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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2021.0000478566

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº


1006930-70.2020.8.26.0566, da Comarca de São Carlos, em que é apelante/apelada
IVANILDE MARTINS DE ANGELIS (JUSTIÇA GRATUITA), é apelado/apelante
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS APOSENTADOS E PENSIONISTAS DA
PREVIDÊNCIA SOCIAL-ANAPPS.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 3ª Câmara de Direito


Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram
provimento em parte aos recursos. V. U., de conformidade com o voto do relator,
que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOÃO PAZINE


NETO (Presidente) E DONEGÁ MORANDINI.

São Paulo, 22 de junho de 2021.

CARLOS ALBERTO DE SALLES


Relator(a)
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

3ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO

Apelação nº 1006930-70.2020.8.26.0566
Comarca: São Carlos
Apelante/Apelada: Ivanilde Martins de Angelis
Apelado/Apelante: Associação Nacional dos Aposentados e
Pensionistas da Previdência Social
Anapps

Juiz sentenciante: Marcelo Luiz Seixas Cabral

VOTO Nº: 24761

DECLARATÓRIA CUMULADA COM INDENIZAÇÃO E


RESTITUIÇÃO EM DOBRO. DESCONTOS INDEVIDOS
EM BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. Insurgência das
partes em face da sentença de procedência parcial.
Declaração de inexistência de relação jurídica. Reforma em
parte. Devolução em dobro. Autora que negou ter se
associado à ré. Demandada que foi revel e que não
apresentou contrato supostamente celebrado entre as
partes. Presunção de verdade dos fatos alegados da inicial.
Contrato apresentado apenas com o recurso de apelação.
Não conhecimento, por não se tratar de documento novo
(art. 435 do CPC/2015). Pretensão da autora à
condenação da ré à devolução em dobro dos valores
descontados. Acolhimento. Aplicação do art. 42 do CDC.
Independentemente da natureza do elemento volitivo do
fornecedor do serviço, trata-se de conduta contrária à boa-
fé objetiva, por não ter havido contratação entre as partes.
Montante dos descontos. Alegação da ré de que o INSS
teria retido alguns descontos, com devolução aos
segurados. Retenção e devolução que, se ocorreu, apenas
reduzia a responsabilidade da ré. Necessidade de apuração
dos valores descontados indevidamente em liquidação de
sentença. Expedição de ofício ao INSS para informar sobre
eventuais retenções e estornos das contribuições da
Anapps no benefício previdenciário da autora. Ré que, em
relação aos valores já estornados, deverá devolvê-los de
maneira simples. Vedação ao enriquecimento sem causa
da autora. Dano moral. Pedido da demandante.
Acolhimento parcial. Dano moral in re ipsa, por se tratar
de descontos no salário de pessoa idosa e de baixa renda.
Valor descontado que se afigura reduzido. Indenização
fixada em R$ 3.000,00, com correção desde o
arbitramento e com juros a contar do evento danoso.
Sucumbência mínima da autora. Recursos providos em
parte.

Trata-se de recurso de apelação interposto em


Apelação Cível nº 1006930-70.2020.8.26.0566 -Voto nº 24761 2
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face da sentença de ps. 98/102, complementada pela decisão de p.


111, que julgou procedentes em parte os pedidos da inicial, para
declarar a inexistência de relação jurídica entre as partes,
determinando que a ré se abstenha de realizar novos descontos em
face da autora e condenando-a a ressarcir os valores descontados
indevidamente (de forma simples), a serem apurados/comprovados
em sede de cumprimento de sentença, com correção desde os
desembolsos e juros a contar da citação. Sucumbente, a ré foi
condenada ao pagamento das despesas processuais e dos
honorários advocatícios fixados em quinhentos reais.
Inconformada, a autora apela a ps. 114/127
pretendendo, em resumo, a condenação da ré ao pagamento de
danos morais em valor mínimo de dez mil reais, bem como a
condenação dela à devolução em dobro dos valores indevidamente
descontados.
A ré apela a ps. 128/140 alegando, em síntese,
que a revelia da parte não conduziria à procedência da demanda;
que não seria aplicável o Código de Defesa do Consumidor; que
teria feito parcerias com empresas, com enfoque de atendimento
ao idoso; que ofereceria aos aposentados plano de assistência do
INSS (PAAPI); que a assinatura do contrato apresentado confere
com a carteira de identidade da autora; que os descontos
realizados supostamente nos meses de maio, junho e julho de
2019 não foram repassados para a ANAPPS, ficando retidos com o
INSS; que todos os valores descontados e que foram retidos pelo
INSS serão restituídos aos beneficiários pelo próprio INSS; e que o
valor que constou no histórico de crédito (maio, junho e julho de
2019), é exatamente referente ao período narrado acima, ou seja,
de quando a Associação não estava mais recebendo os valores de
mensalidade de seus associados.
Contrarrazões foram apresentadas (ps. 151/162
e 163/171).
Autos em termos para julgamento virtual.
É o relatório.
Os recursos comportam provimento parcial.
De início, agiu corretamente o magistrado de
origem ao reconhecer a inexistência de relação jurídica entre as
partes que justificasse os descontos na aposentadoria da autora.
A demandada, por sua vez, foi citada e
apresentou contestação de maneira intempestiva, sendo
considerada revel (p. 45).
É certo que a revelia não conduz, por si, à
procedência do pedido indenizatório, mas à presunção dos fatos
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alegados na inicial.
No caso, deve-se presumir como verdadeiro o
fato de a autora não ter se associado à ré, até mesmo porque, com
a contestação, não foi apresentado qualquer contrato celebrado
entre as partes.
Na verdade, a ré apenas juntou o contrato em
sede recursal (ps. 143/148), o que não pode ser admitido, por não
se tratar de documento novo e também por não ter havido
justificativa da parte pela juntada intempestiva do documento em
questão (art. 435 do CPC/2015).
Assim sendo, diante da revelia e da não
comprovação de associação da autora, mantém-se a sentença
quanto à declaração de inexigibilidade de débitos.
Com o reconhecimento da inexistência de causa
aos descontos efetivados no benefício previdenciário, a contrário do
que constou na sentença, a devolução de valores deveria ocorrer
em dobro, nos termos do artigo 42, § 1º do Código de Defesa do
Consumidor.
Essa matéria foi objeto de exame pelo Superior
Tribunal de Justiça, em julgamento pela sistemática dos casos
repetitivos, no Tema 929, em 21/10/2020. Mesmo ainda não tendo
sido publicado o acórdão e fixada a tese de modo definitivo, seu
teor já consta de outro julgado daquela C. Corte:
(...) “a questão encontrava-se em julgamento na Corte Especial do
Superior Tribunal de Justiça, nos seguintes processos: EAREsp nº
664.888/RS, EAREsp nº 676.608, EAREsp nº 600.663/RS, EAREsp
nº 622.897 e EREsp nº 1.413.542/RS. No entanto, a despeito de
todo o esforço argumentativo da parte embargante, a
questão encontra-se prejudicada. A Corte Especial do STJ, ao
analisar o EAREsp nº 676.608/RS, em 21/10/2020, relator o
Ministro Og Fernandes, por maioria de votos, firmou
entendimento no sentido de que a restituição em dobro do
indébito, prevista no parágrafo único do art. 42 do CDC,
independe da natureza do elemento volitivo do fornecedor
que cobrou o valor indevidamente, mostrando-se cabível
quando a cobrança indevida consubstanciar conduta
contrária à boa-fé objetiva.” (STJ, 3ª Turma, EDcl no AgInt
no AREsp nº 1.565.599/MA, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas
Cueva, j. 08/02/2021 sem destaque no original).
Posição nesse sentido vem sendo afirmada
também por esta 3ª Câmara de Direito Privado:
“AÇÃO DECLARATÓRIA C.C. INDENIZAÇÃO. Descontos indevidos
em benefício previdenciário. Matéria incontroversa. Documento de
filiação apresentado pela ré, segundo a prova pericial, que
continha assinatura falsa, não emanada pela autora. Dano
material. Devolução dos valores indevidamente exigidos, em

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dobro. Medida necessária, à luz do art. 42, par. único, do


CPC. Inconteste má-fé na exigência das importâncias, à vista da
falsidade da assinatura constante do instrumento de filiação. Dano
moral configurado. Danos morais que se apresentam "in re ipsa".
Dano moral arbitrado em R$ 8.000,00. Excesso configurado.
Redução necessária, nos termos do art. 944, Código Civil, para o
equivalente a R$ 4.000,00. Precedentes. APELO PARCIALMENTE
PROVIDO.” (TJSP, 3ª Câmara de Direito Privado, Apelação nº
1007968-79.2019.8.26.0590, Rel. Des. Donegá Morandini; j.
26/11/2020 sem destaque no original).
Quanto aos valores a serem devolvidos, a autora
limitou-se a juntar um extrato de julho de 2020 (p. 19).
Em sentença, determinou-se a apuração desses
valores em liquidação (p. 101).
Evidentemente que a autora faz jus à devolução
de todos os valores descontados indevidamente, pelo menos,
desde dezembro de 2018, quando supostamente a ré foi autorizada
a receber as contribuições (p. 147).
Nesse ponto, porém, a ré alegou que, em maio
de 2019, o INSS não teria repassado os descontos, com rescisão
do contrato com a ANAPPS em agosto de 2019 e com determinação
de restituição aos beneficiários (p. 76).
Tal alegação é confirmada na notícia de junho de
2019: https://agora.folha.uol.com.br/grana/2019/06/inss-pode-
devolver-grana-descontada-de-ate-800-mil-aposentados.shtml.
Sustenta a demandada, assim, que não poderia
ser condenada à devolução daquilo que não recebeu.
Tal alegação foi afastada na sentença, porque
“se houve a efetiva retenção dos valores pelo INSS, conforme alegado
pela ré, esta deve buscar os meios próprios para eventual direito de
regresso.” (p. 101).
Entretanto, se efetivamente houve devolução de
parte dos descontos pelo INSS, a condenação da ré à devolução
em dobro implicaria em enriquecimento sem causa da autora, que
passaria a receber de volta os descontos três vezes.
De qualquer forma, em razão da conduta da
demandada, se houve descontos em 2019 (o que deve ser apurado
em liquidação de sentença), eventual estorno feito pelo INSS
apenas reduz e não afasta a responsabilidade da ré pela devolução
em dobro nos termos do artigo 42, § 1º do Código de Defesa do
Consumidor.
Vale dizer, se o desconto indevido efetivamente
ocorreu, houve dano à consumidora, sendo irrelevante a ausência
de repasse à associação.
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Com isso, o recurso da ré comporta provimento,


nos seguintes termos: (i.) em cumprimento de sentença, é ônus da
autora comprovar os descontos ocorridos indevidamente no seu
benefício previdenciário; (ii.) deverá ser expedido ofício ao INSS
para informar sobre eventual retenção e estorno das contribuições
da ANAPPS, no benefício previdenciário da segurada; (iii.) a ré
deverá devolver em dobro os valores indevidamente descontados
do benefício previdenciário da autora, com exceção daqueles
descontos em que houver o estorno pelo próprio INSS. Nessa
última hipótese, a ré é responsável apenas pelo pagamento simples
dos valores indevidamente descontados, devidamente corridos
desde os desembolsos e com juros a contar da citação.
Em relação ao pedido de dano moral, a sentença
comporta reforma.
Afinal, não se pode considerar a situação
enfrentada pela autora como um mero aborrecimento do
quotidiano.
A autora é idosa e recebe benefício
previdenciário bruto de R$ 2.538,72 (sem contar os descontos com
empréstimos consignados p. 19), decorrente de pensão por
morte.
É certo, assim, que qualquer desconto implica
presumivelmente danos à própria subsistência do indivíduo, por se
tratar de verba alimentar de pessoa de baixa renda.
Dispensa-se, assim, a necessidade de
comprovação do dano moral, que está configurado simplesmente
em razão da existência da lesão (in re ipsa).
Quanto ao valor indenizatório, por sua vez, a
quantia pleiteada na inicial é elevada. A despeito da subtração
indevida, a lesividade da conduta da apelada é diminuta em
decorrência do valor descontado (R$ 50,77, não sendo possível
precisar nesse momento em quantos meses foram realizados os
descontos).
Mostra-se mais razoável para o caso em
questão, para fins de reparação do dano, a fixação da indenização
em R$3.000,00 (três mil reais), com correção desde o
arbitramento e juros a contar do evento danoso. Com esse
entendimento:
“AÇÃO INDENIZATÓRIA DANOS MORAIS Autora que alega não
ter se associado à ré, que, no entanto, fazia descontos mensais em
seu benefício previdenciário Sentença que reconheceu a
inexistência de associação, determinando a restituição em
dobro do que foi cobrado e condenando a ré em indenização
por dano moral de R$3.000,00 Recurso da autora,

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postulando a elevação da indenização Descabimento


Descontos mensais que eram de pouca monta, e não
chegavam a comprometer a subsistência da autora Recurso
desprovido.” (TJSP, 6ª Câmara de Direito Privado, Apelação nº
1000227-53.2019.8.26.0439, Rel. Des. Marcus Vinicius Rios
Gonçalves, j. 09/08/2019 sem destaque no original).

“Apelação Cível. Indenização. Responsabilidade Civil. Dano Moral.


Desconto indevido no benefício Previdenciário da autora.
Procedência Parcial. Insurgência da autora, quanto ao não
reconhecimento do dano extrapatrimonial. Acolhimento. Prática de
ato ilícito pela Associação ré. Imposição de obrigação
reparatória, entretanto, em valor menor ao pretendido pela
apelante. RECURSO PROVIDO para condenar à ré ao
pagamento de R$2.000,00 a título de indenização por danos
morais, mantendo-se, no mais, a sentença recorrida.” (TJSP, 6ª
Câmara de Direito Privado, Rodolfo Pellizari, Apelação nº
1028976-36.2018.8.26.0562, j. 06/08/2019 sem destaque
no original).
Ante o exposto, dá-se provimento parcial aos
recursos de apelação para: (i.) determinar que a autora comprove
em liquidação todos os descontos indevidos no seu benefício
previdenciário, devendo ser expedido ofício ao INSS para que
sejam informados sobre eventuais retenções e estornos ocorridos
das contribuições da ANAPPS, no benefício previdenciário da
segurada; (ii) condenar a ré à devolução em dobro dos valores
indevidamente descontados, com correção desde os desembolsos e
juros a contar da citação, com exceção dos descontos já
estornados pelo INSS, hipótese essa em que a devolução pela ré
será simples; e (iii.) condenar a ré ao pagamento de danos morais
em R$ 3.000,00 (três mil reais), atualizados a partir do
arbitramento e com juros a contar do evento danoso.
Diante da sucumbência mínima da autora, a ré
arcará com a integralidade das despesas processuais e com
honorários advocatícios fixados em 15% (quinze por cento) sobre o
valor da condenação.
CARLOS ALBERTO DE SALLES
Relator

Apelação Cível nº 1006930-70.2020.8.26.0566 -Voto nº 24761 7

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