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Nota introdutória

                O presente post pretende identificar e analisar os principais


sistemas administrativos, decorrentes da variação da estrutura da
Administração Pública em função do tempo e do espaço. Iremos começar
por explicar os três tipos fundamentais de sistemas administrativos: o
sistema tradicional, o sistema de tipo britânico e o sistema de tipo francês,
para depois confrontar os traços fundamentais dos dois sistemas
modernos. Para finalizar, abordamos a evolução ocorrida no século XX aos
sistemas modernos.

O sistema administrativo é definido, pelo Professor José F.F. Tavares,


como o conjunto de elementos que, de uma forma ordenada e coerente,
caraterizam a organização, o funcionamento e a atividade da
Administração Pública num determinado tempo e espaço. Por outras
palavras, preferidas pelo Professor Freitas do Amaral, é o modo jurídico de
organização, funcionamento e controlo da Administração.

 A primeira distinção a fazer é entre o sistema tradicional que vigorou na


Europa até aos séculos XVII e XVIII e os sistemas modernos que se
implantaram posteriormente. Nos sistemas modernos identificamos o
sistema de tipo britânico (administração jurídica) e o sistema de tipo
francês (administração executiva).

Sistema de administração tradicional

                   Este sistema tem duas grandes caraterísticas que facilmente


ajudam a reconhecê-lo:

A indiferenciação das funções administrativa e jurisdicional.


A não subordinação da Administração Pública ao princípio da legalidade.

                  Como consequência da indiferenciação das funções


administrativa e jurisdicional, não existe separação rigorosa entre os
órgãos do poder executivo e do poder judicial. O rei e as autoridades
públicas podiam exercer as duas funções, por não existir separação de
poderes. Quanto a não aplicação do princípio da legalidade, esse aspeto
gera insuficiências no sistema de garantias jurídicas dos particulares face a
Administração. Durante a monarquia, época em que o sistema tradicional
vigorou, não existia uma subordinação da Administração à Lei, por isso,
não existiam normas jurídicas com caráter obrigatório e externo que
regulassem a sua atividade que fossem efetivamente respeitadas em
todas as situações. Podiam existir certas normas jurídicas que vinculavam
a Administração mas, tento um caráter de regras avulsas, eram facilmente
afastadas por razões de conveniência administrativa, utilidade politica ou
por simples vontade do Rei. Existiam diretivas e instruções internas, que
não vinculavam o poder soberano mas simplesmente se aplicavam aos
funcionários subalternos perante superiores hierárquicos. As normas não
conferiam direitos aos particulares face à Administração, tal significa que
os particulares não se podiam queixar da violação dos seus direitos por
parte da Administração Pública. Até às revoluções liberais (inglesa-1688 e
francesa-1789) vigorou o sistema tradicional, em que não existia
separação de poderes nem Estado de Direito.

Sistemas modernos

                O professor Vasco Pereira da Silva apresenta três caraterísticas


essenciais para distinguir os sistemas: i) A existência ou não de um ramo
de Direito Administrativo; ii) Administração goza de poderes de autotutela
ou é submetida a um sistema de heterotutela; iii) Existência ou não de
tribunais especializados. O tipo de organização da Administração tem de
ser considerada como uma caraterística secundária porque hoje a
dicotomia, centralizado/ concentrado e descentralizado/ desconcentrado,
já não existe. Para além da simples função de caraterizar os sistemas, as
caraterísticas essências apresentadas pelo Professor servem para mostrar
a evolução e a respetiva atenuação das diferenças. 

 Para uma melhor perceção dos aspetos mais relevantes dos sistemas
modernos apresentamos, para ambos, 7 caraterísticas.

Sistema administrativo de tipo britânico

                Este sistema é também conhecido como sistema de


administração judiciária dado o papel preponderante exercido pelos
tribunais, que assunta na igualdade de todos perante a lei e na sujeição da
Administração Pública ao direito comum, definido e aplicado pelos
tribunais comuns.

Caraterísticas:

Separação de poderes

O rei foi impedido de resolver questões de natureza contenciosa.

Estado de Direito
O poder soberano ficou subordinado ao Direito, com especial preferência
do Direito consuetudinário que resulta de costumes sancionados pelos
tribunais (common law). O Direito comum seria aplicável a todos os
ingleses, o que decorre da consagração do império do Direito ( rule of
law).

Descentralização

É fortemente descentralizado, ocorre a distinção entre administração


central e administração local. As autarquias locais gozam de uma ampla
autonomia face à administração central, por serem encaradas como
entidades independentes e não simples instrumentos do governo central.
Contrariamente ao que aconteceu em França (prefeitos) e em Portugal
(governadores civis), na Inglaterra nunca existiu delegados gerais do poder
central nas circunscrições locais.

Sujeição da Administração aos tribunais comuns

 A Administração Pública encontra-se submetida ao controlo jurisdicional


dos tribunais comuns (courts of law) por não existir jurisdição
especializada, consequência da não existência de um ramo de Direito
especializado. Nenhuma autoridade pode invocar privilégios por só existir
um sistema de direitos para todos. São aplicados os mesmos meios
processuais às relações entre particulares e Administração ou só entre
particulares, por outras palavras, os tribunais comuns não são levados a
procurar soluções jurídicas diferentes das da vida privada.

Subordinação da Administração ao Direito comum


Como consequência do império de Direito todos os órgãos e agentes da
Administração Pública estão submetidos ao Direito comum, sendo que,
por regra, não dispõem de privilégios, a não ser alguns poderes de decisão
unilateral que lhes são conferidos por lei. A administração encontra-se
subordinada ao Direito privado, mas apesar de não existir um ramo e
tribunais especializados, existe procedimento administrativo. 

Execução judicial das decisões administrativas

Os poucos poderes exorbitantes da Administração são encarados como


exceção a common law. A Administração não pode executar os seus
próprios atos, tem de recorrer a um juiz que reconheça autoridade à sua
decisão. Quer dizer que se um órgão da Administração tomar uma decisão
desfavorável a um particular e se esse não a executar voluntariamente,
esse órgão não pode usar meios coativos para impor o respeito da sua
decisão. As decisões unilaterais da Administração não têm força
executória própria, não podendo serem impostas pela coação sem prévia
intervenção do poder judicial.

Garantias jurídicas dos particulares

Os cidadãos dispõem de um sistema de garantias contra as ilegalidades e


abusos da Administração Pública. Se as leis conferem poderes de
autoridade pública aos órgãos administrativos, estes são ainda
considerados como tribunais inferiores, se excederem os seus poderes, o
particular pode recorrer a um tribunal superior. Os tribunais comuns
gozam de plena jurisdição face à AP, o que a coloca na mesma posição que
um particular ou empresa pública.  Como consequência da sujeição da
Administração a common law, a administração e os funcionários são
responsáveis pelas suas ações.
 

Sistema administrativo de tipo francês

                Este sistema é também conhecido por sistema de administração


executiva, por causa da autonomia reconhecida ao poder executivo
relativamente aos tribunais. O mesmo pressupõe uma desigualdade que
beneficia a Administração e que cria a favor dela um direito especial,
definido e aplicado por tribunais especiais.

Caraterísticas:

Separação de poderes

A administração ficou separada da justiça, por conseguinte, o poder


executivo diferencia-se do poder judicial.

Estado de Direito

Torna-se possível invocar os direitos subjectivos públicos dos particulares


contra a administração pública.

Centralização
Este sistema é caraterizado como sendo muito centralizado, todos os
serviços e órgãos não são responsabilizados pelo que fazem, visto que o
Estado responde pelos seus agentes e funcionários na prática do ato
administrativo. Com a chegada de uma nova classe social ao poder foi
necessário alterar o funcionamento da Administração, para ser possível
impor novas ideias, reformas que nasceram durante a Revolução. Os
funcionários da administração central são organizados segundo o princípio
da hierarquia. As autarquias locais, apesar de dotadas de personalidade
jurídica própria, não passam de instrumentos administrativos do poder
central.

Sujeição da Administração aos tribunais administrativos

Os tribunais comuns eram controlados pela nobreza, que tenta impedir a


aplicação do novo regime e das novas ideias. O poder político teve de
tomar medidas para impedir intromissões do poder judicial no normal
funcionamento do poder executivo. Ocorre a separação de poderes,
justificada pelo facto de se o poder executivo não poder intrometer-se nos
assuntos da competência dos tribunais, o poder judicial também não
poderia interferir no funcionamento Administração Pública. São criados
tribunais administrativos, que não eram verdadeiros tribunais, mas órgãos
da administração pública independentes e imparciais. Tinham como
funções a fiscalização da legalidade dos atos da Administração e julgar o
contencioso dos seus contratos e da sua responsabilidade civil.

Subordinação da Administração ao Direito Administrativo


Pelo facto de a administração exercer funções de interesse público e de
utilidade geral deve dispor de poderes de autoridade (ou poderes
exorbitantes), que lhe permite impor as suas decisões aos particulares,
por não estar na mesma posição que eles. Os poderes exorbitantes
permitem que a administração consiga sobrepor as necessidades e
interesses coletivos aos interesses particulares. A sujeição ao interesse
público também submete a Administração Pública a deveres e restrições
impostos pelo Direito Administrativo, que cria uma jurisdição
especializada de tribunais próprios para executar esse Direito. Os tribunais
administrativos só têm poder de anulação, não podem definir efeitos ou
condenar, só podem anular – Contencioso de anulação- por esse motivo a
garantia dos direitos do particular é mais fraca.

O privilégio da execução prévia

O direito administrativo confere a Administração um conjunto de poderes


exorbitantes sobre os particulares, diferente dos poderes normais
reconhecidos pelo direito civil aos particulares. Um exemplo de poder
exorbitante do sistema francês é o privilégio de execução prévia, que
permite a Administração Pública executar as suas decisões por autoridade
própria, sem recorrer a um tribunal. Quando um particular não executa
voluntariamente uma decisão de um órgão administrativo, o órgão pode
recorrer a meios coativos para impor o respeito da sua decisão. As
decisões unilaterais da Administração Pública têm força executória própria
que possibilita a imposição pela coação aos particulares, sem necessidade
de qualquer intervenção prévia do poder judicial.

 
Garantias jurídicas dos particulares

O Estado de direito oferece aos particulares um conjunto de garantias


jurídicas contra os abusos e ilegalidades da Administração Pública. As
garantias são efetivadas através dos tribunais administrativos, mas os
tribunais administrativos não gozam de plena jurisdição face a
Administração Pública, visto que o tribunal só pode anular o ato praticado
se for ilegal, não podendo declarar consequências dessa anulação, nem
proibi-la de proceder de certa maneira ou condená-la a tomar certa
decisão. Justifica-se pelo facto dos tribunais serem independentes perante
a administração, o que possibilita que ela também o seja. As garantias
presentes neste sistema de administração são menores que no sistema
britânico.

Evolução

                A evolução ocorrida no século XX veio determinar uma


aproximação dos dois sistemas. A aproximação pode ser identificada
através de vários aspetos:

Organização administrativa

No caso britânico ocorreu uma centralização que desencadeou o


crescimento da burocracia central, a criação de vários serviços locais do
Estado e a transferências de funções antes desenvolvidas a nível municipal
para o nível regional. A Administração francesa foi perdendo o caráter tão
centralizado que possuía, transferindo importantes funções do Estado
para as regiões, com uma diminuição dos poderes dos prefeitos.

Controlo jurisdicional da administração

Na Inglaterra surgiram os administrative tribunals (órgãos


administrativos), mas a Administração continua sujeita ao controlo dos
tribunais comuns. Em França aumentaram as relações entres particulares
e o Estado, estando as mesmas submetidas à fiscalização dos tribunais
judiciais. O controlo da aplicação do Direito Administrativo continua a
pertencer aos tribunais administrativos, apesar do aumento do número de
casos em que Administração atua sob a proteção do direito privado, e não
a luz do Direito Público. Os tribunais têm modelos diferentes, em França
existe jurisdição separada sendo os tribunais administrativos autónomos,
enquanto que em Inglaterra não existe ordem autónoma, é um tribunal de
primeira instância especializado com recurso para os tribunais normais.

Execução das decisões administrativas

Na Inglaterra os administrative tribunals tomam as suas decisões após um


procedimento administrativo As decisões são imediatamente obrigatórias
para os particulares, não necessitam de confirmação judicial prévia para
poderem ser impostas coativamente no caso do particular não aceita
cumprir (adquiriram poderes limitados de autoridade). O professor Vasco
Pereira da Silva defende que as decisões só têm execução judicial em
poucos casos, pois na grande maioria os particulares executam
voluntariamente as decisões, não havendo recusa por parte do particular
não é necessário execução coativa. O direito Administrativo francês
concede aos particulares a possibilidade de obter dos tribunais
administrativos a suspensão da eficácia das decisões unilaterais da
Administração Pública. Tal significa que as decisões só são executadas se
um particular não se opuser a isso, através do recurso a um tribunal
administrativo

As garantias jurídicas dos particulares

No sistema britânico os tribunais não podem, por regra, substituir-se à


Administração Pública no exercício dos poderes discricionários atribuídos
e limitados por lei. No caso francês os tribunais administrativos ganham
cada vez mais poderes face a Administração, já não têm só a faculdade de
anular atos ilegais, o sistema francês passou a poder obrigar a
Administração a praticar certos atos (condenação do ato devido), sob
pena de ilicitude.

Bibliografia

- freitas do amaral, diogo  – Curso de Direito Administrativo, volume I,


4ªed., Coimbra, Almedina, 2015.
- tavares, josé – Administração Pública e Direito Administrativo,  3ªed.,
Coimbra, Almedina, 2007

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