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Estanqueidade de fachadas à água de chuva

O desempenho do edifício deve ser considerado desde as etapas de planejamento e projeto, quando
são definidos os materiais, componentes, elementos e sistemas construtivos, bem como
dimensionados os espaços, definidos os ambientes, a orientação do edifício, as proteções e demais
aspectos. A análise desses fatores determina as características que os produtos, elementos e o edifício
devem possuir para atender à finalidade a que se destinam, ou seja, atender requisitos e critérios de
desempenho balizados pelas exigências de uso ou exigências dos usuários.

Os requisitos e critérios de desempenho consistem na tradução das exigências humanas que devem
ser atendidas por um edifício e suas partes, como as fachadas, e expressam os níveis de segurança,
habitabilidade e durabilidade desse edifício quando submetido a certas ações. Os requisitos de
desempenho relativos à estanqueidade à água afetam diretamente os níveis de habitabilidade de um
edifício, pois têm relação direta com:

A saúde e higiene do usuário, se considerarmos o eventual desenvolvimento de fungos, por exemplo,


na presença de umidade;

Os níveis de desempenho térmico do edifício, pois a umidade favorece o aumento da condutibilidade


térmica dos materiais de construção;

A durabilidade dos materiais e do edifício, pois a umidade pode desencadear processos de


deterioração, induzindo fissuras devidas a movimentações higroscópicas, desagregações, lixiviação,
corrosão de metais, apodrecimento de madeiras, etc.

Pesquisas realizadas no Brasil demonstram que problemas relativos à umidade nas construções são
difíceis de serem resolvidos, porém comuns de ocorrerem. Na década de 1980, pesquisas realizadas
pelo IPT constataram que em edifícios com um a três anos de idade, 52% dos problemas típicos
deviam-se à midade, e naqueles com quatro a sete anos, os problemas de umidade representavam
aproximadamente 86% dos problemas patológicos (Ioshimoto,1988). Recentemente, em 2004, outro
levantamento também realizado pelo IPT constatou que 58% dos problemas patológicos de edifícios
com um a quatro anos de idade são relativos à umidade. Essa última pesquisa endossa a hipótese
exposta por Perez (1988) na década de 1980: "Problemas de umidade representam quase 60% dos
problemas de uma edificação durante sua vida útil".

A umidade pode ser classificada em função da sua origem em quatro tipos: umidade de infiltração
decorrente da ação da água de chuva (infiltração por fissuras, caixilhos, revestimentos, juntas, entre
outros); umidade de condensação, decorrente da condensação superficial ou no interior dos materiais
de vapor de água; umidade proveniente do solo, decorrente da ascensão capilar da água presente no
solo; e umidade acidental, decorrente de vazamentos em instalações hidráulicas, falhas localizadas,
entre outros.

No caso das fachadas, a umidade geralmente é proveniente de infiltrações de água de chuva. O


objetivo deste artigo, portanto, é abordar a estanqueidade à água de chuva das fachadas, em
particular das interfaces entre elementos construtivos, discorrendo sobre prováveis causas de
infiltrações de água, formas de avaliação de desempenho e formas de evitar tais infiltrações.
Umidade proveniente de infiltração de água de chuva

A chuva penetra pelas paredes de fachadas basicamente em três condições: presença de lâmina de
água na fachada; presença de aberturas que permitam a passagem de água, como fissuras, frestas,
etc; e a existência de forças que promovem a penetração da água do exterior para o interior do
edifício, como as forças devidas ao vento, à sucção capilar, entre outros.

Observa-se que, quase sempre, as três condições estão reunidas, ou seja, em decorrência da chuva
há formação de lâmina de água na superfície da fachada, há ocorrência de forças devidas ao vento ou
à capilaridade dos materiais, como concretos, argamassas e cerâmicas, que são materiais porosos, e
fissuras, frestas ou juntas suficientemente mal vedadas permitindo infiltrações (Perez, 1988;
Medeiros, 1998).

Dessa forma, considerando-se que sempre há ocorrência de ventos, em razão dos efeitos naturais, e
que os materiais comumente empregados na construção civil são porosos, cabe ao projetista evitar ou
minimizar a infiltração de água de chuva para o interior do edifício através de duas formas,
consideradas concomitantemente:

a) Projetar detalhes, como ressaltos, molduras, peitoris e pingadeiras, que descolem a lâmina de água
das paredes; e
b) Projetar as juntas adequadamente, de forma a evitar a formação de fissuras, ou qualquer fresta
que poderá ser um caminho preferencial para a ação da água.

A não-consideração destes fatores pode ocasionar, no edifício, o não-atendimento aos requisitos de


desempenho relativos à estanqueidade à água das fachadas.
Detalhes construtivos

Os detalhes construtivos, como peitoris, pingadeiras, molduras, beirais, entre outros auxiliam no
controle do fluxo de água nas paredes de fachada, contribuindo para dissipar a concentração de água
e proteger as partes mais vulneráveis. Segundo Perez (1988), geralmente os caminhos de
concentração dos fluxos de água nas fachadas coincidem com as juntas, que são partes vulneráveis.
Portanto, se essas juntas não forem protegidas pela adoção de descontinuidades na superfície da
fachada pode ocorrer concentração de água nessas regiões e qualquer falha na sua concepção (como
a seleção inadequada do material de vedação) permitirá que a água penetre para o interior do edifício
e ainda manche as superfícies das paredes.

Alguns estudos, ainda segundo Perez, mostraram que pequenas saliências perpendiculares ao plano
da parede, nas superfícies externas, conseguem reduzir em mais de 50% o volume de água que
escorre sobre as mesmas. Nas figuras de 1 a 4 são apresentados alguns exemplos de concentração de
água sobre a superfície da parede de fachada.

As proteções - cumeeiras ou rufos - das partes superiores de muros e platibandas, na região das
coberturas, protegem os elementos construtivos da ação da água de chuva. Caso contrário, no topo
das platibandas, por exemplo, a água de chuva acumulada pode escorrer pela fachada ou penetrar no
interior da parede. A figura 5 ilustra uma platibanda sem proteção superior, ou sem rufo, propiciando
o escorrimento de água pelo lado interno e provável infiltração de água pela junta entre a platibanda
e a calha, bem como o escorrimento de água de chuva pela fachada do edifício. A figura 6 ilustra o
emprego de um rufo que não envolve o topo da platibanda como um todo, possibilitando a infiltração
de água pela parede.
Fissuras, destacamentos em fachadas e frestas

Problemas que ocorrem em fachadas, seja no corpo das paredes ou nas interfaces das paredes com
outros elementos ou componentes construtivos, podem causar infiltrações de água de chuva. Alguns
problemas típicos são: fissuras entre componentes estruturais, como pilares e vigas, e paredes de
vedação; destacamento no encontro entre paredes, em particular quando da adoção de juntas a
prumo; frestas na interface entre esquadrias e paredes; e fissuras no corpo da parede.

Fissuras entre componentes estruturais e paredes de vedação

Na interface entre dois componentes ou elementos construtivos, especialmente entre paredes de


vedação e estrutura, podem ocorrer fissuras decorrentes de movimentações higrotérmicas, em razão
dos diferentes coeficientes de dilatação térmica e higroscópica dos distintos materiais empregados.
Estas interfaces, portanto, devem ser adequadamente projetadas visando aliviar ou dissipar as
tensões que tendem a se concentrar nas regiões onde ocorrem descontinuidades (Silva, 2003).
Fissuras horizontais na parede do último pavimento próxima à laje de cobertura

Em geral, as coberturas planas estão mais expostas às variações térmicas do que os panos verticais
das edificações, ocorrendo movimentos diferenciados entre elementos horizontais e verticais. A
dilatação das lajes e o seu deslocamento provocado pelo gradiente de temperaturas ao longo da
espessura (figura 7) introduzem tensões de tração nas paredes, ocasionando fissuras conforme figura
8 (Thomaz, 1989). Essas fissuras são suscetíveis à penetração de água, prejudicando a estanqueidade
à água da parede.
Fissuras entre parede de vedação e elemento estrutural (pilar e viga)

A movimentação dos materiais ou o deslocamento dos componentes construtivos podem causar o


destacamento entre paredes e o reticulado estrutural, como ilustrado nas figuras 9 e 10,
principalmente quando não foram previstos detalhes de reforço, proteção ou vedação das juntas
(Thomaz, 1989). Tais destacamentos podem ocorrer na região de interface entre parede e pilar, bem
como entre parede e viga.

No caso de fachadas constituídas por painéis pré-fabricados, as juntas entre os painéis e o elemento
estrutural devem ser protegidas e, geralmente, dependendo da concepção da junta, preenchidas com
material flexível. As juntas flexíveis também são adotadas em outras situações, particularmente
quando os materiais movimentam-se de forma diferenciada, como alvenarias e estruturas metálicas.
Esses materiais flexíveis, denominados selantes, são selecionados em função de algumas de suas
propriedades, como compatibilidade com a base, módulo de deformação, resistência às intempéries e
aos raios ultravioleta, e fator de forma, ou seja, relação entre largura e profundidade do selante.
Caso o material selecionado tenha alguma propriedade incompatível para a situação, ou sua aplicação
não tiver sido adequada, seu desempenho será prejudicado, podendo ocorrer fissuração, rasgamento
ou destacamento do selante, prejudicando a vedação da junta e permitindo a penetração de água
para o interior do edifício (figura 11).
Destacamento no encontro entre paredes no caso de juntas a prumo

No caso de encontros entre paredes de alvenaria com juntas aprumadas, ou seja, sem amarração
entre blocos ou tijolos, independentemente da natureza do material constituinte, as movimentações
tendem a provocar o destacamento entre as paredes. Tais destacamentos, às vezes caracterizados por
pequenas fissuras, que geralmente ocorrem mesmo empregando-se ferros inseridos nas juntas de
assentamento, ocasionando regiões suscetíveis à penetração de água para o interior do edifício
(Thomaz, 1989), como ilustram as figuras 12 e 13.

Fresta na interface entre esquadria e parede de fachada

As interfaces entre paredes e esquadrias, particularmente janelas, também são regiões vulneráveis,
podendo apresentar frestas e destacamentos. Particularmente quando a esquadria é assentada após a
execução da parede, sem a colocação de contramarcos, deve-se atentar para a especificação correta
de materiais para vedar as folgas requeridas entre esquadria e parede. Nas figuras 14 e 15 são
apresentadas algumas situações características da existência de frestas, sem vedação, entre janela e
parede de fachada.

Fissuras no corpo da parede

Fissuras diagonais nos cantos das aberturas


A ausência ou inadequação de vergas e contravergas, geralmente propicia o surgimento de fissuras
no corpo da parede, diagonais às aberturas, causadas pelas elevadas tensões de tração (Silva, 2003),
como ilustrado na figura 16. Tais fissuras podem apresentar aberturas que possibilitam a infiltração
de água de chuva.

Fissuras no revestimento em argamassa

Os revestimentos de argamassa têm também a função de proteger as paredes, especialmente frente à


ação da água. Paredes sem revestimento são mais permeáveis do que aquelas revestidas e podem
tornar-se rapidamente saturadas quando sujeitas à ação da chuva (Sabbatini, 1986). Por isso,
fissuras com aberturas maiores que 0,1 mm no revestimento podem permitir a passagem de água que
alcança a alvenaria (figuras 17 e 18). A água na alvenaria pode passar pelos blocos, dependendo de
sua permeabilidade e capilaridade, mas seu caminho preferencial é através das próprias juntas de
argamassa ou das eventuais fissuras existentes nas interfaces bloco - argamassa. Assim sendo, para
garantir a estanqueidade, as alvenarias devem ser projetadas preferencialmente com revestimento,
sem fissuras sistêmicas, evitando assim que a água alcance a alvenaria.

Observa-se que as fissuras visíveis no revestimento nem sempre são provenientes de problemas do
próprio revestimento, como as de retração da argamassa de revestimento, mas de problemas de
naturezas diversas, como retração da alvenaria, movimentações estruturais, recalques, etc.

Avaliação

Cabe observar que os sistemas construtivos, ou elementos como as paredes ou painéis,


independentemente de serem tradicionais ou inovadores, devem ser estanques à água. Mitidieri Filho
(1998) observa que os critérios relativos à estanqueidade à água devem ser regionais, variando com
as condições de precipitação e ventos características de cada zona climática do país.

Dessa forma, a estanqueidade à água de um edifício e suas partes pode ser avaliada de duas
maneiras. A primeira diz respeito à análise de projetos, a qual visa verificar o atendimento de
disposições construtivas, especialmente no que se refere a declividades, barreiras contra a ação da
água, detalhes que descolem a lâmina d'água das paredes (como pingadeiras), e às juntas entre
componentes ou entre elementos, como as juntas entre paredes e reticulado estrutural, juntas entre
paredes e esquadrias, etc.

A segunda maneira é por meio de ensaios de estanqueidade à água de chuva, realizados em paredes,
esquadrias, revestimentos, juntas, entre outros.

O ensaio, no caso das paredes e juntas entre componentes de paredes, consiste, conforme o projeto
de norma ABNT CE 02.136.01.004 "Desempenho de edifícios habitacionais de até cinco pavimentos",
em submeter, durante um tempo determinado, a face externa de um corpo-de-prova de parede a
uma vazão de água (3,0 ± 0,3 dm3/m2/min), criando uma película homogênea e contínua, com a
aplicação de uma pressão, simulando chuva e vento. A pressão depende da região do Brasil. No caso
de São Paulo é de 40 Pa, a qual deve ser mantida constante durante o ensaio que tem duração de
sete horas. Após este período, a pressão deve ser anulada e a dispersão de água interrompida.

As paredes avaliadas segundo este ensaio devem permanecer estanques, sem apresentar infiltrações
que proporcionem borrifamentos, escorrimentos ou formação de gotas de água aderentes na face
interna, podendo ocorrer pequenas manchas de umidade, com áreas limitadas aos valores indicados
na tabela 1 (projeto de norma ABNT CE 02.136.01.004)

No caso de janelas, devem ser atendidas as especificações da NBR 10821 (2000). A interface (junta)
entre parede e janela pode ser avaliada por análise de projeto, ou por meio de ensaio, aplicando-se
as disposições da NBR 10821 em corpos-de-prova constituídos por trechos de fachadas. As figuras 20
e 21 ilustram paredes submetidas ao ensaio de estanqueidade à água de chuva.

Considerações finais

Como forma de prevenir a infiltração de água, as fachadas dos edifícios devem ser projetadas
considerando-se, além de outros, os seguintes fatores: tipo e qualidade dos materiais empregados,
seja nos componentes, nos revestimentos e nas juntas; detalhes de projeto e execução que
minimizem o acesso da água aos materiais, componentes e juntas; condições de exposição a que
estão submetidas, podendo ser diferenciadas de local para local e de fachada para fachada de um
mesmo edifício; e condições de manutenção futura.

O projeto de detalhes que minimizam a agressividade da água de chuva, a consideração das


interfaces entre componentes ou elementos construtivos constituídos de diferentes materiais como
regiões críticas (como juntas entre paredes e elemento estrutural), a consideração de que o
revestimento tem, entre outras, a função de contribuir com a estanqueidade à água das paredes, e a
consideração da forma, periodicidade e facilidade de manutenção, são fatores que minimizam as
manifestações patológicas, propiciando maior durabilidade dos produtos empregados, seja na própria
fachada ou no interior do edifício.

Os ensaios de verificação do desempenho, apesar de não se constituírem na única forma de avaliação,


são recomendáveis, especialmente quando do emprego de produtos ou componentes considerados
"inovadores" ou da adoção de soluções construtivas que ainda não são de domínio técnico, ou seja,
cujo desempenho frente à ação da água não seja conhecido.

O projeto de norma de desempenho atualmente em discussão tende a contribuir com projetistas,


fabricantes e construtores, pois define critérios de desempenho quanto à estanqueidade à água,
independentemente da natureza, forma ou procedência do produto.

Leia mais

NBR 10821 Caixilhos para edificações - Janelas. ABNT - Associação Brasileira De Normas Técnicas,
Rio de Janeiro, 2000
Desempenho de edifícios habitacionais de até cinco pavimentos - Parte 4: Fachadas e paredes
internas. Projeto de norma (CE 02.136.01.004, versão julho 2004)
Incidência de manifestações patológicas em edificações habitacionais. E. Ioshimoto. Tecnologia de
edificações/Projeto de Divulgação Tecnológica Lix da Cunha. Instituto de Pesquisas Tecnológicas. São
Paulo: PINI, 1988. p.545-548.
O desempenho das vedações verticais frente à ação da água. In: Seminário de vedações verticais,
1998. Jonas Medeiros. Anais. São Paulo, EPUSP, 1998. p. 125-168.
Avaliação de desempenho de componentes e sistemas construtivos inovadores destinados a
habitações: proposições específicas à avaliação do desempenho estrutural. Cláudio Mitidieri Filho.
Tese (Doutoramento) - Escola Politécnica, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1998.
Umidade por infiltração em paredes de alvenaria. In: III Simpósio Nacional de Tecnologia de
Construção 1986. F.H. Sabbatini. Anais. São Paulo, 1989. EPUSP. P. 126-132
Diretrizes para o projeto de alvenarias de vedação, M. A. M. Silva. Dissertação (Mestrado). Escola
Politécnica, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003.
Trincas em Edifícios: causas, prevenção e recuperação. E. Thomaz. São Paulo: PINI, EPUSP, IPT,
1989.
Estanqueidade à água. Critérios mínimos de desempenho para habitações térreas de interesse social.
E. Thomaz; G. R. Cavani. São Paulo: IPT - Instituto de Pesquisas Tecnológicas, 1995.

Luciana Alves de Oliveira, engenheira civil


luciana@ipt.br

Tatiana Mallart Moreira, engenheira civil


mallart@ipt.br

Cláudio Vicente Mitidieri Filho, engenheiro civil


claumit@ipt.br
IPT - CETAC - Laboratório de Componentes e Sistemas Construtivos

Téchne 106 - janeiro de 2005

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