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PEDRO MACHETE*
4. Passo agora ao tema da eficácia, matéria que é tratada nos artigos 153.º
a 158.º do Projeto.
Segundo consta da Exposição de Motivos do projeto de decreto-lei que
incorpora o Projeto de Revisão do Código, o objetivo prosseguido é a clari-
ficação normativa de situações que suscitaram dúvidas.
Eu, em relação a esta matéria da eficácia, começo por fazer três obser-
vações.
Primeira: mantém-se a regra da imediatividade dos efeitos jurídicos no
artigo 153.º, isto é, mantém-se a referência à perfeição do ato, e, portanto,
o ato é eficaz logo que estejam “preenchidos os seus elementos essenciais”
(n.º 2). Não se faz referência aos atos anuláveis, mas o artigo 153.º tem de
ser lido em articulação com o artigo 160.º, n.º 1, referente à nulidade (os atos
nulos são ineficazes) e com o artigo 161.º, n.º 2, relativo à anulabilidade,
que justamente prevê aquilo que já hoje se contém no artigo 127.º, n.º 2, do
Código do Procedimento Administrativo em vigor, ou seja, os atos anuláveis
também são eficazes, sem prejuízo de os efeitos por eles produzidos pode-
rem vir a ser destruídos retroativamente.
A VALIDADE E EFICÁCIA DO ATO ADMINISTRATIVO 87
5.1. Olhando depois mais em pormenor para os diferentes artigos que in-
tegram esta secção respeitante à invalidade, uma das alterações que salta mais
à vista, e que já foi por diversas vezes referida, é a eliminação da cláusula
geral que correspondia àquilo que normalmente se chamavam as «nulidades
por natureza». No atual artigo 133.º, n.º 1, refere-se que “são nulos os atos a
que falte qualquer dos seus elementos essenciais ou para os quais a lei – con-
tinua a segunda parte – determine essa forma de invalidade”. Agora, no Pro-
jeto de Revisão desaparece aquela cláusula geral. Na Exposição de Motivos
diz-se que isso se deve a uma preocupação de certeza, mas a verdade é que
estes elementos essenciais referidos no atual artigo 133.º, n.º 1, entendidos
num sentido material – como por exemplo defende o Professor Mário Aroso
de Almeida – e não num sentido estrutural, estes elementos essenciais dizia,
correspondem a elementos ou requisitos de validade tão importantes que jus-
tificam em caso de inobservância que não sejam submetidos ao regime da
anulabilidade. Isto é, a sua falta é tão grave que justifica que o ato seja nulo.
Discutia-se, na vigência do atual preceito, só para dar dois exemplos, se
o desvio de poder para fim de interesse privado não seria causa de nulidade.
Normalmente o desvio de poder tem como consequência a anulabilidade,
mas no caso de o desvio de poder ser motivado pela prossecução de um
interesse privado, por estar em causa um fim de interesse privado, o ato de-
verá ser anulado ou deverá ser nulo? Outro exemplo é o da omissão total de
procedimento administrativo, fora das situações de estado de necessidade.
Fala-se na absoluta ausência de forma legal, mas, no caso da omissão total
do procedimento legalmente devido, não se diz nada. Será que esses vícios
não serão tão graves que deviam justificar a nulidade? Enfim, é uma matéria
que é discutível e discutida…
Certo é que os casos tradicionais de nulidade que são elencados no atual
n.º 2 do artigo 133.º e, bem assim, no n.º 2 do artigo 159.º do Projeto, são
casos que correspondem a ilegalidades graves e evidentes, e outras poderá
haver. Por exemplo, a Lei de Procedimento Administrativo alemã consagra
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-interessados, nos seguintes termos: também pode ser afastado o efeito anu-
latório, quando se verifique que a anulação origina “danos de difícil ou im-
possível reparação para os contra-interessados, por ser manifesta a despro-
porção existente entre o seu interesse na manutenção da situação constituída
pelo ato e a do interessado na concretização dos efeitos da anulação”. Isto é
novo; não consta do Código de Processo. Há aqui, de facto, um alargamento.
Este alargamento parece-me excessivo, sobretudo quando não se exige
nem se faz a distinção consoante os contra-interessados estejam de boa ou
má-fé, tenham participado ou não no processo de impugnação. Eu penso que
hoje em dia o regime de execução das sentenças anulatórias já salvaguarda
suficientemente a posição dos contra-interessados, e portanto sendo dispen-
sável esta tutela acrescida por confronto exclusivo entre o interesse do autor,
do interessado na anulação, e o interesse do contra-interessado. É preciso
não esquecer que estamos a falar de um ato ilegal, que foi impugnado a tem-
po, e em que, mercê do litisconsórcio necessário, o contra-interessado tem
na esmagadora maioria dos casos oportunidade de se defender no processo.
Pelo menos, justifica-se a restrição às situações de boa-fé, para prevenir
situações em que, não tendo sido possível ao autor suspender a eficácia do
ato administrativo impugnado contenciosamente, os contra-interessados te-
nham “avançado” com base no mesmo ato (v.g., com a construção de casas,
instalações industriais ou outras situações), procurando criar “factos con-
sumados”. Perante um ato impugnado, existe o risco de o mesmo vir a ser
anulado. Os contra-interessados não podem ignorar esse risco – aliás, tam-
bém para se defenderem do mesmo, são chamados ao processo. Proteger os
contra-interessados que aceitaram correr esse risco nos termos previstos no
Projeto, relativiza a legalidade e a efetividade da sua tutela jurisdicional e
deixa sem proteção suficiente os lesados que decidiram impugnar o ato em
causa.