em seu transmissão da cultura da Antiguidade
palácio com fontes de água quente, onde Clássica. Dos antigos manuscritos de autores
adorava nadar. gregos e latinos, tinham sobrevivido intactos
apenas uns quatro livros. Assim, quase todo o
a) A organização administrativa. conhecimento que temos hoje da literatura da
Antiguidade se deve ao trabalho de coleta e
O Império Carolíngio organizava-se em cópia desenvolvido pelos escribas da
unidades político-administrativas chamadas renascença carolíngia.
condados e marcas. A maior parte das terras
imperiais estava dividida em condados, cujos 05. Decadência do Império
administradores - os condes - eram diretamente
nomeados pelo imperador e a ele ligados pelo O grande império construído por Carlos
juramento de fidelidade. As marcas, unidades Magno não sobreviveu ao tempo. Um século
de fronteira encarregadas da defesa do império, depois de sua morte, já estava dividido e
eram governadas pelos marqueses, que decadente
detinham grande poder militar. Havia ainda os São apontadas como principais causas
barões, que, de seus fortes localizados em da decadência do Império Carolíngio as crises
pontos estratégicos, auxiliavam na defesa das internas e as invasões dos séculos IX e X.
fronteiras.
Tanto os condados quanto as marcas a) Crises Internas
sujeitavam-se à fiscalização dos missi dominici
41
Depois da morte de Carlos Magno, em domínios do Império Romano do Ocidente, no
814, seu filho Luís, o Piedoso, assumiu o século IV, e que se consolidava com as
poder. O período de governo do novo rei foi invasões do século IX. O continente ficava,
marcado por uma série de problemas desse modo, voltado inteiramente para dentro
econômicos e políticos, mas o império ainda de suas unidades feudais, sem praticamente
manteve sua unidade. nenhum contato com o restante do mundo
Após a morte de Luís I, em 841, seus conhecido.
três filhos disputaram o poder, travando uma
desgastante guerra civil. Só depois de muitas
batalhas que esgotaram o grande Império, os
irmãos assinaram o Tratado de Verdun (843),
firmando a paz e estabelecendo a divisão IMPÉRIO ROMANO DO ORIENTE
territorial do Império Carolíngio. (IMPÉRIO BIZANTINO)
O tratado previa a divisão do Império
em três partes, rompendo-se a unidade imperial
conquistada por Carlos Magno. A Luís coube a 01. Introdução
chamada França Oriental, ou Germânia (atual
Alemanha); Carlos herdou a França Ocidental No final da Antiguidade, a cidade de
(atual França); Lotário recebeu a faixa de terras Constantinopla, hoje Istambul, transformou-se
situada entre esses dois reinos (do centro da no principal centro econômico e político do
atual Itália até o mar do Norte), que passou a se que restou do Império Romano. Foi edificada
chamar Lotaríngia. no mesmo local em que existira a antiga
A divisão imposta pelo Tratado de colônia grega de Bizâncio, entre os mares Egeu
Verdun contribuiu para o enfraquecimento do e Negro, pelo imperador Constantino, que, por
poder real, favorecendo condes, duques e razões de ordem estratégica e econômica,
marqueses, que passaram a ter maior converteu-a na nova capital do Império.
autonomia. O império foi se desmembrando Com uma localização privilegiada (entre o
cada vez mais e, em conseqüência, o poder Ocidente e o Oriente), desenvolvia um ativo
político se fragmentou. comércio com as cidades vizinhas, além de
possuir uma promissora produção agrícola, o
b) Invasões dos séculos IX e X. que a tornava um centro rico e forte, em
contraste com o restante do Império Romano,
Depois de um período sem invasões estagnado e em crise. Após a divisão do
externas, a Europa cristianizada sofreu novos Império, Constantinopla passou a ser a capital
ataques, em três grandes frentes: leste, norte e da parte oriental, concretizando-se a completa
sul. autonomia do que restara do grande império
O leste foi invadido por húngaros latino.
(magiares), que se lançaram em ataques O Império Romano do Oriente, alicerçado
periódicos, saqueando vilas, mosteiros e num poder centralizado e despótico,
propriedades rurais. caracterizou-se por um intenso
O norte sofreu a invasão dos vikings desenvolvimento do comércio, por meio do
(escandinavos), que realizaram freqüentes qual foi possível obter recursos para resistir às
ataques de pirataria e pilhagem a diversos invasões bárbaras. A produção agrícola, por
locais do litoral europeu. Em 911, o rei franco sua vez, desenvolvia-se em grandes extensões
Carlos, o Simples, cedeu a um dos chefes de terra, utilizando o trabalho de colonos livres
vikings, Rollon, o território da Normandia. Em e de escravos, situação inversa da que ocorreu
troca, Rollon tornou-se vassalo do rei franco. com a produção rural feudal do Ocidente.
Pelo sul deu-se a invasão dos árabes (de O Império Bizantino preservou muitas das
religião muçulmana), que empreenderam instituições latinas, como as normas políticas e
sucessivos ataques de pilhagem à Itália, administrativas, bem como o latim, adotado
saqueando regiões como Roma, Campânia e como língua regular. Neste caso, entretanto, a
Lácio e as ilhas da Sicília, Córsega e Sardenha. preponderância cultural dos gregos orientais
Desse modo , formava-se a sociedade acabou por impor-se, levando o grego a ser
feudal européia, num processo que se iniciara reconhecido como língua oficial no século VII.
com as primeiras invasões bárbaras aos
42
Uma característica marcante da civilização corrida de cavalos no hipódromo de
bizantina era o papel do imperador, que Constantinopla. Terminada a corrida, houve
comandava o exército e a Igreja, sendo dúvida sobre quem era o vencedor da
considerado representante de Deus e possuindo competição. Presente ao hipódromo, o
grande poder. Era auxiliado por um número imperador Justiniano quis intervir para eleger o
enorme de funcionário, o que tornava a vencedor. As torcidas estavam dividas e
burocracia uma parte importante da gritavam nika, (vitória, vitória). De repente, o
organização administrativa e social. tumulto explodiu. O ódio da multidão
transformou-se num grito de desespero contra
as injustiças de que era vítima. O imperador
fugiu apavorado para o palácio. Do hipódromo,
o conflito foi para as ruas; daí espalhou-se pela
02. Evolução Política cidade e adquiriu o caráter de rebelião contra o
Império.
O mais célebre governante do Império Para sustentar o governo, o general
Bizantino foi Justiniano (527-565), que Belisário reuniu suas tropas e comandou uma
ampliou as fronteiras do Império, violenta repressão ao povo revoltado. Lutando
empreendendo expedições que chegaram à contra sua própria gente, o exército bizantino
península Itálica, à península Ibérica e ao norte causou a morte de quase 35 mil pessoas.
da África. Entretanto, excetuando a península No campo cultural, Justiniano distinguiu-se,
Itálica, as demais conquistas foram efêmeras, ainda, pela construção da Igreja de Santa Sofia,
em virtude do aparecimento dos árabes na consolidando um estilo arquitetônico peculiar -
África e na península Ibérica. Como veremos, o bizantino -, cuja monumentalidade
o expansionismo árabe foi rápido e vitorioso simbolizava o poder do Estado associado á
nessas regiões a partir do século VII. força da Igreja Cristã. Mais de dez mil pessoas
A obra de Justiniano, no entanto, é muito trabalharam na sua construção e, numa
mais importante no plano interno do que no manifestação de magnificência, Justiniano
externo. Entre 533 e 565, por sua iniciativa, chegou a apontá-la como superior ao Templo
realizou-se a compilação do Direito romano, de Jerusalém, da época de Salomão.
organizado em partes: Código (conjunto de leis O cristianismo no Império Oriental
romanas desde o séc II), Digesto (comentários mesclou-se com valores culturais locais,
dos grandes juristas a essas leis), Institutas adquirindo características próprias, muito
(princípios fundamentais do Direito romano) e diferentes das do cristianismo ocidental. A
Novelas (novas leis do período Justiniano). predominância da população grega e asiática
O conjunto desses trabalhos resultou num imprimia especificidades á religião cristã
dos maiores legados do mundo romano, o bizantina como, por exemplo, o desprezo por
Corpo do Direito Civil (Corpus Juris Civilis), elementos materiais (o culto a imagens),
que serviu de base aos códigos civis de exaltando-se unicamente a espiritualidade,
diversas nações nos séculos seguintes. Essas componente típico da religiosidade oriental.
leis definiam os poderes quase ilimitados do Como decorrência, surgiram dentro da própria
imperador e protegiam os privilégios da Igreja Igreja oriental correntes doutrinárias - as
e dos proprietários, marginalizando a grande heresias - que questionavam os dogmas da
massa de colonos e escravos. A burocracia doutrina cristã pregada pelo papa de Roma,
centralizada, os pesados impostos e os gastos como as dos monofisistas e dos iconoclastas.
militares fizeram com que a política de A agitação popular provocada pelas heresias
Justiniano acabasse encontrando séria oposição levou os imperadores bizantinos a adotarem
em alguns setores populares, levando a uma constante política de intervenção nos
ocorrência de revoltas, violentamente assuntos eclesiásticos, caracterizando o que se
reprimidas. denomina cesaropapismo; a supremacia do
Em 532, explodiu na capital do império uma imperador sobre a Igreja.
violenta revolta que demonstrava toda a As profundas divergências entre o
insatisfação do povo contra a vida miserável e cristianismo ocidental, orientado pelo papa, e o
a exploração dos governantes. cristianismo peculiar do Oriente, cujo maior
A revolta começou de forma inesperada. expoente era o patriarca de Constantinopla,
Uma grande multidão assistiu a uma disputa
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culminaram no rompimento da Igreja bizantina Por causa desse comércio, o Império
com a Igreja de Roma. Bizantino tinha uma vida urbana movimentada.
Esses movimentos acabaram por consumar, As cidades eram agitadas, com gente por todas
em 1054, no Cisma do Oriente, quando o as ruas. A principal cidade era a capital,
patriarca de Constantinopla, Miguel Cerulário, Constantinopla, que chegou a ter 1 milhão de
proclamou a autonomia total da Igreja oriental, habitantes. Vinham, depois, outras cidades
acusando papado de distanciar-se das importantes, como Tessalônica, Nicéia, Edessa
pregações originais de Cristo. A Igreja foi e Tarso.
dividida em Igreja Ortodoxa Grega, dirigida Por meio dos funcionários do governo, o
pelo patriarca de Constantinopla, e a Igreja Estado bizantino controlava as atividades
Católica Apostólica romana, dirigida pelo econômicas, supervisionando a qualidade e a
papa. quantidade das mercadorias comercializadas.
Após o auge do governo de Justiniano, o Nas cidades bizantinas, as oficinas de
Império Bizantino entrou em lenta decadência. artesanato estavam distribuídas em corporações
Essencialmente urbana, apoiada num poderoso de ofício, submetidas à fiscalização do
comércio, a sociedade bizantina começou a governo. O próprio Estado bizantino era dono
sofrer, a partir do século X, crescentes pressões de grandes empresas nos setores da pesca, da
desagregadoras. Com a retomada das metalurgia, de armamentos e da tecelagem.
atividades comerciais no Ocidente, Bizâncio No setor agrícola, a maior parte da produção
foi alvo da ambição das cidades italianas, como provinha das grandes propriedades agrárias (os
Veneza, que a subjugou, transformando-a num latifúndios). Os principais donos desses
entreposto comercial sob exploração italiana. latifúndios eram os mosteiros e uma nobreza
Mesmo antes disso, o Império Bizantino já fundiária (proprietária) formada por oficiais do
vinha perdendo territórios, sofrendo o cerco exército bizantino (militares recompensados
progressivo, ora dos bárbaros, ora dos árabes, com a doação de terras pelo imperador).
em expansão nos século VII e VIII. Trabalhava nesses latifúndios grande número
A partir do século XIII, as dificuldades do de servos, e eles viviam presos ao cuidado da
Império se multiplicaram, já não existindo um terra.
Estado suficientemente forte e rico para
enfrentar as constantes incursões estrangeiras. 04. Sociedade
No final da Idade Média, por sua posição
estratégica, foi o ponto mais ambicionado pelos Devido à importância do comércio e das
turcos-otomanos, que em 1453 finalmente atividades manufatureiras, o centro dinâmico
atingiram seus objetivos, derrubando as do império Bizantino estava nas grandes
muralhas de Bizâncio e pondo fim à existência cidades. Nessas cidades vivam a classe rica,
do Império romano do Oriente. A queda de composta pelos grandes comerciantes, os donos
Constantinopla serviria como marco de oficinas manufatureiras, o alto clero e os
cronológico para o fim da Idade Média e o funcionários destacados.
início da Idade Moderna. Eram essas pessoas que consumiam boa
parte da produção de artigos de luxo do
03. Economia império, como roupas finas de lã e seda
ornamentadas com fios de ouro e prata, vasos
A principal e mais lucrativa atividade de porcelana, tapeçarias caríssimas etc.,
econômica do Império bizantino era o exibindo luxo e riqueza.
comércio. A privilegiada localização da Abaixo dessa elite privilegiada encontramos
Constantinopla, rota quase obrigatória entre a uma classe remediada, formada por artesãos,
Ásia e a Europa, muito colaborou para o funcionários de médio e baixo escalão e
desenvolvimento comercial do Império. pequenos comerciante.
Entre os mais importantes produtos A grande maioria da população era
comercializados podemos citar perfumes finos, composta por trabalhadores pobres. Eram os
tecidos de seda, porcelanas e peças de vidro. empregados das manufaturas os servos dos
Esses artigos de luxo asiáticos eram comprados latifúndios e os escravos que trabalhavam nos
a peso de ouro pelas camadas mais ricas da serviços domésticos, nas minas, nas pedreiras e
população européia. na construção civil.

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05. Cultura e Mentalidade folhas. Os mosaicos apresentavam geralmente
figuras religiosas ou de grande projeção
No Império Bizantino viviam diferentes política, ou ainda a estilização de animais ou
povos, como egípcios, gregos, persas, plantas.
germanos, judeus etc. Essa grande variedade de A escultura bizantina servia aos ideais
povos influenciou a produção cultural religiosos. Produziram-se peças de refinado
bizantina, que integrou elementos do Oriente e valor, sendo utilizados materiais como ouro, o
do Ocidente. marfim e o vidro.

a) Religião A CIVILIZAÇÃO ÁRABE

No Império Bizantino, o cristianismo era 01. Aspectos geográficos


religião oficial e obrigatória. A Igreja
constituía uma de suas principais instituições e A civilização Islâmica teve suas origens na
influenciava todos os setores da sociedade. península Arábica. Habitada por diferentes
A religião era tão importante para os povos, essa região não possuía unidade
bizantinos que um historiador chegou a afirmar política, isto é, não formava um Estado.
que a vida neste mundo tinha pouca A península Arábica está localizada entre a
importância para o homem bizantino. A Ásia e a África. Faz limites, ao norte, com o
atenção principal do bizantino estava dirigida mar Mediterrâneo; ao sul, com o oceano
para as questões e os detalhes religiosos que Índico; a leste, com o golfo Pérsico; a oeste,
lhe poderiam abrir ou fechar as portas do céu. com o mar Vermelho.
As questões religiosas eram bastante Com o clima extremamente quente e seco,
discutidas no mundo bizantino. Um padre do 80% do território da península é constituído
século IV observou que em todos os lugares de por desertos, só havendo condições propícias
Constantinopla havia pessoas envolvidas em para a concentração humana nos oásis e nas
discussões teológicas. Entre as mais famosas proximidades do mar, especialmente nas
questões destacam-se: regiões do Iêmem Hedjaz (margem arábica do
o monofisismo - afirmava que Cristo tinha mar Vermelho).
somente natureza divina, negando a natureza
humana, como afirmava a Igreja Católica
02. Arábia pré-islâmica
Romana.
e a iconoclastia - movimento que pregava a
completa destruição das imagens dos santos, Até o fim do século VI, a população árabe,
impedindo, assim que elas fossem idolatradas. de origem semita, viva dividida em
Os iconoclastas queriam a total proibição do aproximadamente trezentas tribos, constituídas
uso de imagens nas igrejas. pelos beduínos e pelas tribos urbanas. Os
beduínos eram tribos do interior que vagavam
b) Artes pelo deserto em busca de um oásis onde
pudessem alimentar seus rebanhos (criavam
Nas artes, os bizantinos souberam combinar ovelhas, cabras e camelos) e viviam em guerras
o luxo e o exotismo oriental com o equilíbrio e constantes (razias), fazendo do saque (botim) o
a leveza da arte clássica greco-romana. principal recurso para a sua sobrevivência. As
A arquitetura foi uma das artes mais tribos urbanas, diferentemente, eram os
desenvolvidas em Bizâncio. O exemplo mais habitantes da faixa costeira do mar Vermelho e
majestoso da arquitetura bizantina é a Igreja de do sul da península, cujas condições climáticas
Santa Sofia, construída durante o reinado de e fertilidade do solo favoreciam sua
Justiniano. sobrevivência. Dedicavam-se principalmente
Os bizantinos também se destacaram na arte ao comércio, sendo responsáveis pelas famosas
do mosaico, uma composição artística feita de caravanas de camelos que transportavam
inúmeros pedaços de pedra e vidros coloridos mercadorias do Oriente para as regiões do mar
sobre um vidro claro, recoberto por ouro em Mediterrâneo. Nessas regiões, mais propícias à
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sedentarização. Surgiram cidades como Meca e árabes a Meca e fonte de grandes lucros, o
Iatreb (futuramente Medina), que se tornaram islamismo colocava em risco o domínio dos
grandes centros comerciais da Arábia. coraixitas. Por isso, Maomé foi perseguido,
Neste período, os árabes não eram sendo obrigado, em 622, a fugir para Iatreb.
politicamente unidos, isto é, não formavam um Essa fuga, chamada de Hégira, marca o início
Estado. As diversas tribos árabes ligavam-se do calendário muçulmano.
pelos laços de parentesco e por elementos Em Iatreb, Maomé conquistou grande
culturais comuns. As tribos eram chefiadas popularidade, tornando-se em pouco tempo
pelos xeques (sheiks), a única forma de governador da cidade. Em sua homenagem, o
organização política que os árabes conheciam. próprio nome desse centro comercial foi
Uma das razões para essa desagregação política alterado para Medina, que significa “cidade do
é que, apesar da tradição comum da Caaba, da profeta”. Posteriormente, contando com o
língua e da cultura em geral, os povos árabes apoio dos comerciantes da Medina e utilizando
envolviam-se em constantes guerras que os beduínos como combatentes, Maomé
prejudicavam e impunham a necessidade da converteu-se em chefe guerreiro
unificação da Arábia, cujo principal Depois de vários confrontos, Maomé
personagem foi Maomé. Um outro fator que conseguiu conquistar Meca em 630,
contribuía para essa fragmentação era a religião estabelecendo, assim, a unificação política e
politeísta dos árabes, cada tribo possuía seu religiosa da Arábia. Maomé destruiu os ídolos,
deus protetor, eles adoravam cerca de 360 mas preservou a Caaba (transformada num
divindades. centro de orações) e um dos seus principais
Meca, além de importante centro de ídolos - a Pedra Negra. Segundo a tradição
convergência das caravanas de mercadores árabe, esta pedra fora oferecida por Deus ao
procedentes da África, do Extremo Oriente e de filho de Abraão, e era branca, escurecida pelos
outras regiões, era também o principal centro pecados e beijos dos milhões de peregrinos.
religioso da Arábia. Desde o século V, todos os As revelações feitas por Alá a Maomé
anos para lá se dirigiam os árabes das cidades e foram reunidas por seus discípulos no livro
os beduínos, a fim de visitar a Caaba, santuário sagrado Alcorão (a leitura). A partir daí,
que abrigava as imagens de todos os deuses, e a Maomé expandiu o islamismo por toda a
Pedra Negra, cultuados pelas diversas tribos Arábia, unificando as diversas tribos em torno
árabes. A Caaba, assim como a cidade de da religião. Assim, através da identidade
Meca, era administrada pelos coraixitas, tribo religiosa, criou para os árabes uma nova
de aristocratas cujo poder e prestígio advinham organização política e social. Maomé criou o
dessas peregrinações e do controle do comércio Estado muçulmano, um Estado de governo
das caravanas. teocrático (baseado no poder divino).
Maomé morreu pouco depois da conquista
03. A Arábia Islâmica de Meca, em 632, deixando os árabes unidos
no ideal comum de realizar o djihad (“guerra
Membro da tribo coraixita, mas oriundo de santa”), que consistia na luta pela conversão
família pobre, Maomé nasceu em Meca, em dos “infiéis” (não-islâmicos) e que, nas
570, e desde a infância participou de caravanas décadas seguintes, propiciaria a expansão
comerciais pelo deserto, tomando contato com islâmica.
as várias crenças religiosas da região,
especialmente as monoteístas do judaísmo e do 04. A religião islâmica
cristianismo.
Em 610, após longos anos de meditação, O Alcorão,livro sagrado do islamismo, além
Maomé, dizendo-se profeta, iniciou um de orientações puramente religiosas contém
trabalho de pregação religiosa, revelando ao instruções que contribuem para a preservação
mundo árabe o islamismo, religião que da ordem social e dos interesses dos grandes
condenava o politeísmo e apresentava um comerciantes. Proíbe, por exemplo, que os fiéis
sincretismo dos dogmas cristãos e judaicos, comam carne de porco, consumam bebidas
considerando Alá o único Deus. alcoólicas, pratiquem jogos de azar. O roubo é
Condenando a idolatria da Caaba, (Maomé severamente punido. A poligamia e a
dizia que todos os ídolos da Caaba deviam ser escravidão são permitidas.
destruídos), motivo da peregrinação anual dos
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O impulso de revolta do povo árabe contra as principais famílias de Meca decidiram que o
as injustiças sociais era desencorajado através sucessor seria Abu Bakr, sogro e adepto de
da crença na predestinação. Dizia-se que tudo o Maomé. A sucessão foi difícil, iniciando uma
que acontece neste mundo já está previamente prática de duras disputas pelo poder árabe.
determinado por Alá. Assim, não cabia ao Desde a sucessão do Profeta, a aristocracia
homem modificar seu destino social. A crença mercantil de Medina e de outras cidades árabes
na predestinação levava os árabes pobres a se iniciou uma forte política de expansão
conformarem com sua miséria, não lutando territorial, usando a pregação religiosa segundo
contra os abusos dos ricos. seus interesses econômicos. Assim, o governo
A religião islâmica prega a submissão total passou a ser exercido pelos califas, que eram a
do homem à vontade de Alá, o deus único, um só tempo, chefes religiosos e políticos.
criador de todo o universo. Essa submissão A expansão do Império, iniciou-se com a
total é chamada de islão, e aquele que tem fé conquista de territórios bizantinos e persas. O
em Alá é denominado muçulmano. sucessor de Maomé, Abu Bakr, iniciou o
Os princípios básicos do islamismo estão avanço rumo à Síria e à Pérsia. Entre 634 e
contidos nas seguintes regras fundamentais; 644, Omar transformou o estado Árabe em
- Crer em Alá, o único deus, e em Maomé, o império teocrático mundial, com regime
seu grande profeta. militar; o comandante das tropas de ocupação
- Fazer cinco orações diárias. era o governador, chefe religioso e juiz. Omar
- Ser generoso para com os pobres e dar conquistou Síria, Palestina, Pérsia e Egito.
esmolas. Posteriormente, sob a dinastia dos Omíadas
- Cumprir jejum religioso durante o Ramadã (660-750), iniciou-se a expansão para o
- Ir em peregrinação a Meca, pelo menos uma Ocidente, os árabes conquistaram o norte da
vez na vida. África (Tunísia e Marrocos) serviu de base
para o abanco até a Espanha, quando Gibral
Xiitas x Sunitas Tarik (711) atravessou o estreito entre a África
e a Europa, que recebeu seu nome - Gibraltar.
Após a morte de Maomé, a religião Penetrando na península Ibérica e subjugando
muçulmana não ficou totalmente unificada. grande parte dos visigodos, os árabes só seriam
Surgiram diversas seitas, dentre as quais se barrados em 732 pelo franco Carlos Martel, na
destacavam a dos sunitas e a dos xiitas. batalha de Poitiers, nos Pireneus. Rumo ao
Os sunitas defendem que o chefe do Estado Ocidente, os muçulmanos chegaram até a
muçulmano (o califa) deva ter sólidas virtudes Sicília; rumo ao Oriente, avançaram até o
morais, como honra, respeito pelas leis e Turquestão e o Vale do Rio Indo.
capacidade de trabalho. Mas não acham que o Vários fatores contribuíram para a rápida
califa é infalível ou impecável em suas ações. expansão do Império Islâmico. Do ponto de
Além do Alcorão, os sunitas aceitam como vista social, teve muita importância a
fonte de ensinamentos religiosos a Suna, livro necessidade de encontrar novas terras férteis
que reúne o conjunto das tradições recolhidas para as numerosas populações da Arábia. No
junto aos companheiros de Maomé. plano econômico, explica-se pela atração que o
Os xiitas defendem que a chefia do Estado botim exercia sobre os árabes. No aspecto
muçulmano só pode ser ocupada por alguém religioso, havia a obrigação da Guerra Santa,
que seja legítimo descendente de Maomé ou sustentada pela atração do paraíso; o crente
com ele aparentado. Afirmam que o chefe da acreditava que, ao morrer em combate iria para
comunidade islâmica (o imã) é pessoa o paraíso. Os dois Impérios mais fortes da
diretamente inspirada por Alá. Por isso, é época, o Bizantino e o Persa, combatiam-se
infalível em suas ações. Todos os fiéis devem, fazia século. A fragilidade do Ocidente devido
portanto, obediência absoluta ao imã. Os xiitas à fragmentação política européia, em diversos
aceitam só o Alcorão como fonte sagrada do reinos bárbaros. Além disso, a capacidade
islamismo. árabe de integração com os povos dominados.
A tolerância muçulmana mostrou-se
05. A expansão islâmica fundamental para consolidar sua hegemonia
nos territórios dominados. Os povos
Após a morte de Maomé, seus primeiros submetidos puderam manter suas propriedades,
seguidores da hégira, seus aliados de Medina e costumes a práticas religiosas, tendo porém de
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pagar impostos aos dominadores. Mas aqueles cujo centro dinâmico residia nas cidades e no
que se convertiam ao Islão passavam a usufruir vigor das atividades comercial e manufatureira.
de privilégios tais como o acesso a cargos Os muçulmanos desenvolveram uma rica e
públicos e a isenção de impostos. variada produção agrícola nas diferentes
regiões de seu vasto Império. Construíram
06. O declínio do Império Islâmico grandes obras de irrigação, que tornaram
produtivas terras antes estéreis e empobrecidas.
Em 750, a dinastia Omíada foi derrubada, Cultivaram uma infinidade de lavouras,
assumindo o poder a dinastia Abássida. Com os adaptadas ao clima de cada região. Essas
califas abássidas, iniciou-se o período de lavouras se destinavam à produção de trigo,
decadência do Império Islâmico. A ruína do algodão, arroz, linho, açúcar, espinafre, café,
Império tem suas origens na perda da unidade azeitonas, laranjas etc.
religiosa, quando ganharam força algumas Aproveitando-se da expansão territorial do
seitas islâmicas divergentes, destacando-se a Império, os muçulmanos expandiram também a
dos sunitas e a dos xiitas. Os primeiros eram atividade comercial. Tornaram-se habilidosos e
partidários de um chefe de Estado eleito pelos versáteis comerciantes, criando diversos
crentes, enquanto os xiitas, por sua vez, instrumentos jurídicos para a realização dos
defendiam um ideal absolutista de Estado, negócios comerciais; cheques, letras de
tendo como chefe religioso e político um câmbio, recibos e sociedades comerciais.
descendente do Profeta. Esses conflitos Audaciosos viajantes do mar e da terra, os
políticos e religiosos conduziram ao muçulmanos efetuavam negócios nas mais
desmembramento do império em califados diferentes regiões do mundo medieval (Ásia,
independentes: califado de Bagdá, na Ásia; África e Europa). O intenso comércio
califado do Cairo, no Egito; califado de muçulmano foi acompanhado de significativo
Córdova, na Espanha. desenvolvimento de suas manufaturas, que
Além disso, os muçulmanos começaram a forneciam grande parte dos produtos
sofrer pressões constantes de outros povos. Na comercializados.
península Ibérica, a Guerra de Reconquista, Bagdá produzia jóias, vidros, cerâmicas e
iniciada pelos cristãos em 718, favoreceria a sedas. Marrocos era conhecida pelo seu
formação de alguns reinos, como Leão, excelente artesanato de couro. Damasco
Castela, Navarra e Aragão. Em 1492, os destacava-se pela produção metalúrgica de
muçulmanos foram devidamente expulsos da armas, além do seu famoso tecido de linho.
península, quando os espanhóis conquistaram Toledo tinha fama de produzir ótimas espadas,
Granada, o último reduto árabe na Europa. A cobiçadas pelos grandes cavaleiros medievais.
partir do século XI, os cristãos empreenderam
expedições militares em direção ao Oriente, as 08. A contribuição cultural
Cruzadas.
No Oriente, invasões sucessivas As conquistas intelectuais dos árabes,
contribuíram para arruinar o Império: o também chamados de sarracenos, foram
califado de Bagdá, governado por um abássida, conseqüências da grande expansão por eles
submeteu-se, em 1057, ao poder temporal realizada, a qual lhes possibilitou o contato
assumido por um sultão seldjúcida; em 1258, com as mais diversas civilizações da época,
com a conquista de Bagdá pelos mongóis, como a bizantina, a persa, a indiana e a
terminou o domínio da dinastia abássida. chinesa.
Finalmente, no século XV, os turcos-otomanos Ao contrário do que quase sempre
- convertidos ao islamismo - conquistaram a aconteceu em outros impérios, e que se supõe
parte oriental do antigo império muçulmano, também para os sarracenos, os povos
impondo completa hegemonia na região. conquistados pelos árabes eram respeitados,
podendo conservar seus costumes e crenças.
07. A economia árabe Essa tática foi extremamente benéfica aos
sarracenos, pois lhes permitiu assimilar o
Vejamos um breve painel da vida patrimônio cultural de outras civilizações,
econômica dos muçulmanos na Idade Média, enriquecendo-o com contribuições próprias.
Seu universo cultural adquiriu, assim,

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configurações originais, as quais muito dos fatores materiais na explicação do suceder
influenciariam a cultura medieval européia. histórico.
A arquitetura é considerada a mais Na filosofia, preservaram-se os
importante das artes sarracenas, destacando-se conhecimentos de Aristóteles e de Platão, os
a construção de palácios, mesquitas e escolas. quais serviram de base para as realizações de
Suas formas e ornamentos revelam profunda Avicena e de Averróis (1126-1198). Estes
influência bizantina e persa. Entre os principais influenciaram sobremaneira o Ocidente
elementos arquitetônicos contem-se as cúpulas, europeu, especialmente durante a efervescência
os minaretes, os arcos em ferradura e as cultural da Baixa Idade Média.
colunas torcidas. Na decoração, encontramos O conhecimento das ciências econômicas
uma profusão de motivos geométricos e muito contribuiu para o desenvolvimento do
vegetais. Império Árabe, pois ofereceu suporte às
A literatura muçulmana recebeu grande transações comerciais, regulamentando as
contribuição dos persas, cuja presença se cartas de crédito, as companhias de ações etc.
manifesta em obras como O livro dos reis, do Assim, progrediram os grandes centros
poeta Al-Firdausi, o Rubayyat, de Omar manufatureiros, como Mossul, que fabricava
Khayyam, e As mil e uma noites, coletânea de tecidos de algodão de aço; Marrocos, que
contos eróticos, fábulas e aventuras, derivados manufaturava couro; e Toledo, confeccionando
da literaturas de diversos povos orientais. espadas.
A ciência foi um campo destacável da A civilização islâmica, assim como a
cultura árabe. Apoiados no legado grego, bizantina, influenciou profundamente o
aprofundaram os estudos científicos, tornando- pensamento e, em conseqüência, a vida do
se notáveis matemáticos, físicos, astrônomos, Ocidente europeu. O intenso desenvolvimento
químicos e médicos. É mérito dos árabes, por econômico do Império Árabe afetou
exemplo, a adaptação do sistema numérico substancialmente a Europa feudal no final da
indiano ao arábico, originando o sistema de Idade Média, estimulando sobremaneira o
numeração indo-arábico, amplamente utilizado comércio. Os árabes levaram para o Ocidente
no Ocidente. Realizaram ainda grandes não só mercadorias, mas a filosofia grega, há
progressos na trigonometria e na álgebra. muito esquecida, novas técnicas de agricultura,
Desenvolvendo pesquisas sobre a refração da invenções chinesas como a bússola, o papel e a
luz, criaram os fundamentos da óptica. pólvora, além de inúmeras outras
Os estudos de alquimia, que buscavam contribuições.
descobrir a “pedra filosofal” (substância que
transformaria metais em ouro) e o elixir da .
longa vida, permitiram aos árabes descobertas O SISTEMA FEUDAL
importantes para a química, sobretudo de
substâncias como o carbonato de sódio, o Alguns rezam, outros combatem e outros
nitrato de prata, os ácidos nítrico e sulfúrico, o trabalham.
álcool e muitas outras. Seriam os árabes, ainda,
os primeiros a descrever os processos de
destilação, filtração e sublimação. "A ordem eclesiástica forma um
Na medicina, realizaram significativos só corpo, mas a divisão da sociedade
avanços, como a descoberta da natureza compreende três ordens.A lei humana distingue
contagiosa da tuberculose e o diagnóstico de duas condições. O nobre e o não-livre não são
doenças como o sarampo. Avicena (980-1037), governados por lei idêntica.
o mais famoso médico da época medieval, foi o Os nobres são os guerreiros, os
autor do Cânon, obra de ampla circulação na protetores das igrejas. Defendem a todos os
Europa até o século XVII. homens do povo,grandes ou modestos, e
A investigação científica abrangia ainda também a si mesmos.
outros campos do conhecimento, como a A outra classe é a dos não-
história, a filosofia e a economia. No final da livres. Esta desgraçada raça nada possui sem
dinastia abássida, havia mais de seiscentos sofrimento. Provisões vestimentas são providas
historiadores árabes, destacando-se Ibn- para todos pelos não-livres, pois nenhum
kaldum, o primeiro a enfatizar a importância homem livre é capaz de viver sem eles.

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Portanto, a cidade de Deus, que decadência de um sistema econômico, político
se crê única, está dividida em três ordens: e social denominado feudalismo. Este sistema
alguns rezam, outros combatem e outros foi fruto de uma lenta integração entre alguns
trabalham.". traços da estrutura social romana e outros da
estrutura social germânica. Esse processo de
O texto acima foi escrito pelo bispo integração, que resultou na formação do
Adalberto em plena Idade Média. Ele descreve feudalismo, ocorreu no período histórico
a divisão de funções entre os homens na compreendido entre os séculos V e IX.
sociedade européia de sua época. A forma de
relação entre os homens daquele período não se 1.2. A influência romana.
cristalizou repentinamente. Foi fruto de um
processo iniciado no século V, com a Por volta do fim do Império Romano do
destruição do Império Romano do Ocidente. Ocidente, os grandes senhores romanos
Ganhou maior intensidade após as invasões dos abandonavam as cidades, fugindo da crise
muçulmanos, no século VIII, e normandos e econômica e das invasões germânicas. Iam
magiares no século IX. Atingiu seu apogeu no para seus latifúndios no campo, onde passavam
século X nas terras da Europa Centro- a desenvolver uma economia agrária voltada
Ocidental. para a subsistência. Esses centros rurais eram
conhecidos por vilas romanas, originando os
01. As Origens do feudalismo feudos medievais.
Homens romanos de menos posses iam
Por volta do ano 400, os escritores buscar proteção e trabalho nas terras desses
latinos ainda dedicavam elogios à grandeza de grandes senhores. Para poderem utilizar as
Roma. Esse entusiasmo fundamentava-se na terras, eram obrigados a ceder ao proprietário
extensão do império que, para os romanos, parte do que produziam. Essa relação entre o
atingia todo o universo civilizado. Era difícil senhor das terras e aquele que produzia ficou
aos romanos perceber o quanto estava próximo conhecida por colonato. Também o grande
o fim de seu império. número de escravos da época foi utilizado nas
Para o historiador atual, no entanto, os vilas romanas. Com o tempo, tornou-se mais
sinais de decadência e desagregação do rendoso libertar os escravos e aproveitá-los ao
Império Romano já eram visíveis antes mesmo regime de colonato. Com algumas alterações
do início do século V. A crise econômica e os futuras, esse sistema de trabalho resultou nas
seguidos ataques dos povos germânicos relações servis de produção, traço fundamental
vinham minando a civilização romana desde o do feudalismo.
século IV. Com a ininterrupta ruralização do
Império Romano, o poder central foi perdendo
1.1. Definição. seu controle sobre os grandes senhores
agrários. Aos poucos, as vilas romanas
Formalmente, costuma-se considerar o aumentavam sua autonomia. Cada vez mais o
ano de 476, data em que os hérulos invadem poder político descentralizava-se, permitindo
Roma, como o fim do Império Romano do ao proprietário de terras administrar de forma
Ocidente e o início da chamada Idade Média. independente a sua vila.
Da mesma forma, é aceito o ano de 1453, O Cristianismo foi outra contribuição
quando os turcos otomanos conquistam fundamental da civilização romana para a
Constantinopla pondo fim ao Império formação do feudalismo. Originário do
Bizantino, como o término da Idade Média. Oriente, o Cristianismo se enraizou na cultura
Essas datas servem, apenas, para uma divisão romana, passando a ser a religião oficial do
didática da História. Da mesma maneira como império no século IV. No início da Idade
as estruturas do Império Romano já estavam Média, a religião cristã já havia triunfado sobre
abaladas muito antes de 476, as características todas as seitas rivais na Europa. Em pouco
que marcaram a Idade Média européia tempo, a Igreja tornou-se a instituição mais
encontravam-se bastante modificadas alguns poderosa do continente europeu, determinando
séculos antes de 1453. a cultura do período medieval.
A Idade Média, na Europa,
caracterizou-se pelo aparecimento, apogeu e 1.3. A influência germânica.
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através de seus rios, saqueando suas cidades. A
A contribuição dos povos germânicos leste, os magiares, cavaleiros nômades
para a formação do feudalismo se deu provenientes das estepes euro-asiáticas,
principalmente ao nível dos costumes. A invadiram a Europa Oriental.
sociedade feudal, assim como a germânica, Isolada dos outros continentes, a Europa
organizou-se economicamente sobre atividades fragmentou-se. Os constantes ataques e saques
agropastoris. criaram uma insegurança geral. As vias de
A descentralização do poder é herança comunicação ficaram bloqueadas. As últimas
da cultura germânica. As várias tribos viviam invasões amadureceram as condições para o
de maneira autônoma, relacionando-se apenas pleno estabelecimento do sistema feudal.
quando se defrontavam com um inimigo O comércio regrediu ao nível de troca
comum. Então, uniam-se sob o comando de um direta. A economia agrarizou-se plenamente.
só chefe. As cidades despovoaram-se, completando o
As relações entre o suserano e o processo de ruralização da sociedade. O poder
vassalo, baseadas na honra, lealdade e político se descentralizou em uma
liberdade tiveram suas origens no comitatus multiplicidade de poderes localizados e
germânico. O comitatus era um grupo formado particularistas. O feudalismo se estabeleceu em
pelos guerreiros e seu chefe. Possuía sua plenitude.
obrigações mútuas de serviço e lealdade. Os
guerreiros juravam defender seu chefe e este se 02. Características gerais do
comprometia a equipá-los com cavalos e feudalismo.
armas. Mais tarde, no feudalismo, essas
relações e honra e lealdade, geraram as
Denomina-se feudalismo o sistema
relações de suserania e vassalagem. A prática
econômico, político e social dominante na
da homenagem, típica no Império Carolíngio,
Europa durante a Idade Média. Alguns
pela qual os vassalos juravam fidelidade ao
historiadores preferem utilizar, em lugar do
suserano, provavelmente tinha derivado do
termo sistema, o conceito de modo de
comitatus.
produção.
Também o direito no feudalismo teve
A forma como uma sociedade, em um
influência germânica. Baseava-se nos costumes
determinado período histórico, organiza sua
e não na lei escrita. Era considerado uma
produção de bens materiais, a relação entre
propriedade do indivíduo, inerente a ele em
seus homens e a sua produção intelectual é
qualquer local que estivesse. Tal forma do
chamada de modo de produção.
Direito, considerado produto dos costumes e
Independentemente de sua localização
não da autoridade, é conhecido por direito
geográfica, ou do período de sua existência,
consuetudinário.
toda sociedade possui um modo de produção
que a caracteriza.
1.4. O apogeu do feudalismo.
Como todo modo de produção, também
o feudalismo é composto de estruturas
O processo de declínio do comércio,
econômicas, políticas, sociais e ideológicas
agrarização da economia, ruralização da
(culturais) que se articulam mutuamente,
sociedade e descentralização do poder político
relacionando-se e modificando-se umas às
teve início no final do Império Romano do
outras.
Ocidente. A lenta integração entre aspectos da
sociedade romana e da sociedade germânica foi
2.1. Estruturas econômicas
acelerada com as invasões dos séculos VIII e
IX.
Toda forma que o homem encontra de
Em 711, os muçulmanos, vindos da
estruturar a produção de bens materiais pode
África, conquistaram a Península Ibérica, a
ser considerada uma unidade de produção.
Sicília, a Córsega e a Sardenha, "fechando" o
Assim, em nossos dias, a fábrica, a fazenda são
mar Mediterrâneo à navegação e ao comércio
unidades de produção. No feudalismo, o feudo
dos europeus. Ao norte, no século IX, os
era a unidade de produção. A propriedade
normandos também se lançaram à conquista da
feudal, ou senhorial, pertencia a uma camada
Europa, Conquistaram a Bretanha e o noroeste
privilegiada, composta pelos senhores feudais,
da França. Penetraram no continente europeu
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altos dignatários da Igreja (o clero) e Assim o feudo produzia tudo o que
longínquos descendentes dos chefes tribais necessitava e consumia tudo que produzia. Era
germânicos (a nobreza). Alguns senhores uma economia auto-suficiente, organizada
feudais eram proprietários de centenas, às para suprir apenas as necessidades do próprio
vezes até mais de mil desses domínios. Não há feudo. A produção econômica voltava-se para a
certeza absoluta sobre o tamanho médio dessas subsistência. Não havia produção de bens
unidades econômicas. Mas sabe-se que as excedentes para o comércio entre os diversos
menores compreendiam no mínimo 120 feudos. O comércio havia desaparecido quase
hectares (1 200 000 m). por completo, na Europa.
Cada um dos feudos era composto por A troca de mercadorias realizava-se
um castelo, onde moravam o senhor feudal, sua semanalmente dentro do próprio feudo, em um
família e empregados; a vila ou aldeia, onde mercado mantido junto de uma Igreja, castelo
moravam os servos; a igreja; uma casa ou mesmo na própria aldeia. As trocas
paroquial; celeiros; fornos; açudes; pastagens ocorriam de bens por bens, sem o uso de
comuns; e mercado, onde nos fins de semana moedas (economia natural). Assim, quem
trocavam o que era produzido. As terras eram produzia trigo, cevada ou outros cereais e
divididas em três partes distintas: a propriedade quisesse, por exemplo, ovos, sempre
privada do senhor, chamada domínio ou encontraria alguém que se dedicava a criar
manso senhorial; o manso servil, que galinhas interessado em realizar a troca. O
correspondia à porção de terras arrendadas aos mesmo ocorria com objetos artesanais, como
camponeses e era dividido em lotes casacos de lã, vestes de linho, utensílios
denominados tenências; e ainda o manso domésticos etc. Provavelmente, apenas alguns
comunal, constituído por terras coletivas - poucos produtos como o sal e o ferro tivessem
pastos e bosques - usadas tanto pelo senhor sido comprados através das moedas de ouro ou
como pelos servos. prata que os nobres mantinham armazenadas
Devido ao caráter expropriador do em seus cofres.
sistema feudal, caracterizado pelas obrigações
(talha, corvéia, etc.), o servo não se sentia 2.2. As estruturas sociais.
estimulado a aumentar a produção com
inovações tecnológicas, pois isso significaria Nessa sociedade rural, de economia
produzir mais - porém não para si, mas para o essencialmente agrária, a propriedade ou posse
senhor. Além disso, devido ao sistema da terra determinava a posição do indivíduo na
comunitário de cultivo, qualquer nova forma de hierarquia social. A terra era a expressão da
trabalhar a terra necessitava da aprovação de riqueza, da influência, da autoridade e do
toda a comunidade da aldeia. Por esses poder. A posse da terra era o critério de
motivos, o desenvolvimento técnico do período diferenciação dos grupos sociais rigidamente
foi irrelevante, de certa maneira limitando a definidos: de um lado, os senhores, cuja
produtividade. A principal técnica adotada foi a riqueza provinha da posse territorial e do
agricultura dos três campos (rotação de trabalho servil; de outro, os servos, vinculados
culturas), que evitava o esgotamento do solo, à terra e sem possibilidade de ascender
mantendo a fertilidade da terra. Dividia-se a socialmente. A esse tipo de sociedade,
terra arável em três partes: o terreno de plantio estratificada, sem mobilidade, dá-se o nome de
da primavera, o de plantio do outono e outro sociedade estamental.
que ficava em pousio (descanso). A cada ano Assim, a sociedade feudal era composta
se invertia a utilização dos terrenos, de forma a por dois estamentos, ou seja, dois grupos
que sempre um tivesse período de recuperação. sociais com status fixo: os senhores feudais e
A produção feudal era agrícola, sendo a os servos. Os senhores feudais eram os
terra sua fonte de riqueza fundamental. Os possuidores ou proprietários de feudos.
servos produziam, também, qualquer objeto Formavam uma aristocracia dominante, sendo
mobiliário que necessitassem, de rústicos originários da nobreza e do clero.
móveis a agasalhos de lã. O senhor feudal logo A nobreza se subdividia em duques,
atraía a seu castelo os servos que condes, barões e marqueses. Dedicavam-se
demonstravam ser hábeis artesãos, a fim de que basicamente às atividades militares. Eram os
produzissem para ele os objetos que utilizava. bellatores (palavra latina que significa
guerreiros). Em tempos de paz, as atividades
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favoritas da nobreza eram a caça e os violentos De certo modo, isso lhe dava alguma
torneios esportivos, que serviam de treino para segurança, pois, ao contrário do escravo, o
a guerra. servo podia contar com um pedaço de terra
O clero, senhores feudais eclesiásticos, para sustentar sua família, ainda que
vinculados à Igreja Romana, pertenciam à alta precariamente.
hierarquia do clero. Eram, geralmente, bispos, De maneira geral, clero, nobreza e
arcebispos e abades. Eram os oratores (palavra servos eram os grupos definidores da
latina que significa rezadores). O alto clero hierarquia feudal, havendo, entretanto, alguns
dirigia a Igreja, administrava suas propriedades grupos sociais menores, cujo referencial era
agrárias e tinha grande influência política e estabelecido entre senhores e servos. Nesses
ideológica (isto é, na formação das grupos encontram-se os vilões, antigos
mentalidades e das opiniões). proprietários livres, embora permanecessem
Os servos eram constituídos pela maior ligados a um senhor. Na realidade, eram servos
parte da população camponesa, eram com menos deveres e mais liberdades, com
chamados, em latim, de laboratores, que obrigações quase sempre bem-definidas e que
significa trabalhadores. Realizavam todos os não poderiam ser aumentadas segundo a
trabalhos necessários à subsistência material: vontade do senhor. Havia, também, um
produziam alimentos, roupas, móveis etc. reduzido número de escravos; os ministeriais,
Viviam como os antigos colonos romanos - serviçais como criados, artífices, feitores; e
presos à terra e sofrendo intensa exploração. uma população urbana formada por pequenos
Eram obrigados a prestar serviços ao senhor e a mercadores e artesãos que se dedicavam ao
pagar-lhe diversos tributos em troca da comércio.
permissão de uso da terra e de proteção militar.
 Corvéia: trabalho gratuito nas terras do 2.3. As estruturas políticas.
senhor (manso senhorial) em alguns dias da
semana. Cada feudo produzia, praticamente,
 Talha: porcentagem da produção das tudo o que necessitava para sua sobrevivência.
tenências. Era, portanto uma economia descentralizada. O
 Banalidades: tributo cobrado pelo o uso de mesmo acontecia com a política, o poder era
instrumentos ou bens do senhor, como o descentralizado. Não havia um poder central
moinho, o forno, o que determinasse regras sociais, idênticas para
celeiro, as pontes. todos os feudos. Os reinos europeus não
 Capitação: imposto pago por cada membro contavam com um governo forte e
da família servil (por cabeça). centralizado. Quer dizer, os reis continuavam
 Tostão de Pedro: imposto pago à igreja, existindo, mas não tinham um poder efetivo
utilizado para manutenção da capela local. sobre toda a nação. Em cada feudo, o senhor
 Mão-morta: tributo cobrado na feudal organizava e administrava
transferência de lote de um servo falecido a independentemente de outro poder.
seus herdeiros. No feudo, cada senhor feudal era
soberano. Possuía o monopólio da força, pois
 Formariage: taxa cobrada quando
chefiava o exército. Administrava a justiça, de
camponês se casava.
acordo com os costumes que garantiam a sua
 Albergagem ou prestação: obrigação de
apropriação sobre boa parte do que era
alojamento e fornecimento de produtos ao
produzido. Apenas temporariamente, em
senhor e sua comitiva
ocasiões de guerra, realizava-se a centralização
quando viajavam.
político-militar, colocando-se todos os
Embora a vida do camponês fosse
senhores feudais, com seus exércitos, sob as
miserável e ele se submetesse completamente
ordens e comando do rei.
ao senhor, a palavra escravo seria imprópria
Os vínculos e a hierarquia entre a
para designar sua condição, uma vez que o
nobreza feudal eram estabelecidos pelos laços
servo achava-se ligado à terra , não podendo
de suserania e vassalagem. Devido à grande
ser dela retirado para ser vendido. Assim,
importância da terra na época feudal, em
quando um senhor entregava sua terra a outro,
decorrência da escassez de moedas e de outras
o servo apenas passava a ter um novo amo,
formas de riqueza, estimulou-se a prática de
permanecendo, contudo, na mesma tenência.
retribuir serviços prestados com a concessão de
53
terras. Os nobres que as cediam eram os A moral religiosa condenava o
suseranos e aqueles que as recebiam comércio, o lucro e a usura (empréstimo com
tornavam-se seus vassalos. cobrança de juros). Nas artes predominavam
O vassalo passava a ter, entre outras temas de inspiração religiosa. Nas letras, os
obrigações, a de colocar seu exército à sábios e eruditos só escreviam e falavam no
disposição do suserano, dar-lhe hospedagem idioma oficial da Igreja, o latim. A ciência
quando necessário, contribuir para o dote e reproduzia em suas explicações sobre a
armação dos seus filhos. O suserano, por seu natureza interpretações feitas sobre os escritos
lado, devia ao vassalo proteção militar, garantia bíblicos. Na filosofia, a última palavra cabia
da posse do feudo doado, tutela sobre os aos doutores da Igreja
herdeiros e sobre a viúva do vassalo morto. O mundo feudal estabeleceu-se de
A atribuição de um feudo compreendia forma rigorosamente hierárquica e o lugar mais
uma série de atos solenes. Primeiro o vassalo importante coube à Igreja. Possuía, ao mesmo
prestava a homenagem, colocando-se de tempo, ascendência econômica e moral. Seus
joelhos, com a cabeça descoberta e sem espada, domínios territoriais suplantavam os da
pondo suas mãos entre as mãos do suserano e nobreza e sua cultura demonstrava ser
pronunciando as palavras sacramentais de incomparavelmente superior.
juramento de fidelidade ao suserano, Em uma sociedade onde a ignorância
comprometendo-se a acompanhá-lo nas era generalizada, a Igreja detinha dois
guerras, assim como o suserano jurava, em instrumentos indispensáveis: a leitura e a
reciprocidade, proteção ao vassalo. Em escrita. Os reis e nobres recrutavam,
seguida, o senhor permitia que se levantasse, forçosamente, no clero, os seus chanceleres,
beijava-o e realizava a investidura com a secretários, funcionários burocráticos, enfim,
entrega de um objeto simbólico, punhado de todo o pessoal letrado imprescindível.
terra, ramo, lança ou chave, representando a
terra enfeudada. A BAIXA IDADE MÉDIA
Os laços de suserania e vassalagem
vinculavam toda a nobreza feudal. Por O período conhecido por Baixa Idade
exemplo, um barão doava um feudo a um Média, que se estendeu dos séculos X ao XV,
marquês. Este, ao receber o feudo, prestava-lhe foi marcado por profundas transformações na
homenagem. O barão tornava-se suserano do sociedade, as quais conduziram à separação das
marquês e este, vassalo do barão. O barão, estruturas feudais e à progressiva estruturação
entretanto, havia recebido feudos de um conde, do futuro modo de produção capitalista.
prestando-lhe o juramento de vassalagem. No plano econômico, a economia auto-
Assim, o barão, suserano do marquês, era, ao suficiente, típica do feudalismo, foi substituída
mesmo tempo, vassalo do conde. A relação de por uma economia comercial. No plano social,
obrigação recíproca entre suseranos e vassalos a hierarquia estamental foi se desintegrando,
fez da dependência a característica principal surgindo paralelamente um novo grupo social
das relações sociais feudais. ligado ao comércio: a burguesia. Politicamente,
o poder pessoal e universal dos senhores
2.4. As estruturas ideológicas. feudais foi sendo gradualmente substituído
pelo poder centralizador dos soberanos,
A cultura feudal foi caracterizada por originando as monarquias nacionais européias.
uma visão do homem voltada para Deus e para Essas mudanças, que marcaram o início
a vida após a morte na Terra. Esse tipo de visão da Baixa Idade Média, emergiram das próprias
de mundo, em que Deus é considerado o centro contradições da estrutura feudal, que se
do Universo, chama-se teocentrismo. mostrou incapaz de atender às necessidades da
A Igreja conseguiu sobreviver às população européia. O feudalismo conservou
invasões germânicas e logo depois iniciou o muitas de suas características ainda por muito
processo da conversão dos bárbaros. Com tempo, ocorrendo uma transição gradativa, que
isso, transformou-se na mais poderosa e só atingiria a maturidade alguns séculos
influente instituição do sistema feudal, sendo a depois.
principal divulgadora da cultura teocêntrica.
Todas as relações típicas do feudalismo foram
01. O Crescimento Demográfico
justificadas e legitimadas pelo teocentrismo.
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territórios conquistados. Foi nesse contexto que
O fim das invasões na Europa se inseriram a expansão germânica para leste, a
proporcionou ao homem medieval melhores participação de muitos cavaleiros na Guerra de
condições de cultivo da terra. As epidemias, Reconquista contra os árabes, na península
que assolaram a Europa logo após as invasões, Ibérica, e o movimento das Cruzadas.
diminuíram com isolamento da população em
feudos, o que dificultava o contágio. Em 02.O Movimento das Cruzadas
conseqüência, a partir do século X, o índice de
natalidade começou a superar o de mortalidade. O movimento cruzadista é, geralmente,
O crescimento demográfico esbarrava, definido como uma série de expedições
porém, nas limitações do modo de produção armadas realizadas pelos cristãos contra os
feudal: a produção servil era limitada, não muçulmanos, com o propósito de romper o
aumentando com a demanda de consumo, cerco a que vinham submetendo a Europa
devido às variadas formas de tributação e às desde do século VIII. Assim, a idéia de
técnicas rudimentares. Assim, a produção foi se libertação de lugares religiosos tradicionais,
tornando insuficiente para atender ao consumo, como o Santo Sepulcro, na Palestina ,
o que viria a causar transformações na vida transformou-se em bandeira desse movimento.
feudal européia. Como conseqüência imediata Essas expedições já eram solicitadas
houve a marginalização social: os senhores pelos imperadores bizantinos, que
feudais , buscando ajustar o consumo à necessitavam de auxílio do Ocidente para
produção, expulsavam o excedente conter o avanço dos turcos seljúcidas sobre seu
populacional de suas terras. território. A Igreja Católica acabou assumindo
Boa parte dessa população estabeleceu a liderança do movimento cruzadista,
em aldeias ou em antigos centros urbanos, ambicionando reafirmar-se no Oriente:
convertendo-os em mercados latentes, em alcançaria assim seu ideal de reunificação das
incipientes pólos comerciais. Outros buscavam suas igrejas, anulando autonomia da Igreja
sobreviver do saque, formando grupos de Ortodoxa.
bandoleiros que assaltavam sistematicamente Inegavelmente, a religiosidade do
as estradas. homem medieval foi fator determinante para a
O crescimento demográfico, ao exigir organização das Cruzadas. Entretanto, outros
maiores colheitas, estimulou inicialmente o fatores, como a marginalização decorrente do
aperfeiçoamento das técnicas agrícolas. crescimento demográfico e a persistência do
Surgiram, assim, instrumentos de ferro, entre direito de primogenitura, fora igualmente
os quais o arado, em substituição aos de importantes na constituição desse movimento.
madeira; os animais passaram a ser ferrados e Segundo o direito de primogenitura, apenas o
ganharam novo atrelamento; os moinhos filho mais velho do senhor feudal herdava as
hidráulicos foram aperfeiçoados. terras e os títulos paternos, restando aos outros
O relativo progresso técnico, contudo, filhos apenas as alternativas de se tornarem
encontrou obstáculos na própria estrutura vassalos de um outro senhor, ingressar nos
estamental: o servo não se motivava para a quadros eclesiásticos ou partir, como cavaleiro,
inovação, já que, se houvesse aumento em busca de aventuras e conquistas.
produtividade, caber-lhe- ia uma parcela maior Para os setores marginalizados, não
de tributos, como a talha, a corvéia, etc., e incorporados ao processo de produção, e para
quase nenhuma vantagem. os nobres sem feudos, as Cruzadas
O desenvolvimento tecnológico, representavam, então, uma oportunidade de
portanto, foi bastante limitado, não aventura e, eventualmente, de enriquecimento.
correspondendo à crescente necessidade de Também o interesse comercial,
consumo. Houve, além disso, uma expansão sobretudo dos negociantes italianos, foi
dos limites do espaço agrícola para as áreas de decisivo para a constituição das Cruzadas. Para
bosques e florestas, o que, entretanto, foi esses comerciantes , essas expedições
insuficiente, impondo-se a necessidade de significavam a possibilidade de reabertura do
ampliar os limites geográficos. Utilizou-se Mediterrâneo e a obtenção de entrepostos e
nesse processo de expansão a própria vantagens comerciais no Oriente.
população excedente, a qual participava das Assim, usando o avanço dos turcos
conquistas militares e da ocupação dos seljúcidas como pretexto, o papa Urbano II,
55
em discurso proferido no Concílio de do Mediterrâneo, restabelecendo o comércio
Clermont, em 1095, conclamou os cristãos a entre Ocidente e Oriente.
integrar o movimento cruzadista. Esse discurso * Cruzada das Crianças (1212).
expressa claramente as intenções da Igreja, Outro movimento extra-oficial, baseado na
bem como os problemas que afetavam a crença de apenas as almas puras poderiam
Europa do século XI. libertar Jerusalém. Apesar da posição do papa
Foram organizadas diversas Cruzadas Inocêncio III, a Cruzada efetivou-se, mas as
entre 1096 e 1270.Vejamos as principais: crianças acabaram vendidas como escravas no
* Cruzada dos Mendigos (1096). Norte da África.
Movimento extra-oficial. Comandada por * Quinta Cruzada (1228- 1221).
Pedro, o Eremita, e Gautier Sem-Vintém, Dirigida por André II, da Hungria, contra o
constituiu um movimento popular que bem Egito, não obteve qualquer resultado
caracteriza o misticismo da época. Iniciou-se significativo.
antes da Primeira Cruzada oficial, sendo * Sexta Cruzada (1228-1229).
massacrada pelos turcos. Realizada por Frederico II, imperador do Sacro
* Primeira Cruzada (1096-1099) Império, essa Cruzada resultou apenas em
- Cruzada dos Nobres. Comandada acordos diplomáticos com os turcos.
principalmente por Godofredo de Bulhão, * Sétima e Oitava Cruzadas
Raimundo de Toulouse e Boemundo, foi a (1250 e 1270). Sua importância reside no fato
única Cruzada que obteve efetivos sucessos, de terem sido comandadas por Luís IX, rei da
reconquistando Jerusalém em 1099, França, posteriormente canonizado como São
organizando a região de forma feudal. Luís. Voltaram-se contra o Egito sem nenhum
Possibilitou, ainda, a criação de ordens sucesso.
monásticos como as dos Templários e Pouco a pouco, tornaram-se bastante
Hospitalários. claros os interesses materiais envolvidos nesse
* Segunda Cruzada (1147-1192). movimento, e, assim, destituídas em sua
Refeitos da surpresa inicial, os turcos se essência de sentido espiritual, as Cruzadas
reorganizaram, empreendendo a reconquista acabaram por comprometer o prestígio da
dos territórios perdidos. Contra eles, Igreja entre os fiéis. Todavia, no aspecto
organizou-se a Segunda Cruzada, pregada por econômico, esses empreendimentos foram
São Bernardo e liderada pelos reis Luís VII extremamente importantes:
(França) e Conrado III (Sacro Império). Não
atingiu seus objetivos e desintegrou-se sem 03. O Renascimento Comercial
resultado significativos.
* Terceira Cruzada (1189-1192) As cidades italianas foram as principais
- Cruzada dos Reis. É assim denominada pela beneficiárias da retomada dos contatos
participação dos três principais soberanos comerciais entre Ocidente e Oriente, através do
europeus da época: Ricardo Coração de Leão mar Mediterrâneo. Devido às condições
(Inglaterra), Filipe Augusto (França) e geográficas favoráveis e ao fortalecimento de
Frederico I, o Barba-Ruiva (Sacro Império). suas ligações comerciais com o Oriente,
Sua convocação ocorreu quando da retomada através da distribuição das mercadorias
de Jerusalém pelo Sultão Saladino, em 1187. orientais por todo o continente europeu. Na
Frederico morreu a caminho e Filipe Augusto Europa setentrional, o comércio desenvolveu-
retornou à França; Ricardo combateu sem se especialmente nos mares Báltico e do Norte,
sucesso e finalizou a Cruzada estabelecendo sobretudo na região de Flandres, famosa pela
acordo com Saladino, que permitia a produção de lã.
peregrinação cristã a Jerusalém. A intensificação das atividades no sul e
* Quarta Cruzada (1202-1204) - no norte do continente europeu propiciou a
Cruzada Comercial. Assim designada por ter ligação entre essas regiões, fluviais. Assim,
sido desviada de seu intuito original pelo doge navegando por rios como o Danúbio, o Reno e
(duque) Dândolo, de Veneza, que levou os o Ródano, os mercadores empreendiam suas
cristãos a saquear Zara e Constantinopla, onde viagens de negócios, reunindo-se nas feiras,
fundaram o Reino Latino de Constantinopla, que eram pontos de comércio temporário. Até o
que durou até 1261. Veneza assumiu o domínio século XVI, as mais importantes feiras se
realizavam em Champanhe, condado francês
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localizado num dos pontos mais centrais da As hansas foram responsáveis pela
Europa ocidental. Nesses mercados dinamização das cidades e dos mercados. Suas
ambulantes, os comerciantes do norte podiam atividades, fundamentadas nas concepções de
oferecer seus produtos (tecidos, peles, madeira, lucro e de capitalização, prenunciavam o
mel, e peixes) aos italianos, adquirindo deles as desenvolvimento econômico tipicamente
mercadorias orientais. capitalista, próprio da Revolução Comercial
Esse comércio possibilitou o retorno dos séculos XV e XVI.
das transações financeiras, com reaparecimento
da moeda, o novo impulso à atividade 04. O Renascimento Urbano
creditícia e a entrada em circulação das letras
de câmbio, realçando as atividades bancárias. A ascensão dos comerciantes permitiu
Com isso, a terra deixava de constituir a única que se instalasse, na Baixa Idade Média, o
expressão da riqueza, aparecendo com destaque estilo de vida urbano, e a sociedade estamental
um novo grupo social, os mercadores. foi progressivamente cedendo espaço a uma
A partir do século XIV, o comércio das outra estrutura em classes.
feiras de Champanhe atravessou uma séria As vilas e as cidades cresceram tão
crise, decorrente da Guerra dos Cem Anos rapidamente que, por volta do século XIV,
(1337-1435), entre a Inglaterra e a França, e da havia sido deslocada para atividades
disseminação da peste negra. O declínio de comerciais e artesanais. Muitos centro urbanos
Champanhe proporcionou a ascensão tomaram impulso a partir das antigas vilas e
econômica da região de Flantres, embora a cidades, enquanto outros surgiram
rota de acesso a essa região, até então espontaneamente em locais mais bem situados.
constituída pelo rio Reno, apresentasse Algumas cidades formaram-se na confluência
inconvenientes, pois os mercadores eram de estradas ou junto à foz de um rio. Outras
obrigados a pagar taxas pelo direito de desenvolveram-se perto de abadias, junto a
passagem pelas terras dos senhores feudais da castelos fortificados ou em locais de feiras.
região. A denominação burgos, pela qual são
Diante dessas dificuldades, os italianos conhecidas essas cidades, deve-se ao fato de
passaram a utilizar, com freqüência, uma rota muitas delas serem fortificadas (em latim,
alternativa para alcançar Flandres: burgu significa "fortaleza"). As muralhas que
atravessavam o Mediterrâneo, em direção a as circundavam serviam para garantir a
Gibraltar, e dali navegavam pelo oceano proteção de seus moradores, os burgueses. Não
Atlântico, rumo ao mar do Norte. Nesse raramente, quando as muralhas já não
processo, a península Ibérica, mais comportavam toda a população, construíram-se
precisamente a região de Portugal, passou a novas muralhas ao redor das primeiras,
constituir um ponto de escala, beneficiando-se formando-se assim uma série de anéis em torno
com as atividades mercantis. do núcleo original.
A partir do século XII, surgem as Embora desenvolvessem livremente as
hansas, ou ligas, poderosas associações de atividades de comércio e artesanato, as cidades
comerciantes que congregavam os interesses de medievais situavam-se em áreas pertencentes a
diversas cidades, realizando o comércio em feudos. Submetiam-se, portanto à autoridades
grandes escala. Dentre as diversas associações dos senhores feudais, sendo os burgueses
surgidas na Baixa Idade Média, destaca-se a obrigados a pagar pesados impostos.
Merchants of the Staple, que controlava a Entretanto, com o crescimento das atividades
exportação de lã da Inglaterra e a importação comerciais e a ascensão da burguesia, essas
de mercadorias de várias cidades flamengas. cidades passaram a buscar sua independência.
Também a Hansa Teutônica era muito Essa luta pela autonomia urbana estendeu-se de
influente, pois constituía uma associação de meados do século XI ao século XII e ficou
mercadores alemães que praticavam o conhecido pelo nome de movimento comunal.
comércio de produtos da região dos mares A emancipação das cidades, quando
Báltico e do Norte. Essa associação, obtida por meios pacíficos, implicava, muitas
posteriormente transformada na Liga vezes, o pagamento de uma indenização aos
Hanseática, chegou a reunir mercadores de senhores feudais. Em outras situações, quando
aproximadamente 80 cidades, sob a liderança os senhores ofereciam resistência, as cidades
de Lubeck, cidade alemã.
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buscavam o apoio real, recorrendo à luta determinar as técnicas e as normas de trabalho,
armada. assim como estipular salários. Abaixo do
As cidades que se emancipavam da mestre, como auxiliares de oficina, estavam os
tutela feudal procuravam assegurar suas companheiros ou oficiais, que eram
conquistas por meio das cartas de franquia, remunerados pelo seu trabalho como
documento através do qual se formalizavam as verdadeiros assalariados. Freqüentemente,
conquistas da burguesia: direito de arrecadar oficiais experientes tornavam-se mestres, desde
impostos em proveito da própria cidade, que a corporação autorizasse e houvesse
liberando-se dos tributos as senhores feudais; mercado para mais uma oficina naquela cidade.
direito de organizar sua própria milícia; Na base da pirâmide ficavam os aprendizes,
autonomia administrativa e judiciária. que, geralmente muito jovens, não tinham
conhecimento profundo do ofício. Em troca de
seu trabalho, recebiam do mestre, além do
aprendizado, alimentação, alojamento e
05. As Corporações de Ofício vestuário.
No final da Idade Média, com a
Emancipadas da tutela feudal e intensificação do comércio, a mobilidade
organizadas em governos comunais, as cidades hierárquica de grande parte das corporações
deram suporte ao desenvolvimento da tornou-se menor. O enriquecimento de uma
economia monetária e mercantil, que parcela dos mestres levou-os a adquirir o
progressivamente ia substituindo a economia controle e a exclusividade daquelas atividades
feudal. artesanais para si e suas famílias. Assim, a
Nas cidades medievais, as instituições maioria dos trabalhadores já não encontrava
econômicas básicas eram as corporações de chances de prosperar economicamente,
mercadores e as corporações de ofício. As resignando-se a ser empregado durante toda a
corporações de mercadores, ou guildas, eram vida. A crescente exploração da mão-de-obra
associações que buscavam garantir o assalariada possibilitou que muitos
monopólio do comércio local, limitando proprietários de oficinas capitalizassem
duramente o comércio feito por estrangeiros e recursos suficientes para deixarem de ser
controlando os preços dos produtos. As mestres e se tornarem exclusivamente
corporações de ofício desempenhavam empregadores burgueses.
funções semelhante, visando manter o
monopólio se seus ramos de atividades, 06. A Crise dos Séculos XIV E XV
impedindo a concorrência entre os que
produziam um mesmo artigo e controlando os A crise do século XIV desestruturou o
preços e a qualidade do produto. sistema feudal, anunciando o fim da Idade
Influenciadas pela cultura cristã da Média. Vários fatores conjugados foram
época a escolástica-, as corporações quase responsáveis pelo término do período
sempre condenavam a usura, defendendo o medieval.
"preço justo". Uma mercadoria deveria ser Agravaram-se as contradições entre o
vendida pelo preço da matéria-prima utilizada campo e a cidade
mais o valor da mão-de-obra empregada. A produção agrícola não respondia às
Assim, as corporações eram eminentemente exigências das cidades em crescimento. Nos
feudal: limitadora do lucro e com regras séculos XI, XII e primeira metade do século
impostas pela Igreja. Entretanto, numa XIII, a utilização de novas terras e as inovações
verdadeira simbiose entre o novo e o velho, técnicas permitiram uma ampliação da
essas instituições, ao mesmo tempo que se produção. Na última década do século XIII já
submetiam ao teocentrismo feudal, ampliavam não restavam terras por ocupar, e as utilizadas
a importância da vida urbana, forjando a estavam cansadas, gerando uma baixa
transição para uma nova era. produtividade. A exploração predatória das
Na organização hierárquica das novas terras contribuiu para a queda de sua
corporações de ofício, o mais alto posto era fertilidade, e o desmatamento intenso provocou
ocupado pelo mestre artesão, o qual também alterações ecológicas e climáticas. Períodos
era o proprietário da oficina, da matéria-prima, excessivamente chuvosos alternavam-se com
das ferramentas e do produto final. Cabia-lhe períodos extremamente secos, fato que, fez
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diminuir a produção agrícola e encarecer os acompanhada de alta sem precedentes nos
produtos. As inovações técnicas anteriores já preços dos cereais, que chegaram a ter seus
não respondiam às novas necessidades. Além preços oito vezes multiplicados.
disso, a substituição do trabalho servil pelo Três décadas depois, a Europa se
trabalho assalariado ocorria muito lentamente. defrontou com a mais devastadora epidemia
Por outro lado, a atividade comercial se que a História já registrou. A chamada Peste
estagnou devido, principalmente, à falta de Negra foi, ao que parece, um surto de peste
moedas e à insuficiência de mercados. As bubônica, transmitida por ratos. Acredita-se
minas de ouro e prata haviam se esgotado na que tenha sido trazida do Oriente, por um navio
Europa. O mercado consumidor europeu se veneziano e dali tenha se propagado por toda a
mostrava estreito para o comércio em Europa. De 1347 a 1350, um terço da
expansão. população européia desapareceu vitimada pela
Com a insuficiente produção agrícola e epidemia. Essa queda demográfica variou de
a estagnação do comércio, a fome se alastrou região para região, sendo de um terço a sua
pela Europa. A desnutrição e as más condições média.
de higiene propiciaram a ocorrência de Impotentes diante da desconhecida
sucessivos surtos epidêmicos, dos quais o mais doença, os médicos da Faculdade de Medicina
desastroso foi a chamada Peste Negra, entre de Paris emitiram o seguinte parecer:
1347 e 1350. "Digamos antes de mais, que a causa longínqua
Paralelamente à fome e à peste, a e primeira desta peste foi e é ainda alguma
sociedade feudal do século XIV conheceu um constelação celeste a qual... causa real da
grande número de guerras e revoltas. A mais corrupção mortífera do ar que nos rodeia,
importante delas foi a Guerra dos Cem Anos, pressagia a mortalidade e a fome..."
entre França e Inglaterra.
Por fim, um fator fundamental para a b) As rebeliões dos servos
quebra das estruturas do sistema feudal foi a
longa série de rebeliões dos servos contra os A crise agrícola, a estagnação do
senhores feudais. Ainda que momentaneamente comércio, a conseqüente fome e peste, as
derrotados, os levantes dos servos foram guerras foram fatores que geraram uma abrupta
tornando inviável a manutenção das relações de diminuição da população européia. A Inglaterra
servidão. A partir do século XIV, com mais teve reduzida sua população de 3 750 000
rapidez em algumas regiões e menor em outras, habitantes, em 1348, para 2 250 000, em 1374,
as obrigações feudais foram se extinguindo. e 2 100 000, em 1430. A grosso modo, essas
proporções da queda demográfica ocorreram
a) A Grande Fome (1315-1317) e a em toda Europa Centro-Ocidental. Isso
Peste Negra (1347-1350) significava menos servos trabalhando em cada
feudo. Nessas condições, a nobreza feudal, já
Entre as constantes catástrofes que acostumada a novos hábitos de consumo
assolaram a Europa no século XIV, estão a criados pelo comércio, intensificou suas
Grande Fome e a Peste Negra. O período de exigências sobre os servos. Para conservar seu
fome de 1315 a 1317 parece ter sido, padrão de vida e financiar as guerras, passaram
proporcionalmente, o de maior conseqüência a impor uma verdadeira superexploração aos
na história da Europa. Trinta anos mais tarde, trabalhadores do campo. Estes reagiram através
um surto epidêmico de rara extensão espalhou- de revoltas ou fugas para as cidades.
se pelo continente. Os camponeses da França eram
Antes do ano 1000, a subalimentação na chamados, pejorativamente, de "Jacques
Europa era crônica. Do século XI ao XIII, o Bonhomme". Essa expressão era utilizada
aumento da produção agrícola e a expansão pelos nobres, caracterizando a situação do
através das Cruzadas reduziram muito a fome e homem, explorado, subnutrido e sempre
as pestes. Nesse período, a população submisso.
aumentou. Com o novo descompasso entre a No século XIV, os numerosos levantes
produção agrícola e as necessidades da camponeses ficaram conhecidos como
população, retornou o problema da fome. Três jacqueries. Nas décadas seguintes, ocorreram
anos de péssimas colheitas (1315-1317) outras inúmeras jacqueries de menor porte.
produziram uma terrível fome coletiva, Tiveram todas o mesmo fim. Embora
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derrotados, os levantes camponeses forçaram a comércio, começava a chocar-se com as
progressiva abolição de várias obrigações estáticas estruturas feudais. A existência de
feudais. uma diversidade de tributos, moedas, pesos e
Na maior parte da Europa Ocidental já medidas, leis e mesmo línguas, variando em
eram muito menores as obrigações feudais em cada feudo, entravava a expansão da emergente
meados do século XV. Os arrendamentos economia mercantil. Para a burguesia, nova
pagos em dinheiro substituíram boa parte das classe ligada ao comércio e às cidades, era
relações de servidão. Além disso, muitos necessário eliminar essas barreiras. Somente
servos conquistaram a liberdade completa. A livre desses entraves, a burguesia conseguiria
servidão continuava apenas nas regiões mais realizar a integração dos mercados.
distantes das cidades e das vias comerciais. Para tanto, tornava-se urgente
estabelecer um poder forte e centralizado,
capaz de controlar a nobreza, suprimir o
A FORMAÇÃO DOS ESTADOS particularismo, reduzir e uniformizar os
MODERNOS (AS MONARQUIAS impostos, padronizar os pesos, medidas e a
moeda, e oficializar uma língua única. O
NACIONAIS)
Estado Moderno, como expressão do
monopólio do poder e da força, surgiu da
01.Introdução necessidade de realizar essas tarefas. Não seria
particularista como o poder dos senhores
Durante o feudalismo, predominavam feudais, restrito apenas ao feudo, nem
na Europa a autoridade da nobreza e a da universalista como o difuso poder da Igreja,
Igreja. A nobreza impunha um poder de cunho que abrangia toda Europa. Nem, tampouco,
particularista, controlando apenas seus feudos. abrangeria área tão ampla como os antigos
A Igreja irradiava sua autoridade de forma impérios.
universal, espalhando-a por toda a Europa. Não Tanto os reis, de poder apenas formal,
havia um poder intermediário entre o como a burguesia, estavam interessados na
particularismo da nobreza e o universalismo da centralização do poder político e na integração
Igreja. As nações, como conhecemos hoje, econômica. Assim, o Estado Moderno nasceria
ainda não haviam surgido. O rei, nobre mais sob a forma de monarquias nacionais. Esse
importante de uma grande região, não possuía poder centralizado dominaria o particularismo
autoridade efetiva. Seu poder, na prática, era da nobreza e teria condições de libertar-se da
exercido apenas nos limites de seu próprio tutela universalista da Igreja.
feudo, como qualquer outro nobre. Na aliança entre a burguesia e o rei, a
O poder da nobreza, extremamente burguesia contribuiria com o dinheiro e o
forte, era efetivo e concreto. O nobre, dentro de monarca imporia as modificações que
seu feudo, detinha a soberania absoluta. favorecessem o comércio. Com o dinheiro,
Comandava seu exército, cunhava suas entre outras coisas, o rei organizaria um
moedas, ditava suas leis. exército profissional, modernizado, equipado
Esse particularismo político com as melhores armas, capaz, portanto, de
complementava o particularismo econômico. A impor sua autoridade aos outros nobres.
Europa estava dividida em feudos, unidades de A existência de uma monarquia
produção auto-suficientes. Organizados nacional restringia o poder particularista da
economicamente de forma fechada, a grosso nobreza e o universalismo da Igreja. Assim, a
modo nada importavam e nada exportavam. luta entre a burguesia e a realeza, de um lado, e
Produziam tudo o que consumiam e a nobreza e a Igreja, de outro, constituiu o
consumiam tudo o que produziam. cerne do processo de formação do Estado
Nessa sociedade européia Moderno na Europa Ocidental. Esse processo
descentralizada e particularista, a Igreja se teve início no final do século XII e se
apresentava como instituição universal, consolidou no século XV, quando as
impondo seus valores e sua autoridade. monarquias adquiriram uma característica
A centralização do poder e a formação absolutista.
do Estado Moderno estão estreitamente ligados A monarquia nacional foi a forma sob a
ao Renascimento Comercial e Urbano. O qual se estruturou o Estado na Baixa Idade
dinamismo da nova economia, baseada no Média e Idade Moderna. Enquanto o império
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teve caráter supranacional, a monarquia marinha, polícia) diretamente controladas pelo
possuía caráter eminentemente nacional. Ela governante.
compreendia um território delimitado por Idioma nacional : para unir os
fronteiras, habitado por uma população de membros da sociedade em torno do Estado
língua, cultura e história homogêneas, nacional, valorizou-se a cultura própria de
subordinada a um poder central. cada povo. Um dos elementos culturais que
A autoridade do poder central exercida mais influenciaram o sentimento nacionalista
sobre o povo e o território é conhecida como foi o idioma. Falado pelo mesmo povo, o
soberania. Essa autoridade pode ser exercida idioma identificava os membros da sociedade e
por hegemonia ou dominação. A hegemonia transmitia as origens, as tradições e os
implica a adesão e o consentimento ativo por costumes da nação.
parte dos governados, que, livre e
espontaneamente, aceitam a autoridade dos
governantes. A dominação, entretanto, ocorre 02. A Monarquia Francesa
quando os governados não aceitam como
legítimos os governantes, que, então, só Embora a Europa como todo tenha
mantêm seu poder agindo principalmente pela vivido o processo de formação das monarquias
coação e violência. nacionais, a França constituiu seu exemplo
As monarquias nacionais resultaram da mais significativo.
convergência dos interesses políticos e Em 843, pelo Tratado de Verdun, os
econômicos da realeza e da burguesia em um netos de Carlos Magno dividiram o Império
determinado momento histórico. O poder Carolíngio. A Carlos coube a França ocidental,
central criado se apoiou em um aparelho a Lotário, a lotaríngia ou França central e a
burocrático, que garantiu uma administração Luís, a França oriental ou Germânia. Essa
unitária. Sua autoridade foi imposta à nobreza divisão deu origem aos Estados da França e da
através de um exército profissional. Tanto o Alemanha. Do reino da França ocidental,
aparelho burocrático como o exército foram herdado por Carlos, surgiu na Baixa Idade
instrumentos indispensáveis para o rei efetuar a Média a monarquia nacional francesa. Ali a
integração nacional dentro das fronteiras do Dinastia Carolíngia se extinguiu em 987. A
Estado. partir de então, com Hugo Capeto, iniciou-se a
O Estado Nacional Moderno apresentou Dinastia Capetíngia, que reinaria até 1.385.
as seguintes características: Quando da ascensão da Dinastia
Governo soberano : na monarquia Capetíngia, no século X, a França se
feudal, o poder político baseava-se na encontrava politicamente fragmentada. Frente
suserania, isto é, na relação de fidelidade aos grandes ducados e condados, e poder dos
e subordinação entre o suserano e o vassalo. Na capetíngios era quase simbólico. Seus domínios
monarquia nacional, desenvolveu-se a noção de limitavam-se às terras situadas entre
soberania, pela qual o soberano Campiègne e Orléans.
(governante) tinha o direito de fazer valer as Coube aos Capetos a difícil tarefa de
decisões do Estado perante os súditos superar a autonomia dos senhores feudais,
(governados). instalando progressivamente um poder real
Território definido : para impor as forte e de caráter nacional, pois até então o
decisões do governo soberano, era preciso poder era exercício, na realidade, por vassalos
definir as fronteiras políticas do Estado, isto reais: duques e condes, soberanos e autônomos.
é, estabelecer os limites territoriais de cada Além disso, ampliou a extensão de seus
país. Dentro desses limites, todas as decisões domínios. Desse processo resultou a formação
do governo deveriam ser respeitadas. da monarquia nacional francesa.
Poder judiciário unificado : para Na luta pela centralização política e
levar as normas do Estado a todo território, expansão territorial, os capetíngios não
aplicando-as à sociedade, era preciso criar enfrentaram apenas os grandes duques e
uma justiça unificada. barões. Confrontaram-se, também, com os
Força policial permanente : para interesses ingleses.
garantir a execução das leis e da vontade do Em 1066, a Inglaterra havia sido
governo soberano era preciso que o conquistada por Guilherme, duque da
Estado mantivesse as forças armadas (exército, Normandia, região situada a noroeste da
61
França. Guilherme tornou-se mais poderoso assumir o controle político de vasta áreas até
que seu próprio soberano, o rei da França. Com então sob domínio dos nobres locais.
o desenvolvimento da monarquia inglesa, O reinado de Luís IX (1226-1270)
foram mantidos para a Coroa inglesa os singularizou-se pela eficiência com que
territórios da Normandia. Para consolidar a combateu o particularismo feudal e pelo seu
monarquia francesa, os capetíngios teriam, esforço em consolidar a monarquia francesa.
além de submeter a nobreza, de arrebatar aos Esse soberano deu continuidade à obra de seu
ingleses seus territórios no norte da França. predecessor, assimilando e submetendo os
Essa tarefa só seria concluída com a guerra dos territórios conquistados por Filipe II. Para isso,
Cem Anos, nos séculos XIV e XV, já sob outra realizou importantes reformas judiciárias e
dinastia. financeiras, ampliando o poder dos tribunais
Antes desse conflito, diversos reais e instituindo uma moeda de circulação
soberanos capetíngios contribuíram nacional. Luís IX empreendeu, sem êxito, a
decisivamente para a formação da monarquia Sétima e a Oitava Cruzada, vindo a falecer
nacional na França. durante a última. Por sua profunda
Os domínios reais aumentaram quatro religiosidade, adquiriu a reputação de santo,
vezes quando Luís VII (1137-1180) casou com tendo sido de fato canonizado pela Igreja
Alienor, herdeira do Ducado da Aquitânia. Até alguns anos após sua morte, como São Luís.
Luís VII, houve progressos políticos, com Filipe IV, o Belo (1285-1314), deu
muito respeito e confiança no rei. prosseguimento à política de seus antecessores,
Filipe Augusto, ou Filipe II (1180- expandindo as fronteiras do reino e
1223), foi o grande artífice da centralização centralizando o poder. Entretanto, em sua luta
política francesa. Apoiada na expansão do pelo fortalecimento da monarquia, entrou em
comércio, contou com a colaboração financeira sérios conflitos com a Igreja, que impunha
da burguesia e pôde iniciar a organização de restrições à autoridade real.
um exército nacional e expandir As divergências entre o rei e a Igreja
consideravelmente as fronteiras do reino. intensificaram-se quando Filipe IV, cujo
Ampliou os domínios reais através da governo atravessava uma profunda crise
incorporação de novos territórios, como econômica, decidiu forçar o clero a pagar
Champagne e Toulouse. Ambicionando anexar impostos dos quais estava, até então,
territórios do norte da França, sob domínio dos dispensado, e evitar que as rendas eclesiásticas
ingleses Plantagenetas, empreendeu uma série fossem remetidas a Roma. Como essa medida
de lutas contra o soberano inglês João Sem- implicasse a redução das rendas da Igreja,
Terra, conquistando a Normandia e outras Filipe IV enfrentou forte oposição do papa
regiões. Bonifácio VIII, que ameaçou excomungá-lo.
A maioria das realizações político- Receoso das repercussões de uma nova
admistrativas do reinado de Filipe II contribuiu excomunhão, o rei buscou apoio da sociedade,
para consolidar o poder dos soberanos constituindo pela primeira vez na história da
capetíngios. Submeteu ao rei toda a nobreza, França uma assembléia que reunia
obrigando todos os senhores feudais a representantes do clero, da nobreza e dos
prestarem juramento de fidelidade diretamente comerciantes da cidades. Assim, em 1302, a
ao soberano, na medida em que ao conceder Asssembléia dos Estados Gerais, como
feudos a seus vassalos, por exemplo, exigia passou a ser chamada, autorizou a cobrança dos
deles o compromisso de que também os impostos clericais. Instituição de caráter
subvassalos lhe fossem fiéis. Obteve, além consultivo, os Estados Gerais foram
disso , novas fontes de renda, vendendo cartas convocados, várias vezes, não só por Filipe IV,
de franquia a diversos burgos ou exigindo de mas também por seus sucessores, atuando até
seus vassalos um pagamento em moeda pela 1614.
concessão de dispensa das suas tradicionais Um legista de Felipe, Nogaret, acusou
obrigações feudais. Criou impostos nacionais, Bonifácio de heresia e simonia. Filipe foi
nomeando funcionários - os bailios e senescais excomungado. Nogaret invadiu a Itália e
- para cuidar do recolhimento de tributos e cercou a vila do papa que, idoso e magoado,
fazer prevalecer as leis e a justiça real sobre as morreu em 1303. Apoiada pela sociedade,
dos senhores. Isso tudo permitiu ao soberano Filipe IV interferiu na escolha do substituto de
Bonifácio VIII, elegendo como papa o francês
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Clemente V. Cedendo às pressões do rei, As velhas disputas entre ingleses e
Clemente V transferiu a sede do papado para franceses pela posse de determinados
Avignon, cidade do sul da França, onde seria territórios da França acabaram culminando na
mais fácil o controle real sobre a Igreja. Guerra dos Cem Anos, cujos efeitos foram
Durante um período de setenta anos (1307- desastrosos para o conjunto da população
1377), conhecido como o Cativeiro da européia.
Babilônia, vários papas se submeteram à tutela O início do conflito está relacionado ao
dos reis franceses, o que indicava a força da problema de sucessão da coroa francesa, pois,
monarquia capetíngia. O papa passava a com o fim da dinastia capetíngia, em
instrumento do rei. Autorizou o Estado a cobrar decorrência da morte do rei Carlos IV, em
o dízimo sobre o clero. 1328, apresentaram-se dois pretendentes: Filipe
A transferência do papado Avignon não de Valois, nobre francês, sobrinho do rei Filipe,
teve aceitação de boa parte do clero romano, o Belo, e Eduardo III, rei da Inglaterra e neto
culminando na eleição de outro papa em Roma, do mesmo Filipe pelo lado materno. Reunidos
seguido mais tarde da escolha de um terceiro, em assembléia, os grandes senhores feudais
de pouca duração, na cidade de Pisa. A crise franceses rejeitaram o soberano inglês
aumentou quando cada um dos papas buscou apoiando-se na Lei Sálica, segundo o qual o
combater seu concorrente, determinando trono da França não poderia ser ocupado ou
excomunhões ao rival e as seus seguidores. transmitido por linha materna. Assim, a escolha
Esta divisão da cristandade ficou conhecida recaiu sobre Filipe de Valois, que foi coroado
como Cisma do Ocidente, estimulando a como Filipe VI, dando início à dinastia Valois.
oposição teológica e levando ao colapso o Outro fator importante para a eclosão
poder da Igreja. Somente em 1417 terminaria o do conflito foi a disputa por territórios na
Grande Cisma, quando foi eleito um único França. Os reis da Inglaterra eram senhores de
papa - Martim V- e apenas Roma passou a grandes feudos na França, sendo,
abrigar a sede do papado. conseqüentemente, vassalos do rei francês. No
Felipe tinha outras fontes de renda: século XIV, o rei da França não podia ter em
empréstimos, impostos sobre operações seu território um vassalo tão poderoso. Por seu
comerciais, e subsídios, pagos por quem lado, o monarca inglês não podia suportar a
quisesse ficar livre do serviço militar. Ainda humilhação de ser vassalo de outro rei. Além
havia meios menos legais de obter recursos: disso, os principais feudos ingleses na França
alterar o conteúdo das moedas ou confiscar (Guiana e Aquitânia) tinham grande
bens de judeus ou comerciantes italianos. importância econômica. Dessas regiões saíam,
Filipe voltou-se então para os a cada ano, a produção de vinho que lotava
templários, ordem de cavaleiros enriquecidos entre 800 a 1 400 navios ingleses. A Inglaterra
durante as Cruzadas, que, como um banco, recebia dali cerca de 90% do vinho que o país
emprestavam dinheiro ao papa, aos reis e consumia.
príncipes. O rei queria confiscar-lhes os bens e, Além disso, a decisão imposta pela
acusados por Nogaret de perversidades, eles assembléia de nobres franceses afetou
foram presos em massa. O mestre da ordem, profundamente os planos comerciais dos
Jacques de Molai, foi queimado vivo com senhores ingleses. Se Eduardo III houvesse
outros 54 cavaleiros. conquistado o trono francês, estaria assegurada
Com a morte de Carlos IV (1328), filho a aliança entre a Inglaterra e a França, o que
e sucessor de Filipe, a sucessão se complicou. garantiria o livre acesso inglês à região de
Carlos não tinha filho homem e a lei dos Flandres (onde hoje se estende as fronteiras da
francos sálios (lei sália) impedia a ascensão de Bélgica e Holanda), então sob controle francês.
mulheres. Os franceses decidiram-se por Filipe Essa região concentrava um ativo comércio e
VI de Valois, sobrinho de Filipe, o Belo, que importantes manufaturas de tecidos, que
inaugurou nova dinastia. Os capetíngios tinham utilizavam como matéria-prima a lã produzida
restaurado o poder real e organizado o Estado. na Inglaterra, importante atividade econômica
Agora se iniciaria um período de conflitos com de uma significativa parcela de senhores
a Inglaterra, a Guerra dos Cem Anos. feudais ingleses.
Por outro lado, os produtores de tecidos
A Guerra dos Cem Anos (1337-1453) de Flandres também demonstravam interesse
em garantir a importação de lã inglesa,
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reprovando os entraves feudais impostos pelos reinava o francês Carlos VII, com apoio dos
franceses. A burguesia flamenga buscou, então, armagnacs.
o apoio de Eduardo III, que, alegando os Embora humilhado por tantas derrotas e
pretensos direitos à sucessão do trono francês, privações o povo francês empreendeu a luta
passou a controlar a região. Em 1337, Filipe pela libertação de seu país animado por um
VI, argumentando o rompimento do contrato profundo sentimento nacionalista. Joana
feudo-vassálico, confiscou as posses francesas D'Arc, filha de humildes camponeses, tornou-
de Eduardo III, rei inglês. O monarca inglês se o maior mito desse período. Dizia-se
declarou guerra à França, iniciando um conflito enviada por Deus para expulsar os ingleses do
que se prolongaria por mais de um século. A reino da França, e seu patriotismo e fervor
Guerra dos Cem Anos, entretanto, não foi religioso contagiaram os franceses. Integrando-
contínua: aos 55 anos dispendidos efetivamente se no exército real, liderou diversos combates
em combates, intercalaram-se períodos de que resultaram em vitória para os franceses.
relativa paz, em que se negociava várias Libertando boa parte da França central, levou
tréguas. Carlos VII a Reims, no norte do país, onde o
Durante a primeira fase do conflito rei foi coroado segundo antigas tradições.
(1337-1422), a superioridade do exército inglês Em 1430, aprisionada pelos
garantiu expressiva vitórias, como as batalhas borguinhões, Joana D'Arc foi vendida aos
de Ecluse (1340), Crécy (1346) e Poitiers ingleses, que, imaginando apagar a chama
(1356). Com isso, em 1360 os ingleses nacionalista francesa, acusaram-na de bruxaria.
impuseram a seus inimigos a Paz de Brétigny, Joana foi julgada por um tribunal eclesiástico e
os ingleses renunciavam à coroa francesa mas condenada à morte, foi queimada em praça
recebiam a suserania sobre todas as regiões pública, na cidade de Rouen, em 1431. Mais
conquistadas, praticamente um terço do tarde, a Igreja decidiu pela sua canonização.
território francês. Após a morte de Joana D'Arc, o rei
Em 1364, com a ascensão de Carlos V Carlos VII, estimulado pelo apoio popular,
ao trono francês, reiniciou-se a guerra contra a prosseguiu na luta contra os ingleses,
Inglaterra. Graças à unificação de seus conseguindo conquistar diversas vitórias. Em
exércitos, a França conseguiu importantes 1435, a Borgonha foi obrigada a retirar seu
vitórias, reconquistando a maior parte dos apoio aos ingleses, enfraquecendo-os. Em
territórios tomados pelos ingleses. Entretanto, a 1450, a França recuperava a Normandia. Em
morte de Carlos V ( 1380) marcaria o início de 1453, o ingleses foram definitivamente
uma série de dipustas pelo poder. Pois o rei expulsos da França. A França obtivera, assim,
francês Carlos VI, com 12 anos, ficou sob a sua unificação territorial e política.
regência de parentes e, que culminaria com a A Guerra dos Cem Anos teve, dessa
cisão da nobreza francesa em dois partidos: os forma uma grande significado para a nação
armagnacs e os borguinhões. Partidários do francesa, pois enquanto debilitava
Duque de Orléans e do Duque de Borgonha profundamente as estruturas medievais,
(João Sem-Medo), respectivamente. provocando a ruína política e econômica dos
Aliado aos ingleses, João tornou-se senhores feudais, permitia aos sucessores de
chefe do reino mas foi assassinado por Carlos VII consolidarem as bases do novo
partidários do rei. Seu filho Filipe, o Bom, Estado nacional, com o auxílio da burguesia.
aliou-se definitivamente aos ingleses, Esse fato acelerou o desenvolvimento
permitindo à Inglaterra voltar à ofensiva. econômico francês durante a Idade Moderna.
Saindo-se novamente vitoriosa, em 1420, a Carlos VII, aconselhado pelos legistas,
Inglaterra impôs à França o Tratado de Troyes, governou com poderes quase absolutos. Alguns
segundo o qual o rei inglês Herinque V se impostos tornaram-se permanentes: sobre a
casaria com a filha de Carlos VI e assumiria o venda de mercadorias; sobre o sal; sobre
trono francês. Morto Carlos VI, Carlos VII, pessoas ou sobre suas terras. A reorganização
herdeiro legítimo, passou a ser reconhecido no financeira permitiu a manutenção de um
sul. Assim, a França encontrava-se dividida em exército, poderoso, com o aperfeiçoamento da
dois reinos: nos territórios do norte, cavalaria, artilharia e corpo de arqueiros.
governavao inglês Herinque V, apoiado pelos Luís XI (1461-1483), sucessor de
borguinhões; nos poucos territórios do sul, Carlos VII, reafirmou o poder real, a fim de
concretizar o ideal do poder absoluto.
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acabaram por debilitar o poder real,
03. A Monarquia Inglesa possibilitando o fortalecimento dos senhores
feudais.
No século V, tribos germânicas, A política de Ricardo I foi seguida por
sobretudo anglos e saxões, ocuparam a ilha seu irmão João Sem-Terra (1199-1216). Os
britânica, estabelecendo ali sete reinos impostos, cada vez mais altos, destinavam-se a
bárbaros. Entre os séculos VI e VII, a cobrir as despesas com as intermináveis
heptarquia saxônica gradualmente evoluiu para guerras contra a França, pela demarcação de
a composição de três reinos, e, no século IX, fronteiras e posses territoriais. No intuito de
fundiram-se num Estado anglo-saxônico, obter mais fontes de renda, João decidiu
comandado por Egberto, rei de Wessex. Foi confiscar da Igreja, o que o indispôs com o
durante o processo de formação desse Estado papa Inocêncio III. Ameaçado de excomunhão,
que se implantou o feudalismo na Inglaterra. pediu perdão, devolvendo os bens do clero. Seu
Em 1066, o último rei anglo-saxônico, envolvimento nas lutas contra o rei francês
Haroldo II, foi derrotado na batalha de resultou igualmente em fracasso: em 1214, foi
Hastings por Guilherme I, o Conquistador, derrotado na batalha de Bouvines, perdendo
duque da Normandia, que se deu início à considerável parte de suas terras na França.
dinastia normanda. Nessa época, O clima de descontentamento
contrariamente ao que ocorria na França, os provocado pelo abuso na taxação de impostos e
reis ingleses foram capazes de subordinar a pelas sucessivas derrotas contra a França
nobreza, estabelecendo um forte poder resultou numa revolta dos senhores feudais.
centralizado. Não havia feudos grandes e todo Apoiados pelos burgueses, 1215, impuseram a
senhor jurava fidelidade ao rei. A nobreza foi João Sem-Terra a Magna Carta, documento
proibida de cunhar moedas e fazer justiça, determinava que, só poderiam aumentar
essas atividades tornaram-se exclusivas do rei. impostos ou alterar as leis com a aprovação do
Guilherme dividiu a Inglaterra em condados Grande Conselho, composto por membros do
(shires), unidades administrativas submetidas à clero, condes e barões; que nenhum "homem
autoridade de funcionários do rei, os sheriffs. livre" (nobres e habitantes das cidades) podia
Em 1154, com a morte do último ser preso sem julgamento; que se o rei violasse
herdeiro direto de Guilherme I, subiu ao trono a lei, perderia terras e bens. A Magna Carta é
Henrique Plantageneta, conde Anjou, um nobre considerada a base das liberdades inglesas, mas
francês de origem normanda. Coroado como constituiu, em essência, a imposição da
Henrique II (1154-1189), inaugurou a dinastia autoridade dos nobres sobre o poder real.
dos Plantagenetas, ou angevina. A ascensão Filho de João Sem-Terra, Henrique III
do novo monarca deu à Inglaterra o domínio (1216-1272) foi detestado por aproximar-se
sobre Anjou, Turíngia e Aquitânia, isto é, uma dos conselheiros estrangeiros. Em virtude de
vasta região na França. suas desastradas iniciativas militares e violação
O reinado desse monarca caracterizou- à Magna Carta foram impostas as Provisões ou
se pela ampliação dos poderes reais através da Estatutos de Oxford, em 1265. Por eles,
adoção de medidas como o fortalecimento da transferia-se o poder para a nobreza e alterava-
justiça real. Criou-se a common law, uma lei se a composição do Grande Conselho que
comum a todo o território inglês, cuja aplicação passou a incluir também representantes da
era controlada por juízes que percorriam todos burguesia. Alguns anos depois, em 1295, o
os condados. Henrique II lançou os primeiros Grande Conselho daria origem ao Parlamento
impostos ingleses sobre a propriedade e sobre a inglês.
renda. Em 1171, Henrique II, iniciou a A partir do século XIII, e prolongando-
conquista da Irlanda. se pelo século seguinte, grandes
Henrique foi sucedido por Ricardo I, transformações socioeconômicos operaram-se
ou Ricardo Coração de Leão, que governou a na Inglaterra. O desenvolvimento da atividade
Inglaterra entre 1189 e 1199. Dos dez anos de comercial refletiu-se no crescimento das
seu governo, ausentou-se do reino por nove, cidades e no enriquecimento da burguesia. A
liderando a Terceira Cruzada e lutando na venda de lã para as manufaturas de tecidos de
França pela manutenção de seus domínios. Flandres garantiu a atividade de muitos
Suas prolongadas ausências e a insatisfação produtores burgueses. Boa parte da própria
geral com o constante aumento dos impostos nobreza percebendo a vantagem de produzir lã
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para exportação, passou a se dedicar a essa dos nobres "aburguesados", ligados aos
atividade e a outra similares. Assim, a nobreza interesses mercantis, liderados pela família
se "aburguesou": adquiriu interesses e posturas York.
semelhantes às da burguesia. A Guerra das Duas Rosas (1455-
O crescente interesse dos nobres pela 1485) - assim chamada porque ambas as
produção de lã levou-os a destinar porções famílias exibiam rosas em seus brasões (a
cada vez maiores de seus feudos à pastagem de branca, dos York; a vermelha, dos Lancaster) -
ovelhas, inclusive as áreas do manso comunal, prolongou-se por trinta anos, em sangrentas e
constituídas por bosques e terras utilizadas devastadoras batalhas, nas quais boa parte da
pelos camponeses como pasto para seus nobreza foi aniquilada. Em 1461, Eduardo IV,
rebanhos. Apropriando-se dessas áreas, os um York, tornou-se rei. Morto em 1483,
senhores as cercavam, impedindo que os recomeçou a guerra, por causa da crueldade de
camponeses tivessem acesso a elas. O Ricardo III, seu irmão e sucessor. Em 1485,
cercamento das terras comuns, agravado pelo Henrique Tudor, genro de Eduardo IV,
fato de que para a pastagem de rebanhos Lancaster por parte de mãe, pôs fim à guerra,
utilizava-se pouca mão-de-obra, resultou no sagrando-se rei com título de Henrique VII,
empobrecimento dos camponeses e na sua iniciou a Dinastia Tudor.
expulsão maciça para as cidades. As conseqüências das guerras foram o
As guerras contra os escoceses e inevitável enfraquecimento da aristocracia
gauleses obrigaram Eduardo I (1272-1307) a feudal e a implantação de uma monarquia forte,
convocar regularmente o Parlamento , iniciada a dinastia Tudor. A autoridade da
verdadeira assembléia representativa da nação nobreza, firmada pela Magna Carta, golpe, que
inglesa. A casa cresceu tanto em poderes, que cercearia a força do Parlamento.
depôs Eduardo II em 1327 e pôs seu filho
Eduardo III no lugar. Por volta de 1350, o 04. Monarquias Ibéricas
Parlamento se dividia em: Câmara dos
Lordes, de prelados e barões; e Câmara dos A unificação política da Espanha, bem
Comuns, de cavaleiros e burgueses. como a de Portugal, não está associada a uma
A partir do século XIV, as dificuldades significativa evolução da economia capitalista-
econômicas advindas dos excessivos gastos burguesa, não surgindo, portanto como
com a Guerra dos Cem Anos desencadearam resultado da aliança entre a realeza e a
movimentos sociais de revolta, que burguesia, como ocorreu na França e na
colaboraram para acelerar a decadência do Inglaterra. Fundamentalmente, ela originou-se
feudalismo, enfraquecendo o poder dos nobres. da necessidade que tiveram os nobres de se
Ricardo II, neto de Eduardo III, foi um unir no combate contra os mulçumanos durante
incapaz. Seu primo Henrique de Lancaster o a Guerra de Reconquista.
depôs e se fez reconhecer rei pelo Parlamento, Com a decadência do Império Romano,
como Henrique IV. A Dinastia Plantageneta a península Ibérica fora invadida pelos
deu lugar à Dinastia de Lancaster. Os inimigos visigodos, povo bárbaro posteriormente
de Henrique IV e Henrique V se agruparam em convertido ao cristianismo. Predominaram na
torno dos duques de York, descendentes de região até 711, quando os mulçumanos
Eduardo III que queriam o trono. invadiram a península , destruindo o reino
Em 1453, terminada a Guerra dos Cem visigótico cristão. Acuados, os cristãos
Anos, a crise econômica aumentara na deslocaram-se para o norte, formando o reino
Inglaterra. A nobreza fora duramente atingida das Astúrias.
pela perda do territórios na França e pela crise A partir de então, durante séculos, os
do comércio com Flandres. Além disso, a cristãos lutaram contra os mulçumanos pela
guerra havia aumentado os poderes militares e recuperação de seus territórios. Essas lutas
financeiros dos rei, tornando-se mais livres das tornaram-se mais intensas a partir do século XI,
restrições impostas pela nobreza feudal. Nesse com a influência do espírito das Cruzadas. Da
contexto, iniciara-se uma violenta disputa pela Guerra de Reconquista contra os mouros
sucessão ao trono inglês, envolvendo duas (assim chamados os mulçumanos pelos
facções da nobreza: o grupo constituído pelos, ibéricos) nasceram, ao longo dos séculos XI e
nobres ligados às antigas tradições feudais, XII, os reinos de Leão, Castela, Navarra e
liderados pela família Lancaster; e o grupo Aragão.
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Castela e Aragão acabaram por anexar nobreza. Todavia, ao contrário do que sucedia
Leão e Navarra, bem como os novos territórios em outras regiões da Europa, essas doações não
reconquistados pelos cristãos. Em 1468, como tinham caráter hereditário: por ocasião da
casamento dos reis Fernando de Aragão e morte do feudatário, as propriedades
Isabel de Castela, os dois reis se unificaram, retornavam às mãos do rei, que as redistribuía
restando do domínio árabe apenas o reino segundo conveniências políticas. Assim, os reis
mulçumano de Granad, ao sul da Espanha. A da dinastia de Borgonha puderam preservar sua
conquista de Granada, efetuada em 1492 por autoridade, tornando-se poderosos e
Fernando de Aragão, eliminou o domínio respeitados.
mulçumano na península Ibérica e encerrou o A origem da burguesia comercial
processo de formação da monarquia nacional lusitana está relacionada ao desenvolvimento
espanhola. da atividade pesqueira e ao incremento da
Também relacionado ao processo de produção agrícola para o abastecimento das
reconquista, está o surgimento do reino de tropas reais. Mas foi a inauguração de uma
Portugal. Durante a Baixa Idade Média, os nova rota comercial italiana, que incluía
embates entre cristãos e mulçumanos atraíram Portugal, ligando Constantinopla ao mar do
grande número de cavaleiros medievais. Esses Norte através do Mediterrâneo e o Atlântico,
cavaleiros, procedentes de diversas regiões da que impulsionou o comércio lusitano,
Europa, dispunham-se a apoiar os reinos favorecendo o surgimento de um poderoso
ibéricos em troca de benefícios ou concessões. grupo mercantil em Portugal.
Entre esses nobres, distinguiu-se Henrique, da No ano de 1383, morria D. Fernando I,
casa de Borgonha. O auxílio prestado ao rei o Formoso, o último rei da dinastia de
Afonso VI, de Leão , valeu-lhe o casamento Borgonha, iniciando-se uma disputa pela
com uma das duas filhas do monarca e o sucessão ao trono. A nobreza ambicionava
recebimento, a título de dote, do Condado entregar a coroa ao rei de Castela, genro de D.
Portucalense, cujas terras compreendiam as Fernando, enquanto o grupo mercantil sentia,
cidades de Braga, Coimbra, Viseu, Lamego e nessa união, uma ameaça aos seus interesses,
Porto. devido ao caráter acentuadamente feudal da
E 1139, sob a liderança de Afonso política de Castela.
Henrique, filho de Henrique de Borgonha, o O acirramento das tensões entre a
Condado Portucalense proclamou sua burguesia e a nobreza propiciou a eclosão da
independência. Surgia, assim, o reino de Revolução de Avis: o grupo mercantil, os
Portugal, governado pela dinastia de Borgonha. populares, chamados de "arraia miúda" e os
Durante o reinado dessa dinastia (1139-1383), nacionalistas em geral uniram-se a D. João, o
o reino expandiu seus territórios, conquistados Mestre de Avis, irmão bastardo do finado D.
aos mouros terras localizadas ao sul do país. Fernando, para enfrentar a nobreza e os
Devido à Guerra de Reconquista, houve castelhanos. Em 1385, com a derrota dos
sempre uma forte tendência à centralização castelhanos na batalha de Aljubarrota, D. João
monárquica. Os soberanos de Borgonha foi aclamado rei de Portugal, inaugurando um
fizeram da expansão territorial uma prioridade forte Estado nacional.
em seus governos. Com isso obrigaram a A ascensão de D. João intensificou a
nobreza a unir-se sob seu comando. Em integração de interesses entre o rei e a
Portugal, a monarquia nacional não nasceu da burguesia comercial. Buscando maior poder, o
aliança entre a realeza e a burguesia. Ela se rei passou a realizar conquistas que
formou em função da necessidade que a beneficiavam a burguesia, ao ampliar o
nobreza teve de um poder centralizador da luta mercado para seus produtos; paralelamente, a
contra os muçulmanos. ampliação do comércio começou a gerar maior
Nesse período, a agricultura assumiu arrecadação de impostos, beneficiando o rei.
destacada importância, constituindo um Foi a comunhão desses interesses que
instrumento eficaz para o povoamento das possibilitou a expansão ultramarina portuguesa.
terras tomadas aos mouros nas lutas de
reconquista. Essas terras doadas pelos A REFORMA PROTESTANTE
soberanos às pessoas de sua confiança - os E A CONTRA-REFORMA
fidalgos - e às ordens religiosas e militares,
proporcionando prestígio e força política à
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possuir bens materiais e poder). Estes, vivam
1. Conceito ameaçados com o inferno.
. terras da Igreja: a Igreja Católica era a
A Reforma Protestante foi um movimento maior proprietária de terras na Idade Média, e
de rompimento religioso da Igreja Católica, no que despertava a cobiça de reis, da gentry
século XVI. Essa reforma promoveu a ruptura (proprietários de terras capitalistas) e de
do cristianismo, e o surgimento de igrejas senhores feudais empobrecidos, todos
cristãs não católicas. desejavam confiscar as terras da Igreja.
. miséria dos camponeses: com a crise do
feudalismo, os camponeses (servos) passaram a
2. Causas
culpar os donos das terras (clero e nobreza)
pela situação de miséria em que passaram a
2.1 Fatores Religiosos viver.
. corrupção do clero: para ganhar dinheiro, 2.3 Fatores Políticos
o alto clero de Roma iludia a boa fé das
pessoas através da simonia, isto é, o comércio . fortalecimento das monarquias: com o
de relíquias sagradas (espinhos da Coroa de fortalecimento das monarquias nacionais, os
Cristo, pedaços do Santo Sudário, falsos, eram reis passaram a não aceitar a subordinação dos
vendidos como verdadeiros); da venda de reinos à Igreja Católica.
indulgências (perdão dos pecados); e da venda
de cargos eclesiásticos (muitos membros
ocupavam seus cargos graças a pagamentos de 2.4 Fatores Culturais
vultosas quantias).
. ignorância do clero: a maior parte dos . nacionalismo: com o desenvolvimento do
sacerdotes desconhecia a própria doutrina sentimento nacionalista na Europa, durante a
católica e demonstrava absoluta falta de formação dos Estados Nacionais, a Igreja
preparo para funções religiosas. Eles passaram Católica passou a ser vista como uma entidade
a serem vistos como incapazes de serem os estrangeira que tinha sede no Vaticano e
intermediários (ou representantes ) de Deus. utilizava o latim em suas cerimônias.
. aumento dos estudos religiosos: com a . Renascimento: os valores propagados
utilização da imprensa, aumentou o número de pelos renascentistas (antropocentrismo,
exemplares da Bíblia que podiam chegar às racionalismo e individualismo) questionavam
mãos dos estudiosos e da população. Isso os valores da Igreja Católica.
contribuiu para o surgimento de diferentes
interpretações da doutrina cristã, baseadas nos
3. Precursores
ensinamentos de Cristo e de seus primeiros
seguidores, e que questionavam a doutrina
católica e o comportamento do clero e do papa. Nesse quadro de insatisfações surgiram os
. mau comportamento do clero e do papa: primeiros reformistas; o inglês JOHN
a concubinagem do clero (muitos tinham WYCLIFE, professor da Universidade de
mulheres e filhos). Muitos papas faziam Oxford, já defendia (entre o final do século
guerras, tinham filhos naturais e viviam em XIV e o início do XV) a livre interpretação da
cortes luxuosas. A intervenção das poderosas Bíblia, o fim dos impostos clericais e
famílias italianas na eleição dos papas e o questionava a existência da hierarquia
envolvimento destes com o poder político na eclesiástica.
Europa terminaram por desmoralizá-los. O tcheco JOHN HUSS, professor da
Universidade de Praga, foi um seguidor das
2.2 Fatores Socioeconômicos idéias de Wycliffe. Ele defendia a utilização
das línguas nacionais nos cultos religiosos, em
. condenação da usura e da cobiça: a vez de latim, chegou até a traduzir a Bíblia para
burguesia comercial e financeira não estava seu idioma, o que era um sacrilégio. Foi
satisfeita com a moral católica que condenava a condenado pela Igreja em 1417 e morto na
usura (os lucros excessivos no comércio e o fogueira.
empréstimo a juros) e a cobiça (desejo de

68
Essas primeiras iniciativas não tiveram . “Só a Fé salva”. Ninguém teria a
muita repercussão, ficando restritas às igrejas delegação da justiça divina, seja para punir,
de seus países. perdoar ou dar a graça, apenas Deus . Portanto,
era a fé que salvava e não as obras (boas ou
4. A Reforma Luterana más ações dos fiéis).
(Alemanha) Além disso, Lutero afirmava que as obras,
santos e sacramentos tradicionais da Igreja
4.1 Lutero Católica de nada serviam. Apenas dois dos sete
sacramentos da Igreja tinham validade; o
Martinho Lutero (1483-1546) nasceu na batismo e a eucaristia.
Alemanha. Em 1505 ingressou na Ordem dos
Agostinianos, pertencente à Igreja Católica.
Estudioso e aplicado, Lutero tornou-se
professor universitário em 1508. Em 1510
viajou a Roma, sede da Igreja Católica. 4.3 A Expansão do Luteranismo
Regressou profundamente decepcionado com a
corrupção e avareza do alto clero. Nos anos Ao lado dos problemas meramente
1511 a 1513, aprofundou-se nos estudos religiosos, houve uma série de fatores sociais e
religiosos, e encontrou nas epístolas de São econômicos que favoreceram a difusão das
Paulo, a inspiração para sua doutrina: “o justo idéias de Lutero na Alemanha.
de salvará pela fé”. Lutero concluiu que a fé No século XVI, a Alemanha não existia
em Deus e não as obras (confissão, caridade e como a conhecemos hoje; ela fazia parte de um
compra de indulgências) seria o único império mais extenso, o Sacro Império
instrumento de salvação. Romano-Germânico. O império estava dividido
em diversas regiões independentes, os
4.2 O Rompimento com a Igreja Católica principados. Não existia portanto, um país
unificado, com unidade política. O poder
Em 1517, com o objetivo de arrecadar estava descentralizado nas mãos dos príncipes,
dinheiro para a reconstrução da basílica de São que comandavam todas as ações na sua região.
Pedro, o papa Leão X autorizou a concessão de O Sacro Império era controlado pela dinastia
indulgências aos fiéis que contribuíssem dos Habsburgo. A sede do império ficava na
financeiramente com a Igreja. Escandalizado Espanha, e o imperador, aliado do papa,
com essa salvação comprada, Lutero afixou na procurava preservar certa unidade em terras
porta da Igreja de Wittenberg um manifesto alemãs e a autoridade sobre seus príncipes e
público - as famosas 95 teses - em que nobres. Além disso, a Igreja Católica, a maior
protestava contra as atitudes do papa e expunha proprietária de terras na Alemanha, continuava
alguns elementos de sua doutrina religiosa. vinculada ao mundo feudal, explorando os
Iniciava-se então, uma longa discussão entre camponeses e impedindo o desenvolvimento
Lutero e as autoridades católicas que terminou do comércio e, conseqüentemente, da
com a decretação de sua excomunhão, em burguesia.
1520. Lutero queimou em praça pública a bula Com fome de poder e riqueza, as classes
papal que o condenava. Em virtude de sua elevadas (nobreza e alta burguesia) estavam
radicalidade, Lutero foi proscrito do Império. descontentes com a Igreja Católica e o
No entanto, o príncipe Frederico da Saxônia o comando do imperador. Por outro lado, as
acolheu em seu castelo. classes sociais exploradas (camponeses e
Protegido no castelo, Martinho Lutero artesãos urbanos) também culpavam a Igreja
traduziu a Bíblia do latim para o alemão (o que Católica pela situação de miséria de que eram
era proibido na época) e desenvolveu três vítimas. Além disso, o Humanismo alemão
idéias básicas do luteranismo: havia desenvolvido o espírito critico em
. “Só Deus”. Afirmava que Deus não relação à Igreja Católica; e o nacionalismo se
precisava de intermediários (Igrejas, padres, revoltava contra a ocupação de muitos cargos
papa etc.) eclesiásticos por elementos italianos na
. “Só as Escrituras”. Todo homem de fé Alemanha. Havia, portanto, entre os diversos
teria capacidade de compreender e interpretar a grupos sociais, certa opinião comum contra a
Bíblia e não apenas a Igreja Católica. Igreja.
69
aos príncipes luteranos, impedindo que cada
4.4 As lutas religiosas principado adotasse sua própria religião. Como
estes se rebelaram, passaram a ser chamados
Muitos príncipes alemães apoiaram Lutero “protestantes”, que passou a designar os
porque desejavam libertar-se, em seus cristãos não católicos.
domínios, da influência do papa e do Tentando recompor a situação, Carlos V
imperador, que era católico. Esses príncipes reuniu a Dieta De Augsburgo (1530), onde foi
tornaram as terras pertencentes à Igreja apresentado o credo luterano, redigido por
Católica, que passaram a ser consideradas Filipe Melanchton, principal colaborador de
propriedades do Estado. Grandes senhores Lutero. A chamada “Confissão de Augsburgo”
feudais, que cobiçavam as terras da Igreja abolia o celibato sacerdotal; o culto dos santos
Católica, apropriaram-se delas através da e da Virgem; proclamava a autoridade única da
conversão ao luteranismo. Bíblia como fonte de fé; condenava as práticas
De outro lado, de forma violenta, vários medievais da Igreja Católica (venda de
nobres decadentes atacaram, em 1522 e 1523, indulgências, relíquias, cargos eclesiásticos);
principados católicos (a Revolta dos colocava a igreja sob a autoridade do governo;
Cavaleiros)para se apoderarem de suas estabelecia o uso do idioma alemão nas
riquezas. Houve reação dos católicos, que cerimônias do culto; livre interpretação da
impediram e esmagaram a revolta. Bíblia; negava a autoridade do papa; sustentou
Esses conflitos armados motivaram a a fé em Cristo como único meio de salvação;
organização de camponeses e trabalhadores só admitia o batismo e a comunhão (ou
urbanos envolvidos na Revolta dos Cavaleiros. eucaristia), mesmo assim, na eucaristia
Liderados por Thomas Muntzer, a partir de acreditava apenas na presença de Jesus no pão
1524, camponeses anabatistas passaram a e vinho (consubstanciação), e não na
organizar uma série de revoltas contra transformação do pão e do vinho no corpo e no
sacerdotes ricos e nobres alemães, donos de sangue de Cristo (transubstanciação), como os
grandes propriedades, saqueando seus bens. Os católicos acreditam.
camponeses lutavam violentamente pela posse A não aceitação da doutrina luterana pelo
de terras e pelo fim da exploração. imperador, levou os protestantes a
Temendo o desenvolvimento das revoltas organizarem, em 1531, a Liga de Schmalkalden
populares, nobres e burgueses, católicos e (Esmalcada), uma aliança político-militar-
luteranos (com a concordância de Lutero) religiosa para lutar contra as forças católicas
uniram-se para combater o inimigo comum. ligadas ao imperador.
Em 1525 um grande exército marchou contra As lutas estenderam-se até 1555, quando foi
os revoltosos, eliminando cerca de cem mil assinada pelo novo imperador, Fernando I, a
pessoas e decapitando o líder, Thomas Munzer. Paz de Augsburgo. Esse tratado de paz
Lutero, que era sustentado pelos príncipes, reconhecia como legítimas as confiscações de
condenou os revoltosos e apoiou o massacre propriedades eclesiásticas feitas pela nobreza à
dos camponeses. Apoiando os ricos, Lutero Igreja; estabelecia o direito dos príncipes em
publicou um manifesto de ódio contra os impor a sua religião aos habitantes dos seus
camponeses revoltados: “Contra os bandos domínios; reconhecia a existência da nova
camponeses assassinos e ladrões. Nada é mais religião cristã.
terrível que um homem revoltado. É preciso A Paz de Augsburgo representou o fracasso
despedaçá-los e degolá-los. Matá-los como se do imperador em impor sua autoridade à
faz com um cachorro louco”. nobreza feudal alemã e reforçaram as estruturas
Em troca do apoio dado às classes ricas, feudais, o que adiava a unificação do Estado
Lutero conseguiu aliados entre a nobreza e a Nacional Alemão (que só viria a ocorrer no
alta burguesia. Os poderosos viram nele um século XIX), e retardava o desenvolvimento do
homem confiável e o auxiliaram a divulgar sua capitalismo na Alemanha.
doutrina religiosa.
Após o fim das revoltas populares, as 5. A Reforma Calvinista (Suíça)
nobrezas católica e luterana voltaram-se a se
enfrentar, lutando por terras e poder. Em 1529, João Calvino (1509-1564) nasceu na
reuniu-se a segunda Dieta de Spira, na qual o França, onde estudou Teologia e Direito, e
imperador Carlos V tentou impor o catolicismo aderiu às idéias protestantes. Quando, em 1534,
70
as autoridades católicas francesas caçavam os batismo e a eucaristia foram conservados; fim
suspeitos de heresias, Calvino fugiu para a do celibato clerical.
Suíça, onde o movimento reformador já se Em 1541, Calvino consolidou seu poder em
desenvolvia, sob a liderança de Zwinglio. Genebra (Suíça), tornando-se senhor absoluto
Em suas pregações, Zwinglio dava muita do governo e da nova Igreja Calvinista até o
importância à crença na predestinação dos ano de 1561. Durante esse período, Genebra
homens para salvação, valorizando menos o ficou submetida a um governo teocrático e
aspecto de justificação pela fé. despótico, que dirigia a sociedade misturando
Em 1536, Calvino publicou sua principal política e religião.
obra, a Instituição da Religião Cristã, na qual Sua administração impôs rígidos costumes
afirmava que o ser humano estava morais. Entre os órgãos criados pelo governo
predestinado, de modo absoluto, a merecer o calvinista destaca-se o Consistório,
céu ou o inferno. Explicava que, por culpa de encarregado de vigiar e punir os cidadãos. O
Adão, todos os homens já nasciam pecadores calvinismo condenava as práticas como o jogo,
(pecado original), mas Deus tinha eleito o culto a imagens de santos, a dança o adultério
algumas pessoas para serem salvas, enquanto e o teatro. As penas impostas aos infratores
outras seriam condenadas à maldição eterna. eram geralmente duras e cruéis. Muitos foram
Portanto, nada que os homens pudessem condenados à morte, entre eles, o médico
fazer em vida poderia mudar-lhes o destino, espanhol Miguel do Servet, queimado vivo por
previamente traçado. Mas a fé, existente em negar o pecado original.
algumas pessoas, podia ser interpretado como Com base no calvinismo, criou-se um
um sinal de que elas pertenciam ao grupo dos modelo de homem burguês que cultivava o
eleitos por Deus à salvação. Tais pessoas, os trabalho, a religião, a poupança e lucro
eleitos, sentiriam dentro do coração um máximo. Para esse homem calvinista, o sucesso
irresistível desejo de combater o mal do econômico e a conquista de riquezas eram um
mundo, simplesmente para a glória de Deus. sinal de predestinação divina. Essa ideologia
No setor sócio-econômico, Calvino foi bem recebida pela burguesia comercial por
justificou atividades econômicas até então uma razão simples: a ganância do lucro era
condenadas pela Igreja; segundo suas justificada pela ética religiosa calvinista.
concepções, todo trabalho, desde que feito com Como suas idéias iam diretamente ao
honestidade e sobriedade, era agradável a encontro das necessidades burguesas de
Deus, e somente os predestinados (eleitos) acúmulo de capital e de valorização do
conseguiriam vencer na vida. A prosperidade trabalho, o calvinismo se espalhou rapidamente
econômica passou a ser vista como um sinal da pela Europa. Na França os calvinistas ficaram
salvação predestinada, o enriquecimento era conhecidos como huguenotes; na Inglaterra e
uma graça de Deus e a pobreza uma Holanda foram chamados de puritanos; na
condenação. Com isso, Calvino, homem vivido Escócia, John Knox organizou a Igreja
e criado no mundo dos negócios, agradou Presbiteriana, baseada no calvinismo.
imensamente aos burgueses, pois não apenas
retirou a ameaça do inferno que pairava sobre 6. A Reforma Anglicana
eles, (devido à condenação da usura pela Igreja (Inglaterra)
Católica), como também, os burgueses
enriquecidos, passaram a ser vistos, pela
Henrique VIII (1509-1547), rei da
doutrina calvinista, como os eleitos à salvação
Inglaterra, tinha sido um fiel aliado do papa,
divino. Dessa forma, o calvinismo deu impulso
condenado a principio, o ideário luterano,
considerável ao nascente capitalismo, porque
perseguindo seus seguidores, recebendo por
comerciantes, banqueiros e industriais
isso o título de Defensor da Fé. Entretanto, uma
descobriram que também trabalhavam “pela
série de questões políticas e econômicas o
glória de Deus”.
levaram a romper com a Igreja Católica e a
No plano religioso o calvinismo era muito
fundar uma Igreja nacional na Inglaterra, isto é,
parecido com o luteranismo: somente as
a Igreja Anglicana.
Sagradas Escrituras (a Bíblia) são bases da
Entre os principais fatores que provocaram
crença; culto simples, apenas com comentários
a Reforma Anglicana, destacam-se os
da Bíblia, feitos por pastores, utilizando-se o
seguintes:
idioma nacional, em igrejas sem imagens; só o
71
. desenvolvimento do Humanismo: a da recusa da Igreja e casou-se novamente,
Inglaterra, no início da Idade Moderna, sendo excomungado. Apesar disso, Henrique
constituía importante centro do Humanismo, e VIII conseguiu que o alto clero inglês e o
alguns representantes defendiam a organização parlamento reconhecessem a validade de suas
de uma igreja nacional e mais condizente com intenções.
o espírito dos primórdios do cristianismo. John O rompimento oficial deu-se em 1534,
Wycliffe, um precursor já havia preparado o quando o parlamento inglês aprovou o Ato de
terreno para o movimento reformista. Supremacia, que colocava a Igreja sob a
. fortalecimento da monarquia: a Igreja autoridade do rei. As propriedades da Igreja
Católica exercia grande influência política na Católica passaram às mãos do rei e da nobreza.
Inglaterra, era dona de grande parte das terras e Todos os dogmas da Igreja Católica foram
monopolizava o comércio de relíquias mantidos em termos de doutrina e culto, exceto
sagradas. Para fortalecer o poder da monarquia a autoridade papal, que deveria se submeter à
inglesa, Henrique VIII teria que reduzir a do rei. Os ingleses, por juramento, deviam
influência do papa dentro da Inglaterra. A submeter-se ao rei da Inglaterra e não ao papa,
dinastia Tudor iniciara uma política de caso contrário seriam excomungados e
centralização monárquica e, habilmente, perseguidos pela justiça real. Nascia assim a
evitava chocar-se com a tradição Igreja Anglicana, gerando insatisfação entre
parlamentarista do reino; o próprio Henrique católicos e protestantes.
VIII, desde sua ascensão, encontrara Portanto, as razões de separação entre o
resistências do parlamento em conceder-lhes os Estado e a Igreja não eram religiosas, mas
subsídios pedidos, daí o seu interesse em políticas e econômicas.
secularizar (confiscar) os bens da Igreja, que Após a fundação da Igreja Anglicana,
lhe forneceriam os recursos necessários, e isso através dos sucessores de Henrique VIII, o
reduziria a importância daquela assembléia anglicanismo oscilou entre o luteranismo, o
(parlamento), uma vez que a monarquia dela calvinismo e o catolicismo, gerando uma série
poderia prescindir. de lutas religiosas internas.
. posse das terras da Igreja: as Eduardo VI, em 1549, impôs o Livro de
transformações socioeconômicos criaram uma Orações Comuns, obrigatoriamente escrito em
aristocracia de riqueza, dedicada à indústria de inglês, de tendências calvinistas; em 1553, pela
tecidos, interessada no movimento de Lei dos 42 Artigos, suprimiu a missa e
“enclosures” (cercamento dos campos), isto é, autorizou o casamento dos padres.
a “gentry” (nobreza capitalista) queria apossar- Eduardo VI foi sucedido por Maria Tudor,
sedas terras e dos bens da Igreja, para utilizá- que tentou (sem êxito) restabelecer o
los de forma capitalista, através da criação de catolicismo, recorrendo à violência e ao apoio
ovelhas (cuja lã seria utilizada na industria de Felipe II, rei da Espanha, com quem se
têxtil). Para isso era preciso apoiar o rei no casara. Maria Tudor perseguiu os protestantes
movimento de rompimento com o papa, a fim durante todo o seu reinado (1547-1558),
de enfraquecer os poderes da Igreja Católica. gerando inúmeros conflitos políticos-religiosos.
. recusa ao pedido de divórcio do rei: casado Nesse clima tenso, assumiu o trono
com a princesa espanhola Catarina de Aragão, Elizabeth I, filha de Henrique VIII com Ana
Henrique VIII estava bastante descontente com Bolena. Nesse período (1558-1603), a
o seu casamento. Primeiro, devido à origem Inglaterra alcançou a paz religiosa, e a Igreja
espanhola de sua esposa, já que a Espanha era Anglicana adquiriu definitivamente suas
inimiga da Inglaterra. Segundo, porque características. Pela Lei dos 39 Artigos, de
desejava um herdeiro masculino, e sua esposa 1563, verdadeira carta do anglicanismo,
só lhe Dara filhas, o que criaria problemas adotava-se a doutrina calvinista, conservando
políticos de hereditariedade no reino. Assim, porém, a hierarquia episcopal e parte do
em 1529, pediu ao papa Clemente VII que cerimonial católico. O anglicanismo passava
anulasse seu matrimônio com Catarina de assim a ter um conteúdo protestante (calvinista)
Aragão, para casar-se com Ana Bolena. O papa e forma católica.
recusou o pedido movido por motivos
políticos, uma vez que a rainha repudiada era 7. Os Anabatistas
tia do poderoso Carlos V (do Sacro Império
Romano-Germânico). O rei não recuou diante
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O anabatismo - assim chamado porque os . ampliação do poder dos reis
convertidos são batizados em idade adulta, até (Absolutismo), livres da interferência política
mesmo aqueles que já tivessem sido batizados da Igreja Católica e dominadores da parte das
quando criança (considera que o verdadeiro terras e riquezas do clero.
batismo só tem valor quando as pessoas se . estimulo ao capitalismo burguês,
converteram conscientemente a Cristo) - foi um incentivado sobretudo pelo Calvinismo.
movimento destituído de unidade e cujas . reação da Igreja Católica aos protestantes,
primeiras manifestações ocorreram na a qual denominava-se Contra-Reforma.
Alemanha e na Suíça, posteriormente
espalhando-se pela Polônia, Moscóvia, 9. A Contra-Reforma Católica
Hungria, chegando aos Estados Unidos no
século XIX, onde seus seguidores ficaram A necessidade de reformar a Igreja Católica
conhecidos como menonitas. e a própria religião era proclamada por muitos
Muitos de seus pregadores foram leigos e eclesiásticos antes mesmo da Reforma
humanistas, mas a maioria dos convertidos era Protestante.
recrutada nas massas camponesas e nos O avanço do protestantismo, contudo, levou
trabalhadores urbanos, cujas finalidades a Igreja Católica se reorganizar efetivamente,
materiais e inquietações religiosas não foram revestindo seu movimento com características
levadas em conta por Lutero, Calvino e outros, conservadores e de reação à Reforma
que distanciavam-se dos pobres e oprimidos e Protestante. Nesse momento o luteranismo
não consideravam as implicações mais estendia-se por dois terços da Alemanha e o
profundas do Evangelho. calvinismo por metade da Holanda. Uma parte
Embora apresentando tendências diversas - da Áustria, da Hungria e da Boêmia, um quarto
pacifistas, revolucionárias, proféticas - os da França, a Escandinávia, a Inglaterra e a
anabatistas foram os reformistas mais radicais Escócia tinham aderido ao protestantismo.
o tinham em comum a necessidade de rebatizar Além disso, o movimento reformista tendia
os indivíduos; de separar a Igreja do Estado; de naturalmente a expandir-se pelos países
abolir as imagens e o culto dos santos;. De ibéricos (Portugal e Espanha) e pela Itália.
rejeitar qualquer sacerdócio, já que Deus se Diante do avanço protestante, a reação
comunicava diretamente com os eleitos; de inicial e imediata da Igreja Católica foi punir os
viver com simplicidade; de estabelecer a principais rebeldes. Com isso, esperava que as
igualdade absoluta entre os homens idéias dos reformadores fossem sufocados e o
(socialização das terras e fim da exploração), mundo cristão recuperasse a unidade perdida.
pois todos eram igualmente inspirados pelo A tática, entretanto, não deu bons resultados. O
Espírito Santo. Os anabatistas combatiam a movimento protestante avançou pela Europa,
riqueza, a miséria e a propriedade privada (da conquistando um número crescente de
terra); e defendiam a socialização da terra (que seguidores.
passaria a pertencer a todos); a igualdade Diante disso, ganhou força dentro do
social; e o fim da exploração (servidão). catolicismo um amplo movimento de
Foi justamente essa pregação igualitária e moralização do clero e de reorganização da
contestadora - rejeitando a propriedade privada Igreja Católica. Esse movimento de
e os poderes dirigentes (Igreja, Estado), reformulação da Igreja Católica ficou
denunciados como exploradores e opressores conhecido como Contra-Reforma.
da sociedade - que acarretou feroz repressão ao Uma arma eficaz da reação católica foi a
anabatismo, seja nos Estados católicos, criação da Companhia de Jesus (ou Ordem dos
luteranos ou calvinistas. Jesuítas) idealizada por Ignácio de Loyola, em
1534. Inspirando-se na estrutura militar, os
8. Conseqüências da Reforma jesuítas consideravam-se os soldados da Igreja
Protestante Católica, cuja missão era combater a expansão
do protestantismo. Entretanto, o combate
. queda da unidade católica, com o deveria ser travado com as armas do espírito.
surgimento das novas Igrejas Protestantes. Para isso, Ignácio de Loyola escreveu um livro
Dessa forma, reduz-se a autoridade dos papas. básico, chamado “Os Exercício Espirituais”.
Nele apresentava formas de converter o
individuo ao catolicismo através de técnicas de
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contemplação. Mas a principal estratégia dos formação intelectual e religiosa adequada aos
jesuítas foi investir na criação de escolas padres.
religiosas. Outra arma utilizada foi a catequese De forma geral, todos os dogmas e
dos não-cristãos, isto é, os jesuítas sacramentos condenados pelos protestantes
empenharam-se em converter ao catolicismo os foram reafirmados no Concílio de Trento. Foi
povos dos continentes recém-colonizados reafirmada a infalibilidade e supremacia do
(América, África e Ásia). papa, defendendo sua autoridade sobre todos os
Os jesuítas foram incumbidos de organizar e católicos. Foram mantidos os sete sacramento
dirigir o Conselho Econômico, que se realizaria (batismo, crisma, eucaristia, matrimônio,
em Trento (cidade que ficava no Império penitência, ordem e extrema-unção), o culto
Germânico, próxima à fronteira da Itália) em dos santos e da Virgem (mãe de Jesus),
1545. enquanto o Concílio de Trento se reunia, confirmou a transubstanciação e a necessidade
o papa Paulo III tomou algumas medidas de das obras e dos sacramentos para a salvação.
contenção do movimento protestante, Reafirmou que as crenças católicas se
restaurando os tribunais da Inquisição (ou fundamentam nas Sagradas Escrituras e na
Tribunal do Santo Oficio). A Inquisição foi tradição da Igreja, única com poder de
criada em 1231 para julgar e punir os hereges. interpretar a Bíblia.
Dominado pelos padres dominicanos, o Como se vê, a Contra-Reforma mantinha-se
Tribunal do Santo Oficio intimidou, torturou e dentro da tradição. Tal postura acabou
matou mulheres de europeus na Idade produzindo intolerância religiosa de ambos os
Moderna, e conteve o avanço do lados, acirrando os conflitos entre católicos e
protestantismo nos países que atuou: Portugal, protestantes por toda Europa.
Espanha e Itália. Em 1543, foi criada a O primeiro passo para combater os
congregação do Index, buscando impedir a protestantes era a reforma interior da Igreja
difusão das idéias protestantes e da vozes Católica. Isto feito, os católicos desencadearam
discordantes do seu ideário religioso. A através do Concílio a Contra-Reforma, com
Congregação era encarregada da censura de medidas de combate sistemático aos
obras impressas (toda obra impressa deveria protestantismo, operando através da educação,
passar pela análise da Congregação, que o criando colégios destinados ao ensino primário
“recomendaria” ou não aos católicos) e de e à recuperação das novas gerações. O
elaborar a Lista dos Livros Proibidos (Index resultado foi reconquista de uma parte da
Librorum Prohibitorum) aos cristãos por serem Renânia, do sul dos Países Baixos (Holanda) e
contrários à doutrina católica. A primeira lista da Polônia. A segunda foi a difusão do
foi publicada em 1564, dela constavam as catolicismo entre os povos não-cristãos
bíblias luterana, calvinista e anglicana e (indígenas da América, africanos e asiáticos).
diversas obras de intelectuais da época, como A terceira forma de combate foi a contenção do
Galileu Galilei, Giordano Bruno, Isaac Newton protestantismo através dos tribunais da
etc. o lado censor do Index, ao longo do tempo Inquisição.
revelou-se um sério entrave ao progresso
cultural e científico da Idade Moderna.
O Concílio Econômico (reunião de RENASCIMENTO CULTURAL
representantes da Igreja Católica) de Trento, ou
simplesmente Concílio de Trento, esteve
01. Introdução
reunido de 1545 a 1563, com três série de
sessões interrompidas em razão de guerras.
Dele saiu um Igreja reformada e modernizada. A transformação socioeconômica iniciada
Restabeleceu-se a disciplina da Igreja na Baixa Idade Media e que culminara
Católica, fixando-se condições e idade mínima m com a Revolução Comercial na Idade
para exercer funções eclesiásticas e proibindo- moderna afetaram todos os setores da
se a acumulação de paróquias e bispados pelos sociedade, ocasionando inclusive mudanças
mesmos religiosos. Moralizou-se a Igreja com culturais . Intimamente ligadas a expansão
a proibição da venda de indulgências, de comercial, a reforma religiosa e ao absolutismo
relíquias sagradas e de cargos eclesiásticos. A político, as transformações culturais dos
grande mudança foi a criação de seminários, séculos XIV a XVI - movimento denominado
obrigatórios em cada diocese, para dar
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Renascimento cultural - estiveram articuladas se tomar verdadeiramente humano que, como
com o capitalismo comercial. diz Roland Mousnier. “pode assemelhar-se a
Primeiro grande movimento cultural Deus primeiramente, depôs identificar-se a ele,
burguês dos tempos modernos, o renascimento se Deus o quiser, pela criação. O homem e,
enfatizava uma cultura laica (não-eclesiástica), como Deus um artista universal”.
racional e cientifica, sobretudo não-feudal.
Entretanto, embora tentasse sepultar os valores 02.Pioneirismo Italiano
da Igreja Católica, apresentou-se como um
entrelaçamento dos novos e antigos valores, As transformações econômicas do final da
refletindo o caráter de transição do período. Idade Média, associada ao processo de
Buscando subsídios na cultura greco-romana, o urbanização e ascensão da burguesia, tomaram
Renascimento foi a eclosão de manifestações as concepções artístico-literárias feudais
artísticas, filosóficas e cientificas do novo inadequadas. Novas exigências afloraram
mundo urbano e burguês. refletidas no desenvolvimento comercial e na
O Renascimento não foi, como o termo nova sociedade urbana emergente. As
pode evocar a principio, uma simples primeiras manifestações renascentistas
renovação da cultura clássico e muito menos apareceram e triunfaram onde essas
um renascer cultural, como se antes não transformações já predominavam - na Itália.
cultura. Apenas inspirou-se na Antiguidade Reaberto o mar Mediterrâneo, com as
Clássica, sobretudo no antropocentrismo, a fim Cruzadas, as cidades italianas de Florença,
de resgatar valores que interessavam ao novo Veneza, Roma e Milão transformaram-se em
mundo urbano comercial. Própria das grandes centros de desenvolvimento capitalista,
mudanças em curso e da negação de período votivo pelo qual apresentavam as condições
anterior foi a denominação dada então Idade necessárias para a germinação e proliferação do
Média, de “Idade das Trevas” Renascimento.
Descartando a imensa produção cultura do Além disso, surgiram na Itália os mecenas,
período anterior o Renascimento caracterizou- ricos patrocinadores das artes e das ciências,
se por ser essencialmente um movimento que objetivavam não só a promoção pessoal,
anticlerical e antiescolástico, pois a cultura mas também proveitos culturais e econômicos.
leiga e humanista opunha-se a cultura Destacaram-se como protetores das artes os
eminentemente religiosa e teocêntrica do Médicis, em Florença, e os Sforza, em Milão.
mundo medieval. Os italianos contavam ainda com uma viva
No conjunto da produção renascentista, presença da cultura clássica, graças aos seus
começaram a sobressair valores modernos, muitos monumentos e ruínas, o que contribuía
burgueses, como otimismo, o individualismo, para o revigoramento de valores pré-feudais.
o naturalismo, o hedonismo e o neoplatonismo. Foi também a Itália o principal pólo de
Mas o elemento central do Renascimento foi o atenção dos sábios bizantinos, pensadores
humanismo, isto é, o homem com centro do formados pela cultura clássica grega, que para
universo (antropocentrismo), a valorização da lá se dirigiam fugindo da decadência do
vida terrena e de natureza, o humano ocupando império Romano do Oriente e das crescentes
o lugar cultural até então dominado pelo divino pressões dos turcos otomanos.
e extraterreno. Completando a imensa gama de
Com o humanismo abandonava-se o uso de componentes que detonaram o inicio do
conhecimentos clássicos tão-somente para Renascimento na Itália,havia ainda as
provar dogmas verdades religiosas, influências dos árabes,povo que obtivera,ao
descartando-se a erudição medieval confinada longo dos séculos,enorme repositório de
nas bibliotecas ou na clausura dos valores da Antiguidade Clássica e que
mosteiros.Impulsionava-se a paixão pelos mantinha contatos comercias com os portos
clássicos greco-romanos numa busca de italianos.
sabedorias e belezas “esquecidas” pela Idade
Média.
03.Fases do Renascimento
O homem renascentista, artista, cientista,
literato, confunde-se com o próprio Deus pela
genialidade criatividade, por emergir da Houve precursores do Renascimento, como
profundeza escura do sujeição escolástica para Dante Alighieri (1265-1321), natural de

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Florença, que escreveu a Divina Comédia em artistas de Florença, que introduziram a técnica
dialeto toscano. Entretanto, apesar de sua obra a óleo.
criticar o comportamento eclesiástico. Dante Dentre eles, podemos destacar Masaccio
ainda apresentava fortes influências medievais. (1401-1429), que, embora tenha tido uma breve
O Renascimento italiano se impôs efetivamente passagem pelo cenário artístico de Florença,
a partir do século XIV, estendendo-se até o influenciou a pintura ao romper com os
século XVI. Chamamos de Trecento (os anos resquícios da arte medieval, chamados de
trezentos) a fase do século XIV. Quatrocento “gótico tardio”.
(os anos quatrocentos) a do século XV e Deu aos seus trabalhos realismo, volume e
Cinquecento (os anos quinhentos) o período peso, tomando da arquitetura e da escultura
mais criativo, que foi de 1500 a 1550. alguns de seus princípios básico. Conseguiu
transportar para suas telas a geometria em
3.1 O Trecento - Século XIV perspectiva do arquiteto Brunelleschi e do
escultor Donatello. Suas pinturas mais famosas
Nas artes plásticas, a principal figura desse são A expulsão de Adão e Eva do paraíso.
período foi Giotto (1266-1337), que rompeu Tributo. Distribuição de esmolas por São Pedro
com a tradicional pintura medieval e seu e Histórias de Ananias.
imobilismo, caracterizado por uma hierarquia Sandro Boticelli (1445-1510) foi outro
rígida que determinava a importância dos destaque da pintura renascentista. Suas obras
personagens pintados (Cristo sempre estava apresentam figuras leves, tênues, quase
acima dos santos, era maior que os anjos e imateriais. Traduz uma convicção pessoal de
estes apareciam acima dos santos). Giotto fez que a arte e antes de tudo uma expressão
do humano e da vida o foco de suas pinturas, espiritual, religiosa, simbólica. Seus
dando as suas figuras um aspecto humano com personagens buscam a beleza neoplatônica e
traços de individualidade, destacadamente em alcançam, em Nascimento de Vênus, a união
São Francisco pregando aos pássaros e entre o paganismo clássico e o cristianismo. A
Lamento ante Cristo morto. nudez brilhante da deusa do amor não sugere
Nas letras, o período caracterizou-se pelo amor físico, mas a inocência, como que
uso da língua italiana (dialeto toscano), embora nascendo purificada das águas do Batismo.
ainda houvesse fortes influências medievais. Além de Nascimento de Vênus, suas telas mais
Dói autores se destacaram: Petrarca (1304- famosas são Alegoria da primavera e Fallade e
1374) e Giovanni Boccaccio (1313-11375). o Centauro.
Petrarca, considerado o “pai do humanismo Leonardo da Vinci (1452-1519), um dos
e da literatura italiana”, imprimiu em sua obra humanistas mais completos do Renascimento, e
épica. De África, marcantes traços dos considerado figura de transição, pois viveu a
clássicos greco-latinos. Apesar disso, em metade do Quattrocento e o inicio do
algumas obras, como nos poemas Odes a Cinquecento. No primeiro período quando
Laura, evidenciava-se ainda uma forte Florença era o pólo cultural da Itália, a arte
religiosidade cristã medieval, aliada ao ainda imitava os modelos clássicos e
trovadoresco das canções dos cavaleiros do predominava o uso das línguas clássicas. No
século XIII. Boccaccio é o autor Fiammetta, Cinquecento, Roma transformou-se no eixo
Filistrato e Decameron, conjunto de contos que renascentista, ao mesmo tempo que a língua
ressaltam o egoísmo, o erotismo e o italiana era usada fluentemente, assim como l
anticlericalismo, desprezando os ideais latim e o grego. Predominavam nesse período a
ascéticos do período medieval. originalidade, a criação tanto na forma como
no conteúdo, o que resultava numa arte própria
3.2 O Quattrocento - Século XV - fusão do clássico com o moderno.
Ao longo de sua vida, a obra de Leonardo
O entusiasmo pela cultura greco-romana fez da Vinci incorporou as tendências de cada um
renascer, na literatura desse período, as línguas desses períodos e ele foi de pintor e escultor a
clássicas e o paganismo. Em Florença, foi urbanista e engenheiro de musico e filosofo a
criada a Escola Filosófica Neioplatônica, com físico e botânico. Esboçou invento que só
o patrocínio do mecenas Lourenço de Médici. séculos mais tarde se concretizariam, como,
Na pintura, tiveram Tande importância os por exemplo, o pára-quedas, o escafandro, o
canhão, o helicóptero, etc. Suas telas mais
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famosas são Gioconda (Monalisa), Santa Ceia emergiram impulsionaram os valores
e Virgens das rochas. renascentistas surgidos na Itália.
Ao mesmo tempo, emergiu na Itália a
3.3 O Cinquecento - Século XVI Contra-Reforma, reação católica a movimentos
protestantes que teve em Roma seu centro
Nesse período, em que o uso da língua difusor e que se indispunha contra as
italiana foi sistematizado, destacaram-se alguns manifestações culturais renascentistas. Uma
escritores como Francesco Guicciardini, com das primeiras vitimas da Contra-Reforma foi
História da Itália. Toquato Tasso, autor de Giordano Bruno (1548-1600), humanista
Jerusalém libertada, e Ariosto, autor de queimado vivo como herege, por ter-se
Orlando, o furioso. Entretanto, foi Nicolau insurgido contra a concepção de que o universo
Maquiavel (1469-1527) o iniciador do é feito de coisas fixas, criadas por um Deus
moderno pensamento político o maior expoente transcendente, e ter defendido as concepções
literário do período. Em O príncipe, defende copernicanas de um universo infinito e
um Estado forte, independente da Igreja, um ilimitado, em permanente transformação, que
governo absolutista em favor do qual todos os se confunde com o próprio Deus.
meios são justificáveis, estando a “razão de
Estado” acima de qualquer outro ideal.
Escreveu também a História de Florença, 04.A Expansão do Renascimento
Discurso sobre a primeira década de Tito Livio
e a peça Mandrágora, considerada a mais No conjunto dos países europeus, o
perfeita obra teatral escrita em língua italiana. movimento renascentista não despertou com o
Nas artes do Cinquecento, destacou-se mesmo ímpeto, não demonstrou o apego intimo
Rafael Sanzio (1483-1520), um dos mais aos clássicos, nem enfatizou o humanismo,
populares artistas da Renascença, que deixou como aconteceu na Itália. Ao contrario,
uma imensa produção, apesar da morte espelhou características especificas em cada
prematura aos 37 anos. Destacam-se entre seus região, desenvolvendo um humanismo bem nos
trabalhos, os retratos dos papas Júlio II e Leão moldes cristãos: preocupação com problemas
X e a decoração de algumas salas do Vaticano. de ordem prática, predominância da ética sobre
Tendo entre seus mais importantes trabalhos a estética. A literatura e a filosofia tiveram
a Escola de Atenas, Rafael pintou ainda maior destaque, em detrimento da pintura e da
inúmeras madonas - tema que fascinava os escultura.
italianos -, mesclando elementos religiosos e
profanos: “Não são retratos de santas porque a 4.1 Países Baixos
sensualidade eclipsa a emoção mística que
deveriam apresentar. E tampouco chegam a ser O progresso comercial dos Países Baixos
figuras humanas, porque, embora adoráveis, (flandres e Holanda) e a sua posição
sua beleza é invadida por uma abstração privilegiada na Revolução Comercial fizeram
idealista”. surgir nessas regiões grandes renascentistas,
Michelangelo Buonarroti (1475-1564), com Erasmo de Rotterdam, os rimãos Van
denominado o “gigante do Renascimento”, Eyck, Hieronymus Bosch e Peter Brueghel.
pelo destaque de suas pinturas, esculturas, Erasmo de Rotterdam (1466-1536),
arquitetura e obra poética, foi outro grande considerado o “príncipe dos humanistas”, usou
artista do Cinquecento. ?Retratou com maestria uma linguagem simples e elegante para
a dor e a paixão, e sua maior obra foi o esclarecer problemas teológicos e superar a
conjunto de afrescos pintados na Capela Sistina angustia metafísica da Europa de sua época
sobre passagens da Bíblia, devido a tensão religiosa, criada pelo
No final do século XVI, o Renascimento reformista protestante Lutero, vivia-se a
italiano entrou em vertiginosa decadência, pois contestação de valores cristãos seculares, como
a expansão marítima e as grandes descobertas, a unidade da Igreja, a autoridade papal
quebrando o monopólio comercial italiano no suprema. Além disso, fervilhavam criticas ao
Mediterrâneo, transferiram para o Atlântico o comportamento eclesiástico e a alguns pontos
eixo econômico e comercial europeu. Por outro doutrinários (o livre-arbítrio, a importância da
lado, os novos centros comerciais que liturgia, etc).

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Nesse contexto, desprezando as doutrinas Na Inglaterra, o renascimento só floresceu
escolásticas, Erasmo escreveu Elogio da efetivamente no século XVI, após a Guerra das
loucura, obra em que denuncia algumas Duas Rosas, quando despontaram os literatos
atividades da Igreja e a imoralidade do clero, Thomas Morus e William Shakespeare, seus
delineando a atuação da reforma protestante. maiores expoentes.
Entretanto, se por um lado estimulou o Thomas Morus (1476-1553), chamado o
aparecimento do protestantismo, por outro, chanceler filosofo, era amigo intimo de Erasmo
condenou a Reforma, pois defendia a tolerância de Rotterdam. Escreveu Utopia, obra em que
e a humildade como os caminhos mais sensatos descreve “um país de lugar nenhum”, onde as
para se alcançar o verdadeiro cristianismo. leis são poucas, a administração beneficia, sem
Erasmo é também autor de Adágios e distinção, todos os cidadãos, o mérito é
Colóquios, por meio dos quais critica a recompensado, a riqueza é repartida e todos
sociedade da época recorrendo a concepções vivem um vida perfeita. Utopia exalta a paz, a
clássicas, como o antropocentrismo. Numa compreensão e o amor e condena a
passagem de Colóquios, por exemplo, o papa intolerância, o desejo pelo poder e pelo
Júlio II, personagem principal, encontra, após dinheiro. Morus mescla em sua obra os ideais
sua morte, a porta do paraíso fechada e ameaça da civilização clássica com os do cristianismo -
São Pedro de excomunhão caso não a abrisse forjando uma sociedade perfeita em
imediatamente. O diálogo entre o papa e Pedro decorrência do uso de inteligência e da razão.
se faz como entre um prepotente pecador e a Foi com o teatro de William Shakespeare
verdade pura da Igreja vitoriosa. (1564-1616), entretanto, que a Inglaterra mais
Na pintura flamenga, destacaram-se os se evidenciou no renascimento. Suas tragédias
irmão Van Eyck, com a tela Adoração do conseguem traduzir verdades eternas,
cordeiro, obra executada com a nova técnica a espelhando um gênio com liberdade de espírito
óleo. Sobressaiu também a pintura de Pieter e descrença nos dogmas, Nelas, o drama
Brueghek, que se singularizou pelo aspecto psicológico faz vir a tona a intensidade da alma
social impresso em suas telas, em que humana com todas as suas múltiplas faces.
aparecem homesns do povo e festas populares, Shakespeare firmou um trabalho que ainda
com casamentos e feiras de aldeia. Destacam- hoje fascina artistas e platéias em todo o
se O alquimista. Banquete nupcial. Dança mundo, seja em dramas como Romeu e Julieta.
campestre. Os cegos. Otelo, Rei Lear, Macbeth e Hamlet, em dramas
Outro grande pintor do período foi Bosh, históricos como Ricardo III. Júlio César e
cuja obra é considerada, no mínimo, como algo Antônio e Cleópatra ou em comedias com As
inquiente, um verdadeiro caleidoscópio, por alegres comadres de Windsor.
exprimir sensações que beiram o fantástico, os
mistérios da mente humana, numa antevisão do 4.4 França
surrealismo - escola artística do século XX.
Suas obras mais famosas são: As tentações de Rabelais demonstrou todo o talento do
Santo Antão, Carroça de feno e Jardim das humanismo francês em Gargântua e
delicias. Pantagruel, comedia que satiriza a Igreja, a
escolástica, as superstições e a repressão, em
4.2 Alemanha oposição a glorificação do homem, da
liberdade e do individualismo. Na filosofia,
Na Alemanha, a efervescência artística foi Michel Montaigne, com a obra Ensaios,
beneficiada pela Reforma luterana e pelas expressou seu ideal de equilíbrio sentimento de
guerras que se seguiram. Os maiores expoentes estar em harmonia com o universo aceitando-o
na pintura foram: Albrecht Durer (1471-1528), como ele é.
autor de Auto-retrato. Natividade e Adoração
da Santíssima Trindade; e Hans Holbein (1497- 4.5 Espanha
1543), autor de Cristo na sepultura e de retratos
de importantes personagens da época, com A Espanha viveu do século XVI ao XVII
Henrique VIII, Erasmo e Thomas Morus. um clima antagônico de um lado, as riquezas
das grandes navegações, que poderiam
4.3 Inglaterra favorecer o desenvolvimento cultura; de outro,
o cristianismo, que o bloqueou com o
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movimento da Contra-Reforma. Mesmo nesse Na medicina despontaram Miguel Servet
contexto contraditório, despontaram artistas (1511-1553) e William Harvey (1578-1657),
como o pintor Domenikos Theotokopoulus que descobriram o mecanismo da circulação
conhecido como El Greco (1541-1614), cujas sanguínea - a circulação pulmonar pelas
mais célebres telas são O enterro do conde artérias e o retorno do sangue ao coração pelas
Orgas e Vista de Toledo sob a tempestade. veias. Ambroise Pare (1509-1590) defendeu a
No teatro destacaram-se Tirso de Molina laqueação (ligação) das artérias, em lugar da
(1571-1648), autor da dramatização histórica tradicional cauterização, para deter
Don Juan. Lope de Veja (1562-1635), produtor hemorragias, e André Vesálio (1514-1564)
de mais de duas mil peças, a maioria comedias. transformou-se no pai da moderna anatomia,
O maior escritor da renascença espanhola, publicando em 1534 o primeiro livro extenso
entretanto, foi Miguel de Cervantes (1547- sobre o assunto: Sobre a estrutura do corpo
1616), autor de Dom Quixote, obra considerada humano. Vesálio atraiu estudantes de todo o
a maior sátira já produzida em todos os tempos. mundo para as suas aulas em Pádua, fazendo
da anatomia uma ciência.
4.6 Portugal O Renascimento retirou da igreja o
monopólio da explicação das coisas do mundo.
Portugal, que viveu praticamente os mesmos Aos poucos, o método experimental passou a
problemas da conjuntura espanhola, apresentou ser o principal meio de se alcançar o saber
um movimento humanista intimamente cientifico da realidade. A verdade racional
relacionado com as grandes navegações. Por precisava ser sempre comprovada na prática,
isso, foram expressivos epopéia, a empiricamente (empirismo). Assim, apesar de
historiografia e o teatro. Os ideais estéticos do a Reforma e a Contra-Reforma terem freado o
Renascimento chegaram a Portugal com Sá de ímpeto renascentista, estavam lançados os
Miranda (1481-1558), após viagem à Itália. No fundamentos que derrubariam definitivamente
teatro, Gil Vicente (1465-1536) destacou-se a escolástica, fundamentada no misticismo. A
com seus autos, como o Auto da visitação e o critica, o naturalismo, a dimensão humanista
Auto dos Reis Magos. Contudo, o maior brilho culminaram no racionalismo, no empirismo
literário coube ao poeta Luís Vaz de Camões cientifico foram dos séculos XVII e XVIII.
(1525-1580), com seu épico Os Lusíadas, a Dessa forma, as principais barreiras culturais
maior epopéia em língua portuguesa. do progresso cientifico foram suficientemente
abaladas para não mais representarem ameaça
05.O Renascimento Científico no progresso capitalista burguês em curso,

A efervescência cultural da Renascença O ABSOLUTISMO MONÁRQUICO


impulsionou o estudo do homem e da natureza.
O Universo já não era mais aceito como obra
sobrenatural, fruto dos preceitos cristãos. O 01. Introdução
espírito critico do homem partiu para a ciência
experimental, a observação, a fim de obter Na Alta Idade Média, à época do
explicações racionais para os fenômenos da apogeu do feudalismo na Europa, embora a
natureza. Surgem então alguns cientistas de autoridade política estivesse de direito
renome. concentrada nos reis e imperadores, era
Nicolau Copérnico (1473-1543), em De exercida de fato pelos grandes senhores
revolutionibus orium celestium, refuta o feudais. Na prática, o poder político era
geocentrismo piolomaico, formulando a teoria descentralizado, e a soberania dos monarcas,
heliocêntrica, que foi completada no século limitada pelos privilégios dos nobres, que em
XVII pelo italiano Galileu Galilei (1564-1642). seus domínios tinham autonomia e poderes
Tycho Brahe (1546-1601) faz observações absolutos. A autoridade do rei se limitava às
precisas sobre os astros e Johann Kepler (1571- terras de domínio efetivo da Coroa, cuja
1630) apontou o movimento elíptico dos astros, extensão era, por vezes, menor que a dos
preparando o caminho para a descoberta da lei grandes feudos do reino.
da gravitação universal, de Isaac Newton
(1642-1727).
79
Na Baixa Idade Média, paralelamente à permitiram desbancar a supremacia da
crise do feudalismo e à decadência da nobreza, mentalidade escolástica. Com uma ideologia
ocorreu o renascimento do comércio, o política livre das amarras da Igreja, puderam
ressurgimento das cidades e a formação da surgir teorias justificadoras do Estado
burguesia nos países da Europa ocidental. absolutista.
Entretanto, as cidades eram controladas pelos Para Tomás de Aquino, o criador da
feudos; os burgueses dominados pelos nobres; escolástica, a política possuía um conteúdo
e o comércio a longa distância, prejudicado ético, estando subordinada a valores ditados
pela estreiteza dos mercados locais. O pela Igreja. Segundo a concepção tomista, o
particularismo feudal e os privilégios da imperativo da moral, do bem comum e o
nobreza tornavam-se um entrave ao respeito aos direitos naturais do homem
crescimento das cidades, à expansão dos compunham os fundamentos limitadores do
negócios e ao enriquecimento da burguesia. poder político.
Só a força e a autoridade de uma Na Idade Moderna, os intelectuais,
monarquia centralizada poderiam, suprimindo sobrepujando a mentalidade medieval, criaram
a independência dos feudos e submetendo a uma ideologia política típica do período,
nobreza, promover a unificação territorial do legitimando o absolutismo. Alguns, como
país, impor obediência à sua população e dar Maquiavel, defendiam a teoria de que a
proteção à burguesia. Respaldada por um política, representada pelo soberano, deveria
exército permanente e uma administração atender ao "interesse nacional". Outros, como
centralizada, a realeza poderia decretar Hobbes, partiam da concepção de um "contrato
impostos regulares, cunhar uma moeda- entre governados e Estado". Vários foram os
padrão, editar uma legislação uniforme e pensadores que se destacaram na teoria política
agilizar o funcionamento da justiça, do período absolutista.
incrementando a prosperidade do comércio O mais importante deles foi Nicolau
mediante a criação de um mercado nacional. Maquiavel (1469-1527), membro do governo
Essa situação levou, ao final da Idade dos Médicis, de Florença. Em suas obras
Média, à formação de uma aliança entre a (Mandrágora, Discursos sobre a década de
burguesia e a realeza, que substituiu, em Tito Lívio, O príncipe), expressa revolta quanto
diversos países da Europa ocidental, a à situação da Itália, devastada pela divisão em
descentralização feudal pelo centralismo repúblicas rivais. Aponta como solução para o
monárquico. Caracterizado por um só poder, país o despertar do interesse nacional,
um só exército e uma só administração, nascia abrangente, postura que deveria ser assumida
na Europa o Estado moderno, cuja autoridade pelo "príncipe", a fim de restaurar a unidade da
soberana abarcava todo um território e era República italiana.
obedecida por todos os seus habitantes. Maquiavel, no livro O príncipe,
Em conseqüência do processo de aconselha o soberano florentino a que fique
centralização do poder real e da unificação acima das considerações morais, mantendo a
territorial, iniciado na Baixa Idade Média, a autonomia política. Para ele, "os fins justificam
maior parte destes Estados evoluiu no sentido os meios" e a razão de Estado deve sobrepor-se
da Monarquia Absoluta. Esta é o regime em a tudo, ou seja, o soberano tudo pode fazer
que o Rei, encarnando o ideal nacional, possui, quando busca o bem-estar do país. Quando está
além disso, de direito e de fato, os atributos da em jogo o interesse do Estado - sentencia
soberania: poder de decretar leis, de prestar Maquiavel - até a "força é justa quando
justiça, de arrecadar impostos, de manter um necessária".
exército permanente, de nomear funcionários Preocupado com o estabelecimento de
etc. Isto é, o absolutismo representou um alto um Estado forte, Maquiavel defende que a
grau de concentração de poderes nas mãos do autoridade do príncipe, embora às vezes brutal
rei. e calculista, é vital para o seu sucesso e
conseqüentemente para o do Estado. Num
02. Teóricos do absolutismo posicionamento contrário à concepção tomista,
chega a questionar se seria preferível a um
No início da Idade Moderna, mudanças príncipe ser amado ou ser temido, e conclui:
culturais expressas pelo Renascimento, que "Creio que seriam desejáveis ambas as coisas,
reestruturou a ideologia política européia,
80
mas, como é difícil reuni-las, é mais seguro ser primeira característica do príncipe soberano ter
temido do que amado". o poder de legislar sem precisar do
Thomas Hobbes (1588-1619), consentimento de quem quer que seja. Hugo
considerado por muitos o teórico que melhor Grotius (1583-1645), autor de Do direito da
definiu a ideologia absolutista, articulou um paz e da guerra, trata basicamente do direito
sistema lógico e coerente para apresentar a internacional, mas defende também o governo
necessidade do Estado despótico. O próprio despótico, o poder ilimitado do Estado,
título de seu livro, Leviatã (nome do monstro afirmando que sem ele se estabeleceria o caos,
fenício do caos), nos dá a idéia do que para ele a turbulência política.
seria esse Estado: uma grande entidade todo-
poderosa que dominaria todos os cidadãos. 03. Conclusão
Hobbes justifica o Estado absoluto
apontando-o como a superação do "estado de A despeito das teorias apresentarem o
natureza". Para ele, na sociedade primitiva Absolutismo como um regime em que os
ninguém estava sujeito a leis, tendo tão- poderes do Rei não conheceriam limites, na
somente de satisfazer sua avidez intrínseca pelo prática ele foi limitado pelas próprias
poder, pelo interesse próprio. Levando uma condições econômicas e sociais da época, pelos
"vida solitária, pobre, grosseira, animalizada e costumes e instituições; daí a necessidade de o
breve", todos estavam permanentemente em monarca ser levado a contemporizar, pois
guerra entre si - o homem era como "um lobo precisava atender às exigências das classes
para o homem" (homo homini lupus). sociais rivais, a fim de consolidar sua própria
Hobbes conclui que a autoridade do condição de árbitro e o fortalecimento do
Estado deve ser absoluta, a fim de proteger os Estado. Embora a ideologia do Absolutismo
cidadãos contra a violência e o caos da encarasse o monarca como um indivíduo que
sociedade primitiva, motivo pelo qual os pairava acima das classes, exercendo um papel
homens se unem politicamente, organizando-se de árbitro, na prática ele estava condicionado
num Estado absoluto e vivendo felizes tanto pelo fato de pertencer à nobreza de origem
quanto permite a condição humana. Hobbes feudal, por mais que procurasse ou desejasse
afirma ainda que "é lícito ao rei governar aliar-se à burguesia nascente.
despoticamente, já que o próprio povo lhe deu O esquema burocrático-administrativo,
o poder absoluto". mola mestra do poder, também limitava o
Jacques Bossuet (1627-1704), de 1670 poder do rei. A forma de recrutamento de
a 1679, cuidou da educação do filho do rei funcionários dava-lhes alto grau de
francês Luís XIV, escrevendo Memórias para independência, pois recebiam os cargos
a educação do delfim e Política segundo a hereditariamente ou os compravam. A
Sagrada Escritura, obras em que estabeleceu o autonomia obrigava o rei a criar sempre novos
princípio do direito divino dos reis, isto é, do cargos para tentar dominar a burocracia e, ao
poder real emanado de Deus. Segundo Bossuet, mesmo tempo, aumentar as rendas do Estado.
a autoridade do rei é sagrada, pois ele age Havia outras limitações ao exercício pleno do
como ministro de Deus na terra, e rebelar-se poder real: a permanência de privilégios nas
contra ele é rebelar-se contra Deus. cidades e nas corporações; a grande extensão
A teoria de Bossuet influenciou do país; as dificuldades de comunicação e o
sobremaneira os reis franceses da dinastia pequeno número de funcionários; a
Bourbon, Luís XIV, Luís XV e Luís XVI, permanência de leis costumeiras, leis
dando-lhes subsídios para incorporar a noção fundamentais do reino e leis religiosas.
de "direito divino" à autoridade real. "Aquele O Estado absoluto da Idade Moderna
que deu reis aos homens quis que eles fossem apresentou um caráter ambíguo, refletindo o
respeitados como Seus representantes", sentido de transição do período. De um lado,
afirmava Luís XIV. foi um "Estado feudal transformado" com a
Outro teórico absolutista de destaque burocracia administrativa, formada em grande
foi Jean Bodin (1530-1596), autor de A parte pelos senhores feudais, que mantinham
República, defendia a idéia da "soberania não- vários privilégios seculares; de outro, um
partilhada". Para ele, a soberania real não pode dinâmico agente mercantil, unificando
sofrer restrições nem submeter-se a ameaças, mercados, eliminando barreiras internas que
pois ela emana das leis de Deus, sendo a entravavam o comércio, uniformizando
81
moedas, pesos e leis, além de empreender Entretanto, apesar das variações de
conquistas de novos mercados. Estado para Estado e de época para época,
houve uma série de princípios comuns que
orientaram a política mercantilista. Um deles
MERCANTILISMO foi o metalismo - concepção que identifica a
riqueza e o poder de um Estado à quantidade
de metais preciosos por ele acumulados. A
obtenção de ouro e prata viabilizou-se com a
01. Introdução
exploração direta das colônias ou com a
intensificação do comércio externo. Em ambos
O mercantilismo pode ser definido os casos, buscava-se manter o nível das
como a política econômica das monarquias exportações superior ao das importações, ou
nacionais. Essa política acompanhou o período seja, uma balança comercial favorável.
de formação das monarquias nacionais e Neste quadro, o Estado restringia as
atingiu seu apogeu com a monarquia absoluta. importações impondo pesadas taxas
O mercantilismo caracterizou-se por ser alfandegárias aos produtos estrangeiros, ou até
uma política de controle e incentivo, por meio mesmo proibindo que certos artigos fossem
da qual o Estado buscava garantir o seu importados. Essas medidas visavam não apenas
desenvolvimento comercial e financeiro, diminuir as importações, mas igualmente
fortalecendo ao mesmo tempo o próprio poder. proteger a produção nacional da concorrência
Não chegou a constituir uma doutrina, um estrangeira; por esse motivo, são chamadas de
sistema de idéias, um conjunto coerente de medidas protecionistas. Para estimular as
práticas e ações; foi, na verdade, um conjunto exportações, vários Estados modernos
de medidas variadas , adotadas por diversos procuraram desenvolver políticas de incentivo
Estados modernos, visando à obtenção dos à produção nacional, tanto nas metrópoles
recursos e riquezas necessários à manutenção quanto em suas colônias.
do poder absoluto. A formação de monopólios era outra
No início da Idade Moderna, os Estados condição fundamental para o desenvolvimento
europeus encontravam-se em constantes lutas do comércio e das manufaturas, pois constituía
pelo domínio do comércio mundial e das a única forma possível de realizar grandes
colônias ou por motivos religiosos e de honra empreendimentos. Os capitais uniam-se para
dinástica. Os Estados nacionais necessitavam, monopolizar um ramo da produção
então, formar exércitos e marinhas poderosos. manufatureira, o comércio de uma localidade
E para isso, precisavam de dinheiro, ou o colonial. O monopólio, no entanto,
conseguido através do aumento da cobrança de pertencia ao Estado absolutista, que, em troca
impostos, e do desenvolvimento do comércio e de pagamento, transferia-o aos burgueses.
das manufaturas. À medida que se processava O intervencionismo estatal visava o
esse desenvolvimento, a burguesia, sua fortalecimento do poder nacional. O Estado
beneficiária, se enriquecia. O mercantilismo, na intervinha na economia através de
verdade, exprimia a aliança entre os reis e a regulamentações, como incentivo e proteção
burguesia pela unificação e desenvolvimento das manufaturas, tarifas alfandegárias e
do poderio nacional. Foram as regulamentações garantia dos monopólios, fixação de uma
mercantilistas, com seu rígido controle sobre a política de aumento da população para o
economia, que ajudaram as burguesias barateamento da mão-de-obra e controle sobre
européias a acumular capitais. os salários, preços e qualidade das mercadorias.

02. Princípios 03. O Sistema Colonial


Cada Estado procurou as medidas que Uma das principais conseqüências do
mais se ajustavam às peculiaridades: alguns mercantilismo foi a montagem do sistema de
concentraram-se na exploração colonial, na exploração colonial, que marcou a conquista e
obtenção de metais preciosos; outros, nas a colonização de toda América Latina, além de
atividades marítima e comercial; e outros, regiões da Ásia e da África.
ainda, optaram por incentivar a produção Na verdade, o sistema colonial
manufatureira. desenvolveu-se como uma continuação da
82
política econômica do mercantilismo. De Na Espanha, o Estado adotou medidas
acordo com essa política, o Estado deveria para a obtenção de metais, por meio da
enriquecer-se por meio do crescimento das exploração colonial americana, e para a
atividades comerciais. E foi através da restrição das importações, priorizando o
exploração colonial que as nações européias metalismo. Devido à estocagem de lingotes de
realizaram esse objetivo. ouro e prata, o mercantilismo espanhol recebeu
Seguindo os princípios mercantilistas, o nome de bulionismo.
diversos Estados europeus passaram a Na França, destacadamente no século
acumular metais preciosos e a proteger seus XVII, o governo procurou limitar as
produtos em busca de uma balança de importações e, ao mesmo tempo, aumentar o
comércio favorável. Surgiu, com isso, um valor das exportações, estimulando as
choque entre os interesses econômicos de um manufaturas, especialmente aquelas voltadas
país mercantilista com os de outro concorrente para a produção de artigos de luxo, criando
também mercantilista. Motivo: quando dois ainda diversas companhias de comércio. Em
concorrentes só querem ganhar e levar alusão a seu maior defensor, Colbert ministro
vantagem um sobre o outro, os negócios entre de Luís XIV, o mercantilismo desenvolvido na
ambos ficam travados pela ganância de cada França foi chamado de colbertismo. Como
um. essa política econômica priorizava a indústria,
Esses Estados perceberam que a o colbertismo era também conhecido como
solução ideal seria cada país mercantilista industrialismo.
dominar uma região colonial. Nas colônias, Na Inglaterra, cuja política mercantilista
então, ele poderia controlar o seu comércio, foi chamada de comercialista e depois
impondo preços e produtos e obtendo o industrialista, o governo favoreceu o
máximo de lucros possível. Foi dessa forma desenvolvimento da frota naval e da marinha
que surgiu o sistema de exploração das mercante, essenciais para a expansão de seu
colônias, e as nações mercantilistas européias comércio externo. Paralelamente, incentivou a
formaram seus impérios coloniais. produção manufatureira, protegendo-a da
O colonialismo mercantilista, enquanto concorrência estrangeira por meio de uma
sistema de dominação (pacto colonial), rígida política alfandegária.
funcionou com as seguintes características
básicas: 05. Fases do mercantilismo
Produção complementar - a vida
econômica da colônia era organizada em No final do século XV, e especialmente
função da metrópole. A colônia jamais poderia no século XVI, os países ibéricos (Portugal e
desenvolver uma produção voltada para seus Espanha) comandaram as transformações da
interesses internos, pois estava impedida de economia européia. Pioneiros no processo de
produzir o que fosse concorrente com a expansão ultramarina, foram igualmente os
economia metropolitana. Assim, o sistema primeiros a se beneficiar com as riquezas das
colonial mercantilista transformava a colônia terras descobertas. A exploração de suas
numa reserva de mercado, isto é, num território colônias foi orientada por políticas
para exploração exclusiva da metrópole. mercantilistas semelhantes, que se traduziam
Monopólio comercial - a metrópole na exploração intensa dos recursos naturais -
tinha o direito exclusivo de realizar comércio especialmente no caso da Espanha, cujas
com a colônia. Utilizando esse direito, a colônias eram riquíssimas em metais preciosos
metrópole comprava os produtos coloniais - e na defesa do monopólio de comércio, o
(matérias-primas e produtos agrícolas chamado exclusivo colonial.
tropicais ) pelo mais baixo preço possível e Assim, todos os produtos que chegavam
vendia as mercadorias metropolitanas à colônia ou saíam dela tinham de passar pela
(manufaturados ) pelo mais alto preço metrópole, concretizando sua sujeição absoluta
admissível. O monopólio comercial foi o ao Estado explorador, característica do pacto
instrumento para controlar a vida econômica da colonial. Cabia à colônia, além de consumir os
colônia. produtos manufaturados pela metrópole,
produzir segundo as exigências da economia
04. Tipos de Mercantilismo mercantilista, garantindo lucros e rendas à
Coroa e à burguesia mercantil.
83
Devido ao enriquecimento da Espanha o transporte de produtos da metrópole e das
pelo acúmulo de metais preciosos, a concepção colônias inglesas. Dessa forma, além de evitar
metalista predominou no mercantilismo os enormes gastos com os fretes pagos aos
europeu dessa época. Entretanto, o enorme estrangeiros, impedia-se a evasão de moeda
afluxo de metais preciosos provocou, a longo para o exterior, permanecendo todo o lucro do
prazo, efeitos negativos sobre a economia comércio no país.
espanhola ao desestimular as atividades Esses Atos de Navegação, como eram
agrícolas e manufatureiras. Tornando-se cada chamados, foram decisivos para o
vez mais dependente de importações, a desenvolvimento comercial da Inglaterra, que
Espanha não conseguiu manter ao longo do assim pôde desbancar seus concorrentes,
tempo saldos positivos em sua balança especialmente os holandeses, que até então
comercial. dominavam o transporte marítimo europeu e
Além disso, a abundância de ouro e colonial.
prata, aumentando o volume monetário, Além de estimular a marinha mercante,
provocou, no século XVI e principalmente no o Estado inglês incentivou a produção e as
XVII, uma extraordinária elevação nos preços, atividades financeiras, criando também
que se generalizou por toda a Europa, diversas companhias de comércio. Nascidas de
favorecendo os Estados produtores, como maneira familiar, as empresas capitalistas logo
França, Inglaterra e Holanda e respectivas atraíram investidores, ampliando os negócios e
burguesias comerciais e manufatureiras, que os lucros.
ampliavam seu processo de entesouramento e
capitalização.
Assim, já no final do século XVII, 06. Conseqüência
quem liderava economicamente a Europa não
eram mais os países ibéricos, mas as nações A principal conseqüência do
que se voltaram para o comércio e para a mercantilismo para a história da Europa foi o
produção como meio de entesouramento. processo denominado acumulação primitiva
Ainda no século XVI, França e de capital, realizado por meio da pilhagem das
Inglaterra criaram medidas protecionistas e riquezas coloniais, em escala mundial. Esse
subvenções às manufaturas que lhes processo se deu da seguinte maneira: a
permitiram assumir, nos dois séculos seguintes, conquista dos novos continentes resultou na
uma posição de liderança na economia destruição das civilizações pré-colombianas, na
européia, adotando medidas mercantilistas subjugação das populações nativas e na
peculiares. instauração do lucrativo tráfico de escravos
Na França dos Bourbons, desde os africanos; as riquezas das colônias foram
ministros Sully e Laffémas, de Henrique IV saqueadas e transferidas para as metrópoles
(1589-1610), a Richelieu, de Luís XIII (1610- européias. Para o Velho Mundo, foram
1643), o Estado incentivou a produção e o drenados os metais preciosos da América
comércio, bem como a construção naval. espanhola, o açúcar e o ouro do Brasil, os
Entretanto, foi no reinado de Luís XIV (1661- produtos tropicais da África e da América e as
1715), sob a orientação do ministro das especiarias do Oriente. A acumulação de
finanças, Colbert, que a intervenção estatal foi capital foi, assim, duplamente primitiva: por ter
severa e sistemática. Estimulou-se a produção sido a primeira grande acumulação de riqueza
manufatureira, especialmente de artigos de em toda a história da humanidade e pelos
luxo (jóias, móveis, porcelanas, rendas, sedas, métodos brutais empregados pelos europeus
etc.), muitos deles produzidos pelas para efetuá-la. Essa acumulação de capitais
manufaturas reais, de propriedade do Estado. permitiu a Revolução Industrial.
Nessa época, a França tornou-se famosa pela
excelente qualidade de seus produtos,
EXPANSÃO MARÍTIMO
conquistando o mercado externo.
Na Inglaterra, desde os Tudor até os COMERCIAL
Stuart, o Estado adotou diversas medidas de
proteção ao comércio marítimo, como o
estímulo à construção naval e a criação de leis 1- Causas da expansão
proibindo que navios estrangeiros realizassem
84
A sucessão de crises do final da Idade suficiente de metais para a cunhagem de
Média provocou mudança estrutural na moedas. para solucionar o problema de
sociedade européia. A Europa precisava escassez de metais, os europeus
crescer economicamente. Expandir-se. precisavam descobrir novas jazidas em
Buscar novas soluções para seus problemas outras regiões.
internos. Foi no sistema capitalista nascente Interesses dos Estados nacionais: As
que se encontraram as soluções para novas monarquias tinham objetivos
atender muitas dessas necessidades. mercantis. A expansão comercial
O desenvolvimento do capitalismo foi aumentaria os poderes do rei, manteria os
impulsionado pela expansão marítima e privilégios da nobreza e elevaria os lucros
comercial européia. Vejamos esses fatores: da burguesia. Assim, os Estados
Novo caminho para o Oriente: Entre os nacionais deram todo apoio à expansão
produtos mais procurados pelo comércio marítima.
europeu figuravam as especiarias (cravo, Propagação da fé cristã: Os
canela, pimenta, noz moscada, gengibre) participantes da expansão marítimo-
e outros artigos de luxo (porcelanas, comercial européia herdaram da idade
tecidos, seda, marfim, perfumes). Esses Média algo do entusiasmo cavaleiresco e
produtos tinha procedência Oriental (Ásia do ideal das Cruzadas de propagar a fé
e África) e chegavam à Europa após cristã. assim, é impossível ignorar, nesse
percorrer longo e difícil trajeto por terra e período, a importância da influência
mar, o que encarecia muito o seu preço religiosa e justificativa de conquistar e
final. No século XV, esse lucrativo converter povos não-cristãos do mundo.
comércio era praticamente monopolizado Além disso, era de interesse da igreja
por ricos comerciantes de Gênova e católica ampliar seu número de fiéis.
Veneza. Navegando pelo mar Ambição material: Os líderes
Mediterrâneo, recebiam os produtos do envolvidos na expansão marítima era
oriente, e depois os revendiam por altos movidos, sobretudo, pela ambição de
preços na Europa. Setores da burguesia valer mais, que significava,
européia, a princípios desvinculados dos simultaneamente, ter mais (conseguir
genoveses e venezianos, empenharam-se produtos orientais, encontrar ouro, enfim,
em romper o monopólio desses enriquecer-se) e ser mais, valer mais
comerciantes. Para isso, buscaram (projetar-se socialmente, elevar seu status
descobrir rotas alternativas de comércio social primitivo).
com o Oriente. Progresso tecnológico: A expansão
Necessidade de novos mercados: A tornou-se possível graças ao
fome, as epidemias e a superexploração desenvolvimento científico-tecnológico,
dos servos pela nobreza feudal levaram que permitiu as navegações a grandes
ao desaparecimento de boa parte da mão- distâncias. ilustraram esse
de-obra medieval, e, como conseqüência, desenvolvimento: o uso da bússola, do
houve o retraimento do comércio. astrolábio e do quadrante, a invenção da
Descobrir novos caminhos para o Oriente caravela pelos portugueses, o
significava, também, conquistar novos aperfeiçoamento dos mapas geográficos e
mercados consumidores para o artesanato a aceitação da noção de que a Terra é
e as manufaturas européias. Além disso, redonda.
a Europa necessitava de gêneros Novas terras: A nobreza via na expansão
alimentícios e de matérias-primas. essas marítima a possibilidade de ampliar seus
necessidades só poderiam ser atendidas domínios territoriais.
com a ampliação de mercados fora do
continente europeu. 2- Navegações Portuguesas
Falta de metais preciosos: Os metais
preciosos europeus eram 2.1- Pioneirismo marítimo
permanentemente desviados para o
Oriente, na compra de especiarias e Portugal foi o primeiro país da
artigos de luxo. As minas de ouro e prata Europa a se lançar às grandes navegações
da Europa já não produziam quantidade
85
do século XV. Muitos fatores contribuíram Posição geográfica - A posição
para o pioneirismo português. geográfica de Portugal, banhado em toda
Centralização administrativa - a sua costa oeste pelo Oceano Atlântico,
realizada durante a dinastia de Avis, a facilitou a expansão portuguesa por
centralização administrativa de Portugal “mares nunca dantes navegados”.
permitiu que a monarquia passasse a
governar em sintonia com os projetos da 2.2 Périplo Africano
burguesia.
Mercantilismo - com a centralização O marco inicial da expansão marítima
político- administrativa, Portugal assumiu portuguesa foi a conquista de Ceuta, em
características de um Estado absolutista . 1415,Cidade situada no norte da África, e por
E a política econômica adotada por esse onde passavam caravanas de ouro, marfim
Estado foi o mercantilismo. A prática pimenta e escravos.
mercantilista atendia aos interesses do rei, A aventura ultramarina portuguesa é
que desejava fortalecer o estado para denominada périplo africano, porque alcançou
aumentar seus poderes, quanto aos da as Índias contornando a África, no decorrer do
burguesia, que desejava aumentar seus século XV. À medida que atingiam novas
lucros e acumular capitais. regiões, criavam feitorias, que eram pontos do
Capital - o grupo mercantil português litoral onde se construíam fortes. Aí ficavam
fortaleceu-se durante o século XIV. Até alguns homens para negociar os produtos
essa época, a principal rota comercial que existentes na região com os nativos . O
ligava o sul ao norte da Europa era a objetivo dos portugueses era meramente obter
Planície de Champagne, na França. No lucros; não intencionavam colonizar, no
século XIV, entretanto, as revoltas sentido de organizar a produção local e fixar
camponesas e a Guerra dos cem anos, povoamento.
tornaram perigoso o trânsito na região. As Na segunda década do século XV, as
especiarias passaram a ser levadas a ilhas do Atlântico (Açores, Madeira e Cabo
Portugal, de onde eram enviadas para o Verde)foram ocupadas por Portugal. Em 1460
norte da Europa, propiciando o já se realizava um lucrativo comércio de
enriquecimento de poderoso grupo escravos , desde o Senegal até Serra Leoa. Dois
mercantil em Portugal. anos mais tarde, Pedro Sintra descobriria o
Avanço tecnológico - Com capital cobiçado ouro de Guiné.
fornecido pelos burgueses, a Dinastia de Em 1488 foi transposto o cabo da Boa
Avis, fundou a Escola de sagres, Esperança. Comandados por Bartolomeu Dias,
importante centro de estudos náuticos que os portugueses ultrapassaram o turbulento mar
instruía os navegantes portugueses, e da região, cruzaram o extremo sul africano e
encarregou-se da organização da chegaram finalmente ao oceano Indico.
expansão marítima . A Escola de Sagres Entre 1497 e 1498, Vasco da Gama
atraiu cartógrafos, navegadores e completou a epopéia marítima portuguesa,
especialistas na arte de navegar de todos aportando em Calicute, nas índias (Ásia). Para
os cantos da Europa. Foram os ter uma idéia da importância do acontecimento,
portugueses que inventaram a caravela, a basta saber que os navios de Vasco da gama
embarcação mais sofisticada da época. trouxeram, em apenas uma viagem, o que os
Ausência de guerras- No século XV, venezianos traziam por terra durante um ano.
enquanto vários países estavam Os lucros foram de 6000%.
envolvidos em confrontos militares, Partiu de Portugal, em 1500, uma
Portugal era um país sem guerras. A expedição comandada por Pedro Álvares
Espanha, por exemplo, ainda lutava pela Cabral, com o objetivo de novamente, atingir
expulsão dos mouros. A França e a as Índias e assim assegurar o domínio das
Inglaterra encontraram-se envolvidas na lucrativas rotas orientais de comércio. Cabral,
Guerra dos cem Anos. Essas guerras porém, desviou-se propositadamente de sua
contribuíram para atrasar a entrada desses rota e, antes de seguir para o Oriente, veio ao
países na história das grandes continente recém-descoberto para garantir à
navegações. Coroa portuguesa seu quinhão das terras
americanas.
86
grande parcela de seus lucros na realização de
2.3 Declínio obras dispendiosas, concedeu amplas
vantagens à aristocracia decadente (pensões,
Por algum tempo, Portugal teve a cargos, terras, monopólios) em detrimento da
supremacia comercial na Europa com Lisboa burguesia, ainda mais debilitada com a
convertendo-se no centro de revenda, expulsão dos judeus no reinado de D.Manuel I
principalmente de especiarias. Todavia, “em (1495-1521), pela emigração de cristão-novos,
meio da aparente prosperidade , a Nação devida à implacabilidade da Inquisição, e com
empobrecia. Podiam os empreendimentos da a dependência à Coroa, que procurava reservar-
Coroa ser de vantagem para alguns se os maiores lucros.
particulares, mas, desde o início, a empresa À debilidade interna juntou-se a
mercantil fora extremamente dispendiosa e, pressão externa aumentada com a União
muitas vezes , ilusória. Ibérica (1580-1640), quando o Império
À medida que o império Português na Ásia e na África começou a
Tricontinental na Ásia, na África e na América desmoronar e a cair em poder da Holanda e da
(Brasil) se expandia, o número de funcionários Inglaterra.
civis e militares aumentava, acarretando
crescentes despesas para o Estado. Os gastos da
Coroa, para tentar manter o monopólio das
especiarias, eram acrescidos pela manutenção
de fortalezas, constante patrulhamento feito
pelas frotas de guarda-costas, sem esquecer que
as embarcações eram caras, duravam puçás 3- Navegações Espanholas
viagens , e os naufrágios, freqüentes.
A emigração (retirando do Reino 3.1- Colombo e a conquista da América
sobretudo homens jovens), as epidemias e as
crises de fome foram fatores que agiram para Cronologicamente, a Espanha foi o
provocar o declínio demográfico, o que segundo país a se lançar em busca de um
contribuía para afetar a economia, atingida caminho marítimo para as Índias, tendo a sua
tanto no setor da produção com no de empresa marítima mercantil sido retardada
consumo. pelos seguintes motivos :
Carente de capitais, a coroa recorreu à 1- prosseguimento da Reconquista, ou
política de elevação dos impostos e de seja, a luta para expulsar os
empréstimos a banqueiros flamengos e mulçumanos, só concluída com a
italianos, que ficavam com a maior parte dos tomada do Reino de Granada (1492);
lucros, enquanto que o Estado sempre arcava 2- ausência de unidade política e
com os riscos e as perdas. territorial, porquanto permanecia
A própria economia nacional entrou dividida em reinos independentes
em colapso: os campos se despovoaram com o envolvidos em constantes guerras. Com
recrutamento para a Marinha e as tropas de a União de Castela e Aragão (possível
além-mar, e com a emigração pela com o casamento de seus respectivos
possibilidade enriquecer no exterior. Por governantes, Isabel e Fernando),
conseguinte, a produção agrícola decaiu, não só seguida da conquista de Granada e da
pela diminuição da mão-de-obra, mas também posterior incorporação de Navarra,
pelo desvio de capitais para os completou-se o Estado nacional.
empreendimentos mercantis marítimos. Com Em 1492, após expulsar os últimos
isso, tornou-se necessário importar o que antes mouros de seu território, os reis espanhóis,
se produzia, sem se esquecer de que os lucros, Fernando e Isabel , dispuseram-se a
cada vez mais reduzidos, não foram patrocinar a viagem do navegador genovês
reinvestidos nas atividades industriais, com o Cristóvão Colombo, que lhes havia
que se criaria uma produção nacional capaz de apresentado um audacioso plano para
suprir o mercado interno e evitar a importação atingir as Índias.
de produtos pagos a peso de ouro. Diferentemente dos portugueses, que
Acrescente-se que a Coroa, buscavam atingir as Índias contornando a
monopolizando a empresa mercantil, aplicou costa africana, Colombo, convicto da
87
natureza arredondada da Terra, pretendia espanhóis foram governantes que
atingir o leste viajando em direção a oeste. permaneceram vinculados às suas origens
Seu plano estava teoricamente certo. feudais. Por conseguinte, não se
Porém, entre a Europa e a Ásia, havia outro preocuparam em investir as riquezas em
continente, a América, que ele ainda construções faustosas, em guerras
desconhecia. continentais constantes e desastrosas, na
Com três caravelas (Santa Maria , manutenção de requintada Corte, em
Pinta e Nina), Colombo partiu do porto de pensões dispendiosas e inúmeras doações .
Palos no dia 3 de agosto de 1492. Dois A política religiosa intolerante,
meses depois, em 12 de outubro de 1492, igualmente, dissolveu a burguesia, que foi
um tiro de canhão da caravela Pinta atingida pela expulsão dos judeus, por
anunciava festivamente, sinais de terra à perseguições aos cristãos-novos e pelo
vista. Colombo “descobria” a América, abatimento dos mouriscos, privando o
pensando ter chegado às Índias. Estado de capitais, empresários e mão-de-
Equivocadamente, chamou os habitantes da obra qualificada.
nova terra de índios. Como ocorreu em Portugal, a
Colombo fez mais três viagens à economia desintegrou-se, arruinando-se a
América, sempre convicto de que tinha agricultura e a indústria, obrigando o país a
atingido as Índias. Morreu sem saber que importar a maior parte do que consumia.
havia descoberto um novo continente. O aumento crescente de elementos
Posteriormente, outros navegadores economicamente parasitários (funcionários,
esclareceram o engano de Colombo. Entre eclesiásticos,etc) porque só consumiam
eles, Américo Vespúcio, e, em sua sem produzir, também contribuía para
homenagem, o continente recebeu o nome manter a balança comercial deficitária,
de América . retirando ao Estado os metais preciosos em
troca dos produtos comprados no
3.2- Outros navegadores espanhóis estrangeiro.
O declínio da natalidade, a emigração
Depois da viagem de Colombo, para as diversas regiões do Império, a
sucederam-se outras viagens e elevada mortalidade em decorrência de
“descobertas” efetuadas pelos espanhóis. epidemias e guerras, acabaram por
Entre elas, destacam-se: provocar a diminuição da população, o que,
1500- Vicente Pizón chega até a foz também, agravava a decadência.
do rio Amazonas, chamando-o de mar Acrescente-se a isso que a pressão
Doce; externa, principalmente por parte de
1513 - Vasco Nunes de Balboa ingleses, holandeses e franceses, foi
atinge o oceano Pacífico; minando o poderio espanhol que, no século
1519 - Fernão de Magalhães inicia a XVII, se viu suplantado pela
primeira viagem de circunavegação através preponderância da Holanda.
do mundo. Chegando às Filipinas, em
1521, morreu em combate com os nativos. 4- Disputas Ibéricas : os Tratados
A viagem foi completada sob a chefia de Ultramarinos
Sebastião Del Cano, chegando à Espanha
em 1522. estava comprovada a teoria de
A corrida expansionista de Portugal e
que a Terra é redonda.
Espanha gerou, já na segunda metade do
século XV, inevitáveis conflitos e inúmera
3. 3 - Declínio
controvérsias acerca do direito de posse
sobre as terras descobertas ou a descobrir.
A hegemonia espanhola no século
Com o objetivo de definir os direitos de
XVI, sucedendo a preponderância
cada país, formularam-se diversos tratados,
portuguesa no século XV, foi acompanha
dos quais o mais antigo é o Tratado de
de sintomas que constituíram germes da
Toledo, assinado em 1480. Esse tratado,
decadência evidenciada no século XVII.
que garantia a Portugal as terras a descobrir
Assim como em Portugal, a empresa
ao sul das ilhas Canárias, constitui uma
mercantil era monopólio régio e os Reis
88
importante vitória da diplomacia lusitana, O rei Francisco I estimulou a
pois assegurava a Portugal a rota das participação francesa com um discurso crítico
Índias pelo sul da África . ao Tratado de Tordesilhas. “Eu não vi o
Todavia, após a viagem de Colombo, testamento de Adão que só Portugal e Espanha
em 1492, as decisões impostas por esse tenham direito ao Novo Mundo” , afirmava
tratado tornaram-se insustentáveis. Em ironicamente o monarca. Os franceses
1493, o papa Alexandre VI editava a Bula passaram então a fazer expedições
Intercoetera, que determinava a partilha exploradoras ao novo continente e, na costa
do mundo ultramarino entre espanhóis e brasileira, saquearam o pau-brasil, tentando,
portugueses. Um meridiano situado a 100 depois, sem êxito, estabelecer-se no Rio de
léguas a oeste do arquipélago de Cabo Janeiro e no Maranhão. Conseguiram apenas
verde destinava a Portugal todos os lançar os fundamentos de um império colonial
territórios ultramarinos situados a leste, e à na América do Norte, tomando posse do
Espanha as terras localizadas a oeste do Canadá e da Lousiana (Sul dos Estados
meridiano. Unidos).
Sentindo-se prejudicados, os A Inglaterra também teve sua
portugueses contestaram energicamente entrada na expansão marítima retardada pela
esse tratado e exigiram sua reformulação. guerra dos Cem Anos e pela Guerra da Duas
Depois de um período de negociação entre Rosa (1455-1485), conflito entre senhores
os dois países, um acordo foi celebrado em feudais. Da mesma maneira que os franceses,
1494, na cidade de Tordesilhas, na os ingleses, iniciaram suas atividades
Espanha. O Tratado de Tordesilhas ultramarinas buscando uma passagem para as
substituía a linha divisória anterior por Índias pela América do Norte. Durante o
outra, situada a 370 léguas a oeste das ilhas reinado de Elizabeth (1558-1603), a pirataria
de Cabo Verde. com esse tratado tornavam- contra a Espanha foi incentivada pela rainha,
se mais amplas para Portugal as que chegou ao ponto de oficializá-la. Os piratas
possibilidade de conquistar terras no foram transformados em corsários e receberam
Atlântico Ocidental (Brasil), cuja existência do poder real a Carta do Corso. Por esse
já era do conhecimento dos portugueses. documento, a monarquia inglesa autoriza
ataques e pilhagens contra navios de nações
5- Navegações Tardias inimigas, desde que os lucros do saque fossem
divididos com o governo inglês. O mais
Igualmente, franceses, ingleses e famoso dos chamados corsários foi Francis
holandeses procuraram novas rotas para o Drake, que chegou a ser condecorado pela
Extremo Oriente, buscando passagens a rainha e realizou a segunda viagem de
nordeste (norte da Eurásia) e a noroeste (norte circunavegação da história (1577-1580).
da América). Mencionam-se, entre outras, as Os ingleses estabeleceram-se também
expedições de John Cabot (ou Giovani no importante e lucrativo negócio do tráfico de
Cabotto) e John Davis que, partindo da escravos negros para a América. Fundara,
Inglaterra, exploraram o litoral americano, ainda, alguns estabelecimentos comerciais nas
enquanto que, a serviço da França, Giovani costas das Índias.
Verrazzano e Jacques Cartier velejaram A Holanda tivera grande participação
pelas costas da América setentrional . Embora no comércio da Baixa idade Média e detinha,
essa passagem não tenha sido encontrada, tais portanto, grandes capitais, o que permitiu que
navegações não foram infrutíferas. no início da Idade Moderna financiasse, em
Possibilitaram a exploração e a ocupação da parte, a expansão da cana-de-açúcar no
América do Norte. Nordeste brasileiro. os holandeses
A França, só se empenhou na estabeleceram-se na Guiana, em algumas ilhas
expansão ultramarina a partir de 1520. Durante do caribe e na América do Norte,
o século XV esteve envolvida em seus particularmente fundando Nova Amsterdã,
problemas internos ocasionadas pela guerra dos depois chamada Nova Iorque. Promoveram,
Cem Anos (1337-1453) e pelas lutas entre o rei também, o tráfico de escravos negros.
Luís XV (1461-1483) e os senhores feudais. na
década de 1520, a monarquia francesa estava 6- Conseqüências do
finalmente consolidada. expansionismo europeu
89
Os europeus chegaram às terras recém-
a) econômicas descobertas ocupando-as como se fossem
Mudanças do eixo econômico do legítimos proprietários de tudo e de todos. A
Mediterrâneo para o Atlântico; ocupação e a posse de terras “sem donos”, o
Expansão do comércio europeu a todas as sonho de encontrar o Eldorado, as
partes do mundo (Revolução Comercial) possibilidades de enriquecimento rápido, o
; ouro e a prata encontrados em abundância, o
Aumento do estoque de metais preciosos apoio dos Estados europeus, rivais entre si,
na Europa pelo afluxo constante do ouro desencadearam um processo de mortes e
e prata descobertos na América. exploração que acabou marcando toda a
Provocando uma desvalorização da história do continente. Os povos pré-
moeda e uma conseqüente alta colombianos, desde os canibais até os dos
generalizada dos preços dos produtos grandes impérios, foram praticamente
(Revolução dos Preços); dizimados. Dos 80 milhões de nativos
A consolidação do capitalismo comercial estimados no momento da chegada dos
e a subordinação de todas as atividades europeus, restaram menos de 10 milhões de
econômicas ao comercio; habitantes um século depois.
A intervenção constante do Estado na Essa destruição não foi realizada apenas
economia (Mercantilismo) pelos espanhóis, embora esses se
sobressaíssem, porque ocuparam um território
muito maior e infinitamente mais povoado.
Todos os europeus que se estabeleceram na
América, uns mais, outros menos, foram
responsáveis pelo genocídio dos povos pré-
b) Políticas colombianos.
Quais os motivos que levaram ao genocídio
O aumento do poder e a consolidação dos povos pré-colombianos?
efetiva das monarquias nacionais Inicialmente, a própria presença física do
européias ; europeu no continente foi responsável por
A colonização da América; milhares de mortes em virtude de várias
Disputas entre nações européias pela doenças, para as quais os indígenas não tinham
posse das terras descobertas. resistência. A varíola, a pneumonia, o sarampo,
a gonorréia, o tifo e a gripe devastaram
c) Sociais populações inteiras. Por outro lado, os
europeus eram vulneráveis à sífilis, que causou
Crescimento da população européia ; a morte de milhares deles.
Intensificação do processo de A função da guerra, suas estratégias e armas
urbanização na Europa; foram determinantes para o sucesso europeu.
Consolidação do prestígio da burguesia; Diferentemente das nações indígenas, a guerra
Restabelecimento da escravidão . do europeu era de extermínio e conquista. Eles
conheciam melhor a estratégia militar (são
d) Culturais inúmeros os exemplos dos conquistadores que
se valeram das rivalidades entre os diversos
Europeização do mundo; povos, na luta, por exemplo, contra os incas,
Interação cultural entre europeus e povos maias e mesmo no Brasil); e, principalmente,
americanos e asiáticos; dominavam um fator determinante: a arma de
Prova definitiva da esfericidade da terra fogo.
As campanhas do espanhol Fernão Cortez,
A COLONIZAÇÃO DA em 1520, para ocupar as terras americanas
AMÉRICA demonstram a violência usada pelos
conquistadores. Ele invadiu o México
combatendo contra a sociedade asteca
01. A Conquista massacrando-a. Na década de 1530 foi a vez de
Francisco Pizarro massacrar o povo inca, em

90
busca das minas de ouro e prata no Peru e 02. A América Espanhola
Bolívia.
No Brasil Colônia, os índios foram 2.1 Administração Colonial
escravizados. O trabalho excessivo, as
péssimas condições de vida e a fome Preocupados em descobrir ouro, em 30
dizimaram as tribos do litoral. No século XVII, anos, os fidalgos e os homens rudes das
os bandeirantes paulistas, em busca de escravos cabalgadas (expedições particulares)
indígenas, destruíram as missões jesuíticas do conquistaram a América meridional,
Brasil e mesmo da América espanhola. Foram cometendo inúmeras atrocidades. Passado esse
mortos milhares de indígenas que viviam sob a tempo, os tesouros dos nativos estavam
proteção dos jesuítas. esgotados. Era necessário iniciar a colonização.
A imposição da fé católica e a destruição Os espanhóis, mais ávidos de ouro do que de
cultural e do modo de vida dos nativos também terra, ocuparam sumariamente a terra antes de
contribuíram para o desaparecimento de vários seu aproveitamento. Nesse período a
grupos. Seus deuses e rituais estavam mortos, administração era feita por particulares:
suas crenças eram perseguidas. Haviam mediante “capitulações” a Coroa concedia
perdido suas referências psicológicas. O poderes ao particular para governar as terras
trabalho monótono, intensivo, forçado, sem que conquistasse. Esses conquistadores
lazer nem ritual religioso, tirava-lhes a alegria recebiam o título de Adelantados, possuindo
de viver, deixava suas vidas sem razão. amplos poderes civis e militares para governar
Muitos desses povos evitaram reproduzir-se determinado território, seus poderes sobre a
evitaram reproduzir-se, optando pela auto- terra que deveriam conquistar não tinham
extinção. Para fugir dessa opressão, buscavam limites.
regiões inóspitas, onde as condições de vida e a Já na época da conquista, as cidades da
alimentação eram diferentes daquelas a que América espanhola possuíam o seu cabildo, a
estavam acostumados, o que tornava sua Câmara Municipal, que cuidava da
existência mais difícil. A derrubada das matas administração das cidades e, durante a primeira
para o plantio de cana-de-açúcar ou para a metade do século XVI, gozava de grande
criação de gado transformou o quadro natural e autonomia. A partir da segunda metade desse
afetou o habitat pré-colombiano, chegando século, a Coroa limitou seu poder e a liberdade
mesmo a provocar profundas modificações na municipal, da mesma forma que os
dieta dos nativos. adelantados foram cerceados em suas ações.
Entretanto, é importante ressaltar que a Mas, apesar dessa centralização do poder nas
Conquista foi efetuada segundo modalidades colônias, os cabildos sempre desfrutaram de
diversas, explicadas principalmente pela grande autonomia para os assuntos locais. Os
relação existente entre as motivações da cabildos eram formados por pessoas de
empresa espanhola e o estágio cultural e a destaque (ricos) de cada localidade, geralmente
densidade demográfica das populações nascidas na colônia. Os cabildos controlavam a
indígenas. Em função desses determinantes polícia, faziam justiça, fixavam impostos e
destacam-se duas modalidades: faziam as leis para as vilas e cidades.
 nas regiões habitadas por grupos indígenas Com a centralização do poder colonial, o
de Cultura Primitiva que não possuíam soberano passou a ser representado pelo vice-
excedentes de produção e cujo potencial rei e pela Audiência.
como força de trabalho era praticamente Os Vice-Reis, eram representantes
nulo, a Conquista resultou na expulsão ou imediatos do Rei; geralmente pertenciam às
eliminação das populações nativas; famílias mais ilustres do Reino; cabia-lhes
 nas regiões habitadas por sociedades presidir a Audiência, comandar as forças
indígenas da Média e Alta Culturas, deu-se militares, controlar as minas, fiscalizar a
a subjugação das populações para a cristianização dos indígenas, superintender a
apropriação da produção excedente e Fazenda, supervisionar a Igreja e interferir em
domínio da força de trabalho indígena. É o todos os assuntos coloniais; seus poderes, na
que ocorreu, por exemplo, nas regiões prática, eram limitados pela resistência das
densamente povoadas do Império Asteca e Audiências e pelos Juízes de Visitação que
do Império Inca. realizavam devassas na administração.

91
Nas capitanias, que formalmente eram vontade do dono, branco ou mestiço, era a lei.
submetidas aos vice-reinados, o poder Muitas dessas fazendas eram auto-suficientes e
pertencia aos governadores, estes eram todas elas utilizavam o trabalho indígena ou o
funcionários com atribuições administrativas e dos mestiços.
judiciárias; naquelas que apresentavam No Vice-Reinado de Nova Granada, que
problemas de segurança, o governador recebia compreendia os atuais territórios da Colômbia,
funções militares e o título de capitão-geral. Panamá e Equador, existia uma agricultura
As Audiências, a princípio eram simples tropical de exportação que utilizava a mão-de-
tribunais judiciários de segunda instância, obra do escravo negro. Esses trabalhadores
integradas pelos Ouvidores, vitalícios e foram introduzidos na região, substituindo os
nomeados pelo Rei; posteriormente, indígenas que foram dizimados pelo trabalho
acumularam prerrogativas administrativas e, árduo nas plantações ou que haviam fugido
até mesmo, executivas, de vez que substituíam para o interior da Floresta Amazônica.
os Vice-Reis quando estes se ausentavam. Já no Vice-Reinado do Peru, formado pelo
Acima das Audiências estava o Real e Peru e por parte da atual Bolívia, com o
Supremo Conselho das Índias, situado na esgotamento dos metais preciosos que foram
metrópole. Esse conselho era uma seção saqueados dos incas, organizou-se o sistema de
especial do Conselho do rei, encarregado de agricultura tropical de exportação em grandes
administrar o Novo Mundo, tendo seu latifúndios. A mão-de-obra indígena foi
presidente o status de ministro. O Conselho das repartida, então, entre os fazendeiros e os
Índias foi criado em 1524, e era o órgão mais mineradores de ouro.
importante da administração colonial; O Vice-Reinado do Rio da Prata
elaborava leis para a colônia, nomeava e compreendia os atuais Uruguai, Argentina,
fiscalizava os funcionários coloniais, Paraguai e partes do Peru e da Bolívia, e tem
responsabilizava-se pela defesa militar, além uma origem bem particular. Inicialmente, essa
das suas atribuições judiciárias e eclesiásticas. região tinha pouca importância para a Espanha.
Na Espanha, além do Conselho das Índias, Por isso, o povoamento europeu era
havia também a Casa de Contratação, criada insignificante. Esses poucos espanhóis, que
em 1503 e sediada em Sevilha. A Casa de viviam às margens dos rios da Bacia do Prata,
Contratação possuía atuação jurídica e dedicavam-se à captura do gado selvagem solto
econômica sobre as colônias. Cabia-lhes, entre pelos campos e ao contrabando com o Peru e o
outras funções, regularizar o comércio colonial, Brasil, casavam-se com as mulheres indígenas
da navegação e fiscalizar o pagamento de e geravam os mamelucos, chamados ladinos e
impostos; para realizar tais tarefas, contou com gaúchos.
uma extensa burocracia. No século XVIII, por razões estratégicas –
A América Espanhola era subdividida em impedir o contrabando com o Peru e guarnecer
unidades administrativas chamadas de vice- suas fronteiras diante da expansão portuguesa –
reinados e capitanias-gerais, que por sua vez, a Espanha criou esse vice-reinado. Para
eram formalmente subordinadas aos vice- defendê-lo, doou terras aos europeus, que
reinados. formaram as grandes fazendas de criação de
Um dos principais foi o Vice-Reinado da gado, as estâncias. O couro tinha mercado
Nova Espanha. Compreendia parte do oeste do certo na Europa e a carne era exportada para as
atual Estados Unidos, o atual México e parte da Antilhas, onde alimentava os escravos das
América Central. Era uma região habitada por grandes plantações açucareiras. Os
numerosos povos pré-colombianos, entre os trabalhadores eram os gaúchos que se tornaram
quais se encontravam os astecas e os maias. peões nas grandes fazendas.
Até o século XVII, ao lado do Vice-Reinado do
Peru, foi o grande centro do império colonial 2.2 Economia Colonial
na América. Nessa época, sua principal
produção eram os metais preciosos, A empresa de colonização foi estruturada
principalmente a prata. obedecendo a diretrizes fixadas pela política
A partir da Segunda metade do século XVI, mercantilista e em função do capital comercial.
devido ao esgotamento das jazidas, Daí a preocupação marcante em consolidar o
organizaram-se as grandes fazendas, as domínio sobre os territórios que possuíssem
haciendas, isoladas ou semi-isoladas, onde a metais preciosos e estabelecer um rígido
92
monopólio do comércio entre a Espanha e suas criavam-se também animais para
colônias americanas. aproveitamento do couro, charque e sebo.
No final do século XVI, quando os estoques Para a organização, desenvolvimento e
de minérios acumulados pelos indígenas manutenção da produção econômica colonial, a
esgotaram-se, tornou-se necessário organizar a Coroa recorreu à iniciativa particular, mediante
extração dos metais preciosos e a agricultura concessões que também implicavam
para o mercado externo, a fim de que as obrigações (por exemplo, o quinto pago na
inumeráveis guerras da coroa espanhola fossem mineração), e ao trabalho indígena através da
financiadas. As barras de ouro vindas da mita e da encomienda, em um sistema de
América custeavam os exércitos e as esquadras verdadeira servidão coletiva.
espanholas por toda a Europa, e a queda da A encomienda era a servidão indígena em
produção aurífera poderia afetar o desempenho vastas extensões de terra tomadas pelo
militar da Espanha. Pode-se afirmar que a conquistador. O encomendero, proprietário da
empresa colonial teve como ponto de apoio as terra, recebia um certo número de índios, com
minas de ouro e principalmente de prata do o objetivo de cristianizá-los. Em troca, os
México e do Peru, onde se encontravam as nativos deviam tributos ao fazendeiro sob a
riquíssimas minas de prata de Potosi (atual forma de trabalho. É claro que a conversão era
Bolívia). Ao longo do século XVI e da mero pretexto, pois o que interessava aos
primeira metade da centúria seguinte, a encomenderos era o trabalho dos indígenas e as
mineração da prata representou a atividade terras que lhes eram tomadas, quando se
econômica fundamental; seu declínio ausentavam ou morriam.
correspondeu à segunda metade do século A mita era um sistema de trabalho
XVII, acarretando duplo efeito: obrigatório que os indígenas executavam na
enfraquecimento da Espanha e gradativa mineração. Por esta prática, alguns indígenas
descentralização das atividades econômicas eram escolhidos por sorteio , em suas
hispano-americanas. comunidades, para realizar trabalho forçado;
Embora visando a uma produção de muitas vezes eles eram remunerados em
exportação para a Espanha, a mineração de mercadorias ou moeda. Esse trabalho era tão
metais preciosos exerceu importante função penoso que, antes da partida dos nativos para
dinâmica nas atividades econômicas. As as minas, rezava-se por eles o ofício dos
regiões produtoras desses metais, mortos. Os mitayos, trabalhadores das minas,
especialmente da prata, funcionaram como eram escolhidos por sorteio e dirigiam-se para
verdadeiros pólos de crescimento. A demanda as frias montanhas dos Andes. Muitos morriam
de alimentos, de tecidos e de animais de tração pelo caminho, devido aos chicotes dos feitores,
exigiu a organização de economias-satélites. à fome, ao frio e por causa de doenças.
Desse modo, várias regiões desenvolveram-se Embora proibida posteriormente, a mita
em função da agricultura, praticada nos moldes continuou existindo e os indígenas continuaram
da plantation : grandes propriedades morrendo nas minas de ouro, prata e mercúrio.
monocultoras de exportação, utilizando-se de Quando os nativos se rebelavam, eram
trabalho compulsório; e da pecuária, praticada massacrados. O trabalho forçado dos indígenas
em grandes propriedades, e com uma produção foi abolido, teoricamente, no século XVIII.
para o mercado interno ou para exportação. É o Mas apenas o nome foi banido, pois, na prática,
caso da região do Caribe, sobressaindo Cuba, a escravidão por dívidas substituiu-o. Os
com a colonização baseada na produção de indígenas, sempre devedores, eram obrigados a
gêneros tropicais para o mercado externo. Às trabalhar para seus credores.
vezes o cultivo da terra era realizado com Nas regiões onde os nativos foram extintos,
plantas originárias da América (tabaco, cacau, como no Caribe foi introduzida a escravidão
milho) ou então introduzidas pelos europeus negra. Os negros trabalharam em plantações,
(cana-de-açúcar). A pecuária assumiu crescente nas Antilhas, em pequeno número nas minas e,
importância na região platina, onde se criavam por todo o Império Colonial, como empregados
animais de tração (mulas) amplamente domésticos.
utilizados no transporte de mercadorias dos Em 1503, foi criada, em Sevilha, a Casa de
centros produtores para os centros Contratação. Sua tarefa era assegurar os
consumidores ou de exportação; além do mais, interesses do rei junto aos mercadores atuantes
no comércio entre a Espanha e a América. Para
93
que o monopólio fosse mais efetivo e por aristocracia econômica, eram comerciantes,
problemas de segurança, a Espanha adotou o grandes proprietários rurais e mineradores e, no
sistema de porto único. Os navios que iam da fim do período colonial, formavam a elite
América para a Espanha só poderiam sair em intelectual das colônias. Os criollos eram
determinadas datas dos portos escolhidos na excluídos do comércio externo e ocupavam
América, bem como só poderiam desembarcar cargos de nível inferior no aparelho
em Sevilha, sempre em comboios e com administrativo (cabildos), eclesiástico,
escolta. Essa medida reduzia as possibilidades judiciário e militar da colônia. Mais ou menos
de contrabando e de assaltos de corsários e 3 milhões de pessoas estavam nessa categoria
piratas, que infestavam o Mar do Caribe. no início do século XIX.
Porém, devido à corrupção dos funcionários Abaixo desses brancos ou embranquecidos
coloniais, o contrabando não deixou de existir. pelo dinheiro, vinha a imensa massa de
mestiços, predominando os de cruzamento de
2.3 Sociedade Colonial brancos com indígenas. Os mestiços exerciam
funções intermediárias entre os dirigentes e a
A sociedade da América espanhola foi um massa trabalhadora. Entre eles, encontravam-se
reflexo fiel da sociedade espanhola: senhorial e capatazes das fazendas e das minas, vaqueiros,
fechada. O nascimento, a renda e o poder soldados de baixa patente, artesãos, caçadores
posicionavam o indivíduo em uma ou outra de escravos, tropeiros etc.
camada social. Mas, na América, a cor da pele Na base da escala social, estavam os índios,
era também uma fronteira social e tinha um mais ou menos 80 milhões antes da chegada
peso muito grande, a divisão em classes dos europeus, e reduzidos a 10 milhões no final
coincidia com a diferenciação étnica. Ser do período colonial. Os indígenas formavam a
branco, e não negro, índio ou mestiço, classe mais numerosa da sociedade,
independente da ocupação ou da renda, já era constituindo a base de sustentação da empresa
meio caminho andado para obter-se prestígio e colonial. Embora formalmente livres, eram
ascensão social. Trabalho manual também era obrigados ao trabalho forçado (compulsório),
coisa reservada para índios ou negros. Mestiços seja através da “mita” ou da “encomienda”.
que adquiriam alguma propriedade negavam Abaixo dos indígenas, na escala social,
seu sangue indígena e procuravam ser brancos. estavam os negros. Os negros eram abundantes
Pode-se dividir a sociedade colonial hispano- nas Antilhas e em regiões das atuais Colômbia
americana em dois grupos distintos: a minoria e Venezuela. Eles eram reduzidos à condição
branca, privilegiada, e a massa indígena, de escravos; empregados nos cultivos tropicais
mestiça e negra, sem privilégios e funcionando e trabalhos domésticos. Eram desprovidos de
como mão-de-obra. direitos, ocupando os escalões mais baixos da
Os espanhóis provenientes da Europa sociedade.
ocupavam o primeiro lugar na escala social.
Chamados chapetones, eram originários da 03. América Inglesa
pequena nobreza e letrados, ocupavam altos
cargos na administração, na Igreja, Justiça e 3.1 A Colonização da América do Norte
nas forças militares; e faziam carreira nas
colônias. Como grandes proprietários de terras Em 1620, a bordo do navio Mayflower, um
e de minas e comerciantes, podiam ser grupo de protestantes puritanos chegou ao
originários, também , dos grupos mercantis e Cabo Cod, no atual Estado de Massachusetts,
populares metropolitanos. No início do século no nordeste dos EUA, em busca de liberdade
XIX, não representavam mais que 300 mil religiosa. Sua religião era perseguida pelo
indivíduos, numa população de 15 milhões. absolutismo e pelo anglicanismo, Igreja oficial
Abaixo deles, ainda como camada social da Inglaterra. O sonho daqueles puritanos era
privilegiada e, na maior parte das vezes, construir uma nova pátria, onde tivessem
brancos, vinham os criollos, filhos de liberdade de culto. Não eram indivíduos
espanhóis nascidos na América, que não desgarrados, aventureiros, como os portugueses
deveriam possuir qualquer mestiçagem. Mas, e os espanhóis que buscavam a riqueza, o ouro
em muitos lugares, mestiços que haviam e a prata, para retornarem, depois, à metrópole.
enriquecido tornavam-se brancos, porque “o Para eles, não havia volta. Eram indesejáveis
dinheiro embranquece a pele”. Verdadeira na Inglaterra e não pretendiam voltar. Vieram
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com suas famílias para adorar a Deus e, com 3) O fluxo de emigrantes aumentou muito
seu trabalho, transformar o mundo para sua com as perseguições político-religiosas
glória. Não nos esqueçamos que a religião movidas pelo governo e pela Igreja
calvinista valorizava o trabalho, a poupança, o Anglicana contra as seitas protestantes
lucro e a usura. A vida na nova terra seria ler a dissidentes (puritanos e “quakers”) que não
Bíblia, orar e trabalhar. viram outra alternativa senão emigrar como
O local onde chegaram tinha uma os “Peregrinos do Mayflower”.
vizinhança incômoda. Os franceses já 4) Esses contigentes de futuros colonos,
ocupavam a região dos Grandes Lagos e o embora em sua maior parte compostos de
extenso vale do Rio Mississipi; no centro da ingleses, englobavam elementos das mais
costa atlântica, os holandeses haviam fundado diversas nacionalidades, que se retiraram de
uma colônia, Nova Amsterdã; na parte seus países de origem por motivos
meridional da costa atlântica, onde hoje é a semelhantes aos dos imigrantes ingleses.
Flórida, estavam os espanhóis. E, para
completar, havia os ataques constantes dos 3.2 Administração Colonial
índios. Aventureiros desistiriam facilmente,
pois também não havia riquezas fáceis. Mas os
puritanos, alimentados pela fé, persistiram e Na Inglaterra, organizaram-se
fundaram a Nova Inglaterra, expressão do companhias comerciais para colonizar a
desejo de criar uma nova pátria. costa leste dos atuais EUA. Às companhias
Como a Inglaterra não tinha intenções de e aos indivíduos que quisessem bancar as
promover a colonização através do Estado, as despesas da colonização concediam-se
colônias gozaram de grande autonomia, que cartas-patentes que davam ao concessionário
não existiu em nenhuma outra região das ampla autonomia e controle político e
Américas. Isso lhes permitiu a liberdade de econômico sobre as colônias que fundassem.
comércio e o desenvolvimento das O governo inglês praticamente não exerceu
manufaturas. O clima de liberdade religiosa, nenhum papel na organização das 13
política e econômica dessas colônias atraiu colônias americanas, que eram por ele vistas
novos colonos. Famílias inteiras dos vários apenas como um escoadouro para os
credos protestantes dirigiram-se para os EUA, indesejáveis.
onde a terra era relativamente barata e havia
liberdade religiosa. Essa imigração foi tão Inicialmente, as companhias
grande que, no século XVIII, havia no atual colonizadoras concessionárias podiam
território americano da costa leste 1 milhão de legislar e governar em suas concessões,
colonos de origem inglesa ante 63 mil podendo também fazer qualquer experiência
franceses e um número menor ainda de econômica, política e religiosa. Mais tarde,
espanhóis, o que mais tarde permitiu que os o governo inglês assumiu a colonização e
Estados Unidos independentes comprassem ou passou a nomear os governadores em lugar
ocupassem os territórios daqueles países. dos concessionários. Mas as assembléias
Embora tardio, (a colonização se deu a partir coloniais continuaram detendo o poder,
do século XVII), o impulso colonial inglês foi tendo o direito de lançar impostos, arrecadá-
bastante rápido, o que se explica por uma série los e decidir onde seriam aplicados.
de fatores, tais como: As 13 colônias americanas eram
1) o crescimento do comércio inglês; foram independentes entre si. Cada uma tinha um
companhias de comércio particulares que governador inglês, representante do rei, e
iniciaram a criação de colônias. uma assembléia eleita pelos proprietários.
2) O fenômeno do “cercamento dos campos” Essa última tinha a finalidade de fazer leis e
(“enclosures”) na Inglaterra levou à criar os impostos, que poderiam ser vetados
expulsão dos camponeses para os centros pelos reis ingleses, o que raramente ocorria.
urbanos, onde a incipiente manufatura não As colônias, na prática, gozavam de grande
conseguia absorver essa mão-de-obra autonomia, pelo fato de a Inglaterra não ter
disponível, originando-se daí um excedente nenhum interesse econômico importante
social levado para as colônias, geralmente nessa região. Apesar da autonomia de que
na condição de “servos por contrato”; gozavam, os colonos não possuíam
representação no Parlamento Inglês.
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O direito de voto, nessa região, era mais Os colonos do norte e do centro também
amplo do que em qualquer lugar do mundo desenvolveram uma poderosa marinha
conhecido de então. Em quase todas as mercante, permitindo que entrassem no
colônias, a posse de 50 acres de terra dava a circuito econômico mundial. Veleiros,
seu possuidor o direito de voto, e a terra era pesqueiros e cargueiros singravam todos os
fácil de ser adquirida. rios navegáveis da América do Norte e
todos os oceanos, gerando aos poucos
cidades costeiras importantes, que
3.3 Economia Colonial: Norte X Sul mantinham relações econômicas com as
Colônias do Sul, as Antilhas, a África e a
Europa. Exportava trigo, em especial para as
A América Colonial inglesa não só Antilhas, participavam dos contrabandos na
apresentou entre suas treze colônias grande América Ibérica, compravam rum e açúcar
diversidade político-administrativa, mas nas Antilhas e os revendiam no sul dos EUA
também grandes diferenças de hoje, buscavam escravos negros na
socioeconômicas. A costa atlântica dos África e os distribuíam pela América, e
Estados Unidos apresenta uma série de compravam chá na Índia para abastecer as
variações climáticas: nas colônias do norte colônias do sul. No início do século XVIII,
(Nova Inglaterra) e do centro, predomina o essa frota só era superada pela inglesa.
clima temperado, e nas colônias do sul, o
subtropical. Entre outros motivos, essa Esse comércio triangular, de grande raio
variação climática deu origem a dois tipos de ação, permitiu uma grande acumulação
de colônias: no norte e no centro, as de capital, o desenvolvimento manufatureiro
colônias de povoamento, isto é, áreas e o surgimento de uma poderosa burguesia
coloniais cuja economia não se vinculava à nas colônias do norte e do centro. Os
economia metropolitana; e no sul, as colonos dessas regiões sempre viveram a
colônias de exploração, isto é, serviço de si próprios e do desenvolvimento
enquadravam-se no contexto do sistema de sua nova terra. A economia agrícola, as
colonial, possuindo economia complementar manufaturas, a vocação marítima e o
à metropolitana e vivendo da exportação de comércio triangular das colônias de
produtos agrícolas. povoamento nunca serviram para enriquecer
a metrópole, e sim elas mesmas, tornando-se
O clima do norte e do centro, semelhante um caso único em toda a América colonial.
ao inglês, só permitia a produção dos
mesmos produtos agrícolas europeus. Nas colônias do sul, quase como uma
Assim, a exportação agrícola tornava-se extensão da economia das Antilhas e da
quase impossível, inibindo o surgimento da Flórida, colocou-se em funcionamento a
grande propriedade exportadora. Também economia de plantation, isto é, da grande
não foram encontrados metais preciosos, o propriedade monocultora de produtos
que contribuiu para desmotivar a Inglaterra tropicais, quase auto-suficiente, baseada no
na colonização oficial da região. Essas trabalho escravo e voltada para o mercado
regiões foram colonizadas pelos puritanos e externo. As colônias do sul produziam
outros dissidentes religiosos, que aí tabaco, algodão e arroz, de forma rotineira e
fundaram as colônias de povoamento. A predatória, utilizando uma tecnologia
base econômica dessas colônias eram as simples, que esgotava a fertilidade da terra,
pequenas e médias propriedades policultoras e abasteciam a Inglaterra e as colônias do
(milho, trigo, alfafa, centeio, aveia, cevada, centro e do norte. Da mesma forma que as
frutas e criação de gado) , onde os colonos colônias da América ibérica, eram chamadas
trabalhavam auxiliados pelos familiares. A colônias de exploração e tinham suas
economia não comportava o escravo, riquezas acumuladas por uma burguesia
substituído pelo “servo por contrato”. Havia metropolitana. Trata-se da situação colonial
também uma indústria artesanal suficiente mais típica: as colônias são fontes
para o mercado interno, montada com a fornecedoras de produtos agrícolas para a
imigração de hábeis artesãos. metrópole, e ao mesmo tempo funcionam
como mercado consumidor de
manufaturados: mobília, tecidos, livros etc.
96
destinados ao trabalho duro da terra e à
reprodução de novos escravos. O
3.4 Sociedade Colonial
preconceito racial também era mais forte, ou
menos mascarado, do que no Brasil Colônia.
Os habitantes das 13 colônias, que As relações sexuais entre brancos e negros
formaram o povo americano, tinham eram raras e o número de mulatos,
diversas origens étnicas e religiosas: insignificante. Era pequeno o número de
ingleses, espanhóis, franceses, holandeses, libertos nas colônias americanas e a
protestantes, judeus e católicos. Essa escravidão foi mais rigorosa do que em
imigração era incentivada pela legislação qualquer outra parte das Américas.
inglesa em relação às colônias, que não
proibia a imigração de estrangeiros. Por
meio do casamento, da fusão cultural e do
comércio, essas distintas comunidades
integraram-se, formando uma única
comunidade branca, com interesses e
posturas comuns na defesa de sua
autonomia.
Nas colônias de povoamento do norte e
do centro, desenvolveu-se uma sociedade
mais urbana ( pois sua economia se baseava
no comércio e nas manufaturas), e mais .
democrática, com maior possibilidade de
mobilidade social. A elite era composta
pelos grandes comerciantes, donos de
oficinas e grandes proprietários, que
possuíam prestígio social, poder e
representação política (votavam e eram
votados). Em segundo plano, vinham os
“yeomen”, indivíduos de poucas posses e
que tinham direito ao exercício do voto nas
assembléias coloniais. Mais abaixo, os
artesãos livres, mas sem direitos políticos.
Em pior situação estavam os servos por
contrato (tinham sua viagem paga por
alguém e se comprometiam, em troca, a
trabalhar como servos por um período que
variava de quatro a sete anos). A situação
dos servos dependia em geral dos patrões e
que raramente conseguiam ascender
socialmente.
A grande propriedade e a aristocracia
rural fechada e exclusivista só existiam nas
plantations do sul. O sul era mais rural e
suas cidades eram pouco expressivas, pois a
elite vivia no luxo das casas-grandes das
fazendas, atendida por um séquito de
escravos. Era uma sociedade aristocrática
rigorosamente estratificada: senhores e
escravos. Os negros começaram a chegar às
13 colônias ainda no século XVII e foram
para as plantações de tabaco, arroz e, mais
tarde, de algodão. Considerados “gados
humanos”, eram marcados a ferro e
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