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SAÚDE
ESCOLA POLITÉCNICA DE SAÚDE JOAQUIM VENÂNCIO
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ
RIO DE JANEIRO- RJ
2019
RIO DE JANEIRO- RJ
2019
(Ficha Catalográfica)
1
Paulo César Santiago de Castro
2
(Dedicatória)
3
(Agradecimentos)
4
RESUMO
5
ABSTRACT
6
ABREVIATURAS E SIGLAS
BA – Bahia
BM – Banco Mundial
EC - Emenda Constitucional
7
FMI – Fundo Monetário Internacional
GM - Guerra Mundial
RP - Ribeirão Preto
8
SESC - Serviço Social do Comércio
SP - São Paulo
9
LISTA DE GRÁFICOS
10
LISTA DE FIGURAS
11
SUMÁRIO
Sumário
1 INTRODUÇÃO................................................................................................................................14
1.1 JUSTIFICATIVA.......................................................................................................................14
1.2 OBJETIVOS...............................................................................................................................14
1.4 METODOLOGIA.......................................................................................................................15
1.5 PROBLEMA..............................................................................................................................16
1.6 ESTRUTURA............................................................................................................................18
1- ARCABOUÇO LEGAL...................................................................................................................21
1- MOVIMENTOS..............................................................................................................................38
12
1.1- “Todos pela Educação”.............................................................................................................38
2 CORRENTES PEDAGÓGICAS/FILOSÓFICAS.............................................................................41
3 CONCEITOS CONFORMADORES................................................................................................45
3.1 Meritocracia...............................................................................................................................45
3.2 Empreendedorismo.....................................................................................................................45
3.3 Empregabilidade.........................................................................................................................47
5 EDUCANDO O CONSENSO...........................................................................................................49
Os intelectuais orgânicos................................................................................................................50
1.1 Omnilateralidade........................................................................................................................55
1.3 Politecnia....................................................................................................................................57
2.1 MST...........................................................................................................................................58
2.2 CUT............................................................................................................................................60
2.3 EPSJV........................................................................................................................................61
13
1 INTRODUÇÃO
1.1 JUSTIFICATIVA
1.2 OBJETIVOS
1.2.1 Geral: Analisar as principais linhas de força que modelam o sistema de ensino
brasileiro e, nomeadamente, o ensino público médio.
14
1.2.2 Específicos
1.4 METODOLOGIA
15
A análise crítica começa pela última reforma do ensino médio; trata dos antecedentes:
a Constituição Federal e as Leis de diretrizes de Bases da Educação, iniciadas em 1961, assim
como das outras leis federais que definem/definiram o quadro normativo do sistema de
educação nacional. Neste plano se incorporam contribuições de vários autores, críticos da
visão hegemônica e contrários à imposição de modelos que tornam as nossas escolas
verdadeiras máquinas a serviço do capital.
Como contrapartida, se abordam exemplos de resistência em prol da superação do
modelo vigente de escola subserviente, procurando exemplos que valorizam a escola como
espaço de transformação social.
1.5 PROBLEMA
16
capital, como o “Todos pela Educação”, este, através de fundações e organizações sociais,
como Faça Parte, Ayrton Senna, Roberto Marinho, Gerdau, Victor Civita, Abril, Bunge.
Dpaschoal, Bradesco, Santander, Vale, PREAL, Lemann, entre outras (Evangelista e Leher,
2012) têm pautado a agenda da educação há décadas. Mas a quem serve esta agenda?
Com efeito, embora a escola seja apresentada como panaceia contra a pobreza, sendo
considerada um instrumento de ascensão social (na visão que aqueles grupos hegemônicos
pretendem manter), se configura, na prática, como mais um instrumento do capital para a sua
existência, manutenção e expansão.Corrobora esta constatação Bourdieu (apud Nogueira e
Catani), para quem
Quando o assunto educação vem à baila, seja nas mais diferentes formas e ocasiões,
mídias, conversas do dia-a-dia, por mais informais que sejam, está invariavelmente vinculado
17
à empregabilidade, ao sucesso profissional e à felicidade, que, em última análise, fica
subordinada aos dois precedentes - marca importante do que denominamos, em linhas
anteriores de visão dominante. Mas o que nos encaminha a esta forma de ver a educação
escolar? Como se constrói esta visão?
São os caminhos apontados pelos discursos e ideologia (vide comentários sobre estes
movimentos e instituições no segundo capítulo), pelo percurso da história, que formaram esta
opinião dominante. Este estudo pretende debater a educação brasileira no que concerne ao seu
aspecto de formador/ forjador do homem (aqui, considerado o da classe trabalhadora)
enquanto instrumental do capital para a, como dito acima, existência, manutenção e expansão
desse capital.
Serão discutidas as principais leis da educação, mas, pelo momento e necessidade de
delimitação, haverá aprofundamento na Lei 13415/17 (“Reforma” do Ensino Médio).
Algumas matrizes ideológicas que sustentam a concepção dominante terão destaque a
fim de demonstrar como é construída a sua influência e de como, por simplistas, tornam mais
fácil a sua reprodução, principalmente pela via da educação.
1.6 ESTRUTURA
1 a opção de iniciar pela, até aqui, última se faz por uma questão metodológica, por julgar que torna mais
evidente a contextualização
18
No capítulo II – “A pedagogia da hegemonia”, será discutido como como se
concretizam os dispositivos legais do capítulo anterior visando demonstrar o predomínio das
tradicionais doutrinas conservadoras (Teoria do Capital Humano, Pedagogia das
Competências, etc.) reeditadas em versões neoliberais, e correntes reacionárias como a
“Escola sem Partido”. Trata-se de transformar a escola em fábrica de indivíduos “adequados”,
operários-extensão-de-máquinas formatados por supervisores, staffs e dirigentes
(Obviamente a construção da imagem da fábrica a que nos referimos tem o objetivo de ilustrar
que esta grande fábrica nada mais é que o mundo do capital).
A escola, sobretudo no ensino médio, com sua dicotomia (formar para o
trabalho/profissão ou para a continuidade no ensino superior) faz o papel de separar o chão da
fábrica, dos andares intermediários e do gabinete da direção (na cobertura).
As faces da ideologia merecerão destaque, uma vez que serão discutidas algumas
formas predominantes de construção da imagem da escola. A escola como promotora da
ascensão social: como esta imagem influencia e arrefece os ânimos, no sentido de promover
o conformismo, num processo que Gramsci denominou de direção intelectual e moral.
Ainda neste capítulo mostraremos como diferentes movimentos e projetos viabilizados
por fundações privadas ligadas ao capital e por grupos religiosos, “sugerem” pautas para a
educação e, com o que Gramsci denominou de intelectuais orgânicos e aparelhos privados de
hegemonia conseguem obter êxito e garantir o funcionamento da fábrica, em detrimento dos
propostas progressistas, consideradas, até hoje, perigosas e subversivas.
Não podem estar ausentes desta reflexão eufemismos tão corriqueiros como
“meritocracia”, “empreendedorismo” e “empregabilidade”, legitimadores de um sistema
selecionador e excludente.
No capítulo III – “Pedagogia contra hegemônica”, pretende-se demonstrar como os
poucos e resistentes exemplos de escola, movimentos e atitudes podem se apresentar como
contraponto ao modelo vigente e hegemônico. Como estas “ilhas” podem adquirir a força e o
tamanho continentais.
Nesta parte, serão apresentados conceitos e exemplos de educação contra-hegemônica
como apontamento para a construção de um tipo de escola que rompa com os fortes e,
aparentemente, intransponíveis e paradigmas postos pela educação que se constrói como
subserviente ao capital2 que formas possíveis podem ser construídas para a desconstrução,
demolição, destruição daquele modelo tão ruinoso à sociedade periférica.
2 No decorrer do texto, em algumas passagens, referir-nos-emos a este tipo de escola, como “escola
subserviente”
19
No capítulo 4 - “Algumas conclusões”, além destas, será apresentado um quadro
comparativo entre a visão hegemônica e a contra-hegemônica da escola com base na
construção deste trabalho.
Como foi dito na introdução, iniciaremos pelo final, ou seja, pela análise da última
reforma do ensino médio (Lei 13.415/17) para, em seguida, retornar às origens legais das
bases da educação brasileira e discutir os fundamentos teóricos, históricos e filosóficos que a
sustentam.
Há que se registrar, porém o que Gramsci (apud Coutinho, 2012) nos informa quanto à
terminologia apropriada ao instrumento. Assim, “a contra-reforma não se define como tal,
como um movimento restaurador, mas – tal como faz o neoliberalismo de nossos dias – busca
apresentar-se também ela como uma “reforma””3
Coutinho (2012, p.122) nos mostra a apropriação neoliberal do termo. Para ele
A palavra “reforma” foi sempre organicamente ligada às lutas dos subalternos para
transformar a sociedade e, por conseguinte, assumiu na linguagem política uma conotação
claramente progressista e até mesmo de esquerda. O neoliberalismo busca assim utilizar a seu
favor a aura de simpatia que envolve a ideia de “reforma”. É por isso que as medidas por ele
propostas e implementadas são mistifica toriamente (sic) apresentadas como “reformas”,
isto é, como algo progressista em face do “estatismo”, que, tanto em sua versão comunista
como naquela social-democrata, seria agora inevitavelmente condenado à lixeira da história.
Estamos assim diante da tentativa de modificar o significado da palavra ”reforma”: o que
antes da onda neoliberal queria dizer ampliação dos direitos, proteção social, controle e
limitação do mercado etc., significa agora cortes restrições, supressão desses direitos e desse
controle. Estamos diante de uma operação de mistificação ideológica que, infelizmente, tem
sido em grande medida bem sucedida.
Em outras palavras, as reformas,as reformas neoliberais (ou contrarreforma, na
visão
contra hegemônica) correspondem a um eufemismo para caracterizar um instrumento
no qual “é preponderante não o momento do novo, mas precisamente o do velho” (Gramsci,
3 grifo do autor)
20
op. cit.). Em outras palavras, não se altera a realidade (essência), apenas a aparência (Kosik),
com a finalidade de manter o status-quo. Daí a nossa opção pelo uso do termo contrarreforma
daqui por diante.
1- ARCABOUÇO LEGAL
Sobre a atual reforma do ensino médio, muitos críticos têm se posicionado. Mas dado
ao escopo desta dissertação e, a título de introdução a ela, cabe uma reprodução de um
pequeno trecho de uma entrevista de Carlos Roberto Jamil Cury, para a Revista Poli em
janeiro deste ano. Para ele, “essa reforma do ensino médio se liga a uma tendência voltada
menos para reduzir a desigualdade e mais para mantê-la.”(EPSJV,2019, p21)
4 Para um melhor entendimento, os trechos transcritos da lei, aqui, estarão já com a redação definitiva da LDB
na sua última versão. Assim, quando falamos art. 35, por exemplo, referimo-nos ao art. 35 da Lei 9394/96 em
sua redação definitiva.
5 há que se registrar que a utilização de termos como esforço, mérito e dedicação, comumente utilizados para
justificar a existência das desigualdades sociais será objeto de discussão próximo capítulo
21
mantém um projeto de vida? Numa fase em que a incerteza é a tônica, como pode um jovem
determinar com segurança o que espera do futuro?
Em que pese a determinação pessoal, é óbvio que esta pode apenas ser uma exceção,
não uma regra, e que a tal determinação, que também faz parte do discurso hegemônico, nada
mais é que uma exaltação da meritocracia (sobre a qual falaremos mais adiante), não se pode
definir nesta fase (adolescência) o que valerá para toda a vida acadêmica.
Como salienta Gaudêncio Frigotto, é óbvio que
os estudantes são muito jovens para uma escolha que vai definir o restante da sua
vida acadêmica: 40% daqueles que hoje que entram em uma universidade desistem do
curso que escolheram no primeiro ano. Você vai mandar um jovem escolher com 14, 15
anos? Isso é um absurdo, uma falsificação. (EPSJV- FIOCRUZ, 2018)
Art.36. O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum
Curricular e por itinerários formativos, que deverão ser organizados por meio da oferta de
diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto local e a possibilidade
dos sistemas de ensino, a saber: (BRASIL, 2017)
Apresentados como a verdadeira salvação para os jovens oriundos do “andar de baixo”
da sociedade, os famigerados itinerários formativos parecem destinados a aprofundar, ainda
mais o referido fosso, para aquelas classes, entre o mundo do trabalho e a continuidade nos
estudos após o ensino médio.
Corrobora esta afirmativa Oliveira, que, em artigo publicado na Revista
Trabalho, Educação e Saúde, da EPSJV, aponta
A flexibilização das escolhas, tão enaltecida pelos defensores da
contrarreforma e alardeada pelos veículos de comunicação, caracteriza-se como mais um dos
mecanismos para fazer da escola espaço de legitimação das desigualdades sociais. Em outras
palavras, a reforma expressa uma ação concreta de manter os atuais níveis de desigualdade de
acesso à escola de ensino médio, mas também serve como dispositivo para assegurar ao
capital a ampliação da disponibilidade de trabalhadores sujeitos à precarização.EPSJV,2018)
Nesta mesma publicação, Lima Filho, (2018), informa não haver flexibilidade
e protagonismo juvenil (como propagado pela dita reforma e suas peças publicitárias) quando
as escolas sequer dispõem de material, pessoal ou estrutura que deem conta de tal demanda.
22
Tudo isso, além da terminalidade precoce e forçada no processo educacional que
funciona como uma espécie de trava, que impede a grande contingente de alunos a
ascenderem ao ensino superior – numa espécie de seleção natural darwiniana aplicada à
educação.
Quanto à “Possibilidade dos sistemas de ensino”, há que se registrar que, num
contexto de subfinanciamento da educação e da saúde, com imposição de teto dos gastos
públicos (vide comentários sobre a EC 95 adiante), com um sistema de educação
extremamente sucateado, condicionar a qualidade da formação à possibilidade do sistema, ou
seja, acreditar numa eventual reversão deste quadro caótico, soa irônico e cruel - uma ilusão
banal feita apenas para dizer que há previsão legal, mas que, na realidade, nada faz mudar no
quadro da educação. Muito pelo contrário, agrava ainda mais o desinteresse de governantes
pela escola pública, uma vez que abre margem a que a iniciativa privada, em face da
“impossibilidade” do sistema público de ensino, se insira na suplência desta obrigação,
tornando por não só configurar-se em mais uma fonte de lucro (via fundo público), como
também ditar os rumos da educação.
Cury também nos adverte sobre a limitação dos itinerários formativos. Diz ele:
A outra limitação que eu vejo é que pelo menos 2500 municípios brasileiros têm
apenas uma escola de ensino médio. Como falar em opções? Como falar em opções se a
gente sabe que em boa parte dessas escolas, mesmo das outras três mil e poucas, não há um
número de professores suficiente? Estas escolas têm infraestrutura física e pedagógica para
dar conta daquilo que se espera de um bom ensino médio? Como eu vou falar de opções e
ofertar cinco itinerários com um única escola que tem carência de professor, de laboratórios,
de internet e de outras coisas? E eu tenho uma grande crítica ao quinto itinerário.
(EPSJV,ed.62, 2019, p.19)
Art. 61. Consideram-se profissionais da educação escolar básica os que, nela estando
em efetivo exercício e tendo sido formados em cursos reconhecidos, são:
…
IV- profissionais com notório saber reconhecido pelos respectivos sistemas de ensino,
para ministrar conteúdos de áreas afins à sua formação ou experiência profissional, atestados
por titulação específica ou prática de ensino em unidades educacionais da rede pública ou
23
privada ou das corporações privadas em que tenham atuado, exclusivamente para atender ao
inciso V do caput do art. 36.(BRASIL, 2017)
O texto legal possui clareza suficiente para demonstrar sua intenção, ou seja,
um ensino que dispensa professor com formação e permite a existência de um ensino no qual
as “corporações privadas” possam atender à previsão legal de “dar” educação sem obrigação
de empregar professor.
Não queremos afirmar que menos educação e educação nenhuma tenham o
mesmo valor. Mas numa sociedade na qual bancos, operadoras de planos de saúde, de
telefonia e outras “pobres” corporações que precisam ser sempre bem assistidos pelos
legisladores e governos - que sempre os socorrem em suas necessidades – vão os solícitos
cavalheiros atender também às empresas de educação, sobretudo as grandes redes privadas,
em propiciar-lhes esta mão-de-obra mais barata e dar às ditas “corporações privadas” a
prerrogativa de formar aqueles que formarão a sua mão-de-obra explorada, num círculo
vicioso.
24
“o aumento da racionalização do processo de trabalho produtor de mercadorias e a
disseminação de novos valores e práticas próprios a convivência social urbano-industrial
fazem com que a escola, cada vez mais generalizada, se constitua em um local específico de
formação para o trabalho.”(NEVES E PRONKO,2008, p.24)
Esta instrumentalização não corresponde, contudo, a uma formação que permita ao
trabalhador ou estudante possuir autonomia para escolha e evolução nos estudos, apenas o
insere na grande engrenagem capitalista interessada na fragmentação do conhecimento e na
dualidade no ensino.
Cury (op.cit.) corrobora
eu vejo com muito desagrado que a parte comum tenha ficado restrita a 1800 horas.
Eu não sei como entender aquilo que a LDB diz,sobre a consolidação e aprofundamento do
ensino fundamental como etapa conclusiva da educação básica, com opções ou itinerários que
vão, de alguma maneira, fragmentar essa formação... reduzir a parte comum a 1800 horas
quando a norma diz que se deve ampliar o ensino médio me parece um prejuízo formativo.
(p.19)
Tudo isso confirma que a lógica da BNCC responde a os interesses e anseios de seus
inspiradores: as fundações privadas do negócio educativo, Fundação Ayrton Senna,Fundação
Unibanco, Instituto Natura, Fundação Lemann, Todos pela Educação,etc.responsáveis, por
sua elaboração, em detrimento de entidades ligadas à educação pública.
Este protagonismo resultou, segundo debate da CONAPE, realizado em 25/05/2018,
num currículo tecnicista de conteúdo fechado que resulta num instrumento de fiscalização
sobre o professor e com a sua responsabilização em caso de não cumprimento da base. Além
de, por exemplo, segundo Ferraço, “atender aos interesses das empresas produtoras de
materiais didáticos” (CONAPE, 2018).
25
Em que pese a importância das disciplinas excetuadas, as demais não devem
ser relegadas a segundo plano, sob pena de tornar o ensino médio ainda mais incipiente,
favorecendo em muito a instrumentalização objetificada deste contingente de alunos à sua
inserção passiva e, por conseguinte, a crítica, no mercado de trabalho.
Sobre este assunto, questionou Cury na citada entrevista
“Como é que o aluno vai tender para as ciências humanas e as suas tecnologias
se ele não tem o conhecimento disciplinar de história e geografia?”( p.20)
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida
e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa,
seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e
o saber;
III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de
instituições públicas e privadas de ensino;
...
6 A divisão “Brasileira/ Nacional” foi feita apenas para efeito de nomenclatura, uma vez que as Leis 4024/61 e
5692/71 eram denominadas Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB) e a Lei 9394/96, talvez por
vaidade, teve o último termo das anteriores “brasileira” substituído por “Nacional” (LDBEN).
7 O marco temporal/legal inicial foi estabelecido devido ao fato de a primeira grande sistematização da educação
no nosso país datar 1961, através da Lei 4024/61
26
VII - garantia de padrão de qualidade.
“Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com o
objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir
diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e
desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações
integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas que conduzam a:
... IV - formação para o trabalho (BRASIL)
Por se tratar de, digamos, uma carta de intenções, um marco doutrinário (e não
podia ser diferente), a nossa constituição não se aprofunda nas temáticas que aborda, apenas
aponta o caminho a ser percorrido por leis específicas.
Porém, embora se coloque como democrática e no atendimento à coletividade, a
realidade - aquilo que se constata em cada sala de aula, cada escola, cada bairro, cidade,
Estado e no país inteiro – ditado por leis, decretos, regulamentos, práticas e políticas
educacionais revelam que aquelas intenções estão cada vez mais distantes de serem
concretizadas.
Embora tenha destacado alguns trechos da CF, mesmo nestes, dado ao escopo do
nosso trabalho, comentarei apenas algumas contradições, entre as várias existentes.
“Educação direito de todos, dever do Estado”:
Qualquer censo educacional nos revela uma realidade completamente diferente
(enorme contingente de crianças em idade escolar que sequer frequentam a escola, a maioria
por falta de unidades educacionais). O gráfico abaixo, ilustra parte desta realidade. Se
focarmos o ensino médio, verificaremos que, embora tenha havido um leve aumento no
percentual de alunos, entre 15 e 17 anos, que frequentavam a escola de 2016 para 2017, o
percentual de infrequentes é muito alto, chegando a quase 32%.
27
Gráfico 1 - Taxa Ajustada de Frequência Escolar Líquida
Gráfico 2 - Distribuição das pessoas de 15 a 17 anos de idade, por situação educacional - Brasil 2017
28
Quanto ao cumprimento do dever do Estado, o sucateamento da escola pública, pelo
descompromisso daqueles que governam este ente, favorece o empresariamento da educação.
Os quatro princípios do artigo seguinte, da mesma forma, resultam em falácia
oficial quando contrastados com a realidade fática. Vejamos:
Numa sociedade perpassada por um capitalismo de acumulação flexível
(HARVEY, 1992) como a nossa, a “igualdade de condições para o acesso e permanência
na escola” resulta em mera utopia, pois nem a escola pública possui tanta qualidade, nem os
filhos de classes subalternas, condições de frequentar, tampouco permanecer numa escola de
qualidade, que, se publica, não comporta a todos; se privada, por ela muito se cobra. Os
gráficos abaixo mostram como há diferença entre raças e gêneros (gráfico 3) e renda (gráfico
4) na frequência escolar do ensino médio entre 15 e 17 anos de idade.
Gráfico 3 - Taxa ajustada de frequência escolar líquida ao ensino médio segundo sexo e a cor ou raça
29
Gráfico 4 - Taxa ajustada de frequência escolar líquida ao ensino médio segundo as classes de rendimento
30
seus meios de produção do que Marx denominou de mais-valia a um custo quase sempre
suportado pelo Estado, geralmente formador desta mão-de-obra, via escola.
31
Embora tenha sido revogada pela Lei 9394/96, faremos breve comentário sobre
esta lei apenas a título de ilustração para demonstrar que a intenção que vemos hoje, de
instrumentalização da educação pelo capital, já se fazia presente bem mesmo antes dela.
“Art.31. As empresas industriais, comerciais e agrícolas em que trabalhem
mais de 100 pessoas são obrigadas a manter ensino primário gratuito para os seus servidores e
os filhos desses.” (BRASIL)
Subjaz à tal obrigatoriedade o poder de escolher o tipo de educação a ser
viabilizado, pois se era a empresa a responsável pela manutenção do ensino, certamente o
fazia em atendimento ao seu interesse, nunca do aluno.
“Art.44. O ensino secundário admite variedade de currículos, segundo as
matérias optativas que forem preferidas8 pelos estabelecimentos.” (BRASIL).
Neste e nos dois artigos seguintes, a livre escolha dos estabelecimentos nos fornece os
indícios para a caracterização de subsunção, pois se prevalecia a preferência do
estabelecimento, o critério para escolha do currículo, certamente se fazia na sua conveniência
e interesse. Este tipo de opção talvez tivesse sucesso num quadro de multiplicidade de
estabelecimentos nos quais o aluno pudesse escolher (o estabelecimento) conforme a matéria
de seu interesse – o que efetivamente, num país de sérias deficiências educacionais, não
correspondia à realidade.
“Art.51. As empresas industriais e comerciais são obrigadas a ministrar, em
cooperação, aprendizagem de ofícios e técnicas de trabalho aos menores seus empregados,
dentro das normas estabelecidas pelos diferentes sistemas de ensino.” (BRASIL)
Da mesma forma que os dois comentários anteriores, ainda que em
cooperação, a ministração de “ofícios e técnicas de trabalho’ estava a serviço da empresa. A
própria expressão em destaque denúncia que a aprendizagem não propicia um aprendizado
que levasse o aluno a um crescimento/ promoção, ainda que na empresa, mas a uma maior
produtividade, que subentende-se, seria atingida com os cursos.
Esta lei, revogada pela 9394/96, reformou a 4024/61 no que tangia aos então
primeiro e segundo graus. A transcrição dos trechos estudados está tracejada devido à
revogação daqueles artigos em leis posteriores. A opção por manter a transcrição também se
faz por opção metodológica, tal qual feito nas leis anteriormente citadas.
8 grifo nosso
32
Em todo o corpo da lei é fácil constatar que a expressão “preparação para o
trabalho” é uma das mais recorrentes, presente nos artigos 1o.,4o., e 76. Isto nos permite
inferir uma das maiores intenções do legislador, qual seja, traçar os rumos de uma educação
com viés extremamente mercadológico. Importante registrar que não é negativo vincular a
educação ao mundo do trabalho. Mas quando é este que vai formatar a educação, passa a
haver uma deformação do processo educativo.
No artigo Art.5º, parágrafo único, alíneas e) e f), temos que a flexibilização do
oferecimento de habilitações para atendimento às peculiaridades regionais davam aos
estabelecimentos a prerrogativa de criar terminalidade sem um mínimo de conteúdo e duração
fixados pelo CFE. Assim, numa sociedade na qual a maximização do lucro comanda as ações,
tal intenção se revelava extremamente deletéria, uma vez que, em última instância, seria o
estabelecimento de educação o grande beneficiado, pois sem a exigência de um mínimo de
conteúdo e duração, continuava formando alunos incipientes a um menor custo.
“Art.5º, parágrafo. Único, e) para oferta de habilitação, profissional são exigidos
mínimos de conteúdo e duração a serem fixados pelo Conselho Federal de Educação;
f) para atender às peculiaridades regionais, os estabelecimentos de ensino poderão
oferecer, outras habilitações profissionais para as quais não haja mínimo de conteúdo e
duração previamente estabelecidos na forma da alínea anterior. “
“Art. 77. Quando a oferta de professores, legalmente habilitados, não bastar para
atender às necessidades do ensino, permitir-se-á que lecionam, em caráter suplementar e a
título precário:
a) no ensino de 1º grau, até a 8ª série, os diplomados com habilitação para o
magistério ao nível da 4ª série de 2º grau;
b) no ensino de 1º grau, até a 6ª série, os diplomados com habilitação para o
magistério ao nível da 3ª série de 2º grau;
c) no ensino de 2º grau, até a série final, os portadores de diploma relativo à
licenciatura de 1º grau.
Parágrafo único. Onde e quando persistir a falta real de professôres, após a
aplicação dos critérios estabelecidos neste artigo, poderão ainda lecionar:
a) no ensino de 1º grau, até a 6ª série, candidatos que hajam concluído a 8ª série e
venham a ser preparados em cursos intensivos;
b) no ensino de 1º grau, até a 5ª série, candidatos habilitados em exames de
capacitação regulados, nos vários sistemas, pelos respectivos Conselhos de Educação;
33
c) nas demais séries do ensino de 1º grau e no de 2º grau, candidatos habilitados
em exames de suficiência regulados pelo Conselho Federal de
...
Educação e realizados em instituições oficiais de ensino superior indicados pelo
mesmo Conselho.” (BRASIL)9
35
Todo este processo teve como consequências imediatas: o aumento da pobreza e da
miséria com a inevitável elevação do contingente de dependentes de programas sociais; o
crescimento do desemprego e do subemprego; maior concentração de renda; e explosão dos
lucros dos bancos, que com o triste quadro descrito, e, favorecidos por políticas econômicas
deletérias ao povo e extremamente benéficas ao sistema financeiro, souberam explorar as
possibilidades (crescendo com a compra de bancos públicos privatizados, encampação de
instituições menores e fusões; explorando o crédito a uma das maiores taxas de juros do
mundo).
Quanto à política – e esta imbrica-se ao histórico e econômico -, o término do longo
período ditatorial não foi suficiente para uma ruptura no modelo de desenvolvimento do país,
pois, embora, a partir de 1985 tenhamos passado a ser governados por presidentes civis e
voltado a elegê-los em 1989, os nomes da política permaneceram os mesmos e, em que pese
haverem saído de uma configuração de bipartidarismo para o pluripartidarismo (este último,
trazendo à “legalidade” partidos antes proscritos), o nosso capitalismo dependente
permaneceu sucumbindo a interferência do capital externo, sobretudo dos EUA, como dito
acima.
A nossa abertura política coincidiu com um período de forte influência neoliberal,
principalmente pelos governos conservadores de Margareth Thatcher (Inglaterra) e Ronald
Reagan (EUA). Nossa economia, eminentemente dependente daqueles países de capitalismo
central, bem como de outros a eles associados, sucumbiu à seguidos ajustes impostos pelos
representantes do capital internacional (FMI, BM e BID). Assim, governo, após governo esta
realidade agravou-se.
O quadro da educação, e aqui queremos falar da pública, sofreu e sofre reflexo direto
deste sistema econômico. Os ajustes que se seguiram continuaram provocando diminuição de
recursos, achatamento salarial, desestímulo a profissões de educadores e descaracterização da
escola, tornando-a vulnerável ao ataque da sanha capitalista tanto nas políticas públicas,
quanto na influência exercida pelos aparelhos privados de hegemonia e dos intelectuais
orgânicos do capital. Sobre estes, falaremos no próximo capítulo.
36
Em que pese ser a escola, principalmente a pública, um ambiente de luta e
resistência, não se pode ignorar a necessidade de que, para o capital, se perpetue como
aparelho ideológico do Estado (Althusser), e seu instrumento de hegemonia. Daí a
necessidade de se manter dentro desta mesma escola uma resistência a este modelo
dominante, que seria uma pedagogia contra hegemônica.
Então, seguiremos esta unidade demonstrando alguns traços da pedagogia da
hegemonia. E, na seguinte, alguns exemplos de seu enfrentamento (pedagogia contra
hegemônica).
Este capítulo está dividido em cinco seções.
Na primeira, falaremos sobre dois movimentos, de caráter nacional, que têm
ditado ou tentando ditar as normas e destinos da escola brasileira, principalmente nos ensinos
fundamental e médio (o Todos pela educação e o Escola sem partido).
Na segunda, abordaremos as principais correntes, aí já não são restritas ao
nosso país, mas que dão o corolário da educação em sua subserviência aos interesses do
mercado (Teoria do Capital Humano, Sociedade do Conhecimento e Pedagogia das
Competências).
Na terceira, destacamos alguns conceitos hegemônicos que servem como
mecanismos auxiliares para levar a cabo tanto os movimentos (primeira seção), quanto as
correntes (segunda). Estes conceitos conformadores (meritocracia, empreendedorismo e
empregabilidade) funcionam como justificadores da condição de explorados dos
trabalhadores e responsáveis por tornar como sua (trabalhador) a concepção de mundo das
classes dominantes.
Na quarta, discutiremos o funcionamento da escola na consecução dos
objetivos traçados pelo capital/mercado, bem como a dualidade e fragmentação do ensino
(curso superior/mercado de trabalho).
Na última, mostraremos alguns exemplos de aplicação de conceitos
gramscianos nos exemplos de intromissão de empresas privadas, através de suas fundações
nesta escola pública (destacadamente, os intelectuais orgânicos - instituições/grupos/ONGs -
disseminadores e executores da educação subserviente).
1- MOVIMENTOS
Em que pese o reconhecimento de haver ou ter havido uma série de outros
movimentos no âmbito da educação brasileira, e, dado ao escopo do presente trabalho, é
mister a discussão em dois, que a nosso ver, se destacam como principais. Tal escolha tem o
37
fito de sustentar a nossa crítica à subserviência da escola ao capital e demonstrar que grupos,
não apenas ligados ao capital, também se apresentam com suas “contribuições” e
metodologias tendenciosas travestidas de neutras.
Assim se apresentam o “Todos pela Educação” como genuíno do capital e o “Escola
sem partido”, de segmentos religiosos e conservadores.
38
FIES e o Ciência sem Fronteiras, se venha a beneficiar a educação privada – que se configura
num verdadeiro processo de empresariamento da educação.
Não obstante os efeitos deletérios deste mecanismo à escola pública e à
população que dela se serve, há que se registrar a apropriação que o “Todos pela Educação”
começa a fazer da alma da escola pública, pois se tornou parte integrante do Plano Nacional
de Educação desde 2006. Leher (op. cit.) nos traz mais sobre isto
Para que as escolas recebam algum centavo adicional, por meio do Programa
Dinheiro Direto na Escola (PDDE), elas devem estar inseridas no Programa de Ações
Articuladas (PAR). Todas as escolas públicas brasileiras estão vinculadas ao PAR. Quando a
escola ou o município faz adesão ao Programa de Ações Articuladas tem um campo que diz:
“me comprometo a implementar as metas do ‘Todos pela Educação’ (p.60)
Em outras palavras, o “Todos pela Educação”, que prega a melhoria da
qualidade da educação através da crítica ao Estado, penetra neste mesmo Estado para
direcionar o funcionamento de suas instituições, numa ingerência sistemática para levar ao
atendimento de interesses hegemônicos, naquilo que disse Leher (2018, p.61), “o próprio
Estado assume como seu o projeto da classe dominante.”
O “todos pela Educação” encontra-se tão arraigado no sistema educacional brasileiro
que podemos, a título de ilustração, citar, segundo Evangelista e Leher (2012), alguns postos
chaves ocupados por representantes deste movimento, como
Maria Auxiliadora Rezende, Mozart Ramos e Gabriel Chalita, no CONSED; Maria do
Pilar Lacerda, na UNDIME; Fernando Haddad, No MEC; Marcelo Nery, na presidência do
IPEA; Cesar Callegari, Reynaldo Fernandes, entre outros, em representações no CNE, além
dos mencionados representantes da presidência do INEP e da Secretaria de educação Básica
do MEC”. (p.8)
e ainda Cláudia Costin, na Secretaria Municipal de Educação da Cidade do Rio de
Janeiro, de acordo com os mesmos autores.
39
de amordaçamento do professor que se pretende instaurar sob o pretexto de uma suposta
neutralidade.
Fonte: https://www.programaescolasempartido.org/
É importante perceber que tais deveres podem até retratar algum desejo justo e
legítimo, o que empresta ao movimento a simpatia imediata daqueles que não se aprofundam
no que veem e se fixam apenas em propaganda. O que se encontra por trás e em torno deste
movimento é o que efetivamente precisa ser visto.
Com uma denominação que, por si só já se constitui em um engodo, coopta a simpatia
tanto dos desinformados, quanto de setores retrógrados de nossa sociedade, num discurso
que, a título de pregar a já citada suposta neutralidade, reduz o papel socializador, formador e
integrador da escola a mera transmissora de conteúdos fechados e descontextualizados, sem
criticidade alguma. Tal engodo é demonstrado por Penna (2017), que cita o uso do direito de
40
pais ou tutores de zelar pela garantia à liberdade de crença e consciência, expresso no do
artigo 12, da Convenção Interamericana dos Direitos Humanos, pelo “Escola sem partido”
que “tenta interpretar esse artigo de maneira que afirme que a escola não deve educar; que
quem educa é a família, quem educa é a religião. E a escola deve, apenas, instruir.”
(EPSJ,p.17)
Sobre este movimento adverte Cury
O Escola sem Partido, na verdade, é uma doutrinação contra a pluralidade. A questão
da “ideologia de gênero”, a meu ver tem outro vetor, ligado à sexualidade. É muito mais uma
questão moralista do que propriamente uma questão de doutrinação. Então são dois campos
que devem ser lidos em chapas distintas. O primeiro é uma mordaça mesmo, porque não quer
permitir a pluralidade dos pontos de vista e para isso diz que a pluralidade é doutrinadora.
(EPSJV, 2019, P.21)
Na verdade, nem como movimento pode ser classificado. Trata-se apenas de uma
tentativa de imposição de uma escola que não pensa e não pretende fazer pensar. Trata-se de
uma doutrinação que diz combater uma suposta doutrinação.
Frigotto (2018) (in Stauffer, et al, 2018, p.14) define:
“A escola sem partido é a esfinge que ameaça a educação e a sociedade brasileira, e
engendra o ovo da serpente que conjuga o fascismo de mercado, o fascismo político e
mediático com a leniência do Poder Judiciário.”
2 CORRENTES PEDAGÓGICAS/FILOSÓFICAS
41
Alargando o espectro para países, equivaleria a mudanças em patamares de
desenvolvimento, ou seja, um país poderia, de subdesenvolvido, transformar-se em
desenvolvido se investisse maciçamente na formação de sua população.
A escola seria então a responsável pela dotação deste capital (humano) às pessoas e
países. O conhecimento agregado pelos processos educativos seria suficiente para distribuição
de renda e equalização social (FRIGOTTO, 2001).
Para Laval (2003), a Teoria do Capital Humano não produz equidade como
apregoam OCDE e BM. Muito pelo contrário, agrava as desigualdades. Enquanto para
estudantes dotados (de recursos financeiros), os investimentos possuem maior retorno, uma
vez que o capital investido apresenta melhor custo-benefício, pois se converte em maiores
remunerações; aos de menor poder aquisitivo, pelo contrário, que, na premência de conseguir
um emprego, precisam abandonar os estudos para ingressar no mercado de trabalho, não
correspondem melhores remunerações.
A estes, a Teoria do Capital Humano apenas os coloca no seu esperado posto.
A esta alocação, embora em épocas diferentes, teria Marx denominado de divisão social do
trabalho.
Esta teoria não considera as diversas variáveis do processo, que poderiam ser, entre
outras: a sociedade dividida em classes, a luta de classes, a divisão social e internacional do
trabalho e a manutenção da hegemonia mundial.
Embora tenha surgido no pós-guerra (2ª GM), no Brasil, cujo contexto era o de
efervescência social e a ameaça da influência cubana e soviética, os setores dominantes
apropriaram-se desta (TCH) como mais um instrumento de manutenção do poder econômico
e político.
Ainda hoje a TCH influencia a sociedade transmutada nas mais variadas
vertentes, como Sociedade do Conhecimento e Pedagogia das Competências.
42
conhecimento” e ”sociedade da informação”. Cada uma destas conceituações prega, a seu
modo, que a aquisição de determinadas virtudes como “descentralizar, globalizar, harmonizar
e dar plenos poderes para fazer” se constituem em panaceia para a humanidade, sem contudo
considerar as relações sociais, contradições de classe (ROUANET, 2003, apud NEVES e
PRONKO, 2008) e ocultando, no plano internacional, relações de hierarquia e subordinação.
Uma simples frase contida no Relatório sobre Desenvolvimento, do Banco Mundial,
pode ilustrar esta constatação:
“os países e as pessoas pobres são diferentes dos ricos não só porque têm menos
capital, mas porque têm menos conhecimento.” (BM,1999, apud NEVES e PRONKO,2008,
p.151).
Assim, torna-se fácil constatar que, para organismos internacionais tais como o BM,
UNESCO, OCDE e outros, o conhecimento é o impulsionador do desenvolvimento e, para
tanto, bastaria a existência de capital humano, somada ao investimento financeiro. A
simplicidade da fórmula (desenvolvimento=capital humano + investimento financeiro) ignora
toda a contradição existente tanto entre classes sociais, quanto entre países em diferentes
estágios de desenvolvimento, bem como a condição particular de cada indivíduo na aquisição
deste conhecimento.
Nela, não se considera, por exemplo, que países “em desenvolvimento” possuem um
desenvolvimento/capital dependente e que esta subordinação não desaparece com o
investimento no conhecimento, uma vez que, enquanto nestes se investe “x” em “y” pessoas
com conhecimento “e”, em países hegemônicos se investe “XX”… e “YY”… pessoas, com
conhecimento “WW”…, com aumento exponencial do abismo entre eles. Poderíamos ainda,
considerar a “fuga de cérebros” que os países hegemônicos conseguem promover nos
periféricos, predando os que eventualmente hajam sobrepujado o sistema excludente.
O mesmo comentário vale para as pessoas de uma mesma sociedade: não se pode
atribuir ao conhecimento um sentido equalizador em uma sociedade dividida em classes.
Num contexto no qual, segundo a ideologia da sociedade do conhecimento (Neves e Pronko),
a escola exerceria o “papel fundamental na distribuição dos conhecimentos necessários para a
adequação do processo cognitivo aos requerimentos da produção capitalista, assim como na
formação de pessoas capazes de criar, recriar e adaptar o novo conhecimento”, não se pode
ignorar a contradição e luta de classes onde o conhecimento não é concedido e sim,
conquistado e, ainda assim, não elimina a esta configuração.
43
Os “apologetas”10 da sociedade do conhecimento, segundo Frigotto, blefam e atuam
com cinismo ao pregar o fim do proletariado com sua substituição pelo “cognitariado”, que,
agora dotado de conhecimento, se qualificar, requalificar e se mantém sempre apto a
permanecer no mercado de trabalho (acompanhando suas transformações). A escola é, mais
uma vez, a promotora do tipo de sociedade “criado” por classes hegemônicas.
Ainda sobre o papel da escola, corrobora Paiva (apud Frigotto, 2003)
Não há dúvida de que as transformações nas estruturas produtivas e as mudanças
tecnológicas colocam à educação novos problemas. Mas certamente algo se simplifica. Pela
primeira vez existe clareza de que é sobre a base da formação geral e sobre patamares
elevados de educação formal que a discussão a respeito de profissionalização começa. E para
obter tais objetivos, o consenso político nunca pôde ser tão amplo, na medida em que unifica
trabalhadores, empresários e outros setores sociais. (pp.142,143)
3.1 Meritocracia
Santomé (2003, p.168) nos informa que
“o sucesso e as possibilidades de promoção são vistos como atos de competitividade
entre pessoas que, mediante esforço individual e suas capacidades naturais inatas, adquirem
os méritos necessários para ter acesso a privilégios sociais, de maneira também individual.”
Esta lógica não considera as diferentes perspectivas e interesses sociais, bem como a
oportunidade dada a cada um e que não se presta atenção às desigualdades sociais,
econômicas e políticas.
3.2 Empreendedorismo
Este conceito está quase sempre ligado a uma justificativa para a existência do
desemprego, quase um sinônimo de informalidade. Segundo a concepção neoliberal todos
igualmente possuem as mesmas chances de prosperar basta a coragem de iniciar (esta
concepção se combina com a da meritocracia).
Empreender, então, só dependeria da vontade, vocação e persistência – itens que, em
se seguindo as mais variadas “receitas” disponíveis em sites, revistas e canais de TV, o
sucesso é automático e retira as pessoas do desemprego. Reproduzimos, na figura 2, página de
um dos principais sites sobre o tema, onde exemplos de sucesso não faltam.
45
Figura 2 - “print” da página revista Pequenas Empresas Grandes Negócios
Fonte: https://revistapegn.globo.com/MEI
Tais “receitas”, no entanto, não tem sido suficiente para retirar os mais de 12 milhões
de desempregados e desocupados de sua triste realidade.
3.3 Empregabilidade
46
Na globalização dos mercados e na internacionalização dos processos produtivos, terá
melhor oportunidade aquele mais bem preparado, mais adaptado, dotado de flexibilidade,
resiliência e capacidade de convergência para acompanhar as tendências e saber inovar,
contribuindo para a superação de problemas e apresentando-se como “indispensável” num
mercado tão competitivo.(FIESP,2019)
O trecho assinalado exemplifica também aquilo que preconiza a pedagogia das
competências (flexibilidade, resiliência, adaptabilidade e inovação) frente aos desafios da
globalização.
Segundo Frigotto (2003, p.11) a idéia oficial de que a educação ou formação
profissional capacita a geração de emprego falseia a realidade, pois o que existe não é a falta
de pessoas empregáveis, mas a falta de emprego.
47
Com a expansão do capitalismo, principalmente com o processo de
industrialização aquela educação formal, descrita por Rodrigues, precisava chegar ao
trabalhador, não como bondade do Estado ou do capitalista, mas por que seria a educação
escolar, a partir daí, um dos “pilares da de sustentação do desenvolvimento das forças
produtivas, e, em decorrência, de sustentação do modo de produção capitalista”. (p.360)
Como uma educação (formal), que antes era “privilégio” de classes dominantes
e, a partir daquele momento, passou ao trabalhador, poderia continuar sendo educação de
classe? Saviani, (2003,p.137, apud Rodrigues, 2016, p.361) tem a resposta:
os trabalhadores não podem ser expropriados de forma absoluta dos conhecimentos,
porque sem conhecimento, eles não podem produzir e, se eles não trabalham, não acrescentam
valor ao capital. Desse modo, a sociedade capitalista desenvolveu mecanismos através dos
quais procura expropriar o conhecimento dos trabalhadores e sistematizar, elaborar esses
conhecimentos, e devolvê-los na forma parcelada.
É nesta divisão, ou seja, educação (parcelada) para quem trabalha e educação
integral para quem pensa, que podemos, a grosso modo, indicar o que poderia ser a origem
do que Manacorda (1989) denominou dualidade estrutural (do ensino).
Rodrigues, citando Gramsci (2000), afirma que
nas sociedades fundadas no modo de produção capitalista, a escola se apresenta
bifurcada em duas instituições: uma para formar dirigentes, outra para formar dirigidos”; e
informa também que dentro desta mesma escola, seja ela para dirigente ou para dirigido, não
há unicidade em seu interior em face da divisão técnica e social do trabalho, numa
“configuração formal da educação desigual e combinada. (p.361 e 393, nota 11)
À mesma constatação atinge Frigotto (2003), quando informa que na
medida em que o sistema capitalista se solidifica e os sistemas educacionais se
estruturam, assume nitidez a defesa da universalização dualista, segmentada: escola
disciplinadora e adestradora para os filhos dos trabalhadores e escola formativa para os filhos
das classes dirigentes. (p.34)
A escola que seleciona e exclui
Exemplos claros são os concursos para ingresso em escolas públicas de ensino médio.
As melhores não estão ao alcance dos mais necessitados. No caso das privadas, os estudantes
são transformados, segundo Santomé (2003), em “instrumentos” a serviço da promoção do
nome dessas instituições escolares, em vez de ter, com eles, comprometimento no
desenvolvimento de capacidades e valores.
48
A configuração predominante em nossas escolas públicas de ensino médio é de uma
escolha forçada entre cursar uma universidade ou adquirir o curso técnico, escolha geralmente
prevalente, uma vez que para a maior parte dos estudantes é premente a necessidade de se
empregar (embora aqui abra um outro parêntese para dizer que esta se transforma em ilusão,
pois após abrir mão do direito de tentar uma universidade, o emprego não é automático).
Pesquisa de Thrupp (1999, apud Santomé,2003) nos informa que em escolas de
ensino médio frequentadas por alunos das camadas populares, os docentes enfatizam a
dimensão prática do conhecimento, visando a postos de trabalho, ao passo que nas
frequentadas pela classe média os programas são mais acadêmicos e voltados para alunos que
vão prosseguir nos estudos. Quanto à motivação dos professores, informa a referida pesquisa
que, enquanto os daquelas são pouco motivados, os destas são mais otimistas em enfrentar as
dificuldades de sala de aula. Embora a aludida pesquisa tenha se realizado na Nova Zelândia,
não é descartável a aplicabilidade destas constatações à realidade brasileira.
5 EDUCANDO O CONSENSO
49
consenso e formador de intelectuais orgânicos, que adiante, servirão na perpetuação do status
quo.
Gramsci (apud Coutinho, 2011, p. 203) já nos advertia sobre esta possibilidade
Se não todos os empresários, pelo menos uma elite deles deve possuir a
capacidade de organizar a sociedade em geral, em todo o seu complexo organismo de
serviços, até o organismo estatal, tendo em vista a necessidade de criar as condições mais
favoráveis à expansão da própria classe; ou, pelo menos, deve possuir a capacidade de
escolher os “prepostos” (empregados especializados) a quem confiar esta atividade
organizativa das relações gerais exteriores à empresa.
Muitos são os grupos empresariais, empresas, ONGs que se tornaram stakeholders da
educação brasileira, com capacidade econômica e política, mas, infelizmente, com direção em
detrimento do que Gramsci chamou de classes subalternas. Citaremos alguns, como abaixo,
mas, em face do escopo de nosso trabalho, comentaremos sobre quatro deles.
● Abag (vide exemplo 1)
● Sistema “S” (vide exemplo 2)
● Fundação Getulio Vargas – FGV (vide exemplo 3)
● Fundação Vale (vide exemplo 4)
● Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID)
● Confederação Nacional da Indústria
● Federação Brasileira dos Bancos (FEBRABAN)
● Fundação Carnegie
● Fundação Ford
● Fundação Itaú Social
● Instituto Ayrton Senna
50
a própria Abag, 75 escolas, 25 cidades, 14 mil alunos e 120 professores (ABAG/RP, 2013,
apud Dipieri, 2018).
51
Exemplo 3: FGV11: Criada como instituição formadora de profissionais para atuarem
na administração pública e privada, e, devido à sua natureza jurídica de fundação, teve desde
a sua criação, participação importante do empresariado, motivo pelo qual
A FGV exerce constante e intensa atividade de difusão da concepção burguesa
de mundo por intermédio da promoção, co-promoção e participação em eventos locais
nacionais e internacionais, em especial, congressos, conferências, seminários, em todas as
áreas da Ciências Humanas e Sociais aplicadas em que atua. (NEVES,et al, in NEVES, 2010,
p.161)
A FGV desempenha papel de destaque na formação de intelectuais orgânicos
da burguesia. Não raro, são profissionais ali formados os dirigentes de grandes
conglomerados empresariais, bem como presidentes de estatais e até Ministros de Estado.
Mas, dado ao escopo do presente trabalho, é necessário e suficiente o foco na atuação de
especialistas (formados pela FGV) que, não raro, travestidos de uma suposta neutralidade. são
chamados a falar sobre economia, administração, política entre outros, e disseminar a visão de
mundo da burguesia, que por estas autoridades apregoada, passa a fazer parte do senso
comum, no que Gramsci denominou de direção moral e intelectual.
Não podemos deixar de mencionar os diversos índices da FGV que se tornaram
oficiais do governo brasileiro, tais como IPA, IPC, IPC para direcionamento tanto da
economia e políticas de governo, quanto das estratégias das empresas. Como contraponto e,
por isso, desprezado e não desejado por governos e empresas, o DIEESE, órgão ligado aos
sindicatos cujos resultados são sempre muito diferentes daqueles, também divulga seus
índices, constituindo-se numa espécie de intelectual orgânico contra hegemônico.
A linha editorial da FGV, segundo Neves (2010), através da Editora FGV, conta com
algumas das principais publicações tais como: Revista Brasileira de Economia, Revista de
Direito Administrativo e Conjuntura Econômica, Revista de Administração de Empresas e a
Revista de Administração Pública e Estudos Históricos
Na área educacional, sua atuação se consolida através de educação continuada,
intercâmbio internacional, MBA, mestrado e doutorado formando, como dito acima, os
intelectuais orgânicos da burguesia.
Como influenciadora direta de programas de governo podemos citar, entre outros,
segundo Neves (2010), o PDRAE (governo Fernando Henrique Cardoso) de Luiz Carlos
Bresser Pereira, baseado em seus estudos como pesquisador da FGV. que reformou a
11 A opção pela citação desta instituição não foi feita pela sua atuação em escolas públicas e sim pela sua
relevância na formação dos intelectuais orgânicos da burguesia (ver NEVES, cap 4)
52
aparelhagem de estado brasileira para o que a autora chamou de “neoliberalismo de terceira
via”
Exemplo 4: A Fundação Vale, através de “parceria” 12 com escolas públicas, segundo
Araújo (2018) desenvolve os seguintes projetos em municípios no entorno de suas usinas/
minas: Casa do Aprender, Roda de Conversa, EJA – Professores Especializados em Educação
de Jovens e Adultos, EC – Estação do Conhecimento, Vale Juventude, Programação
Educativa no Trem de Passageiros – Teletrem.
Cada um desses projetos, guardadas as respectivas peculiaridades de público
alvo e comunidades atendidas, prospera devido ao combate à precariedade do ensino que a
referida fundação promete promover.
Não obstante o nosso reconhecimento desta precariedade, sabemos do senso de
oportunidade que carregam as classes hegemônicas – e aqui, o representante é a Vale – de
usarem os mais variados canais para disseminar sua ideologia, num trabalho que Gramsci
denominou “educar o consenso”, levando ao apassivamento das populações atendidas,
incutindo nelas, por exemplo, uma proclamada mitigação dos efeitos devastadores da
atividade mineradora no meio ambiente e nas pessoas, através do atendimento escolar
“exibido como um fio condutor do desenvolvimento local.”
Tudo isso não obstante o
silenciamento sobre o papel da própria empresa na precarização dos processos de
trabalho, no bloqueio às lutas populares por educação, saúde, habitação, saneamento e
transporte público, sem falar da própria questão ambiental que, invariavelmente, sofre a
devastação provocada por toda empresa mineradora de grande escala.” (ARAÚJO, apud
STAUFFER et al,2018, pp.226 e 227).
No próximo capítulo, entraremos no contraponto à escola subserviente. Discutiremos
alguns conceitos e iniciativas que podem sobrepujá-la.
12 A opção de pôr entre aspas o termo “parceria” tem o fito de ressaltar que o desenvolvimento dos referidos
projetos, tal qual o já citado da Abag são levados a cabo dentro de escolas públicas, com instalações e parte
pessoal vinculados às escolas nas quais são veiculados, bem como se operam através do mecanismo da renúncia
fiscal.
53
CAPÍTULO 3 – PEDAGOGIA CONTRA HEGEMÔNICA
1.1 Omnilateralidade
55
gerações, sem divisões de grupos ou castas” (p.215), em horário integral, promover a inserção
do jovem na atividade social com autonomia, iniciativa e estudo feito coletivamente, com
assistência dos professores e dos melhores alunos.
Ele sugere ainda uma possível gradação na organização desta escola. Assim teríamos
duas fases, quais sejam:
inicial - com três a quatro anos de escolaridade (elementar) - Nela, seriam
contempladas noções instrumentais (ler, escrever, fazer contas, geografia, história), direitos e
deveres; noções de Estado e sociedade. O ensino seria, dada a faixa etária, mais dogmático,
com disciplina de estudo e controle “autoritário” (grifo nosso);
Especializada - com até seis anos de escolaridade (fase criadora)- Nesta, o trabalho
passaria a mais autônomo e independente; haveria autodisciplina intelectual e autonomia
moral. O ensino levaria a uma decisão mais madura, ou seja especialização de caráter
científico (universidade) ou especialização de caráter “imediatamente prático-produtivo”
(p.217) (trabalho/ profissão).
Importante registrar que, enquanto na escola unitária proposta por Gramsci, a
sequência após o que seria hoje o ensino médio é uma escolha a disposição do aluno, na
escola brasileira (conforme visto em capítulos anteriores), tal escolha praticamente inexiste
nos estratos sociais inferiores, tornando-se, na maioria dos casos, forçosa a inserção no
mercado de trabalho em detrimento do prosseguimento em curso superior (sobre isso, vide
novamente, o gráfico 2 do capítulo 1).
Leher (2018, p.312) cita a Comuna de Paris (1871) como um modelo de escola
unitária:
É a Escola da Comuna que sustenta, na prática, que todos os trabalhadores devem
receber uma formação científica e tecnológica que permita transformá-los em intelectuais no
processo de produção, e recusa a separação entre quem manda e quem obedece, quem pensa e
quem executa. E que isso demandaria um conhecimento científico muito sólido por parte da
classe trabalhadora.
Em síntese, e citando mais uma vez Frigotto (2003), a escola unitária seria aquela que
rompe com qualquer dicotomia presente na escola subserviente: teoria e prática; trabalho
manual e trabalho intelectual; ensino científico (propedêutico) e ensino profissionalizante;
conhecimentos gerais e conhecimentos específicos, técnico e humanista. E este rompimento
não se faz com fórmulas mirabolantes, nem com soluções inventadas por gênios, mas na
unidade dialética entre cada um daqueles pólos, através da práxis, numa construção que parta
56
da “realidade dada dos sujeitos sociais concretos” (pp. 178 a 181), pois, segundo Leher
(2018,p.71), “essa é a escola que nega o fundamento da escola capitalista.”
1.3 Politecnia
14 Para Marx, o esquema trifásico consiste em identificar três momentos históricos do processo de trabalho
produtivo e da qualidade profissional: o artesanato (idade média), a manufatura (Séc. XVI ao XVIII) e a
maquinofatura (a partir do Séc. XIX) (RODRIGUES, 1998, pp. 56 e 57)
57
afirma Frigotto (apud Rodrigues, 1998), o mundo do trabalho deve ser trazido para dentro da
escola como forma de desmistificá-lo e, sob a perspectiva proletária, apreendido em em todas
as suas dimensões.
2.1 MST
58
hegemônicas. Isso possibilitará sua qualificação para atuar junto a uma realidade diferenciada
de suas experiências cotidianas, superando a fragmentação do conhecimento.(p.51)
6 Meurer e David informam que enquanto a escola convencional, com conceitos
fragmentados e desvinculados da realidade, serve à manutenção do status quo e formação de
mão-de-obra para o mercado capitalista, a escola itinerante do MST estabelece um diálogo
entre os conhecimentos sistematizados e o mundo vivido. “Esse diálogo exige
comprometimento, que se viabiliza através do reconhecimento da realidade do outro, das suas
necessidades, comprometendo-se com a emancipação coletiva.” (p.49)
Em outras palavras, a escola itinerante do MST é concebida, trabalhada, vivida
e pensada na perspectiva de seu público alvo, o homem do campo. Este, por sua vez, não se
resume a um grupo de pessoas que, como criticou Freire (2006), funcionavam como
receptáculos de conteúdos da educação bancária, proposta pelas escolas convencionais, mas
que nesta escola itinerante adquirem formação problematizadora, crítica, cidadã e, por
conseguinte, contra-hegemônica.
2.2 CUT
Como um dos programas do Projeto Nacional de Qualificação Profissional (PNQP)
CUT/ Brasil, o Programa Integração desenvolveu-se entre 1999 e 2002 e atendeu aos ensinos
fundamental e médio, com terminalidade em ambos. Este programa, com o fito de superar a
dicotomia já falada em capítulos anteriores (ou seja, ensino propedêutico-ensino
profissionalizante), propunha formular
experiências tendo como base uma concepção integral de educação, tomando o
trabalho como princípio educativo na construção do conhecimento historicamente
acmulado e, portanto, devendo ser incorporado no processo de educação geral,
simultaneamente ao enriquecimento científico e cultural da formação técnico-
profissional. (CUT, 2003,p.18)
Dado ao seu caráter eminentemente classista, e aqui estamos discorrendo sobre uma
entidade que, desde sua origem, apresenta discurso e prática contra-hegemônicos, o seu
projeto demonstra, entre outras, as seguintes características:
1 Rompe com a estrutura curricular formal de grade de conteúdo por disciplina;
2 Centralidade do trabalho na construção curricular;
3 Pedagogia problematizadora;
59
4 Formação ampla e crítica;
5 Educação integral contra a fragmentação das disciplinas
A formação profissional, que para o empresariado consiste em mero
treinamento de habilidades do trabalhador para a maior produtividade, para a CUT é
entendida como “o exercício de uma concepção radical de cidadania. A CUT recusa a
concepção de formação profissional como simples adestramento ou treinamento ou como
mera garantia da promoção de competitividade dos sistemas produtivos” (5º CONCUT, 1995,
p.52, apud CUT, 2003, p.19).
Como o fazer pedagógico parte da experiência e propostas formuladas pelos
trabalhadores, estes se reconhecem, como sujeitos históricos, que intervêm coletivamente nos
espaços onde estão inseridos, bem como, também coletivamente, constroem conhecimento -
não o recebendo passivamente como na escola subserviente.
Importante registrar que o Projeto Integração, que obteve certificação em todo
o Brasil (p.159), não se restringiu a determinado segmento de trabalhadores, atendeu a
trabalhadores urbanos e rurais, formais e informais, assalariados e desempregados, numa
amplitude de espectro que demonstra sua aplicabilidade em políticas públicas de qualquer das
esferas e, por isso, apresenta-se como opção contra-hegemônica à escola subserviente.
2.3 EPSJV
62
5 Contudo, o futuro do ensino continuará sendo uma assinatura em aberto; A
escola é e continuará sendo resultado da confrontação de forças contrapostas. As formas e
espaços de resistência são múltiplos e mutantes. Cada setor entra na resistência pelas vias e
forças de que dispõe. Os trabalhadores do ensino público vêm denunciando há muito tempo e
em todos os países, a ofensiva privatizadora patrocinada pelas unidades de choque do grande
capital mundializado: FMI, Banco Mundial, OMC e OCDE.
Todos os docentes sofrem e percebem a oposição cada vez mais radical entre o
modelo mercadista de ensino e o modelo republicano (res-publica) de escola, cujos principais
traços resumimos a seguir.
POSIÇÕES CONFRONTADAS
63
Mercado fetichizado participantes da vida
democrática, através de
Estados livremente
constituídos.
Com todo o exposto até aqui, podemos encerrar, sintetizando, com uma transcrição de
Santomé (2003, p.38)
É preciso não esquecer que o mercado é condicionado por grupos de poder econômico
e político que pertencem a um contexto institucional, legislativo e cultural que controlam e
orientam. Só a partir de estruturas mais democráticas e participantes, como podem e devem
ser as instituições públicas, é possível contra-arrestar os efeitos perversos de um mercado em
que as possibilidades de incidir em sua orientação estão tão desigualmente repartidas entre a
população. Educar significa oferecer a cidadãos e cidadãs conhecimentos e habilidades para
analisar o funcionamento da sociedade, e para poder intervir em sua orientação e
estruturação. Isso inclui também gerar capacidades e possibilidades de obter informações para
criticar esses modelos produtivos e essas instituições do Estado quando não funcionam
democraticamente e favorecem os grupos sociais mais privilegiados.
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