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Texto a integrar os Estudos em Homenagem ao Doutor João Caupers – no prelo

ATOS ADMINISTRATIVOS DE GESTÃO URBANÍSTICA E CLÁUSULAS


ACESSÓRIAS: EM QUE TERMOS E COM QUE LIMITES?

Fernanda Paula Oliveira1*


Sumário: I. Considerações introdutórias e apresentação do tema; II. Cláusulas acessórias de atos
administrativos: visão geral; III. Cláusulas acessórias em atos administrativos de gestão urbanística: 1. Os
atos administrativos de gestão urbanística; 2. Aplicação de cláusulas acessórias a atos administrativos de
gestão urbanística: análise de alguns casos; IV. Conclusões
Resumo: O presente texto visa averiguar em que termos e com que limites podem ser apostas a atos
administrativos de gestão urbanística (em especial os regulados no Regime Jurídico da Urbanização e
Edificação), as cláusulas acessórias previstas no Código do Procedimento Administrativo (artigo 149.º).
Palavras-chave: atos de gestão urbanística; cláusulas acessórias; atos administrativos precários; atos
administrativos provisórios
Abstract: The aim of this text is to ascertain under what terms and within what limits the accessory clauses
provided for in the Administrative Procedure Code (Article 149) can be applied to administrative acts of
urban planning management (in particular those governed by the Legal Framework for Urbanization and
Building).
Key words: urban management acts; accessory clauses; precarious administrative acts; provisional
administrative acts

I. CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS E APRESENTAÇÃO DO TEMA

i. O nosso ordenamento jurídico dispõe, desde 1991, de uma definição substantiva


de ato administrativo. O Código do Procedimento Administrativo (CPA), publicado
naquele ano2, definiu-o expressamente no seu artigo 120.º como “as decisões dos órgãos
da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos
jurídicos numa situação individual e concreta”. Esta noção foi alterada em 2015, tendo o
novo CPA3, no seu artigo 148.º, acrescentado a exigência de que os efeitos produzidos
pelo ato administrativo sejam externos.
Não se pense, no entanto, que com esta definição se resolveram todos os problemas
em torno do conceito de ato administrativo: para além das divergências interpretativas
que pode suscitar, nunca um conceito de tão grande relevo poderia ficar absolutamente
pacificado com uma definição dada pelo legislador. Provavelmente, por tal razão, o
legislador foi extremamente cauteloso, mencionando no citado artigo 120.º do CPA de
1991 que tal definição é apenas a entendida “Para efeitos da presente lei”. Cautelas que
se mantêm no novo Código, cujo artigo 148.º (que contém hoje o “conceito de ato
administrativo”) estatui “Para efeitos do disposto no presente Código, consideram-se atos
administrativos…”.

* Univ. Coimbra, Professora Associada da Faculdade de Direito.


2
Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de novembro e que foi objeto de algumas alterações
posteriores.
3
Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro. Este diploma sofreu, entretanto, uma alteração,
efetuada pela Lei n.º 72/2020, de 16 de novembro.

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Também o Código do Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA)4, na sua


redação atual, pressupõe, no seu artigo 51.º, um conceito (legal) de ato administrativo.
Este, tem, no entanto, um cariz adjetivo e surgiu na senda do conceito constitucional de
ato lesivo, embora se tenha afastado dessa noção na revisão de 2015. O ato administrativo
impugnável abrange hoje, nos termos do CPTA, todas as decisões praticadas no exercício
de poderes jurídico-administrativos que, ainda que não ponham termo a um
procedimento, visem produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e
concreta.
Uma análise cuidada destes conceitos legais (do CPA e do CPTA) permite concluir
pela existência de pontos comuns entre eles (não obstante a diferença justificada pelo seu
relevo para fins diferenciados), pontos comuns esses que decorrem do seu caráter de
decisão: por um lado, de ambos estão excluídos os atos meramente preparatórios (v.g.
pareceres não vinculativos), os atos de comunicação (v.g. notificações) e os atos de pura
execução (passagem de um alvará); por outro lado, neles se incluem os atos destacáveis,
i.e., atos que, inseridos num procedimento, produzem autonomamente efeitos externos
(v.g. exclusão de um concorrente de um procedimento concursal).
Sem prejuízo desta proximidade, é possível também identificar entre eles claras
divergências: um ato administrativo não eficaz, sendo um verdadeiro ato administrativo,
nem sempre é imediatamente impugnável (artigo 54.º do CPTA); o indeferimento
expresso, sendo ato administrativo do ponto de vista substancial, não é diretamente
impugnável (a sua eliminação da ordem jurídica é feita pela via da condenação à prática
do ato devido); as decisões materialmente administrativas de outros poderes públicos ou
entidades privadas são impugnáveis (artigo 51.º, n.º 1 do CPTA), mas não são
substancialmente atos administrativos5.
É certo que o ato administrativo perdeu atualmente a centralidade que sempre
deteve, uma vez que, cada vez mais, vêm assumindo maior importância outras formas de
atuação da Administração, sejam elas formais (como os regulamentos e os contratos

4
Aprovado Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro, também ele objeto de várias alterações.
5
Importa referir, ainda, que a escola de Coimbra, na qual nos “situamos” − na senda das posições de
ROGÉRIO SOARES e VIEIRA DE ANDRADE − sempre propôs uma noção de ato administrativo que,
comparada com a conceção tradicional (da escola de Lisboa), era assumida como uma noção estrita,
substancial e não puramente adjetiva, ainda que a mesma fosse também orientada pela preocupação
finalística de realização do princípio da garantia constitucional à tutela jurisdicional efetiva dos particulares
face aos órgãos administrativos. Cfr. ROGÉRIO SOARES, Direito Administrativo – Lições ao Curso
Complementar de ciências Jurídico-Políticas da Faculdade de Direito de Coimbra no ano de 1977/78,
Coimbra, 1978 e VIEIRA DE ANDRADE, Lições de Direito Administrativo, 5.ª edição, Imprensa da
Universidade de Coimbra, p. 164 e ss.

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administrativos) ou informais (promessas, advertências, alertas públicos sobre os efeitos


nocivos de um produto, etc.). De todo o modo, o ato administrativo continua a ser ainda
uma das formas típicas de atuação autoritária da Administração Pública marcada por
certas caraterísticas tipológicas: corresponde a uma estatuição autoritária que define a
situação jurídica dos particulares no caso concreto, isto é, uma decisão que produz
efeitos jurídicos externos (por contraposição àqueles que esgotam a sua eficácia no
interior da Administração), criando, modificando ou extinguindo estavelmente situações
jurídicas. Conceito este que está alinhado, no seu essencial, com o que consta do CPA –
este integra os atos de direito público, jurídicos, de autoridade, concretos e externos.
Não tendo já, este conceito, o relevo prático de identificar os atos sujeitos a controlo
jurisdicional, continua a existir uma razão dogmática para esta sua definição: a
aplicabilidade ao mesmo de um regime material próprio, substantivo e procedimental:
precisamente por estarem em causa atuações com um determinado conteúdo (por
constituírem decisões de autoridade constitutivas de efeitos jurídicos), exige-se um
especial regime procedimental, uma especial força jurídica (executiva) e uma marcada
estabilidade dos seus efeitos (designadamente, no que concerne ao ónus de impugnação
e à força de caso decidido).
Este regime encontra-se atualmente, no seu essencial, previsto no CPA, código este
que desempenha um papel de verdadeira “trave-mestra” no seio do edifício jus-
administrativo português, precisamente porque vai muito além da mera regulamentação
procedimental administrativa, projetando a sua normatividade sobre outros aspetos de
relevo: o CPA abrange igualmente: (i) a regulamentação substantiva sobre as formas mais
relevantes (e tradicionais) da atividade administrativa − o ato administrativo, o
regulamento administrativo e os contratos da Administração Pública −, (ii) os princípios
gerais da atividade administrativa (cfr. artigos 3.º a 19.º) e (iii) a estrutura e
funcionamento dos órgãos da Administração Pública.
Assume, deste modo, o CPA, uma importância fundamental no seio do Direito
Administrativo, constituindo uma normação de caráter geral que se aplica
subsidiariamente a todos os procedimentos administrativos especiais conforme o disposto
artigo 2.º, n.º 5, do CPA, assumindo, na economia do presente texto particular relevo os
procedimentos administrativos destinados à prática de atos administrativos de gestão
urbanística que se encontram disciplinados no Regime Jurídico da Urbanização e

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Edificação (RJUE)6, regime este que se apresenta numa relação de especialidade/


generalidade com o CPA7.
De notar que o próprio RJUE contém, no seu articulado, uma remissão expressa
para o CPA como normação subsidiária (cfr. o artigo 122.º do RJUE), limitando-se a
repetir o que já decorre do citado artigo 2.º, n.º 5, do CPA, mas que serve para “reafirmar
e incutir na Administração e nos particulares a ideia de que, em geral, seja qual for a
relação jus-procedimental estabelecida sob a égide do RJUE, o CPA deverá ser sempre
visto como “pano de fundo” que servirá para iluminar e solucionar “tudo o que não esteja
especialmente previsto” no RJUE8.

ii). Feitas estas considerações iniciais, cabe identificar aquela que é a questão
central que pretendemos abordar com o presente texto: saber se pode − em que termos e
com que limitações −, sujeitar-se um ato administrativo de gestão urbanística − ato este
que, por regra, é um ato administrativo constitutivo de direitos – a uma condição
(suspensiva ou resolutiva), a um termo (inicial ou final), a um modo ou a uma reserva
(seja de revogação, seja de modo). A possibilidade de mobilização destas cláusulas
acessórias nunca é referida no RJUE, mas cumpre saber se as mesmas, que encontram
previsão e regulamentação expressas no CPA (artigo 149.º) têm aplicação, e em que
termos, aos atos administrativos praticados no âmbito dos procedimentos regulados no
RJUE.
Para o efeito iniciaremos o nosso percurso com uma breve caraterização e análise
de cada uma destas cláusulas acessórias e respetivo regime, que consta do artigo 149.º do
CPA (II). Debruçar-nos-emos, de seguida, sobre a sua aplicação a atos administrativos de
gestão urbanística, em particular sobre aqueles que conferem direitos urbanísticos aos

6
Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, e alterado sucessivamente pelo Decreto-Lei
n.º 177/2001, de 4 de junho, pela Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro, pela Lei n.º 4-A/2003, de 19 de
fevereiro, pelo Decreto-Lei n.º 157/2006, de 8 de agosto, pela Lei n.º 60/2007, de 4 de setembro, pelos
Decretos-Leis n.os 18/2008, de 29 de janeiro, 116/2008, de 4 de julho, 26/2010, de 30 de março, 28/2010,
de 2 de setembro, 266-B/2012, de 31 de dezembro, 136/2014, de 9 de setembro – este último retificado pela
Declaração de Retificação n.º 46-A/2014, de 10 de novembro –, 214-G/2015, de 2 de outubro, e 97/2017,
de 10 de agosto, pela Lei n.º 79/2017, de 18 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º 121/2018, de 28 de dezembro,
pelo Decreto-Lei n.º 66/2019, de 21 de maio, e pela Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro).
7
Basta atentar, para compreender esta relação, que o RJUE regula a atuação da Administração, através da
prática de atos administrativos (licenças, autorizações, informações prévias, ordens de demolição, ordens
de embargo, decisões de legalização, etc.), da aprovação de regulamentos administrativos (v.g. artigo 3.º
do RJUE) e da celebração de contratos (v.g. artigos 25.º, 46.º e 47.º do RJUE), precisamente matéria que é
tratada, de forma genérica, no CPA.
8
TIAGO SERRÃO e DIOGO CALADO, “RJUE e CPA: algumas interseções”, in. Ordenamento do
Território, Urbanismo e Cidades. Que Rumo?, Vol. 2, Coord. Fernanda Paula Oliveira, Almedina, 2017,
p. 190.

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particulares, tenham eles, ou não, efeitos permissivos9. Focar-nos-emos, essencialmente,


sobre estes na medida em que, por serem constitutivos de direitos, poderá revelar-se mais
difícil serem-lhes apostas, pelo menos, certas cláusulas acessórias: todas aquelas que
“precarizem” os seus efeitos, como é o caso de condições ou termos resolutivos ou de
reservas de revogação (III). Iniciemos, então, o nosso percurso.

II. CLÁUSULAS ACESSÓRIAS DE ATOS ADMINISTRATIVOS: VISÃO GERAL

i. Como referimos supra, o ato administrativo corresponde a uma decisão, uma


estatuição dotada de poder de autoridade. Esta decisão há de ter um conteúdo, que
corresponde à transformação jurídica que o ato visa produzir.
É em especial na fixação do conteúdo que releva a vinculação ou discricionariedade
de que o agente goza na prática do ato administrativo, sendo a este propósito importante
distinguir o conteúdo vinculado do conteúdo discricionário10. No primeiro caso, o
conteúdo a dar ao ato é fixado com precisão pelo próprio legislador, uma vez verificados
os respetivos pressupostos; no segundo, a lei fixa os pressupostos, mas é o agente que vai
construir o conteúdo do ato. Nos casos em que, por gozar de discricionariedade, o agente
tem a possibilidade de construir o conteúdo do ato, ele vai fazê-lo através daquilo que se
designa por cláusulas particulares: é através delas que o agente conforma tal conteúdo11.
Situação diferente é a que se refere à distinção entre o conteúdo principal do ato e
as cláusulas acessórias. Por conteúdo principal do ato entende-se aquele que abrange as
suas determinações essenciais, que tanto podem decorrer da determinação legal
(conteúdo típico) como ser introduzidas pela Administração em relação ao momento
constitutivo do ato (através das referidas cláusulas particulares). Já as cláusulas
acessórias são determinações do conteúdo que se baseiam numa faculdade discricionária
do agente e que vão introduzir uma qualificação acessória face ao conteúdo principal do
ato12. Em suma, as cláusulas acessórias integram aquele que poderíamos designar de

9
Exemplos de atos de gestão urbanística com efeitos permissivos são a licença e a autorização (aplicada,
exclusivamente à utilização dos edifícios, tal como previsto no n.º 5 do artigo 4.º do RJUE); exemplos de
atos sem efeitos permissivos são as informações prévias favoráveis.
10
Isto sem prejuízo de não se poder falar hoje de atos totalmente vinculados e de atos totalmente
discricionários; o que temos são atos mais ou menos vinculados e atos mais ou menos discricionários (isto
é, atos vinculados quanto a certos aspetos e vinculados quanto a outros), numa graduação entre estes dois
polos.
11
FERNANDA PAULA OLIVEIRA e JOSÉ EDUARDO FIGUEIREDO DIAS, Noções Fundamentais de
Direito Administrativo, Coimbra, Almedina, 5.ª edição, 2017, p. 271.
12
Como melhor veremos infra, o n.º 2 do artigo 149.º admite a aposição de cláusulas acessórias a atos
administrativos de conteúdo vinculado, mas apenas quando a lei o preveja ou quando se vise assegurar a
verificação futura de pressupostos legais ainda não preenchidos no momento da prática do ato.

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conteúdo facultativo do ato administrativo, constituído por “elementos instrumentais que


a Administração pode aditar ao conteúdo principal (sendo este aquele que permite
identificar o ato enquanto expressão da vontade administrativa) com vista a “moldar” os
contornos do ato praticado e assim melhor o adequar ao interesse público que
concretamente se visa prosseguir”13. Ou, dito de outro modo, trata-se de “disposições que
a Administração Publica insere no conteúdo do ato administrativo, por força das quais se
atribui relevância jurídica a circunstâncias ou factos não previstos na (facti species da)
norma ao abrigo da qual se emite o ato, com o objetivo de afetar em alguma medida os
efeitos jurídicos daquela decorrentes (influindo sobre a eficácia desses efeitos ou
somando novos efeitos). para o moldar às necessidades e interesses que se fazem sentir
no caso concreto”14.
Tais cláusulas tanto podem dizer respeito apenas à eficácia do ato administrativo
em causa (o que se passa com a condição, com o termo e com a reserva de revogação)
como a uma alteração da posição relativa entre a Administração e o(s) destinatário(s) do
ato, sem incidência direta sobre o seu equilíbrio interno (o modo e a reserva de modo).
Segundo Vieira de Andrade, as cláusulas acessórias permitem adaptar o conteúdo
do ato às circunstâncias do caso concreto, presentes ou futuras, e implicam sempre, ainda
que de diversas maneiras, uma limitação do alcance normas do ato principal15.
No artigo 149.º do CPA prevê-se, em geral, a possibilidade de a Administração apor
ao conteúdo principal de um ato administrativo cláusulas acessórias, mencionando
expressamente a condição, o termo, o modo e a reserva. Vejamos em que consiste cada
uma destas cláusulas16.
A condição é a cláusula acessória pela qual se faz depender a eficácia de um ato
administrativo de um acontecimento futuro e incerto (a incerteza desse evento resulta de,
apesar de haver uma probabilidade séria da sua verificação, não haver a absoluta certeza
de que o mesmo vai ocorrer). A condição tanto pode ser suspensiva como resolutiva: no
primeiro caso, o ato administrativo só produzirá efeitos se e quando o evento se verificar;
no segundo, a verificação do acontecimento determinará a cessação dos efeitos do ato17.

13
ALEXANDRE SOUSA PINHEIRO et alii, Questões Fundamentais de aplicação do CPA, Coimbra,
Almedina, 2017, p. 233.
14
FILIPA URBANO CALVÃO, “As cláusulas acessórias e o novo regime do Código do Procedimento
Administrativo”, in. Nos 20 Anos dos CJA, Coord. Carla Amado Gomes / Filipa Urbano Calvão / José
Eduardo Figueiredo Dias, CEJUR, Braga, 2017, p. 172.
15
VIEIRA DE ANDRADE, ob. cit. p. 211.
16
Sobre as cláusulas acessórios no novo CPA cfr. FILIPA URBANO CALVÃO, ob. cit., p. 173 a 175
17
A incerteza do evento futuro é a marca da condição: incerteza quer quanto à ocorrência do evento, quer
ao momento em que se vai verificar (incertus an, incertus quando).

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Tanto a condição suspensiva como a resolutiva podem revestir o caráter de uma


condição impura ou potestativa: a especificidade desta consiste em o evento
condicionante ficar na dependência da vontade de alguém, designadamente do
destinatário do ato (normalmente de uma atuação).
Por sua vez o termo é a cláusula acessória por intermédio da qual a eficácia do ato
fica dependente de um facto futuro, mas certo, facto esse que tanto pode consistir numa
data, como num acontecimento de verificação segura, mas cuja data exata não se conhece
ainda18. O termo diz-se inicial quando a verificação do evento futuro marca o começo da
produção dos efeitos do ato; e diz-se final quanto a sua ocorrência determina a cessação
da eficácia do ato19. O termo aposto a um ato administrativo pode ser simultaneamente
inicial e final.
O modo é uma cláusula acessória que apenas pode ser aposta a um ato
administrativo produtor de vantagens para o seu destinatário, implicando a imposição de
um dever de fazer, não fazer ou suportar dirigido ao seu destinatário.
Ao contrário das duas modalidades de cláusulas acessórias anteriormente
mencionadas, o incumprimento do modo não influi sobre a eficácia do ato, permitindo,
antes, à Administração, desencadear a execução (coativa ou judicial) tendente a obter tal
cumprimento. Nos casos em que a execução coativa não seja possível (por o ato não ter
força executória, por exemplo porque o modo consiste numa obrigação de prestação de
facto infungível), o incumprimento da cláusula modal não confere ao órgão
administrativo o poder de revogar o ato administrativo favorável a não ser que a
Administração tenha incluído uma outra cláusula acessória: uma reserva de revogação
por incumprimento do modo. Não o tendo feito, a única solução que lhe resta é a de
obrigar (seguindo para o efeito a via judicial) o particular a ressarcir os prejuízos
resultantes para o interesse público do não cumprimento20.

18
No caso do termo, sabe-se que o evento futuro acontecerá seguramente (certus an), podendo ou não,
saber-se quanto ocorrerá. Se se souber, temos um termo certo (certus an, certus quando); se não se souber,
temos um termo incerto (certus an, incertus quando).
19
Note-se que o legislador do CPA, provavelmente por lapso, alude à “condição ou termo suspensivos” na
alínea b) do artigo 157.º.
20
Nem sempre é fácil distinguir um modo de uma condição potestativa. Em caso de dúvida, considera-se,
em regra, mais adequado considerar estarmos em face de um modo, uma vez que este é mais vantajoso para
os particulares, já que não influi sobre a eficácia do ato administrativo. Apenas se deverá concluir que
estamos perante uma condição se a cláusula for indispensável para o sentido do ato, ou seja, se não se
entender razoável a produção de efeitos sem se ter verificado a cláusula. É o caso do exemplo dado por
Vieira de Andrade, da licença para instalar um andaime, com a condição de fazer um seguro ou assinar um
“termo de responsabilidade”, já que nestes casos faz sentido que o ato não comece a produzir os seus efeitos
enquanto o evento futuro, que depende da vontade do destinatário, não ocorrer. FERNANDA PAULA
OLIVEIRA, JOSÉ EDUARDO FIGUEIREDO DIAS, ob. cit., p. 272-273 e VIEIRA DE ANDRADE, ob.

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Tratando-se de uma cláusula acessória, o modo não pode ser visto como um ato
autónomo: as dúvidas que se possam suscitar a este respeito são dissipadas pela
circunstância de a subsistência do modo depender da subsistência do ato principal, na
medida em que a invalidade deste implica a invalidade daquele.
Referindo-nos, por fim, à reserva, esta constitui um poder excecional que a
Administração poderá guardar para si de influir futuramente no conteúdo do ato
administrativo, seja pela aposição superveniente de um ou de vários modos (reserva de
modo), seja por poder vir a revogar, no futuro, o ato (reserva de revogação)21.
Feita esta caraterização geral das cláusulas acessórias legalmente previstas, cumpre
referir, desde já, que pelo menos algumas delas têm como efeito tornar os atos
administrativos a que são apostas em atos precários. Um ato precário é, precisamente,
aquele que, ou está sujeito a uma revogação – uma revogação discricionária, seja por
disposição legal seja por reserva de revogação –, ou cujos efeitos dependem de condições
resolutivas (condições resolutivas legais ou apostas ao ato pelo órgão administrativo seu
autor) ou, mesmo, termos finais. Pela sua própria natureza, os efeitos jurídicos criados
pelo ato precário apenas existem “por mera tolerância” da Administração, que pode
modificá-los ou extingui-los em todos os casos e em qualquer momento.
Ora, como parece resultar claro do que vimos de afirmar, esta precarização tem
consequências imediatas na caraterização dos efeitos dos atos administrativos: um ato
precário não pode ser visto como um ato administrativo constitutivo de direitos (neste
sentido cfr. n.º 3 do artigo 167.º do CPA), donde parece resultar a impossibilidade da sua
aposição a atos administrativos que são, “pela sua própria natureza”, atos constitutivos
de direitos, como sucede, em regra, com os atos administrativos de gestão urbanística
regulados pelo RJUE. A esta questão voltaremos mais adiante. Para já vejamos, ainda que
em traços breves, o que determina o CPA quanto à possibilidade/condições de validade
da aposição de cláusulas acessórias.

iii. Nos termos do n.º 1 artigo 149.º do CPA, os atos administrativos podem ser
sujeitos, pelo seu autor, mediante decisão fundamentada, a condição, termo, modo ou
reserva, desde que estes não sejam contrários à lei ou ao fim a que o ato se destina,
tenham relação direta com o conteúdo principal do ato e respeitem os princípios jurídicos

cit., p. 212.
21
Estas são as reservas mais comuns, não ficando, porém, afastada a possibilidade de existir outras
faculdades reservadas: uma reserva de praticar outro ato que não a revogação (como a modificação) e de
aposição de outras cláusulas acessórias que não o modo (como o termo final ou a condição resolutiva).
Neste sentido cfr. FILIPA URBANO CALVÃO, ob. cit., p. 175.

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aplicáveis, designadamente o princípio da proporcionalidade.


Determina, por sua vez, o n.º 2 do mesmo normativo que a aposição de cláusulas
acessórias a atos administrativos de conteúdo vinculado só é admissível quando a lei o
preveja ou quando vise assegurar a verificação futura de pressupostos legais ainda não
preenchidos no momento da prática do ato.
Resulta, pois, deste normativo, que a aposição de cláusulas acessórias a um ato
administrativo pressupõe, como condição para a respetiva validade:

(a) a existência de capacidade discricionária do órgão competente ⎯ não se


admite, em regra, a aposição de cláusulas acessórias em atos estritamente
vinculados (atos relativos a status, atos verificativos) e, relativamente a atos a
que correspondam direitos dos destinatários, só vale quando a lei o preveja ou
para assegurar a verificação futura de pressupostos legais ainda não
preenchidos no momento da prática do ato;
(b) não pode ser contrária à lei ou ao fim a que o ato se destina, o que significa a
proibição de descaraterização do fim e do conteúdo principal do ato tal como
ele é legalmente configurado;
(c) Tem de ter uma relação direta com o conteúdo principal (típico) do ato;
(d) Deve respeitar os princípios jurídicos aplicáveis (designadamente, a proibição
do arbítrio e proibição da desproporção, nos casos de desfavorabilidade da
cláusula).
Uma vez que nos interessa, no âmbito do presente texto, averiguar quais as
possibilidades e quais os limites a que deve obedecer a aposição de cláusulas acessórias
em atos administrativos de gestão urbanística, apenas analisaremos em pormenor estas
exigências quando nos debruçarmos sobre tais atos, o que faremos nas linhas
subsequentes, não sem antes identificarmos o leque de atos que aqui estão em causa22.

III. CLÁUSULAS ACESSÓRIAS EM ATOS ADMINISTRATIVOS DE


GESTÃO URBANÍSTICA

1. Os atos administrativos de gestão urbanística


A gestão urbanística − vista como uma atividade distinta do planeamento
urbanístico − corresponde, entre nós, grosso modo, ao conjunto das atividades

22
Para uma abordagem mais desenvolvida (e geral) de cada uma destas exigências cfr. FILIPA URBANO
CALVÃO, ob. cit., p. 175 e ss.

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relacionadas, não com a definição das regras (tarefa dos planos), mas antes com a
concretização das várias intervenções no território, quer elas sejam realizadas
diretamente pela Administração Pública, quer pelos particulares sob a direção, promoção,
coordenação ou controlo daquela23.
Num momento em que praticamente todo o território nacional se encontra
abrangido pelos mais diversos instrumentos de planeamento (em especial, por planos
municipais, que são aqueles que classificam e qualificam os solos24) –, a temática da
gestão urbanística confunde-se com a temática da execução de planos nas mais variadas
dimensões em que esta tarefa se traduz (ainda que esta coincidência não seja total porque
podemos ter gestão urbanística em situações desprovidas de instrumentos planeamento,
designadamente por estes se encontrarem suspensos).
Temos é, hoje em dia, diferentes formas (e diferentes instrumentos) de gestão
urbanística. A mais tradicional é aquela que é feita pelos municípios a pedido dos
interessados quando pretendem levar a cabo operações urbanísticas, por exemplo, obras
de construção, operações de loteamento, obras de urbanização, utilização dos edifícios25.
Neste caso, os instrumentos típicos de gestão urbanística são os atos ou atividades de
controlo público (preventivo ou sucessivo) dessas pretensões (licenças, autorizações,
comunicações prévias, fiscalizações, medidas de tutela de legalidade26), matéria que é

23
FERNANDO ALVES CORREIA, As Grandes Linhas da Recente Reforma do Direito do Urbanismo
Português, Coimbra, Almedina, 1993, cit., p. 65.
24
Por via da classificação, que determina o destino básico dos terrenos, os planos identificam os solos
urbanos e os solos rurais. Por sua vez, a qualificação consiste na definição, pelo plano, com respeito pela
sua classificação, do conteúdo do seu aproveitamento, por referência às potencialidades de
desenvolvimento do território, fixando os respetivos usos dominantes e, quando admissível, a
edificabilidade. Temos assim, por força dos planos, as classes de solos urbanos e de solos rurais e, dentro
de cada um destes, diferentes categorias (por exemplo, espaços residenciais ou espaços centrais no solo
urbano e espaços agrícolas ou espaços florestais nos solos rústicos). Sobre estas diferentes classes e
categorias cfr. o Decreto Regulamentar n.º 15/2015.
25
O RJUE formula um conceito amplo operações urbanísticas, como todas as intervenções nos solos para
fins “artificiais” – isto é, não naturais. No conceito legal, as operações urbanísticas são todas as “operações
materiais de urbanização, de edificação, de utilização dos edifícios ou do solo desde que, neste último caso,
para fins não exclusivamente agrícolas, pecuários, florestais, mineiros ou de abastecimento público de
água” [alínea j) do artigo 2.º], englobando, por isso, as obras de urbanização [alínea h) do artigo 2.º]; as
operações de loteamento urbano [alínea i) do artigo 2.º]; os trabalhos de remodelação de terrenos [alínea
m) do artigo 2.º]; e as obras de edificação, sejam elas de nova construção [alínea b) do artigo 2.º], sejam
de intervenção em edificações existentes, podendo, neste caso, traduzir-se em obras de conservação [alínea
f) do artigo 2.º], de reconstrução [alínea c) do artigo 2.º], de alteração [alínea d) do artigo 2.º] e de
ampliação [alínea g) do artigo 2.º].
26
As medidas de tutela de legalidade não devem confundir-se com medidas sancionatórias (como as
contraordenacionais), que também estão previstas no RJUE. Sobre esta diferença vide FERNANDA
PAULA OLIVEIRA, et alii, in. Regime Jurídico da Urbanização e Edificação. Comentado, 4.ª Edição,
Coimbra, Almedina, p. 653-654. Sobre o regime sancionatório no RJUE cfr. as medidas sancionatórias no
RJUE, cfr. FERNANDA PAULA OLIVEIRA, Direito do Urbanismo. Do Planeamento à Gestão, 4.ª
edição, Braga, AEDREL, p. 409 e ss.

10
Texto a integrar os Estudos em Homenagem ao Doutor João Caupers – no prelo

disciplinada, entre nós, no RJUE.


Uma lógica mais recente de gestão urbanística aponta para um papel mais ativo dos
municípios, que passa por estes programarem e coordenarem as várias intervenções no
território (isto é, fazerem acontecer o que verdadeiramente interessa à estruturação do
território e ao desenvolvimento urbano), definindo eles próprios prioridades do onde, do
como e do quando da intervenção. Adquirem aqui relevância as formas de execução
sistemática (ou programada) dos planos por intermédio, por exemplo, de decisões de
delimitação de unidades de execução e de aprovação dos projetos (em regra de
reparcelamento) que as concretizam.
Em causa estão distintos modelos de gestão urbanística, distintas lógicas do agir
administrativo: de um lado, uma gestão urbanística mais “tradicional”, que lança mão de
instrumentos impositivos (atos e regulamentos); do outro lado, uma gestão mais
“moderna” que, embora não abdique totalmente da prática de atos administrativos (como
a delimitação de unidades de execução), apela para técnicas de “convencimento” e de
“orientação” das atuações privadas e para a mobilização de instrumentos que convocam
modelos de atuação administrativa de governação partilhada e para fenómenos de
concertação, com vista a encontrar soluções consistentes, capazes de se assumirem como
plataformas para dirimir conflitos, consensualizar soluções e operacionalizar ações, de
forma a responder cabalmente aos desafios colocados pela convergência de interesses que
ocorre nestes domínios e que exige mecanismos de envolvimento dos principais
intervenientes ao longo de todo o processo.
De todos estes, assumem particular relevo os atos de controlo preventivo das
operações urbanísticas de iniciativa privada, que são, por regra, atos constitutivos de
direitos, ainda que os direitos que os mesmos concedem não tenham sempre o mesmo
grau ou natureza.
Existe, de facto, uma variedade de atos administrativos de gestão urbanística
constitutivos de direitos que concedem aos particulares faculdades urbanísticas
diferenciadas, podendo tais atos ser arrumados pela ordem crescente da consolidação da
posição jurídica (direito) que concedem, da seguinte forma: informações prévias
favoráveis, aprovações de projetos de arquitetura, licenças de loteamento e de obras de
urbanização, licenças de obras de edificação e autorizações de utilização.
Existe, efetivamente, uma diferença entre as posições jurídicas de vantagem
(direitos) que decorrem de cada um destes atos, diferença que é apenas quantitativa e não
qualitativa: trata-se de atos que enriquecem, em medida diferente ou grau distinto, o

11
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conteúdo do direito de propriedade (ao integrar nele um conjunto de poderes ou


faculdades de que o respetivo titular não dispunha). Assim, uma coisa é o direito (as
faculdades) que decorre(m) de uma informação prévia favorável ou da aprovação do
projeto de arquitetura27; outra o direito (as faculdades) que decorre(m) da licença de
loteamento28; outra o direito (faculdade) que decorre da licença ou comunicação prévia
de obras de edificação29; e outra, ainda, os direitos (faculdades) que decorrem da
autorização de utilização30. Tudo numa lógica que a Lei de Bases da Política Pública dos
Solos, do Ordenamento do Território e do Urbanismo31 apelida de aquisição sucessiva de
faculdades urbanísticas.

2. Aplicação de cláusulas acessórias a atos administrativos de gestão urbanística:


análise de alguns casos

i. Tomamos aqui como referência, em particular as licenças e as autorizações, que


têm o seu âmbito de aplicação definido no artigo 4.º do RJUE e que correspondem a atos
administrativos autorizativos, isto é, atos que removem uma proibição relativa imposta
por lei à realização de operações urbanísticas32 sempre que, no caso concreto e em face
da avaliação da pretensão, se conclua que ela não afeta tais interesses33.

27
Estamos aqui no âmbito do que podemos designar de pré-decisões, na categoria de atos administrativos
prévios: atos que decidem de forma antecipada uma pretensão, mas não têm efeitos permissivos, não
habilitando o particular-destinatário ao exercício de qualquer atividade. Dos atos prévios distinguem-se os
atos parciais (decisões finais/definitivas relativas a uma parte do objeto do procedimento e que têm em si
mesmo um caráter permissivo, embora circunscrito à parte da decisão que já foi objeto de apreciação, p.
ex., a licença parcial para a construção da estrutura ou a autorização para a realização das escavação e
contenção periférica necessárias no início da construção.
28
Esta confere um direito a urbanizar uma determinada área e a constituir nela lotes urbanos, que são
unidades prediais dotadas de uma edificabilidade que fica logo estabilizada com a concessão da licença de
loteamento, ainda que esta posição seja incompleta porque dela não decorre o direito a construir, já que
esse apenas surge com um procedimento subsequente, em regra uma comunicação prévia da obra de
construção.
29
Estas conferem o direito de construir nos termos que nelas forem definidos.
30
Trata-se de um ato que permite utilizar o edifício para uma certa finalidade que nela fica definida.
31
Lei n.º 31/2014, de 30 de maio, alterada pela Lei n.º 74/2017, de 16 de agosto, pelo Decreto-Lei n.º
3/2021, de 7 de janeiro, e pelo Decreto-Lei n.º 52/2021, de 15 de junho.
32
Estabelecidas estas em nome de interesses públicos considerados relevantes, como a proteção do
ambiente, do património cultural, do correto ordenamento do território, etc. Em causa estão atos
administrativos que integram uma categoria mais genérica que a doutrina designa de atos de satisfação de
interesses privados com salvaguarda de interesses públicos. Cfr. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, in.
Teoria Geral do Direito Administrativo, 9.ª edição, Coimbra, Almedina, 2022, p. 327 e ss. e PEDRO
GONÇALVES, in. Manual de Direito Administrativo, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2019, p. 56 a 59.
33
Nas situações em que estão em causa atividades privadas em regra proibidas [proibição (repressiva) com
reserva de licença], a autorização é a situação excecional (corresponde ao ato que remove a proibição) −
autorização-licença ou autorização-dispensa −; tratando-se de atividades privadas preventivamente
proibidas [proibição (preventiva) com reserva de autorização], a autorização é o desfecho normal do
procedimento já que a intenção da lei não é afastar o desenvolvimento da atividade privada: a intenção é
que a Administração verifique previamente o cumprimento de determinados requisitos ou condições que a
lei fixa para que a atividade se possa desenvolver sem perigo ou risco (autorização permissiva). Qualquer

12
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De notar que por os motivos de indeferimento destes atos estarem taxativamente


identificados na lei (cfr. artigo 24.º, aplicável aos licenciamentos, e, por interpretação
extensiva do seu n.º 1, também às autorizações de utilização), os mesmos são
considerados atos vinculados, a significar, por um lado, que a Administração apenas pode
indeferir a pretensão urbanística desde que esteja perante um dos fundamentos tipificados
na lei e, por outro lado, que estando presente uma das causas de indeferimento legalmente
previstas a Administração é obrigada a indeferir aquela pretensão.
Porém, como é sabido, isto não significa a recusa de qualquer poder discricionário
da Administração na prática destes atos: por um lado, porque alguns dos motivos de
indeferimento permitem (não obrigam a) indeferir, por outro, porque o legislador, na
identificação de alguns desses fundamentos, remete para juízos de avaliação próprios da
Administração ao utilizar conceitos abertos ou indeterminados tipo (indeterminações
conceituais)34. Significa isto que tais atos não são estritamente vinculados; pelo contrário
envolvem o exercício de poderes discricionários, motivo pelo qual não se encontra
afastada, como princípio geral – pelo contrário –, a possibilidade de lhes serem apostas
cláusulas acessórias atendendo à primeira exigência que decorre do n.º 1 do artigo 149.º
do CPA: a existência discricionariedade na composição do conteúdo do ato.

ii. Aliás, estando em causa atos que conferem posições de vantagem, os mesmos
são um campo de aplicação privilegiado da cláusula acessória modo: a imposição ao
destinatário do ato, como contrapartida das vantagens por ele conferidas, de um dever de
fazer, não fazer ou suportar terá, assim, nestes atos um campo de aplicação privilegiado.
É necessário, porém, garantir, tal como decorre do artigo 149.º do CPA, que o modo não
é contrário à lei, relevando, a este propósito o disposto no n.º 4 do artigo 117.º do RJUE,

destes tipos de autorização correspondem a procedimentos de controlo preventivo (ex ante, i.e., antes do
início) das atividades privadas: a autorização visa preventivamente dar à autoridade administrativa uma
oportunidade de verificar o cumprimento das exigências fixadas na lei (as quais, por sua vez, visam
salvaguardar interesses públicos).
O facto de a autorização configurar um controlo preventivo por parte da Administração não exclui a
existência de controlos sucessivos: a autorização origina uma relação jurídica continuada entre a
Administração pública e a entidade autorizada, donde o controlo sucessivo visar verificar se a atividade
está a ser desenvolvida nos termos autorizados e/ou se se mantêm os requisitos exigidos para o exercício
da atividade. Por sua vez, a Administração tem a responsabilidade pública de proceder caso a caso, a um
juízo de adequação entre a pretensão do particular e a normatividade jurídica vigente, ou seja, o órgão
administrativo desenvolve, no exercício da função pública autorizativa, uma ponderação concreta entre o
interesse particular e o interesse público relevante (realizando também uma síntese entre a liberdade e a
segurança). E, em função dessa ponderação, tem o dever de decidir o requerimento do interessado.
34
É o caso do fundamento legal de indeferimento de a obra ser “suscetível de manifestamente afetar (…) a
estética das povoações, a sua adequada inserção no ambiente urbano ou a beleza das paisagens...” (n.º 4 do
artigo 24.º) ou de a operação urbanística “… constituir, comprovadamente, uma sobrecarga incomportável
para as infraestruturas…” [alínea b) do n.º 2 do artigo 24.º].

13
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de onde decorre a ilegitimidade de exigências de “mais-valias ou de quaisquer


contrapartidas, compensações ou donativos não expressamente previstos na lei”35.
Significa isto, no que concerne à aposição de modos, que a legislação urbanística
(designadamente o RJUE) é bastante restritiva quanto à possibilidade da sua mobilização,
embora admitamos, porque dentro do âmbito da discricionariedade de que a
Administração dispõe na prática destes atos, que esta possa, por exemplo, impor ao
interessado, numa licença de construção, a obrigação de pavimentar o passeio público em
frente ao edifício. Já a imposição, ao destinatário de uma licença de construção, da
realização de infraestruturas gerais (cuja realização seria de responsabilidade da
Administração) − designadamente das infraestruturas viárias nos casos em que a parcela
objeto de licenciamento não confronta com arruamento público), é impedida por lei: nos
termos do artigo 25.º do RJUE, a realização destas infraestruturas pelos interessados tem
de resultar de uma proposta por eles apresentada, como forma de evitar o indeferimento
do pedido36, situação em que se exige a celebração de um contrato com a Administração
e a prestação de uma caução37.
De referir que, nos termos do n.º 4 do artigo 25.º “A prestação da caução referida
no número anterior bem como a execução ou manutenção das obras de urbanização que
o interessado se compromete a realizar ou a câmara municipal entenda indispensáveis
devem ser mencionadas expressamente como condição do deferimento do pedido”.
Resulta desta previsão que a celebração do contrato e a prestação de caução se
apresentam como uma condição decorrente diretamente da lei, condição que é, ademais,
suspensiva porque dela depende a emissão do alvará sem o qual a obra não pode ser
iniciada. Já a realização das obras de urbanização devidamente contratualizadas não afeta
a eficácia da licença: embora decorra do n.º 4 dos artigo 25.º que a execução das obras de
urbanização deve ser mencionada como condição do deferimento do pedido, do que se
trata é de um modo; o seu incumprimento, como referimos supra, não determina a
ineficácia do ato, permitindo, sim, à Administração desencadear a execução (coativa ou

35
No caso de o interessado ter dado cumprimento a exigências não previstas na lei, o mesmo tem, segundo
o referido artigo 117.º do RJUE, o direito a reaver as quantias indevidamente pagas ou, nos casos em que
as contrapartidas, compensações ou donativos sejam realizados em espécie, o direito à respetiva devolução
e à indemnização a que houver lugar.
36
Nos termos do n.º 1 do artigo 25.º do RJUE, “Quando exista projeto de decisão de indeferimento com os
fundamentos referidos na alínea b) do n.º 2 e no n.º 5 do artigo anterior, pode haver deferimento do pedido
desde que o requerente, na audiência prévia, se comprometa a realizar os trabalhos necessários ou a assumir
os encargos inerentes à sua execução, bem como os encargos de funcionamento das infraestruturas por um
período mínimo de 10 anos”.
37
Neste caso existe uma relação direta com o conteúdo principal do ato, já que as obras de urbanização a
realizar pelo interessado são aquelas sem as quais a obra em causa não pode ser realizada.

14
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judicial) tendente a obter o seu cumprimento (e que, nestes casos, corresponde à execução
do contrato celebrado, por força do incumprimento deste).
De todo o modo, e como resulta do n.º 6 do artigo 25.º do RJUE, é imprescindível
que, nestes casos, os encargos a suportar pelo requerente sejam proporcionais à
sobrecarga para as infraestruturas existentes resultante da operação urbanística, o que está
em consonância com o artigo 149.º do CPA que obriga ao respeito dos princípios jurídicos
aplicáveis, concretamente, do princípio da proporcionalidade.

iii. Já não vemos em regra impedimento à aposição a estes atos administrativos de


gestão urbanística de um prazo inicial ou de uma condição suspensiva, desde que,
naturalmente, seja devidamente fundamentada e sejam cumpridas as demais exigências
do artigo 149.º do CPA. Há, até, situações em que tal condição suspensiva é admitida
pela lei.
É o que sucede no caso previsto no n.º 5 do artigo 145.º do Regime Jurídico dos
Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT)38 que regula a suspensão de procedimentos
como medida cautelar dos procedimentos de planeamento em curso depois da abertura da
fase da discussão pública. De acordo com esta norma, “Quando haja lugar à suspensão
do procedimento nos termos do presente artigo, os interessados podem apresentar novo
requerimento com referência às regras do plano colocado à discussão pública, mas a
respetiva decisão final fica condicionada à entrada em vigor das regras urbanísticas que
conformam a pretensão”.
Ou seja, permite-se, ao abrigo deste artigo, que seja praticado um ato administrativo
cuja validade não é colocada em causa − embora não esteja em conformidade com as
normas urbanísticas (normas do plano em processo de dinâmica) vigentes −; porém, tal
ato apenas produzirá efeitos se e quando o novo normativo (o novo plano, concluído que
esteja o respetivo procedimento de dinâmica) venha a entrar em vigor e o ato de
licenciamento com ele se conforme.

iv. Um outro exemplo de atos administrativos de gestão urbanística que podem


legitimamente ser sujeitos a cláusulas acessórias é a informação prévia favorável emitida
ao abrigo dos artigos 14.º e ss. do RJUE. Vejamos este exemplo com mais atenção, tendo
em conta o sentido da decisão que pode resultar deste procedimento e os seus efeitos.

38
Aprovado pelo Decreto-Lei n.º 80/2015, de 14 de maio, alterado, sucessivamente, pelo Decreto-Lei n.º
81/2020, de 2 de outubro, pelo Decreto-Lei n.º 25/2021, de 29 de março e pelo Decreto-Lei n.º 45/2022, de
8 de julho.

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Texto a integrar os Estudos em Homenagem ao Doutor João Caupers – no prelo

Refira-se, desde logo, que, nos termos da lei, a informação prévia favorável
vincula as entidades competentes “... na decisão sobre um eventual pedido de
licenciamento e no controlo sucessivo de operações urbanísticas sujeitas a comunicação
prévia”, embora tal efeito apenas se verifique desde que o pedido de licenciamento ou
apresentação de comunicação prévia seja “efetuado no prazo de um ano após a decisão
favorável do pedido de informação prévia”. Isto significa que a não apresentação do
pedido de licenciamento (ou da comunicação prévia), bem como a sua não apresentação
dentro do referido prazo de um ano se apresentam como factos que, a verificarem-se,
implicam a perda dos efeitos vinculativos (e, portanto, constitutivos de direitos) da
informação emitida, determinando a caducidade desta, configurando uma condição
resolutiva. Nestes casos, as aludidas condições valem como condições potestativas
resolutivas conjugadas com um termo resolutivo (ambas fixadas legalmente39): se
aquelas condições não forem cumpridas naquele prazo, a informação prévia perde a sua
eficácia vinculativa e constitutiva de direitos, ou seja, caduca.
De todo o modo, sempre se dirá que para além da decisão favorável (positiva) −
com os efeitos acabados de referir − ou desfavorável (indeferimento40) do pedido de
informação prévia, é possível a emissão de uma informação prévia favorável
condicionada (condição suspensiva), caso em que a informação prévia se pronuncia pela
viabilidade da pretensão urbanística, desde que sejam cumpridas certas condições
impostas pela Administração, que apenas se podem considerar legítimas enquanto
cláusulas acessórias caso não sejam essenciais à validade do ato. Por exemplo, não é
possível a emissão de uma informação prévia favorável condicionada à alteração do plano
em vigor com o qual a pretensão não está em conformidade, porque o cumprimento dos
instrumentos de planeamento são “condições” de validade e não de eficácia da decisão.
Assim, sempre que o pedido de informação prévia não cumpra normas legais e
regulamentares aplicáveis, a informação prévia deve ser indeferida, identificando quais
as alterações que devem ser promovidas aos projetos por forma a adequarem-se aos

39
Por serem fixadas legalmente, não podem tal condição nem tal termo ser consideradas como cláusulas
acessórias.
40
Nos casos em que a informação é negativa, o legislador exige que a entidade administrativa competente
identifique, quando tal for possível, os termos em que a mesma pode ser revista, de forma a cumprirem-se
as normas estabelecidas (artigo 16º, n.º 4, do RJUE). Esta previsão assume um relevo fundamental na
medida em que uma informação prévia desfavorável emitida nestes termos adquire, tal como a informação
prévia favorável, um conteúdo vinculativo para a câmara municipal se o interessado apresentar um pedido
de licenciamento (ou uma comunicação prévia) que cumpra escrupulosamente com os termos indicados
para a revisão da pretensão. Nesse sentido, expressamente, vide ANTÓNIO DUARTE DE ALMEIDA et
alii, Legislação Fundamental de Direito do Urbanismo, Lisboa, Lex, 1994, p. 831-832.

16
Texto a integrar os Estudos em Homenagem ao Doutor João Caupers – no prelo

normativos aplicáveis.
Da mesma forma, se estivermos perante uma área sujeita a reserva de urbanização
(isto é, uma área onde a ocorrência de concretas operações urbanísticas está dependente
da prévia entrada em vigor de instrumentos de planeamento mais concretos, como planos
de pormenor), não pode a informação prévia ser favorável condicionada (condição
suspensiva) à elaboração entrada em vigor destes instrumentos de planeamento. Se no
momento da decisão sobre o pedido de informação prévia, aqueles planos ainda não
estiverem em vigor, tal pedido terá de ser, necessariamente, indeferido, não havendo
lugar, neste caso, à indicação das condições em que as mesmas poderiam ser deferidas na
medida em que estão em causa circunstancialismos que não se referem ao projeto, mas
aos dispositivos normativos aplicáveis41.
É possível que o que acabamos de afirmar não valha para situações contadas em
que, no momento da prática do ato (informação prévia), o instrumento de planeamento
que enquadra o pedido, embora ainda não “exista” do ponto de vista jurídico (quer porque
ainda não foi aprovado quer porque, tendo-o sido, ainda não foi publicado) é já certo
quanto quer quanto à sua vigência quer quanto ao seu conteúdo42. Neste caso será
possível a emissão de uma informação prévia favorável condicionada (condição
suspensiva) à entrada em vigor do plano, reconduzindo-se esta situação à prevista no n.º
2 do artigo 149.º do CPA (aposição de uma clausula acessória que visa assegurar a
verificação futura de pressupostos legais ainda não preenchidos no momento da prática
do ato). Deve, no entanto, ter-se especial cautela na emissão deste tipo de informação
prévia e na sua fundamentação em face das circunstâncias do caso concreto,
Já a condição de o interessado adquirir o prédio ou parte do prédio sobre o qual
incide o pedido de informação prévia nos casos em que o requerente não detém sobre ele
um direito que lhe permita vir a realizar a operação urbanística, corresponde a uma
verdadeira condição (potestativa) resolutiva43.
Com efeito, atendendo ao facto de a informação prévia apenas ser vinculativa para
a câmara municipal se o interessado tiver formulado o pedido de licenciamento ou

41
Note-se que, muitas vezes, o que está em causa numa informação prévia condicionada, não são
verdadeiras condições (afetadoras apenas da eficácia da decisão), mas condicionalismos legais e
regulamentares de que depende a validade do ato: por exemplo a condição de adequação do projeto a regras
de enquadramento urbanístico indicadas na informação prévia.
42
Por exemplo, porque já foi cumprida, no procedimento de planeamento, a fase de ponderação da
discussão publica estando já consolidado a conteúdo da proposta do plano.
43
Isto é assim porque a legitimidade não é essencial à análise global da pretensão em sede de pedido de
informação prévia. Note-se que, na maior parte das vezes, esta condição não resulta de forma expressa da
decisão de deferimento do pedido de informação prévia, correspondendo, porém, a uma cláusula implícita.

17
Texto a integrar os Estudos em Homenagem ao Doutor João Caupers – no prelo

apresentar a comunicação prévia dentro do prazo de um ano (prazo resolutivo), tal


significa que a aquisição de um direito que lhe permita obter a legitimidade em sede de
licenciamento é uma condição que tem de ser cumprida dentro desse prazo e, portanto,
uma condição potestativa também ela resolutiva. Daqui decorre que os interessados
apenas têm, no procedimento de licenciamento (ou na comunicação prévia) que venham
a desencadear na sequência de uma informação prévia deferida nestes termos, direito à
licença (ou a realizar a operação, no caso de comunicação prévia) se, entretanto,
adquirirem legitimidade, já que, por regra, esta condição fica dependente deles próprios44.
O que dizer, porém, dos casos (que ocorrem com alguma frequência) em que a
aquisição de um direito que confere legitimidade ao interessado em sede de licenciamento
depende do próprio município (e a sua aquisição é imposta por este). Pense-se num caso
em que a câmara municipal, em face do pedido apresentado pelo interessado, emite
informação prévia favorável na condição de ser feita uma permuta de uma parte da parcela
sobre a qual incide o pedido por outra, do próprio município, que lhe fica na contiguidade,
justificando tal imposição na melhor articulação e funcionalidade da operação a realizar
com a envolvente. Trata-se de um caso em que a verificação do evento futuro (realização
da permuta) fica dependente do próprio município.
Nestes casos, a solução mais adequada é, quanto a nós, considerar que estamos
perante uma condição suspensiva (em que o evento futuro é a realização da permuta): o
ato administrativo já está praticado e é válido (pelo que o interessado já é titular de um
direito), mas os efeitos da informação prévia favorável, designadamente o início do
decurso do prazo de um ano para apresentar o pedido de licenciamento, ficam suspensos
até à verificação do evento.
Sem prejuízo do que acabamos de afirmar, nas situações em que o interessado,
com receio de “perder o direito” pelo decurso do prazo, apresenta o pedido de
licenciamento ou de comunicação prévia nos termos da informação favorável dentro do
prazo de um ano sem que a permuta tenha sido realizada (o que significa que o interessado
não tem legitimidade para o efeito), consideramos que o município está impedido de
invocar a falta deste pressuposto procedimental para rejeitar o pedido de licenciamento,
precisamente porque se trata de uma condição imposta por si próprio e cujo cumprimento
está de si exclusivamente dependente, configurando tal rejeição com base neste motivo

44
Ou seja, e dito de outro modo, a regra é incidir sobre o interessado o ónus de adquirir, no prazo de um
ano, o direito que lhe confere legitimidade no procedimento de licenciamento ou de comunicação prévia sb
pena de, não o fazendo, perder o direito que decorre da informação prévia favorável.

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Texto a integrar os Estudos em Homenagem ao Doutor João Caupers – no prelo

um venire contra factum proprium, que torna o ato (rejeição liminar por falta de
legitimidade) inválido por violação do princípio da boa fé.

v. Já a aposição, a uma licença ou a uma autorização, por exemplo, de uma condição


resolutiva, de termo final ou de uma reserva de revogação, parecem ser de afastar como
princípio, considerando o facto de estes atos serem, por natureza, atos constitutivos de
direitos, o que significa que conferem (e em regra devem conferir) uma posição jurídica
estável ao respetivo destinatário, afastando, deste modo, a possibilidade de tais atos terem
uma natureza provisória (o caso da licença com termo final) ou serem precarizados (o
caso condição resolutiva ou da reserva de revogação).
Sem prejuízo desta afirmação, e no que concerne à aposição a estes atos de um
termo final, deverá ter-se presente que esta será a situação normal nos casos em que
pretensão urbanística é, como tantas vezes sucede, temporária. Pense-se, por exemplo, na
instalação, durante um determinado período de tempo, de uma edificação destinada a uma
utilização transitória: instalação de um contentor (considerado como obra de edificação
nos termos do RJUE) para servir de apoio à venda de apartamentos de um edifício recém
construído; instalação de edificações destinadas a acolher funcionamento de aulas durante
a execução de obras no edifício principal de uma escola; instalação de contentores
destinados à prestação de serviços de saúde enquanto se está a construir um hospital.
Nestes casos, tratando-se de atividades que apenas temporariamente se vão
desenvolver, faz sentido que a licenças de construção e respetivas autorizações de
utilização, sejam emitidas com um termo final. Trata-se, na verdade, de licenças
provisórias que, por este motivo devem ser emitidas com a fixação de um prazo (ainda
que, com a previsão, de ele ser prorrogado). Esta situação não tem, é certo, expressa
previsão no RJUE, mas resulta da aplicação, a título subsidiário, da mobilização do artigo
149.º do CPA.
Quanto à precarização de uma licença ou autorização urbanística (que são atos
administrativos constitutivos de direitos), é de referir que o CPA não afasta, em geral,
esta possibilidade. Ainda que os atos constitutivos de direitos sejam aqueles que
justificam uma maior consolidação, o CPA admite, de facto, de modo expresso, que eles
podem ser sujeitos a reserva de revogação. Fundamental é que, nestes casos,
expressamente se identifiquem as circunstâncias em que tal revogação futura ocorrerá
(isto é, desde que se identifique, na própria causa, o circunstancialismo específico que,
uma vez verificado no futuro, permite a revogação [neste sentido cfr. alínea d) do n.º 2

19
Texto a integrar os Estudos em Homenagem ao Doutor João Caupers – no prelo

do artigo 167.º do CPA].


Naturalmente, tratando-se de atos constitutivos de direitos, esta possibilidade de
precarização é mais limitada ― por isso determina a alínea d) do n.º 2 do artigo 167.º do
CPA que esta reserva apenas é possível desde que o quadro normativo aplicável consinta
a precarização do ato, o que não é propriamente o que sucede no caso de atos
administrativos de gestão urbanística em que estão em causa a realização de operações
urbanísticas cuja regra é a de subsistirem estavelmente no território e no tempo.
De todo o modo, estamos aqui alinhadas com a posição assumida por Vieira de
Andrade que defende que o regime da revogação, que apenas a admite em certas
circunstâncias (n.º 1, 2 e 3 do artigo 167.º do CPA), não exclui a possibilidade da reserva
de revogação de atos favoráveis, excluindo-se esta apenas em relação aos atos de
conteúdo irrevogável por determinação legal e aos atos constitutivos de direitos (posições
juridicamente consolidadas) que tenham criado na esfera do particular um efeito jurídico
estável e consistente (que tenham gerado uma confiança legítima digna de proteção).
Segundo este autor, a par dos atos provisórios e precários (incluindo os atos cuja
revogação esteja prevista expressamente na lei ou seja exigida pela natureza do ato ou por
princípios jurídicos fundamentais), são revogáveis os atos (ainda que favoráveis) que
tenham sido sujeitos pelo autor a uma cláusula de reserva de revogação, que visa, assim,
evitar que a Administração seja colocada perante o dilema de ter de recusar ou de ter de
autorizar para sempre ou definitivamente uma determinada atividade, comportamento ou
atuação, quando tenha dúvidas relativamente ao futuro, dilema que pode ser prejudicial
tanto para a Administração como para o particular. Fundamental é que o autor do ato
disponha de um espaço discricionário (que normalmente tem, como vimos, nos
procedimentos de licenciamento e de autorização) e que a reserva seja densificada nos
seus pressupostos (determine as circunstâncias em que a revogação pode operar).
Pense-se no licenciamento de um apoio de praia numa zona com eventual risco de
galgamento do mar suscetível de colocar em causa a segurança de pessoas e bens, risco
esse que, porém, no momento de licenciamento se apresenta como meramente eventual.
Neste caso é possível emitir a licença com uma reserva de revogação, ficando
expressamente determinado que a revogação acontecerá caso o risco de galgamento
venha a ser confirmado em estudos regulares a serem realizados (por exemplo, de dois
em dois anos). Se se impuser, ademais, que a obrigação da realização de tais estudos é da
responsabilidade do titular da licença, a mesma corresponderá a um modo, podendo ser
igualmente aposta uma reserva de revogação por incumprimento do modo. Na medida

20
Texto a integrar os Estudos em Homenagem ao Doutor João Caupers – no prelo

em que a verdadeira precarização de um ato administrativo significa que não haja, em


caso de revogação, o pagamento de uma indemnização, julgamos que numa situação
como estas fará sentido definir um período mínimo de funcionamento do apoio de praia
de modo a garantir um retorno do investimento que normalmente é exigido para tal
instalação.
Refira-se que as dificuldades de aposição cláusulas que “precarizam” estes atos
pode ser superada se os destinatários do ato nela consentirem (aliás, muitas vezes são eles
mesmos que o requerem como alternativa a um indeferimento imediato do pedido): com
efeito, se se admite que se possa revogar um ato constitutivo de direitos se os interessados
manifestarem a sua concordância e não estejam em causa (como não estão neste caso)
direitos indisponíveis [alínea b) do n.º 2 do artigo 167.º do CPA], deve admitir-se, por
maioria de razão, que a Administração se reserve o poder de, posteriormente, revogar tal
ato caso os interessados aceitem (consintam) em tal aposição. Fundamental é que se
identifique, de forma precisa, em que circunstâncias a revogação ocorrerá, pois, apenas
verificado o circunstancialismo específico previsto na cláusula, a revogação pode ser
mobilizada.
Imagine-se uma situação em que o plano de pormenor prevê, para uma determinada
área territorial, uma certa ocupação que está sujeita a programação temporal. Por
exemplo, para uma determinada área, um plano de pormenor prevê a demolição dos
edifícios existentes e sua substituição por edifícios habitacionais, estando, porém,
previsto na programação municipal definida no programa de execução do plano, que tal
execução não vai acontecer antes de terem decorrido pelo menos 6 anos desde a entrada
em vigor do plano, execução essa que somente poderá avançar com a prévia delimitação
de uma unidade de execução da iniciativa da câmara municipal.
Num caso destes não vemos porque não possam ser licenciadas, a pedido dos
interessados, de forma precária e provisória, certas operações urbanísticas (como obras
de alteração/alterações dos edifícios existentes), enquanto aquela execução não ocorrer,
ficando expressamente prevista na licença que ela deixará de produzir efeitos (sem direito
a indemnização) assim que se dê início à execução programada no plano.
Neste tipo de hipóteses, esta é, até, a solução mais adequada ao equilíbrio
(proporcional) dos interesses em presença: os interesses dos proprietários dos edifícios
existentes (que pretendam dar aos mesmos um uso economicamente rentável enquanto a
execução não é feita nos termos previstos no Plano de Pormenor) e o interesse público
subjacente às novas exigências de ocupação do território previstas no Plano de Pormenor,

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mas cuja execução não é imediata45.


Não podendo negar que uma solução como a que aqui é apontada viabiliza um uso
não está em total consonância com as previsões de planeamento em vigor para aquela
área territorial; não temos, porém, qualquer dúvida de que ela não coloca em causa os
bens jurídicos (interesses públicos) que com a sanção da nulidade por violação do plano
se pretenderam salvaguardar. E como são estes bens jurídicos que, em última instância,
se pretendem salvaguardar com a sanção da nulidade, julgamos difícil sustenta-la na
situação em apreço por aqueles interesses constatadamente não serem postos em causa,
uma vez que o deferimento atual da pretensão de forma precária não coloca em causa a
possibilidade de execução futura do plano (quando esta venha a ocorrer).
De notar que esta solução não é sequer nova entre nós. Com efeito, também no
âmbito das medidas preventivas destinadas a salvaguardar a concretização do aeroporto
de Lisboa se previa uma solução equivalente. Neste sentido, permitia o artigo 8.º do
Decreto n.º 19/2008, de 1 de julho, a fixação, por acordo, de condicionantes aos projetos
privados que se pretendiam implantar nas áreas identificadas e que conflituavam com o
uso que para elas estava previsto (o aeroporto), desde que ao ato do respetivo
licenciamento fossem atribuídos efeitos precários. Ocorrendo esta situação, deveria ser
definido, nos termos do n.º 2 do referido artigo 8.º, o período mínimo de funcionamento
ou exploração, o qual deveria ser levado a registo, garantindo-se ainda, que este ónus
fosse transferido em caso de transmissão do imóvel ou de exploração onerada.
Trata-se de uma solução que fazia todo o sentido, na medida em que estando em
causa um projeto que podia levar a anos a concretizar-se (o aeroporto de Lisboa) − e que,
aliás, nunca se concretizou −, considerou-se mais adequado às exigências da
proporcionalidade permitir uma utilização, ainda que precária, dos terrenos abrangidos
por aquele projeto, diminuindo-se, em grande medida, os prejuízos indemnizáveis em
caso de expropriação por os solos em causa não terem estado impedidos, medio tempore,
de uma utilização económica normal.

vi. Deixamos aqui o registo de uma outra situação, por nós já tratada noutra sede,
onde defendemos a possibilidade de serem emitidos atos administrativos provisórios e,
ademais, precários46.

45
Naturalmente, o próprio plano pode prever expressamente este tipo de solução, mas consideramos que,
mesmo que não o faça, a mesma é legítima por via da aposição de cláusula acessória (um termo final, por
exemplo) e é, até, exigida por força dos princípios jurídicos.
46
FERNANDA PAULA OLIVEIRA, Nulidades Urbanísticas: Casos e Coisas, Coimbra, Almedina, 2011,

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Trata-se de situações em que se procura uma solução transitória a dar a algumas


situações decorrentes de atos nulos (por exemplo, um edifício constituído em propriedade
horizontal ou vários edifícios destinados a fins económicos cuja licença de construção foi
declarada nula), mas que se encontram em vias de regularização, solução transitória essa
que não só admita a manutenção daquelas edificações enquanto a regularização está em
curso (no caso por nós analisado, tal regularização passava pela alteração do plano em
vigor), mas também permita uma sua utilização normal (por exemplo, através da emissão
de novas autorizações de utilização) que evite prejuízos acrescidos decorrentes da
paralisação das atividades que nelas se estão ou podem vir a desenvolver.
A questão que se colocava na hipótese por nós tratada era a de saber, considerando
as exigências do princípio da proporcionalidade, em especial na sua vertente da
exigibilidade, se era possível serem emanados atos que permitissem, ainda que de forma
precária, o exercício de um conjunto de direitos que se justificariam caso a regularização
viesse a ser possível, mas que não impediam nem tornavam menos onerosa, pelo
contrário, a demolição do edificado, caso esta se viesse a apresentar como inevitável (o
que sucederia se, da ponderação de interesses no procedimento de planeamento, se
chegasse à conclusão de que a regularização não seria, afinal, possível).
A este propósito, e antes de mais, nas situações em que a legalização de
determinadas situações seja expectável, designadamente quando esteja prevista em
instrumentos de planeamento em preparação, tem-se vindo já a defender a manutenção
provisória do edificado e dos usos para ele admitidos (ainda que com base em atos nulos),
de modo a evitar a afetação desproporcional da esfera jurídica dos particulares47.
Mas o que aqui questionamos é se não se poderá ir mais longe: se, para além de
uma mera manutenção passiva − por exemplo, permitindo que o edifício continue a ser
utilizado ao abrigo de autorizações de utilização nulas, por nulos terem sido os atos de
licenciamento do edifício − não se poderá permitir a prática de atos administrativos que
garantam efetivamente aquela manutenção temporária − por exemplo, tendo sido
declarada a nulidade do licenciamento da construção de um conjunto de armazéns
destinados a fins económicos ou tendo sido declarada a nulidade da licença de construção
para um edifício destinado a ser constituído em propriedade horizontal, permitir que
sejam emitidas (em condições que referiremos) as correspetivas autorizações de

p. 122 e ss.
47
Note-se que o Decreto-Lei n.º 804/76, de 6 de novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 90/77, de 9 de
Março, atinente às áreas de construção clandestina, previa já a manutenção temporária de obras ilegais.

23
Texto a integrar os Estudos em Homenagem ao Doutor João Caupers – no prelo

utilização em falta.
Em face de algumas situações práticas com que fomos sendo confrontadas,
concluímos que, muitas vezes, a simples manutenção (passiva) dos edifícios pode revelar-
se violadora do princípio da igualdade: basta, no primeiro exemplo, que alguns dos
armazéns já tivessem obtido autorização de utilização antes da declaração da nulidade e
outros não ou, no segundo exemplo, que algumas frações autónomas tivessem obtido
autorização de utilização ao contrário de outras. A manutenção passiva dos edifícios e
dos usos, conduzira a que uns os pudessem utilizar normalmente, ainda que de forma
provisória, e outros não.
Assim, o que então deixamos à reflexão (e aqui voltamos a fazer) é a possibilidade
de, por um lado, permitir, estando em vias de (ou sendo expectável) a regularização, a
manutenção provisória dos atos nulos (tolerando que eles produzam os efeitos práticos a
que tendem, sabendo que, do ponto de vista jurídico e no plano dos conceitos, não
produzem efeitos jurídicos) e, por outro lado, e mais ativamente, permitir a emanação,
com carácter precário e com efeitos limitados, de novos atos incompatíveis com a
declaração de nulidade.
Esta é, bem o sabemos, uma solução “no fio da navalha”, mas que, em nosso
entender, pode até ser exigida pelos mais elementares princípios que devem reger a
atuação administrativa, de que é exemplo o princípio da proporcionalidade − princípio
que tem sido invocado como justificador da demolição como solução de última instância,
mesmo nos casos em que há declaração de nulidade a exigir, em certas situações, uma
tolerância não apenas passiva, mas também ativa de edificações (ou outras operações)
ilegais. Nestes caso, permitir a emissão de atos administrativos de gestão urbanística no
decurso do procedimento de regularização parece, de facto, a solução mais consentânea
com o princípio da proporcionalidade: por um lado porque, mesmo que se venha a
concluir que não é possível, afinal, a regularização do edificado, a indeminização a pagar
ao abrigo do artigo 70.º do RJUE será menor − precisamente por os interessados terem
estado entretanto a dar um uso normal aos seus imóveis, os seus prejuízos serão menores
do que se tivessem estado impedidos de o fazer−; por outro lado porque estes atos, embora
permitindo a utilização normal do imóvel, apenas o consentem de forma meramente
provisória ou temporária.

vii. Vejamos, agora, um exemplo de aplicação, no âmbito urbanístico, de uma


cláusula acessória − no caso, uma condição suspensiva − a um ato vinculado − no caso,

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uma ordem de embargo cujos pressupostos para a respetiva adotação são, como se sabe,
estar em curso uma operação urbanística ilegal (designadamente por incumprimento das
normas legais e regulamentares aplicáveis).
Trata-se de um exemplo que se prende com a comunicação prévia prevista no RJUE,
que é uma mera comunicação prévia, por não ser exigida a prática de qualquer ato
permissivo para que o interessado execute a sua pretensão.
Com esta configuração, se a pretensão do interessado, objeto de comunicação
prévia, não cumprir as normas aplicáveis, não tem agora a Administração como rejeitá-la
para impedir que a operação se inicie, tendo, antes, de reagir à mesma, se ela começar a
ser executada (artigo 35.º, n.º 8). O que implica que a Administração deva, nestes casos,
atuar preventivamente e o mais antecipadamente possível, apreciando, informalmente, a
pretensão de imediato, assim que a comunicação lhe seja feita (para o que tem de vir
instruída com todos os elementos que permitam conhecer a operação), de forma a verificar
se ela cumpre todas as normas aplicáveis e, caso tal não aconteça, obstando à sua
execução, adotando o mais antecipadamente possível as medidas adequadas para o efeito.
Como já tivemos oportunidade de afirmar a outro propósito48, o termo fiscalização
sucessiva utilizado no n.º 8 do artigo 35.º do RJUE não é o mais adequado para caraterizar
a tarefa que a Administração municipal tem de levar a cabo em face de uma comunicação
prévia de uma operação urbanística, já que não tem a mesma configuração que a
tradicional tarefa técnica de fiscalização de obras. O que aqui está em causa é um controlo
(e não uma fiscalização), que não é preventivo (portanto, é sucessivo), mas apenas no
sentido de que não tendo a Administração como impedir o particular de iniciar a operação
que lhe comunicou (pois o início desta não está dependente “de qualquer ato permissivo”),
não lhe resta alternativa que não seja reagir à sua execução (o que só sucede em momento
posterior ao seu início).
Ou seja, e em suma, sendo apresentada uma comunicação prévia à Administração –
a qual permite que o interessado realize imediatamente a operação urbanística sem
dependência de quaisquer atos permissivos municipais –, deve ser feita, de imediato, uma
apreciação técnica do projeto e, detetadas desconformidades com as normas legais e
regulamentares, devem também de imediato ser desencadeadas todas as medidas
necessárias para evitar que a operação se concretize (execute), sem prejuízo de, preventiva
e antecipadamente, se informar o interessado dessas desconformidades, bem como do

48
FERNANDA PAULA OLIVEIRA, et alii, Regime Jurídico da Urbanização e Edificação cit., p 365.

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Texto a integrar os Estudos em Homenagem ao Doutor João Caupers – no prelo

desencadeamento das medidas de reposição da legalidade adequadas a impedir a execução


da operação — caso ele as não corrija entretanto —, sendo a mais adequada de entre elas,
o embargo.
Ora, nas situações em que se perspetiva que o interessado vai dar início à operação
nos termos comunicados (quer porque já autoliquidou as taxas sem proceder as correções
necessárias aos projetos quer porque informou já do início da operação nos termos
comunicados) − mas não tendo a obra sido já iniciada (pressuposto para que o embargo
seja determinado) − pode a ordem de embargo ser logo decidida, sendo-lhe, porém, aposta
uma condição suspensiva: tal ato apenas produzirá efeitos caso a operação urbanística em
desconformidade com as normas legais e regulamentares aplicáveis se inicie. Estaremos,
neste caso, perante a situação prevista no n.º 2 do artigo 149.º do CPA: possibilidade de
aposição de uma condição suspensiva a um ato vinculado destinada a assegurar a
verificação futura de pressupostos legais ainda não preenchidos no momento da prática
do ato.

IV. CONCLUSÕES
Terminamos o nosso percurso concluindo que os atos administrativos de gestão
urbanística podem ser sujeitos a uma condição (suspensiva ou resolutiva), a um termo
(inicial ou final), a um ou vários modos ou a uma reserva (seja de revogação, seja de
modo).
A possibilidade de mobilização destas cláusulas acessórias nunca é referida no
RJUE, mas as mesmas podem ser aqui mobilizadas por força da aplicação supletiva a estes
atos do regime previsto no artigo 149.º do CPA.
Consideramos que esta nossa conclusão − que, juridicamente, é mais uma
constatação −, se apresenta como útil não propriamente para os juristas (que estão
habituadas a fazer uma aplicação sistemática das várias normas que compõe o nosso
ordenamento jurídico e, por isso, facilmente chegam à mesma conclusão), mas para os
técnicos de outras áreas que têm de aplicar o RJUE no seu dia a dia (designadamente
técnicos municipais), tornando óbvia a resposta que deve ser dada à afirmação que, com
frequência ouvimos por parte deles: de que uma certa decisão (por exemplo, uma licença
precária) não é possível, porque tal não está previsto no RJUE.
A resposta a esta dúvida, julgamos nós, resulta clara do presente texto: não está
prevista no RJUE, mas está no CPA, que é supletivamente aplicável.

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