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1 Introdução
Dentre os diversos questionamentos que o atual estágio da regu
lação estatal no Brasil suscita, certamente aqueles conexos ao Direito
Administrativo Sancionador constarão forte na pauta da agenda teórica
a ditar futuros estudos sobre o exercício da potestade sancionatória pelo
Poder Público. Embora tema recorrente no Direito Administrativo, bas-
tando apontar o exemplo do processo disciplinar, apenas recentemente
constata-se incipiente produção acadêmica sobre seus aspectos mais
emblemáticos. Algumas razões podem ser apontadas para tanto.
Originalmente atrelada ao clássico tema do poder de polícia, a
inserção da prerrogativa sancionatória no âmbito da regulação estatal
determinou análises jurídicas acerca da atividade sancionadora à luz
dessa nova abordagem. Possibilidade de previsão de sanções e infrações
administrativas em regulamentos, estipulação de cláusulas penais em
contratos administrativos relacionais — especialmente os de concessão
de serviço público — e natureza discricionária dos atos de sanção são
algumas das principais questões que a regulação sancionatória hoje
apresenta. Saliente-se, ainda, o expressivo número de normas regula
mentares que dispõem sobre o procedimento administrativo sancionador
— praticamente todas as agências reguladoras possuem sua própria dis
ciplina para aplicação de sanções.
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Adoto a formulação ampla de regulação de Vital Moreira, correspondente a “todas as medidas de condiciona-
mento da actividade económica, revistam ou não forma normativa” (Auto-regulação profissional e Administração
Pública. Coimbra: Almedina, 1997. p. 36).
Cf. SUNDFELD, Carlos Ari. Introdução às agências reguladoras. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.). Direito ad-
ministrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 18.
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Sobre o efeito preventivo da sanção administrativa, cf. Manuel Rebollo Puig, que assim coloca: “claro que castigar
sí tiene una finalidad. Las sanciones administrativas tienen una finalidad, como la tienen las penas. Aquí también
se puede decir que las sanciones administrativas son útiles como sistema de respaldo o tutela del ordenamiento
pues sirven para prevenir infracciones futuras y así, aunque sea de manera indirecta, proteger los intereses públicos
confiados a la Administración” (El Derecho Administrativo Sancionador. In: MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo
(Coord.). Uma avaliação das tendências contemporâneas do direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
p. 268. Cf. ainda, FERREIRA, Daniel. Sanções administrativas. São Paulo: Malheiros, 2001).
Aspectos jurídicos do exercício do poder de sanção por órgão regulador do setor de energia elétrica. Revista
de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 221, p. 354, 2000.
Essa funcionalidade foi reconhecida no Direito Administrativo Sancionador brasileiro por Fábio Medina Osório
(O conceito de sanção administrativa no direito brasileiro. In: MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo (Coord.).
Uma avaliação das tendências contemporâneas do direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p.
319).
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Note-se que a LGT disciplinou de forma especial o descumprimento de obrigações relativas à universalização
e à continuidade da prestação dos serviços de telecomunicações em seu artigo 82, ao afastar as sanções de
advertência e de suspensão temporária. É o artigo in verbis: “Art. 82. O descumprimento das obrigações relacio-
nadas à universalização e à continuidade ensejará a aplicação de sanções de multa, caducidade ou decretação
de intervenção, conforme o caso”.
In verbis: “Art. 70. Serão coibidos os comportamentos prejudiciais à competição livre, ampla e justa entre as
prestadoras do serviço, no regime público ou privado, em especial: I – a prática de subsídios para redução
artificial de preços; II – o uso, objetivando vantagens na competição, de informações obtidas dos concorrentes,
em virtude de acordos de prestação de serviços; III – a omissão de informações técnicas e comerciais relevantes
à prestação de serviços por outrem”.
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“A configuração das infrações administrativas, para ser válida, há de ser feita de maneira suficientemente clara,
para não deixar dúvida alguma sobre a identidade do comportamento reprovável, a fim de que, de um lado,
o administrador possa estar perfeitamente ciente da conduta que terá de evitar ou que terá de praticar para
livrar-se da incursão em penalizações e, de outro, para que dita incursão, quando ocorrente, seja objetivamente
reconhecível” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 22. ed. São Paulo: Malheiros,
2006. p. 839).
Alejandro Nieto aponta dois motivos para a subordinação do Direito Administrativo Sancionador ao Direito Penal,
quais sejam, i) a mera reminiscência histórica e ii) a utilidade pragmática dos lapidados institutos penais: “(...)
ni existe uma subordinación por naturaleza al Derecho Penal sino ésta es meramente conyuntural y técnica: el
Derecho Administrativo Sancionador toma em préstamo los instrumentos que le proporciona el Derecho Penal
sencillamente porque le son útiles por causa de su maduración más avanzada y de su superioridad teórica”
(p. 75). Para além desse ponto, o administrativista espanhol atrela a potestade sancionatória ao conceito de
intervenção, o que implica reconhecer contornos específicos ao poder sancionador administrativo em relação
ao Direito Penal (Derecho administrativo sancionador. Madrid: Tecnos, 1993. p. 90).
10
In verbis: “O contrato de concessão indicará: (...) XIV – as sanções”.
11
In verbis: “A permissão será formalizada mediante assinatura de termo, que indicará: (...) VIII – as sanções”.
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O art. 214 da LGT enaltece a figura do ato normativo, equiparado a uma efetiva lei formal: “Na aplicação desta
Lei, serão observadas as seguintes disposições: I – os regulamentos, normas e demais regras em vigor serão
gradativamente substituídos por regulamentação a ser editada pela Agência, em cumprimento desta Lei”.
13
Pelo parágrafo único do art. 1º, o direito de exploração de satélite e o uso de radiofrequência sujeitam-se às
disposições da Resolução nº 344/03. É o texto in verbis: “Sujeitam-se às disposições deste Regulamento os
serviços de radiodifusão, no que tange aos aspectos técnicos, o direito de exploração de satélite e o uso de
radiofreqüência, no que couber”.
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pelo serviço e regime jurídico de sua prestação. Para cada qual, o anexo
estipulou o valor máximo de acordo com a gradação da infração em leve,
média e grave.
Os valores das multas aplicáveis aos prestadores de STFC e serviço
móvel insertos no grupo 1 do mencionado anexo, por exemplo, não
podem ultrapassar o teto de R$10 milhões caso a infração seja conside
rada leve, R$25 milhões se se tratar de infração média e R$50 milhões
se a multa for de natureza grave, conforme as especificações do anexo à
Resolução nº 344/03.
Ficou a cargo da LGT definir as sanções aplicáveis ao setor de
telecomunicações (art. 173) e a previsão mínima das infrações adminis-
trativas (art. 70, por exemplo), além de determinar condicionantes gerais
e específicas da atividade regulatória sancionadora14 em seu art. 176,
quais sejam, i) a natureza e a gravidade da infração, ii) os danos ocasio
nados ao serviço e aos usuários, iii) a vantagem auferida pelo infrator,
iv) as circunstâncias agravantes, v) os antecedentes do infrator e vi) a rein
cidência específica.
O anexo à Resolução nº 344/03 estabeleceu critérios e parâmetros
para aplicação de sanções administrativas pela Anatel. Para tanto, houve
a definição de certos termos e conceitos jurídicos indeterminados, a
estipulação de critérios para classificação dos serviços de telecomuni-
cações para fins de aplicação de sanções administrativas (art. 3º),15 a
definição de circunstâncias a serem obrigatoriamente observadas pelo
regulador quando da aplicação das sanções administrativas (art. 7º),16 a
gradação das infrações em leves, médias e graves (art. 8º), a indicação
dos valores máximos das multas de acordo com o grupo preestabelecido
14
Tais condicionantes encontram-se principalmente no art. 5º da LGT: “na disciplina das relações econômicas
no setor de telecomunicações observar-se-ão, em especial, os princípios constitucionais da soberania nacional,
função social da propriedade, liberdade de iniciativa, livre concorrência, defesa do consumidor, redução das
desigualdades regionais e sociais, repressão ao abuso do poder econômico e continuidade do serviço prestado
no regime público”.
15
In verbis: “Para efeitos deste Regulamento, os serviços e meios de telecomunicações prestados no País estão
classificados em grupos conforme disposto no Anexo consoante os seguintes critérios: I – a modalidade de
serviço; II – a abrangência do interesse a que atendem; III – o número de usuários do serviço; e IV – o regime
jurídico da prestação”.
16
In verbis: “Na aplicação das sanções e na fixação das multas, devem ser consideradas as seguintes circunstâncias:
I – a natureza e a gravidade da infração; II – os danos resultantes da infração para o serviço e para os usuários;
III – a vantagem auferida em virtude da infração; IV – as circunstâncias gerais agravantes e atenuantes; V – os
antecedentes do infrator; VI – a reincidência específica; VII – a proporcionalidade entre a gravidade da falta e
a intensidade da sanção, inclusive quanto ao número de usuários atingidos; VIII – a participação do infrator
no mercado dentro de sua área geográfica de prestação do serviço; e IX – a situação econômica e financeira
do infrator, em especial sua capacidade de geração de receitas e seu patrimônio”.
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In verbis: “O valor da multa pode ser acrescido até: I – 5% (cinco por cento), quando o dano resultante ou
a vantagem auferida da infração atingir até 10% (dez por cento) dos usuários do serviço; II – 10% (dez por
cento), quando o dano resultante ou a vantagem auferida da infração atingir acima de 10% (dez por cento) dos
usuários do serviço; III – 35% (trinta e cinco por cento), no caso de reincidência específica; IV – 5% (cinco por
cento), quando houver antecedentes; e V – 5% (cinco por cento) no caso de circunstâncias não contempladas
nos incisos anteriores”.
18
Cf. MOREIRA, Egon Bockmann. Agências reguladoras independentes, poder econômico e sanções adminis-
trativas. In: GUERRA, Sérgio (Coord.). Temas de direito regulatório. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2004.
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Eis o teor do art. 88 da Proposta de Revisão do Regimento Interno da Anatel: “É facultado à Agência, durante
o desenvolvimento da Averiguação Preliminar buscar a solução da possível violação da ordem jurídica por
meio de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) ou, no caso de conflito entre Administrados, o consenso entre
os envolvidos, podendo ser instaurado Processo de Composição de Conflitos”. O art. 93, §1º, da referida
Proposta possui o seguinte teor: “Durante a instrução de PADO, interessado poderá propor a celebração de
Termo de Ajuste de Conduta, nos termos deste Regimento Interno”. Ainda, havia o art. 104: “O TAC poderá
ser celebrado durante processo de Averiguação Preliminar ou durante o curso de PADO, tendo por objeto a
adequação de conduta do interessado por ele abrangida”.
20
“Art. 103. O TAC deverá conter, no mínimo: I – o nome e a qualificação do interessado, bem como do seu
representante legal; II – a descrição detalhada de seu objeto e dos compromissos pactuados, que podem con-
sistir em obrigação de fazer ou não fazer; III – cláusula estabelecendo as conseqüências pelo descumprimento
dos compromissos pactuados; IV – a periodicidade da apresentação de relatórios detalhados das obrigações,
bem como a possibilidade de a Agência solicitar a qualquer momento o fornecimento de informações que
julgar relevantes ao acompanhamento do cumprimento dos compromissos pactuados, sem prejuízo da reali-
zação de fiscalização de ofício; e V – assinatura da autoridade competente e do interessado. Parágrafo único:
poderão ser pactuados compromissos específicos, inclusive de natureza onerosa, em benefício dos usuários
prejudicados”.
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Outros standards são estabelecidos no diploma legal, dentre eles a possibilidade de punição dos administra-
dores de pessoa jurídica sancionada quando imbuídos de má-fé (art. 177), a fixação do prazo máximo de
suspensão temporária equivalente a trinta dias (art. 180, parágrafo único) e a estipulação do prazo de vigência
da declaração de inidoneidade não superior a cinco anos (art. 182).
22
Segundo Floriano de Azevedo Marques Neto, “a discricionariedade poderá advir 1) da deslegificação (confe-
rência de margens de liberdade para a administração concretizar normativamente aquilo que o legislador se
abstiver — tácita ou expressamente — de fazê-lo por não ser possível prever todas as hipóteses de incidência
da competência administrativa); 2) da utilização pelo legislador de conceitos jurídicos indeterminados (utili-
zação pelo legislador de fórmulas amplas cuja concretização depende de uma avaliação subjetiva do agente
competente para aplicar a lei); 3) da prescrição de poderes implícitos (quando a lei prescreve uma competência,
prevê a finalidade justificadora de seu manejo, mas ou se omite em determinar a conduta a ser adotada para
sua consecução ou arrola uma série de medidas possíveis à escolha do administrador); por fim, 4) da prescrição
autorizativa expressa (conferência direta e expressa de uma autorização para a administração, diante do caso
concreto, a decidir pela utilização, total ou parcial, de suas competências” (Discricionariedade e regulação
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Art. 6º. Nas infrações praticadas por pessoa jurídica, também devem ser punidos
com a sanção de multa seus administradores ou controladores, quando tiverem
agido de má-fé.
§1º. Considera-se má-fé, dentre outros comportamentos caracterizados por
fraude ou dolo:
I – deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de leis, regulamentos,
contratos, termos e atos aplicáveis ou fatos incontroversos;
II – opor resistência injustificada ao andamento de processo, à fiscalização ou à
execução de decisão da Anatel;
III – agir de modo temerário;
IV – provocar incidentes infundados; e
V – interpor recurso ou pedido de reconsideração manifestamente protelatório.
(grifos nossos)
Art. 9º. A critério da Anatel, nas infrações classificadas como leves, pode ser
aplicada a pena de advertência ao infrator, observado o disposto no art. 176 da
Lei nº 9.472, de 1997, bem como no §2º do art. 39 da Lei nº 8.977, de 1995.
Art. 10. Caso considere mais conveniente ao interesse público, a Anatel,
observado o disposto neste Regulamento e na regulamentação específica,
setorial: o caso do controle de atos de concentração por regulador setorial. In: ARAGÃO, Alexandre Santos de
(Coord.). O poder normativo das agências reguladoras. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 571).
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Art. 12. O valor da multa pode ser reduzido em até 35% (trinta e cinco por
cento), caso incidam uma das seguintes circunstâncias atenuantes:
I – cessação espontânea e imediata da infração;
II – adoção de medidas, por livre iniciativa do infrator, para minimizar os efeitos
decorrentes da infração cometida; e
III – denúncia espontânea do infrator junto à autoridade pública responsável
e competente para regulamentar o serviço.
Art. 13. As sanções constantes deste regulamento podem ser substituídas por
uma menos gravosa, nos casos em que a infração não justificar a aplicação
destas sanções, observado o disposto neste regulamento e nas demais normas
aplicáveis.
23
“Art. 11, §2º. A sanção por óbice ou dificultação à fiscalização da Agência levará em consideração adicio-
nalmente os seguintes aspectos: I – duração do óbice; e II – quantidade de informações não fornecidas ou
fornecidas erroneamente”.
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CP nº 847/07, p. 260.
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CP nº 847/07, p. 141.
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CP nº 847/07, p. 107.
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Segundo Massimo Severo Giannini, “en los países en los que se crea un derecho administrativo, es decir, los
de la Europa continental y su órbita cultural, la actividad que se manifesta mediante actos de autoridad va a
constituir el derecho administrativo y los actos de autoridad de las administraciones asumen la nueva califica-
ción jurídica de actos administrativos”. El Poder Publico. Estados y Administraciones Publicas. Madrid: Civitas,
1991 (trad. Luis Ortega).
28
Sabino Cassese afirma que a relação administrativa pautada na potestade remete ao tradicional conflito
autoridade-liberdade travada entre Administração e administrado. E é exatamente essa relação de bipolarida-
de-antagonismo que é questionada em razão de quatro evidências: i) reconhecimento da função distributiva
detida pela Administração Pública, pois que o desempenho das atividades administrativas implica em efeitos
favoráveis para certos administrados e efeitos desfavoráveis para outros, determinando, assim, uma função
tríplice; ii) constatação pelos estudiosos do tema da consensualidade de que a Administração atua cada vez mais
por meio de instrumentos privados; iii) estabelecimento de relação tríplice do Direito Regulatório envolvendo
regulador, prestadores de serviços e usuários e iv) verificação de que o processo administrativo pode agrupar
mais interessados que permite a clássica relação bipolar. Embora Sabino Cassese não afaste por completo
o bipolarismo, demonstra o autor o desenvolvimento da arena pública por meio da qual “se desenvolvem
a atividade pública e o intercâmbio Estado-sociedade (...) se desenvolvem diálogos e conflitos e que serve
para a transferência das demandas sociais ao corpo político”. Trata-se, assim, de espaço público que incita a
consensualidade (La Crisis del Estado. Trad. Pascual Caiella e Juan González Moras. Buenos Aires: Lexis-Nexis,
2003. p. 156).
29
Cf. FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Administração consensual: a audiência pública e sua finalidade. Revista de Direito
Administrativo, Rio de Janeiro, v. 230, out./dez. 2002.
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todos os elementos em que utiliza, como técnica de atuação, para viabilizar que
os interessados e as Administrações cheguem a soluções acordadas, evitando-
se, assim, soluções unilateralmente impostas pela via autoritária ou soluções
adotadas isoladamente.30 (tradução livre)
30
Op. cit., p. 149.
31
Segundo Floriano de Azevedo Marques Neto, “o fato é que esta ‘nova regulação’, desempenhada pelos órgãos
reguladores independentes, discrepa dos lineamentos da autoridade administrativa tradicional. A unilaterali-
dade e a exorbitância tradicionais no exercício da autoridade pública (poder extroverso) têm que dar lugar à
interlocução, à mediação e à ponderação entre interesses divergentes, sem descurar, por óbvio, da proteção
da coletividade contra abusos dos agentes econômicos” (Aspectos jurídicos do exercício do poder de sanção
por órgão regulador do setor de energia elétrica. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 221, p.
360, 2000).
32
Cf. ARAGÃO, Alexandre Santos de. O princípio da eficiência. Revista Brasileira de Direito Público – RBDP, Belo
Horizonte, n. 4, p. 79, jan./fev. 2004.
33
A respeito da relação entre consensualidade e os princípios da supremacia e da indisponibilidade do interesse
público, cf. PALMA, Juliana Bonacorsi de. Atuação administrativa consensual: estudo dos acordos substitutivos
no processo administrativo sancionador. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Direito da Universidade de
São Paulo, 26 fev. 2010.
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34
“Ao DAC [Direito Administrativo do Clips] se opõe o direito administrativo dos negócios (DAN), o dos que se
focam em resultados e, para obtê-los, fixam prioridades, e com base nelas gerenciam a escassez de tempo e
de recursos. Para esse âmbito, valem as práticas opostas às do DAC: aumenta a informalidade nos procedi-
mentos; a inação é o pior comportamento possível do agente; soluções devem ser encontradas o mais rápido;
acordos são desejáveis; evitar e eliminar custos é fundamental; só se envolvem na decisão agentes e órgãos
indispensáveis; riscos devem ser assumidos sempre que boa a relação custo-benefício, etc.” (SUNDFELD, Carlos
Ari. O direito administrativo entre os clips e os negócios. Revista de Direito Público da Economia – RDPE, Belo
Horizonte, v. 18, p. 37, 2007).
35
Fernando Vernalha Guimarães ainda ressalta a funcionalidade do consenso em conseguir informações do
agente regulado (disclosure) (Procedimento e função regulatória de serviços públicos no Estado pós-social.
A&C – Revista de Direito Administrativo e Constitucional, Belo Horizonte, v. 14, p. 73, out./dez. 2003).
36
Dispõe referido dispositivo (in verbis): “Art. 5º. §6º. Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interes-
sados compromisso de ajustamento de conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia
de título jurídico extrajudicial”.
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37
“Trata-se de dotar o órgão público de instrumento consensual que viabilize a pronta adoção, pelo particular, de
comportamentos desejados. Privilegiou-se o resultado à busca incerta e demorada de sanções na via judicial. A
celebração do termo de ajustamento de conduta também é um modo mais rápido para assegurar a aplicação
efetiva da norma em discussão. Não se trata de instrumento de punição, mas de indução de comportamentos
concretos” (SUNDFELD, Carlos Ari; CÂMARA, Jacintho Arruda. O devido processo administrativo na execução
do termo de ajustamento de conduta. A&C – Revista de Direito Administrativo & Constitucional, Belo Horizonte,
n. 31, p. 91, abr./jun. 2008).
38
Ao diferenciar os instrumentos de regulação normativa dos demais instrumentos regulatórios, Vital Moreira
aloca a “concertação convencional” no segundo bloco de regulação (Op. cit., p. 36).
39
Alexandre Santos de Aragão também entende pela viabilidade jurídica de celebração de acordos consensuais
ainda que ausente permissivo específico dado que “o princípio da legalidade, mesmo em sua acepção mais
rígida, foi elaborado para assegurar a esfera jurídica dos particulares diante de atos imperativos que gerem
gravames, não para aqueles que beneficiem o particular ou que se ‘expressassem em convenções, nas quais o
assentimento da outra parte também é idôneo para superar a eficácia do princípio’, até porque, lembremos,
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tanto a lei, como o contrato, podem ser fontes de direito” (A consensualidade no direito administrativo: acordos
regulatórios e contratos administrativos. Revista de Direito do Estado, n. 1, Rio de Janeiro, p. 168, jan./mar,
2006).
40
O princípio de regulação leve na Anatel é assim exemplificado pelo prof. Carlos Ari Sundfeld: “(...) a lei contém
uma opção geral pela regulação mais leve possível. Isto é muito evidente para os serviços autorizados, onde
‘a liberdade será a regra, constituindo exceção as proibições, restrições e interferências do poder público’,
devendo a regulação observar o princípio da ‘mínima intervenção na vida privada’ (art. 128). (...) Ao tratar
da concessão de telecom, a LGT foi ainda mais fundo nessa linha, prevendo o direito de os concessionários
participarem da livre, ampla e justa competição (art. 6º), a opção de liberdade quanto às tarifas para os
usuários finais (arts. 104 e 105), a livre negociação entre prestadores para os serviços de interconexão (art.
153), o direito em princípio à prorrogação do prazo contratual (art. 99), etc. Em suma, em telecom há um
princípio de regulação leve não só para as autorizações, mas também para as concessões” (Meu depoimento
e avaliação sobre a lei geral de telecomunicações. Revista de Direito do Estado, Rio de Janeiro, v. 3, p. 77-78,
jan./mar. 2008).
41
Notada a transição da unilateralidade à transação e do poder extroverso ao poder condensado no desenvol-
vimento das atividades regulatórias, Floriano de Azevedo Marques Neto reforça a necessidade de as mesmas
“tenham um caráter marcadamente procedimental, processualizado, com sua subordinação a regras, ritos e
procedimentos claros e preestabelecidos” (A nova regulação estatal e as agências reguladoras. In: SUNDFELD,
Carlos Ari (Coord.). Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 79). Segundo Tomàs Font
y Llovet, “el procedimento participado há sido, precisamente, el camino a través del cual se há ido abriendo
paso la figura del acuerdo entre la Administración y los particulares en el ejercicio de potestades administrati-
vas. De la simple participación en el procedimiento se ha evolucionado hacía la Administración convencional,
a la substitución de la decisión administrativa unilateral, expresión de la sola voluntad de la Administración,
por el acuerdo entre las partes” (Desarrollo Reciente de los Instrumentos de la Administración Consensual en
España. In: MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo (Coord.). Uma avaliação das tendências contemporâneas do
direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 364).
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42
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Limites à abrangência e à intensidade da regulação estatal. Revista
Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, Salvador, v. 4, nov./jan. 2005/2006.
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43
Conforme o art. 77, inciso I, do Regimento Interno, no ato de instauração deverão constar os fatos que mo-
tivaram o início do processo administrativo sancionador, as normas correspondentes à infração apontada e a
sanção aplicável.
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In verbis: “Art. 2º. O Poder Público tem o dever de: (...) IV – fortalecer o papel regulador do Estado”.
45
O caso de declaração de inidoneidade, regulado no art. 12 do Regulamento aprovado pela Resolução nº
344/03, porém, determina a obrigatoriedade de aplicação de sanção administrativa, nos seguintes termos: “a
declaração de inidoneidade deve ser aplicada a pessoa natural ou a pessoa jurídica, bem como a seu adminis-
trador ou controlador, que tenha praticado atos ilícitos visando frustrar os objetivos de licitação”.
46
Segundo José Bermejo Vera, “la potestade de sancionar o potestade sancionadora, como el resto de potes-
tades administrativas, constituye una auténtica prerrogativa y una manifestación más de la capacidad de las
Administraciones públicas para el cumplimiento de sus fines” (VERA, José Bermejo. La Potestad Sancionadora
de la Administración. In: MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo (Coord.). Uma avaliação das tendências contem-
porâneas do direito administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 245). Nesse sentido, também posiciona-se
Marcelo Madureira PRATES: “a possibilidade de a Administração impor, por ela mesma e com império, sanções
aos particulares com os quais não mantivesse nenhuma relação jurídica especial adquiriu densidade e se con-
solidou como verdadeiro poder administrativo, como mais uma das prerrogativas de autoridade detidas pela
Administração para serem utilizadas em favor da coletividade, à qual temos denominado poder administrativo
sancionador geral” (Sanção administrativa geral: anatomia e autonomia. Coimbra: Almedina, 2005. p. 37).
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Sobre a instrumentabilidade das sanções administrativas, Floriano de Azevedo Marques Neto assim dispõe: “A
sanção é mero instrumento para atingimento das finalidades primárias do órgão (...) a finalidade da atividade
regulatória estatal não é a aplicação das sanções e sim a obtenção das metas, pautas e finalidades que o
legislador elegeu como relevantes alcançar. Para atingimento destas finalidades primaciais pode lançar mão,
dentre outros instrumentos, do poder de sancionar” (Aspectos jurídicos do exercício do poder de sanção por
órgão regulador do setor de energia elétrica, op. cit., p. 361).
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“Nel quadro giuridico nell’ambito del quale oggi può muoversi agevolmente l’amministrazione pubblica
nell’esercizio dei poteri che la legge le atribuisce, scegliendo — quase indifferentemente — tra i molteplici
strumenti e modelli del diritto pubblico e privato, purché idonei a soddisfare le esigenze dell’interesse affidato
alla sua cura, l’affermazione non appare affatto fuori luogo. Ma una visione complessiva del fenomeno impone
di tenere sempre a mente la natura puramente strumentale dei modelli consensuali” (JAMBRENGHI, M. T. Paola
Caputi. Studi Sull’Autoritarietà nella Funzione Amministrativa. Milano: Giuffrè, 2005. p. 46).
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SUNDFELD, Carlos Ari. Meu depoimento e avaliação sobre a lei geral de telecomunicações. Revista de Direito
do Estado, Rio de Janeiro, v. 3, jan./mar. 2008.
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SUNDFELD, Carlos Ari. Caso processo administrativo na Anatel. Material didático da Direito GV.
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Por fechar postos de atendimento no Paraná, por exemplo, a Brasil Telecom foi multada em mais de
R$700 mil.
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Informação disponível do site da Anatel: <http://www.anatel.gov.br>.
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6 Conclusão
O reconhecimento da consensualidade como meio eficaz de desen
volvimento da atividade administrativa determina uma nova dinâmica
acerca dos instrumentos de regulação: ao lado da atuação lastreada pela
imperatividade, colocam-se os acordos administrativos como mecanis-
mos de cumprimento das finalidades públicas, ambos à disposição da
Administração para exercício de suas competências regulatórias. Especial
mente na função sancionatória, objeto de estudo do presente artigo, a
afirmação do consenso é de fato transformadora.
Pela análise da CP nº 847/07 verificou-se que a celebração de
acordos administrativos na seara sancionatória é desejada pelos atores
do setor de telecomunicações, fator indicativo de uma nova percepção
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Conforme relato de Carlos Ari Sundfeld: “mas, com certeza, a mais grave negação da diretriz legal de regu-
lação leve está ligada à imposição de obrigações sem análise adequada do custo-benefício. Dois casos são
exemplares: a exigência de instalação, pelas concessionárias de postos de atendimento pessoal (PAP) em to-
das as localidades e, mais recentemente, dos chamados postos de serviços de telecom (PST). Foram decisões
regulatórias geradoras de despesas altíssimas, cujos benefícios aos usuários são duvidosos (no caso dos PST)
ou praticamente nulos (no dos PAP)” (Op. cit., p. 13).
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Referências
R. Dir. Inform. Telecom. - RDIT, Belo Horizonte, ano 5, n. 8, p. 7-38, jan./jun. 2010
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