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REFLEXOS CAUSADOS PELA INCLUSÃO DO § 2º DO ARTIGO 289 DO CPC/15 NO

DIREITO COLETIVO

REFLECTIONS CAUSED BY THE INCLUSION OF PARAGRAPH 2 OF ARTICLE


289 OF CPC / 15 IN COLLECTIVE LAW

Hellen Moreira1

RESUMO: O presente artigo pretende examinar, no âmbito da teoria alexyana, o tratamento


que o novo Código de Processo Civil deu ao exame da ponderação em caso de colisão de
normas e os reflexos causados ao direito coletivo. Procura demonstrar a problemática oriunda
de uma possível insegurança jurídica causada pela inserção do parágrafo 2º no artigo 489 do
CPC/2015 sem a fixação clara de critérios de utilização da técnica pelo legislador. Outrossim,
são tratados aspectos inerentes à positivação da técnica da ponderação por meio da
apresentação de argumentos contrários, com preocupação focada nos parâmetros fixados pelo
Superior Tribunal de Justiça para aplicação da técnica da ponderação prevista no artigo 489, §
2º, do CPC/15 no julgamento do RESp1.765.579/SP. Para realização da pesquisa foram
utilizados métodos de abordagem dedutivos, através de pesquisa bibliográfica, comparativa e
monográfica.

PALAVRAS-CHAVE: Novo Código de Processo Civil. Parâmetro da Ponderação. Técnica


de Ponderação. §2º do art. 489 do NCPC.

ABSTRACT: The present article intends to examine, in the scope of the alexyana theory, the
treatment that the new Code of Civil Procedure gave to the examination of the weighting in
case of collision of norms. It seeks to demonstrate the problem arising from a possible legal
uncertainty caused by the insertion of paragraph 2 in article 489 of CPC / 2015 without the
clear setting of criteria for the use of the technique by the legislator. Furthermore, aspects

1
Mestranda em Proteção dos Direitos Fundamentais da Universidade de Itaúna.
inherent to the positivity of the weighting technique are dealt with by presenting contrary
arguments, with concern focused on the parameters set by the Superior Court of Justice for the
application of the weighting technique provided for in article 489, § 2, of CPC / 15 in judgment
of RESp 1,765,579 / SP. In order to carry out the research, deductive approaches were used,
through bibliographic, comparative and monographic research.

KEYWORDS: New Civil Procedure Code. Weighting Parameter. Weighting Technique. §2,
of art. 489 of the NCPC.

SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Observações sobre o conflito de normas; 2.1 Elucidações


necessárias sobre a ponderação no CPC/15; 3 Argumentos contrários e favoráveis à técnica da
ponderação no CPC/15; 4 efeitos da Técnica de ponderação no direito coletivo; 5
Considerações conclusivas; 6 Referências.

Introdução

Passados mais de cinco anos da publicação da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 –


que entrou em vigor um ano depois de sua publicação oficial (art. 1.045) –, o CPC/15 revogou
o CPC/73, depois de 42 anos em vigência. Várias modificações acertadas foram feitas no
dispositivo destacando-se que agora as decisões devam ser de forma fundamentada conforme
previsão expressa no § 1.º do art. 489 do CPC/15. Tendo como base o art. 93, IX, 4 da CF/1988,
aludido artigo abarca critério e condições aos quais os julgadores devam observar, com o
objetivo atendera o que se pede no § 1º. Qual seja, de se fundamentar (para que sejas os
jurisdicionados respaldados pela garantia de fundamentação).

A autoridade do tema não é inovadora: vários doutrinadores já falam sobre a imposição


de fundamentar as decisões judiciais. O escopo do presente artigo não é um mergulho profundo
em todas as minúcias do art. 489 do CPC/15 – o que requisitaria o afinco de uma tese – mas
pretende realizar um esboço teórico como foco no §2º do supracitado artigo, que fala da técnica
da ponderação na circunstancia de colisão de normas.

A eleição tem um motivo claro, está em acordo com a primazia do direito constitucional
ao importar uma técnica utilizado para solucionar a colisão entre normas, passo emblemático
em relação ao sistema processual anterior e representa um alinhamento com o nosso atual
ordenamento, muitas vezes marcado pelo abuso de fundamentações obtusas, vazias,
herméticas. Contra tal estado de coisas, o CPC/15 traz a técnica da ponderação, explicitamente
prevista no §2º do seu art. 489, que fala, in verbis: “No caso de colisão entre normas, o juiz
deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que
autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a
conclusão. ” (BRASIL, 2015).

Esse artigo analisará a resolução de colisões de normas sob o viés da técnica da


ponderação e quais os reflexos a implantação dessa técnica causa na coletividade, para tanto,
realizou-se uma análise dos fundamentos que justificam a ponderação de normas e do
procedimento adequado para fazê-lo, com ênfase nos ensinamentos de Alexy. Estudou-se, em
decorrência disso, de forma breve, a ponderação alexyana, além de apresentação de
esclarecimentos necessários sobre a ponderação no CPC/15.

Por fim, foram revisadas as questões relativas à fundamentação das decisões judiciais
– em especial o art. 489 do Código de Processo Civil –, as teorias que inspiraram a questão da
colisão de normas, a técnica da ponderação positivada no CPC/15 e seus argumentos e contra-
argumentos. A necessidade de se estabelecer limites para a aplicação da técnica de ponderação
recebeu especial atenção tendo como foco os parâmetros fixados pelo Superior Tribunal de
Justiça para aplicação da técnica da ponderação prevista no artigo 489, § 2º do CPC/15 no
julgamento do RESp1.765.579/SP. Para a efetivação do princípio da segurança jurídica, um
dos norteadores do processo foi a Constituição Federal.

O método de abordagem utilizado durante a pesquisa foi o dedutivo, partindo da análise


de uma premissa geral para uma específica. Os procedimentos utilizados, por sua vez, foram o
comparativo e o monográfico. Para a construção desse estudo, realizou-se uma pesquisa
bibliográfica em livros e artigos científicos brasileiros e estrangeiros em busca de informações
passíveis de auxiliar na resolução da problemática. Utilizou-se ainda a legislação brasileira,
com destaque para o Código de Processo Civil de 2015.

Observações sobre a ponderação alexyana

Primeiramente, será necessário conhecer sobre a técnica de ponderação alexyana,


segundo como se deu sua aplicação no ordenamento brasileiro. A partir daí, será possível então
vislumbrar quais os posicionamentos de doutrinadores brasileiros a respeito desta técnica e
então quais os reflexos da ponderação alexyana no direito coletivo. Analisaremos também a
classificação das normas jurídicas, dividindo-as em princípios e regras. Chegando à conclusão
que tanto os princípios quanto as regras são compreendidos como espécies de normas, uma vez
que os dois descrevem uma permissão ou uma proibição (MENDES; BRANCO, 2014). Ronald
Dworkin (2012) em seu livro Levando os Direitos afirma que “a diferença entre princípios
jurídicos e regras jurídicas é de natureza lógica”. As regras aplicam-se segundo a lógica do
tudo-ou-nada, significando que, dados os fatos previstos pela regra, ou ela é válida – e a
resposta por ela fornecida é aceita –, ou a regra não é válida – e, portanto, não pode oferecer
qualquer resposta para o caso (DWORKIN, 2002, p.39).

Já os princípios possuem uma dimensão não encontrada nas regras, qual seja a
dimensão do peso. No caso de choque entre princípios, o intérprete/aplicador deve considerar
a força relativa de cada um dos princípios envolvidos. Não obstante essa mensuração da força
relativa de cada princípio não ser exata – sujeitando-se, portanto, a controvérsia –, o peso é
uma dimensão integrante do conceito de princípio, de forma que é importante perguntar qual o
peso ele tem ou o quanto ele é importante (DWORKIN, 2002).

Como as regras não possuem a dimensão do peso, no caso de conflito entre normas
desta espécie, uma delas deve ser declarada inválida. Mas a decisão sobre qual regra é válida e
qual precisa ser abandona ou reformulada, deve basear-se no próprio sistema jurídico que elas
integram. Um sistema jurídico pode regular tais conflitos por critérios variados: precedência à
regra promulgada pela autoridade de grau superior, à regra promulgada mais recentemente, à
regra mais específica, etc. (DWORKIN, 2002)

Assim também entende Robert Alexy, que norma é um gênero que se subdivide em
duas espécies: os princípios e as regras. Tal entendimento é o mais difundido na doutrina
moderna, tendo Robert Alexy como principal expoente. A diferenciação entre princípios e
regras é de importância não só para a compreensão do presente estudo, mas da dogmática dos
direitos fundamentais como um todo, em especial na visão alexyana. Essa distinção é tão
relevante que, embora muitas outras distinções de cunho teórico estrutural possam ser
indicadas, Alexy observa que

[...] para a teoria dos direitos fundamentais, a mais importante é a distinção entre
regras e princípios. Essa constitui a base da fundamentação jus fundamental e é uma
chave para a solução de problemas centrais da dogmática dos direitos fundamentais.
Sem ela, não pode existir uma teoria adequada dos limites, nem uma teoria satisfatória
da colisão e tampouco uma teoria suficiente acerca do papel que exercem os direitos
fundamentais no sistema jurídico. [...] A distinção entre regras e princípios constitui,
ademais, o marco de uma teoria normativo-material dos direitos fundamentais e, com
isso, um ponto de partida para responder à pergunta acerca da possibilidade e os
limites da racionalidade no âmbito dos direitos fundamentais. Por tudo isso, a
distinção entre regras e princípios é um dos pilares do edifício da teoria dos direitos
fundamentais.2 (ALEXY, 2002, p. 81-82)

Essa distinção resplandece quando externada a forma de resolução de princípios


colidentes ou regras conflitantes. É tamanha a discrepância entre os métodos, que até mesmo a
nomenclatura que se utiliza, como se pôde perceber, é divergente; diz-se que entre princípios
há colisão, e entre regras, conflitos (cf. ALEXY, 2002). Os conflitos e as colisões são
verificados quando a aplicação isolada de uma norma resulta em um juízo de dever-se oposto,
ou contraditório, ao que resultaria da aplicação isolada da outra norma (cf. ALEXY, 2002).

Neste momento há que se encontrar uma solução, pois dado que o ordenamento jurídico
guarda a característica da coerência, deve ser aplicado sistematicamente, tendo-se em vista
todas as normas nele contidas. A solução será – uma vez que cada uma dessas situações requer
a utilização de uma técnica específica – antes de abordar a técnica da ponderação para os casos
de colisão de princípios, será́ superficialmente estudado o conflito entre as regras e o seu
respectivo método de resolução.

No que diz respeito ao conflito entre regras, Alexy (2015) ensina que a única solução é
a introdução de uma cláusula de exceção ou da declaração de invalidade de pelo menos uma
das regras.

Um conflito entre regras somente pode ser solucionado se se introduz, em uma das
regras, uma cláusula de exceção que elimine o conflito, ou se pelo menos uma das
regras for declarada inválida. Um exemplo para um conflito entre regras que pode ser
resolvido por meio da introdução de uma cláusula de exceção é aquele entre a
proibição de sair da sala de aula antes que o sinal toque e o dever de deixar a sala se
soar o alarme de incêndio. Se o sinal ainda não tiver sido tocado, mas o alarme de
incêndio tiver soado, essas regras conduzem a juízos concretos de dever-se
contraditórios entre si. Esse conflito deve ser solucionado por meio da inclusão, na
primeira regra, de uma cláusula de exceção para o caso do alarme de incêndio. Se
esse tipo de solução não for possível, pelo menos uma das regras tem que ser
declarada inválida e, com isso, extirpada do ordenamento jurídico. (ALEXY, 2015,
p.92)

Assim, quanto à resolução do conflito de duas regras, declarar-se-á que uma delas é
inválida, com base nos critérios de resolução de antinomias3, ou se verificará uma cláusula de
exceção. Ao resolver uma colisão entre princípios, julgar-se-á que no caso concreto, diante de
suas respectivas e particulares circunstâncias, o princípio X deve preponderar sobre o princípio

2
Tradução livre.
“A antinomia representa o conflito entre duas normas, entre dois princípios, entre uma norma e um princípio geral de direito em sua aplicação prática a um caso particular. A
antinomia é um fenômeno muito comum entre nós ante a incrível multiplicação de leis. É um problema que se situa ao nível da estrutura do sistema jurídico (criado pelo
jurista), que, submetido ao princípio da não-contradição, deverá ser coerente. A coerência lógica do sistema é exigência fundamental, como já dissemos, do princípio da
unidade do sistema jurídico”.
.(DINIZ, 2005, p. 15.)
Y, sem que com isso Y seja excluído do ordenamento, tampouco lhe seja imposta uma cláusula
de exceção, mas concedida uma precedência condicionada ao princípio oposto. Frise-se, que,
como alertado pelo autor, tal precedência do princípio X sobre o princípio Y é condicionada,
de modo que, diante dos elementos que circundaram o caso, a resposta foi no sentido de
conceder maior peso a X. Todavia, perante circunstâncias diversas, pode ser viável um
resultado contrário (cf. ALEXY, 2002)

A precedência que um dos princípios terá́ em face do outro princípios colidente será́
definida pela técnica da ponderação. Em outras palavras, a colisão será́ resolvida pelo
sopesamento dos valores de cada princípios no caso em concreto. A técnica da ponderação de
princípios possui três fases distintas, de modo que o intérprete formulará os fundamentos e,
somente então, fará o devido sopesamento de valores ou interesses para obter o princípios
adequado ao caso concreto.

Na primeira fase, conforme observa Barroso: “o intérprete tem o ônus de identificar no


sistema em que opera, as normas relevantes para a possível solução do caso concreto”
(BARROSO, 2013, p.335). Na segunda fase, realiza-se uma ponderação de forma estrita,
fundamentando-se a relação estabelecida entre os elementos objeto do sopesamento (ÁVILA,
2012). É o momento ideal para ser feita uma análise da conformidade dos fatos com os
elementos normativos, isto é, nessa fase o intérprete tem uma real noção dos princípios que
estão em colisão. Na terceira fase, é realizada a apuração dos pesos atribuídos aos princípios
em colisão, separando aquele que será́ aplicado de acordo com o grau de importância de seus
valores na solução do caso concreto.

De acordo com o entendimento de Barroso (2013), na terceira etapa é verificado “o


grupo de normas que deve ter prevalência no caso concreto, devendo-se, se possível, haver
disposição quanto à graduação da intensidade da solução prática escolhida, determinando-se,
por consequência, o grau em que a solução será aplicada”. (BARROSO, 2013, p.336).

Resumindo as três fases da técnica da ponderação de princípios, Alexy (2008) esclarece


que

Segundo a lei da ponderação, a ponderação deve realizar-se em três graus. No


primeiro grau dever ser determinada a intensidade da intervenção. No segundo grau
trata-se, então, da importância dos fundamentos que justificam a intervenção.
Somente no terceiro grau realiza-se, então, a ponderação em sentido restrito e
verdadeiro. (ALEXY, 2008, p.63)
Vale destacar que, na terceira fase da técnica da ponderação – momento em que ocorre
a mediação dos princípios em colisão – incide o princípios da proporcionalidade que impõe
limites ao intérprete e, principalmente, ao julgador, durante a atividade de sopesamento dos
valores, conferindo maior segurança jurídica no exercício da ponderação de princípios
(SOARES, 2010). Em suma, o princípios da proporcionalidade veda a arbitrariedade do
intérprete e os excessos do poder decisório do julgador.

Feitas essas considerações a respeito da técnica da ponderação de princípios de Robert


Alexy, já́ é possível avançar na abordagem e discutir sobre a prática ponderativa e a
racionalidade dos argumentos utilizados nas decisões judiciais.

Elucidações necessárias sobre a ponderação no NCPC

O CPC de 2015 adotou categoricamente uma ferramenta primordial para resolver


problemas jurídicos, qual seja a técnica de ponderação de princípios, regras e normas. O art.
489 do Código de Processo Civil de 2015 define dos elementos e efeitos da sentença. No seu
caput cuida especialmente dos requisitos da sentença e no seu § 1º da necessária fundamentação
da sentença. A redação do § 2º afirma que “no caso de colisão entre normas, o juiz deve
justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que
autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a
conclusão” (BRASIL, 2017). Além de não apresentar correspondente quando comparado ao
CPC/73, o § 2º apresenta a única previsão no texto legal onde se vê o termo “ponderação”.

A sistematização dessa ideia de pesagem ou sopesamento tem como base a teoria de


Robert Alexy. Nota-se que foram as lições do jurista que inspiraram a criação do dispositivo
inserido no CPC/2015. Da mesma forma, vale ressaltar que Alexy fala da ponderação de
direitos fundamentais. A ponderação constante do Novo CPC é relativa a normas,
demostrando-se mais abrangente.

Argumentos Contrários e Favoráveis à técnica da ponderação no NCPC

Esse tópico tem como objetivo abordar as posições contrárias às técnicas de ponderação
trazidas no § 2.º do art. 489 do CPC/15, nessa abordagem serão discutidas a eficácia e até
mesmo inconstitucionalidade da técnica.
A técnica de ponderação foi criada pelo jurista alemão Robert Alexy. Tal técnica foi criada
para racionalizar decisões judiciais a começar do procedimento argumentativo. Tendo como
escopo a máxima da proporcionalidade. A técnica de ponderação foi criada com o objetivo de
resolver conflitos jurídicos nos quais há colisão de princípios e regras, este procedimento – da
ponderação – é composto por três etapas: a adequação, necessidade e a proporcionalidade em
sentido estrito. As duas primeiras etapas são encarregadas de elucidar as possibilidades fáticas
e a última etapa é responsável por solucionar as possibilidades jurídicas nas quais ocorra o
conflito. Essa última fase é denominada “lei do sopesamento” (ou da ponderação: “quanto
maior for o grau de não-satisfação ou de afetação de um princípio, tanto maior terá que ser a
importância da satisfação do outro” (ALEXY, 2002).

Porém, segundo o Doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina


Lenio Luiz Streck, o § 2.º do art. 489 do CPC/15 é totalmente inconstitucional, defendendo
ainda o autor publicamente que deveria o Poder Executivo vetar em total sua redação. Destarte,
Lênio ainda argumenta que: “A ponderação é inconstitucional porque o legislador, ao
estabelecer, de forma a técnica, a ponderação de ‘normas’, ‘esqueceu’ que o direito é um
sistema de regras e princípios e que, portanto, ambas são normas. Logo, ponderar regras é
ponderar normas. Entretanto, é vedado ponderar regras, como se pode ver no próprio criador
da ponderação contemporânea, Robert Alexy, no âmbito de sua Teoria da Argumentação
Jurídica”. (STRECK, 2015)

De acordo com a fala de Lênio, as normas jurídicas é um gênero e, dessa forma, abrange
princípio e regra. Lênio vislumbra inconstitucionalidade no processo porque a ponderação
somente seria possível entre princípios e não entre regras, uma vez que regras não colidem,
nem conflitam – segundo o modelo trazido por Alexy, as regras são válidas ou não. Lênio ainda
entende que os conflitos entre regras devem ser resolvidos por mecanismos próprios, um
exemplo desses mecanismos são: “a jurisdição constitucional e os critérios para solução de
antinomias jurídicas”. Assim, na visão do professor Lênio Streck, o X da questão é definir se
sobre o § 2.º do art. 489 do CPC/15 está dentro dos parâmetros da ponderação criada por Robert
Alexy.

A ponderação assim como foi criada por Robert Alexy, não é largamente empregada no
Brasil, o que vemos aqui é a ponderação “à brasileira”, o “jeitinho brasileiro”. A ponderação
realizada no Brasil atualmente, como abordada no CPC/15, apresenta uma incompatibilidade
com o previsto no art. 93, IX, da CF/88, “além de entrar em descompasso com outros
dispositivos do próprio CPC, como o art. 10, o art. 926, que determina que a jurisprudência
seja estável, íntegra e coerente, e o próprio art. 489” (STRECK, 2015). E essa inconformidade
decorre está prevista no § 2.º do art. 489 do CPC/15 que autoriza a livre escolha do juízo,
autorizando assim que o juiz em uma decisão monocrática escolha aplicar certa norma de
mesma hierarquia, sobrepondo-a a outra.

Autores conceituados como Fausto de Morais e André Trindade concordam com a visão
de Lênio Streck quanto à ponderação do § 2.º do art. 489 do CPC/15 e elaboram grande rejeição
à redação deste artigo. Estes autores entendem que a ponderação do § 2.º do art. 489 do CPC/15
produz de forma inevitável a discricionariedade. Em suas falas os dois autores entendem que
Alexy advertia que a argumentação deveria ser complementar a ponderação para que a mesma
fosse legítima, pois a fundamentação é tão importante quanto a ponderação. Fausto de Morais
e André Trindade afirmam que o abuso em torno da ponderação já ocasiona sérios problemas
para a pratica do direito.

A autora Rosa Maria Nery e o autor Nelson Nery Jr. também reconheceram os perigos
que tal técnica podem ocasionar ao direito, uma vez que essa técnica “dá margem à
interpretação de que toda e qualquer antinomia pode ser resolvida por esse meio” (NERY JR e
NERY, 2015) Concluíram que a aplicabilidade o § 2.º do art. 489 do CPC/15 se dá tão somente
às normas ligadas a princípios constitucionais e direitos fundamentais, devendo assim ser
cuidadoso a método irrestrito de sua execução.

Deste modo, as posições divergentes à técnica de ponderação sempre estão ligadas a


preocupação com a incriminação da aplicabilidade da ponderação a regras e princípios, uma
vez que acreditam que a regras não colidem e somente os princípios devam ser ponderados e
segundo os autores trazidos aqui, a técnica de ponderação trazida pelo § 2.º do art. 489 do
CPC/15 estabelece conflitos entre normas no qual abrange regras e princípios, além de
criticarem quanto a fundamentação, uma vez que aa fundamentação deve ser complementar a
ponderação e não forma de justificar a ponderação aplicada.

A ponderação pode ser entendida como “reflexão”, “raciocínio”, “pensamento”. Lênio


Luiz Streck (2015) observa que, em decorrência da linguagem específica do direito, não se
deve admitir essa forma de interpretação do artigo, e que o Código de Processo Civil, assim,
fez referência direta à recepção da teoria de Robert Alexy da ponderação e da argumentação.

Nesse sentido, Flávio Tartuce (2016), julgando positiva a inclusão da ponderação no


texto do Código de Processo Civil como importante mecanismo para a solução de problemas
jurídicos, entende que a sistematização da ideia remonta aos estudos de Robert Alexy. Mas a
lei processual brasileira incluiu a ponderação na sua forma mais ampla, conduzindo a uma
espécie de “ponderação à brasileira”. O autor afirma que

(...) a pesagem deve ser fundamentada, calcada em uma argumentação jurídica com
solidez e objetividade, para não ser arbitrária e irracional. Para tanto, deve ser bem
clara e definida a fundamentação de enunciados de preferências em relação a
determinado valor constitucional. Sem essa fundamentação, a ponderação não pode
ser utilizada, como consta expressamente do Novo CPC. (TARTUCE, 2016, p.2)

Assim, a ponderação do Código de Processo Civil deveria ser lida como um artifício
civil constitucional que deve ser aprimorado no Brasil para permitir a resolução de situações e
hipóteses fáticas complicadas. Diante da complexidade contemporânea, a subsunção de normas
e as tradicionais técnicas de interpretação se mostraram insuficientes, pelo que a técnica da
ponderação como tratada no CPC se mostra uma ferramenta adequada (TARTUCE, 2016).

Em suma, perante da hipercomplexidade atual, sendo a mera subsunção da lei


insatisfatória em muitas conjecturas fáticas, é a técnica de ponderação uma ferramenta
decisória interessante, devendo ser amplamente utilizada pelos julgadores nos próximos anos,
especialmente diante de sua positivação expressa pelo CPC/15.

Reflexos causados no direito coletivo

No nosso ordenamento, reconhecido pela CF/88, em seu Cap. I quanto aos Direitos e
Garantias Fundamentais, aos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, atribuindo exclusivo
significado aos direitos individuais dos cidadãos, sendo assim reconhecidos como cláusulas
pétreas, incluindo-os no rol taxativo do §4º do art. 60, tendo a garantia, que jamais uma
proposta de emenda constitucional pudesse abolir tais direitos individuais seja objeto de
deliberação, nem mesmo conferir eficácia vinculante, nos termos do §1º do seu art. 5º.

Alexy (1997) assim classifica a colisão de direitos fundamentais: colisão de direitos em


sentido estrito e colisão de direitos no sentido amplo. Descrevendo da seguinte forma:

Colisão de direitos fundamentais em sentido estrito ocorre, quando o


exercício ou a realização do direito fundamental de um titular de direitos
fundamentais tem consequências negativas sobre direitos fundamentais de
outros titulares de direitos fundamentais; e colisão de direitos fundamentais
em sentido amplo ocorre, quando há uma colisão de direitos individuais
fundamentais e bens coletivos protegidos pela Constituição. (ALEXY, 1997
p. 607).
Destarte que nas colisões de direitos fundamentais em sentido estrito, ainda existem os
que são considerados idênticos ou diferentes, mas, que envolvem a realização do direito
fundamental de um titular de direitos fundamentais com consequências negativas sobre direitos
fundamentais de outros titulares. E nas colisões de direitos em sentido amplo tem-se o conflito
entre direitos individuais fundamentais e bens coletivos protegidos pela Constituição Federal.

Ainda há que se falar quanto as colisões que podem existir entre os direitos
fundamentais e os bens jurídicos constitucionais, sendo conhecidos como, os direitos
fundamentais de um titular de um lado e os bens jurídicos de uma comunidade de outro, o que
é muito comum de acontecer. Exemplos de tais colisões são os direitos à liberdade de opinião
e de comunicação ou a liberdade de expressão artística, contidos no art. 5º, IX da Constituição
Federal do Brasil e o direito à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da
imagem, também contidos no artigo supracitado. Para a solução destes conflitos é necessário
estabelecer uma hierarquia qual não existe, porém, essa deverá ser considerada de acordo com
cada caso.

Alexy (1999, p. 67) transcreve quanto a este assunto:

[...] o conflito entre direitos fundamentais e bens jurídicos


constitucionais (colisão de direitos fundamentais em sentido amplo) ocorre
quando há um choque entre direitos individuais fundamentais e bens
coletivos constitucionalmente protegidos. Nessa hipótese, não se trata de
qualquer valor, interesse, necessidade da comunidade, mas de um bem
jurídico relevante, ou seja, aquele que a Constituição elegeu como digno de
especial reconhecimento e proteção.

Sendo assim, o que ocorre é o confronto de um direito fundamental de um titular e bens


coletivos, constitucionalmente protegidos. Sendo usada a técnica de ponderação baseada no
princípio da proporcionalidade, porém tal princípio pode não ocasionar uma boa eficácia de
uma sobreposição justa.

Podendo a técnica de ponderação ocasionaria lesões irreversíveis em um determinado


sistema jurídico, acarretando também, certas contradições, uma vez que haverá a possibilidade
da fundamentação para a superioridade de um direito individual em detrimento de um direito
coletivo, através de um determinado princípio absoluto.
Exemplo disso é o direito a dignidade da pessoa humana, direito esse sempre trazido
em sua superioridade, porem que em alguns casos deve ser levado em conta que não haverá o
sopesamento deste direito.

Para elucidar as colocações trazidas, Robert Alexy foi claro:

“Nos casos em que a dignidade humana é relevante, sua natureza de


regra pode ser percebida por meio da constatação de que não se questiona se
ela prevalece sobre outras normas, mas tão-somente se ela foi violada, ou
não. Contudo, em face da abertura da norma da dignidade humana, há um
ampla margem de apreciação na resposta a essa questão […] Que o princípio
da dignidade humana é sopesado diante de outros princípios, com a
finalidade de determinar o conteúdo da regra da dignidade humana, é algo
que pode ser percebido com especial clareza na decisão sobre prisão
perpétua, na qual se afirma que ‘a dignidade humana (…) tampouco é violada
se a execução da pena for necessária em razão da permanente periculosidade
do preso e se, por razão, for vedada a graça’. Com essa formulação fica
estabelecido que a proteção da ‘comunidade estatal’, sob as condições
mencionadas, tem precedência em face do princípio da dignidade humana.
Diante de outras condições a precedência poderá ser definida de outra
forma”. (ALEXY, Robert. Op. Cit., 2011, p.113.)

Conforme verificado no exemplo trazido acima, a dignidade da pessoa humana deve


ser afastada diante da colisão existente no caso concreto, uma vez que a análise realizada ali
verificou-se que a bipolaridade existente no caso entre o primo analítico e a dignidade da pessoa
humana sob o viés individual a garantia na coletividade deva se sobrepor.

Considerações finais

Assim, entendemos que nenhuma regra é mais importante ou superior a outra, sendo
sempre necessário uma análise criteriosa quando existe um conflito entre regras, sendo sempre
muito mais prejudicial a coletividade em detrimento ao individual, sendo que sempre haverá o
sopesamento do direito individual.
Havendo abordando de forma sucinta o tema, depreende-se que havendo divergência
entre normas fundamentais, deve-se analisar o conflito com enfoque nos direitos fundamentais,
principalmente quando a colisão envolve a dignidade da pessoa humana, uma vez que, nem
sempre a dignidade da pessoa humana deva prevalecer, assim preconizada no art. 489, § 2º,
CPC/15, ocorrendo o afastando de uma regra para a aplicação de um princípio. Nesse caso, se
a regra (resultado de princípios), confrontar-se diretamente com algum princípio, deve ser
adotada a ponderação e realizada uma análise da colisão entre regra e princípio, buscando
sempre obter Justiça.

É importante destacar que a ponderação, como a previsto no CPC/15, é um método


típico de países democráticos que buscam otimizar a forma de priorização de uma norma em
detrimento de outra, ou seja, o julgador, após analisar todos os pontos trazidos pelos
interessados, deverá encontrar uma solução para a colisão entre normas, sempre de forma
racional e fundamentada, observando os parâmetros trazidos pelo art. 489, § 2º, do Código de
Processo Civil.

Conforme observado, sobre a ponderação pensada por Robert Alexy, o art. 489, § 2º,
do CPC/15 não é taxativo ao dizer colisão entre princípios, mas esclarece sobre colisões entre
normas (regras e princípios). Nesse cenário, no Brasil, o conflito deve ser analisado através da
fundamentação, sempre tento o enfoque em todos os argumentos jurídicos que venham a ser
apresentados pelos interessados e proporcionando assim, o amplo debate. É importante ter em
mente o direcionamento correto quando ocorre colisão entre normas, regras ou princípios para
que o objetivo principal seja a promoção e realização concreta do direito fundamental,
construindo-se um novo paradigma de decisão judicial.

A ponderação, na forma descrita pelo art. 489, § 2º, do CPC/15, deva oxigenar todo o
ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que a complexidade das demandas que venham a
surgir e que já surgiram na atual sociedade globalizada e informatizada fez com que fosse
necessário o surgimento de um mecanismo apto a apartar os conflitos dos princípios visando a
satisfação dos anseios da vida moderna.

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teoria da justificação jurídica. (tradução de Zilda Hutchinson Schild Silva). 2 ed. São Paulo:
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