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FACULDADE CATÓLICA SANTA TERESINHA

BACHARELADO EM SERVIÇO SOCIAL

FRANCISCO DAS CHAGAS DOS SANTOS ALVES

SERVIÇO SOCIAL E TRABALHO: DA BUSCA PELA IDENTIDADE


PROFISSIONAL À PRECARIZAÇÃO LABORAL EM TEMPOS NEOLIBERAIS

CAICÓ-RN
2021
FRANCISCO DAS CHAGAS DOS SANTOS ALVES

SERVIÇO SOCIAL E TRABALHO: DA BUSCA PELA IDENTIDADE


PROFISSIONAL À PRECARIZAÇÃO LABORAL EM TEMPOS NEOLIBERAIS

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado como requisito para obtenção
do grau de Bacharel em Serviço Social da
Faculdade Católica Santa Teresinha,
Curso de Serviço Social.

Orientador: Prof. Me. Sebastião Caio dos


Santos Dantas

CAICÓ-RN
2021
CATALOGAÇÃO NA FONTE
Faculdade Católica Santa Teresinha
Biblioteca Madre Franscica Lechner
A474s Alves, Francisco das Chagas dos Santos.

Serviço Social e Trabalho: Da Busca pela Identidade Profissional a


Precarização Laboral em Tempos Neoliberais / Francisco das Chagas
dos Santos Alves. – Caicó, RN, 2021.

87f.

Orientador(a): Prof. Me. Sebastião Caio dos Santos Dantas.

Monografia (Bacharelado em Serviço Social) – Faculdade Católica


Santa Teresinha. Curso de Graduação em Serviço Social.

1. Caicó- Monografia. 2. São Fernando- Monografia. 3.


Serviço Social- Monografia. 4. Alienação- Monografia. 5.
Precarização do Trabalho- Monografia I. Alves, Francisco das
Chagas dos Santos. II. Faculdade Católica Santa Teresinha. III.
Título.
2.

RN/BU/FCST CDU 331.47


Catalogado por Régio Neri Galvão de Araújo CRB15-897/0
FRANCISCO DAS CHAGAS DOS SANTOS ALVES

SERVIÇO SOCIAL E TRABALHO: DA BUSCA PELA IDENTIDADE PROFISSIONAL


À PRECARIZAÇÃO LABORAL EM TEMPOS NEOLIBERAIS

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado como requisito para obtenção
do grau de Bacharel em Serviço Social da
Faculdade Católica Santa Teresinha,
Curso de Serviço Social.

MONOGRAFIA APROVADA EM 23/04/2021

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________
Prof. Ms. Sebastião Caio dos Santos Dantas
Faculdade Católica Santa Teresinha
(Orientador/a)

_________________________________________________
Prof.ª Ozeane Araújo de Albuquerque da Silva
Faculdade Católica Santa Teresinha
(Examinador/a)

_________________________________________________
Profª. Ma. Raquel Sales de Medeiros
Faculdade Católica Santa Teresinha
(Presidente da Banca)
DEDICATÓRIA

Dedico essa monografia primeiramente aos meus pais, Seu Gilvan Alves e
dona maria de Fátima, por serem minha base ética e moral, como também minha
inspiração e exemplo a ser seguido diante das dificuldades que encontramos durante
nossa vida, desde já saibam que vocês são muito especiais em minha vida.
Dedico a todos os professores desde o jardim de infância, por terem sido
primordiais no meu processo de aprendizagem e conhecimento crítico, vocês mudam
vidas para o melhor.
Ao corpo docente da Faculdade Católica Santa Teresinha, por serem
fundamentais na minha construção ética e crítica, compromissada com os princípios
éticos que regem a profissão do/a assistente social.
À minha orientadora de pesquisa Priscila Brandão pela ajuda no processo de
construção, que serve como base, desta monografia.
Ao meu orientador desta monografia Sebastião Caio pela grande ajuda e
orientação na construção deste trabalho, que sem dúvida será bastante enriquecedor
para a comunidade acadêmica diante da grande qualidade de orientação.
Aos meus colegas discentes que foram fundamentais também na construção
ética e crítica no processo de minha formação.
AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente à Deus.


Aos meus pais, Gilvan Alves e Maria de Fátima, por serem minha inspiração de
vida e por terem me proporcionado, mesmo com dificuldades, os caminhos certos em
minha formação, vocês sempre serão minha base, motivo de minha existência.
Ao corpo docente da Faculdade Católica Santa Teresinha todo o meu
agradecimento, por terem sidos fundamentais e essenciais no meu processo de
evolução e desenvolvimento crítico, ético e político, vocês são muito especiais, e
merecem tudo de melhor, e continuem propagando e despertando o conhecimento
crítico onde vocês estiverem.
Agradeço em especial aos docentes Sebastião Caio e Priscila Brandão, por
terem me dado a honra de tê-los juntos no processo de formação deste trabalho de
conclusão de curso, pela paciência e pelo compromisso e gabarito ético, teórico e
técnico que vocês seguem, de forma comprometida com a profissão do/a assistente
social.
Agradeço aos meus colegas de curso do serviço social, por todo o
companheirismo, ajuda e solidariedade no processo de aprendizagem e
conhecimento crítico vividos nesses últimos quatro anos.
Em especial, aos meus colegas Hiorrana Larissa, Maria do Rosário, Nadir
Mayara, Júnior e Emmeline, por terem sidos grandes colegas e companheiros ao
compartilhar grandes momentos de alegria, descontração e risadas nesta jornada; e
por dividirem e ajudarem a superar todas as dificuldades e angústias vivenciadas
neste processo crítico de aprendizagem.
Ando devagar porque já tive pressa
Levo esse sorriso porque já chorei demais
Hoje me sinto mais forte, mais feliz, quem sabe?
Só levo a certeza de que muito pouco eu sei
Ou nada sei
(RENATO TEIXEIRA)
RESUMO
O presente trabalho estabelece uma análise histórico dialética acerca das múltiplas
facetas que essa categoria teve na história, mediante a sua necessidade social como
subsistência as sociedades. Parte da reflexão acerca das relações sociais
hierárquicas estabelecidas na Idade Média, apresentando a sociabilidade existente na
manufatura, numa comparação existente socialmente entre as classes sociais da
época e posteriormente com a nova sociabilidade burguesa com uma reflexão sobre
as mudanças societária e laborais que passaram a existir, dando enfoque a correlação
de força existente entre trabalho e capital e suas consequências refletidos no modo
de viver dos sujeitos. Somado a este fato também é abordado a situação laboral e
social em tempos atuais, dando foco a novas morfologia do trabalho existentes
atualmente, e o reflexos dessa para com a classe trabalhadora mediante a
precarização social e laboral que ela proporciona. Junto a isso há a problematização
sobre a constituição histórica do serviço Social, apontando suas diversas
transformações teóricas e metodológicas na busca por sua identidade e desalienação
profissional e consequente aprimoramento em relação a sua posição societária de
lutar pela garantia de direitos. Por fim, mas não menos importante, o trabalho traz uma
análise sobre a pesquisa referente a precarização laboral do trabalho dos/as
assistentes sociais nas cidades de Caicó e São Fernando – RN, na qual são
abordados, mediante os relatos das profissionais, limites, problemas e desafios ao
fazer profissional destes mediante toda a precarização existente no mundo do trabalho
em tempos liberais.

PALAVRAS CHAVE: Caicó; São Fernando; Serviço Social; Alienação; Precarização


do trabalho
ABSTRACT
The present work establishes a dialectical historical analysis of the multiple facets that
this category had in history, through its social need as subsistence societies. It is part
of the reflection about the hierarchical social relations established in the Middle Ages,
presenting the sociability existing in manufacturing, in a comparison that existed
socially between the social classes of the time and later with the new bourgeois
sociability with a reflection on the societal and labor changes that came into existence,
focusing on the correlation of existing force between work and capital and its
consequences reflected in the way of living of the subjects. Added to this fact is also
addressed the labor and social situation in current times, focusing on new morphology
of work currently existing, and its reflection on the working class through the social and
labor precariousness it provides. Along with this is the problematization about the
historical constitution of social service, pointing out its various theoretical and
methodological transformations in the search for its identity and professional
dealienation and consequent improvement in relation to its corporate position of
fighting for the guarantee of rights. Finally, but not least, the paper brings an analysis
on the research regarding the labor precariousity of the work of social workers in the
cities of Caicó and São Fernando - RN, in which they are approached, through the
reports of professionals, limits, problems and challenges when doing their professional
through all the precariousization existing in the world of work in liberal times.

KEYWORDS: Work; Caicó; San Fernando; Social Work; Alienation; Precariousization;


Relative Autonomy
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 12

2 O SIGINIFICADO SÓCIO HISTÓRICO DO TRABALHO: UMA ANÁLISE


HISTÓRICO DIALÉTICA. ......................................................................................... 14

2.1 AS RELAÇÕES LABORAIS E SOCIAIS NA MANUFATURA: DA SERVIDÃO À


NOBREZA A BUSCA PELA AUTONOMIA COMERCIAL PELA BURGUESIA...... 16

2.2 A ASCENSÃO DA BURGUESIA E A NOVA RESTRUTURAÇÃO LABORAL: A


DEPENDÊNCIA AOS MEIOS DE PRODUÇÃO E O CONSEQUENTE DESGASTE
LABORAL DOS SUJEITOS ................................................................................... 18

2.3 CAPITAL VERSUS TRABALHO: A PRECARIZAÇÃO EXISTENTE MEDIANTE


A CORRELAÇÃO DE FORÇAS ............................................................................ 20

3 A ESPECIFICIDADE HISTÓRICA E ESTRUTURAL DO TRABALHO EM SUAS


DIVERSAS MORFOLOGIAS: ENTRE A ALIENAÇÃO, PRECARIZAÇÃO E
FLEXIBILIZAÇÃO. .................................................................................................... 24

3.1 CRISE E REESTRUTURAÇÃO DO CAPITAL E SUAS CONSEQUÊNCIAS .. 25

3.2 O NEOLIBERALISMO E A NOVA MORFOLOGIA DO TRABALHO ................ 29

3.3 O PRIVILÉGIO DA SERVIDÃO ....................................................................... 31

4. SERVIÇO SOCIAL: IDENTIDADE, TRABALHO E PRECARIZAÇÃO................. 34

4.1 O TOMISMO COMO CORRENTE FILOSÓFICA ............................................ 35

4.2 O INÍCIO DA ASSISTENCIA SOCIAL INSTITUCIONALIZADA, AINDA SOB


UMA AÇÃO ALIENANTE ....................................................................................... 38

4.3 O POSITIVISMO E O FUNCIONALISMO COMO CORRENTE FILOSÓFICA: A


BUSCA PELA CIENTIFICIDADE DO FAZER PROFISSIONAL ............................ 40

4.4 O SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL ................................................................... 42

4.5 A IMPORTÂNCIA DO MOVIMENTO DE RECONCEITUAÇÃO DO SERVIÇO


SOCIAL BRASILEIRO PARA A BUSCA PELA IDENTIDADE PROFISSIONAL.... 45

5 PESQUISA SOBRE A PRECARIEDADE DO TRABALHO DAS ASSISTENTES


SOCIAIS NAS CIDADES DE SÃO FERNANDO E CAICÓ-RN ................................ 51

5.1 ASPECTOS METODOLÓGICOS .................................................................... 53


5.2 ANÁLISE DOS RESULTADOS ........................................................................ 55

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 81

APENDICE A - QUESTIONÁRIO UTILIZADO NA PESQUISA COM AS


ASSISTENTES SOCIAIS .......................................................................................... 84

REFERÊNCIAS......................................................................................................... 86
12

1 INTRODUÇÃO

O trabalho como categoria sócio histórica, mediante a sua ação transformadora


da natureza, define a sociabilidade de determinada sociedade através da interação
entre os sujeitos, que acaba se perpetuando com o passar no tempo, seja através de
uma relação hierárquica, seja através de uma relação econômica ou mercantil, que
deveria ser obtida de forma igualitária, mas como foi observável historicamente,
acabou sendo de forma desigual, opressiva e exploratória entre os indivíduos.
Nesse sentido, a categoria trabalho se mostra necessária para maior análise
acerca da sua importância para a manutenção social dos indivíduos em relação a
interação e subsistência destes advindo da praticidade das relações laborais, como
também se faz importante compreender os reflexos resultantes das relações históricas
entre os indivíduos através do trabalho, sendo este um fator determinante para o bem
estar social, quando exercido como um direito através de normas e convenções que
visem assegurar a segurança não só laboral, mas também social dos sujeitos.
Logo, no que tange à questão dos direitos, torna-se também importante
enfatizar a conquistas desses mediante reações identitárias de determinado grupo de
uma sociedade que se encontra em posição social inferior a outro determinado grupo
que, tendo em vista as relações dominantes e hierárquicas obtidas ao longo da
história, tentam se manter em hegemonia. No que cerne as conquistas referentes as
políticas sociais, o Serviço Social surge inicialmente através de uma ação alienada,
alienadora e alienante caritativa para com o trato das vulnerabilidades sociais, e
posteriormente como protagonista para a efetividade e garantia dos direitos sob uma
ação crítica.
Com base nisso, o presente trabalho visa problematizar, através de uma
análise histórica, o modo de como a sociabilidade da sociedade se deu mediante as
múltiplas transformações existentes na categoria trabalho, que resultaram nos
diversos modos de produção. Tendo como análise inicial a manufatura, com uma
reflexão acerca de como a sociabilidade entre os indivíduos nessa época se deu,
sendo este fato um modelo comparativo para o outro modo de produção que o
sucedeu, o modo de produção maquinofaturado ou capitalista, na qual também é
problematizado a respeito das múltiplas características desse sistema, não só por
envolver questões econômicas, mas também societárias acerca de como os
indivíduos se interrelacionam nesse sistema.
13

Essa análise traz à tona todo um leque de reflexões acerca de como a


sociedade se estabeleceu economicamente e socialmente através de suas múltiplas
relações mercantis e sociais, partindo da questão hierárquica, da subserviência de um
grupo subalternizado a outro hegemônico absoluto, isso na manufatura. Até o
estabelecimento de uma nova sociabilidade, pautada inicialmente, numa organização
social direcionada sob a noção de direitos fundamentais e universais, mas que acaba
ressignificando as relações sociais em econômicas, através do acúmulo de riquezas
de uma nova classe hegemônica, em detrimento de outra classe subalternizada, que
apenas tem sua força de trabalho como subsistência.
Somado a esta análise, pois também é uma consequência histórica da questão
referente à luta pelo bem estar social, está a reflexão acerca da origem da assistência
social, na qual são abordadas as inúmeras vertentes filosóficas que fizeram parte da
constituição crítica do Serviço Social, tendo enfoque para a questão do protagonismo
histórico desta categoria, desde a busca inicial e alienante pelo bem estar moral, de
forma caritativa, até a sua forma crítica e totalitária atual na luta pelos direitos dos
sujeitos sociais sob uma intervenção efetiva contra as expressões da questão social.
Tendo em vista esses apontamentos que compõe o presente trabalho, se faz
necessário também destacar a pesquisa contida no mesmo, intitulada a precarização
do trabalho das/os assistentes sociais nas cidades de São Fernando e Caicó – RN,
tem como foco principal entender a realidade laboral desses profissionais mediante o
contexto atual liberal, que envolve todo um processo degradante das relações
laborais. O mesmo tem como princípio norteador de estudo e análise o método
histórico e dialético, visando entender toda a totalidade referente à observação dos
fenômenos sociais, que permeiam o exercício profissional destes profissionais com o
objetivo de problematiza-los e traçar estratégias para a superação dos desafios
encontrados.
Sendo assim, trona-se primoroso enfatizar a importância do estudo contido
nesse trabalho para a compreensão da conjuntura atual neoliberal, por permear nas
relações sociais e laborais, uma vez que incide diretamente no fazer profissional
dos/as assistentes sociais. Logo é necessário que tal estudo proporcione discussões,
não só no ambiente acadêmico, mas também na própria sociedade, acerca da
necessidade de traçar estratégias que visem a reafirmação profissional da categoria
diante do novo mundo do trabalho flexível e precarizado.
14

2 O SIGINIFICADO SÓCIO HISTÓRICO DO TRABALHO: UMA ANÁLISE


HISTÓRICO DIALÉTICA.

Entender a categoria trabalho em tempos atuais é, antes de tudo, refletir sobre


os processos de transformação que tal categoria sofreu por influência sócio cultural e
política, como consequência de inúmeras crises políticas e de acumulação de
riquezas, derivadas de ações de controle produtivo e de controle hierárquico sobre as
manifestações das classes subalternizadas. Forma de análise materialista dialética e
histórica essa, fundamental para entender todos o processo estrutural que envolveu a
categoria trabalho ao longo do tempo.
Nesse sentido, se faz necessário atentar ao que Marx (2017) pensa sobre o
trabalho, caracterizando-o enquanto categoria fundante do ser social, pois é através
do trabalho que os indivíduos conseguem constituir sua sociabilidade, como também,
garantir sua subsistência. É através do trabalho que tais indivíduos, na maioria das
vezes, de forma teleológica, conseguem transformar a natureza em que vivem, e
consequentemente a si mesmos, uma vez que eles depositam toda a sua
subjetividade no meio em que vivem, e consequentemente no que produzem mediante
transformação do meio.
Diante disso, se faz importante também refletir historicamente acerca de como
tais ações de controle produtivo e político hierárquico aconteceram e,
consequentemente, como as características produtivas derivadas dos processos
produtivos impactaram na construção do ser social e na sociabilidade entre os
indivíduos.
O período compreendido entre o fim da idade média e início da Idade moderna,
mostra bem a questão referente a categoria do trabalho como característica fundante
do ser social, que sofre interferência política e hierárquica referente a questão as
limitações encontradas no mudo do trabalho, quando o camponês ou vassalo
dependia da terra arrendada ao suserano para obter seus meios de subsistência.
Nota-se com isso, de acordo com Pirenne (1982) a relação de dependência que
o vassalo tinha em relação à terra que pertencia ao suserano, pois essa característica
delimitava a sua ação social, uma vez que boa parte do que era produzido pelo
vassalo era dada como tributo para o suserano pelo uso da terra. Logo, essa
circunstância possibilitava uma exploração e consequente acumulo de riqueza para o
15

suserano em detrimento da limitação sócio econômica de dependência por parte do


vassalo.
Torna-se lógico então, segundo Netto (1981) que, o significado do trabalho para
os indivíduos explorados (vassalos) era ligado apenas a subsistência conforme a
influência sócio política e cultural do suserano. Fica então caracterizado que nesse
período tais indivíduos exerciam um trabalho abstrato1 relacionado a sua subsistência,
pois dependiam da terra arrendada, e boa parte dos utensílios obtidos ou
materializada do trabalho destes ficava com o suserano sob forma de imposto pelo
uso da terra.
Através disso, torna-se notório a questão da precarização laboral, uma vez que
os indivíduos dessa época eram não só desprovidos de direitos sociais e laborais, pois
não havia uma perspectiva de bem estar social2 para eles mediante a serventia e da
dependência da terra pertencente ao suserano.
É notório, com esse fato, o pensamento de Marx (2017) acerca do
estranhamento do indivíduo, sobre a questão da exploração existente entre essas
classes predominantes, desde os tempos pré-capitalistas, em que a subjetividade e
individualidade de tais classes ou sujeitos eram desapropriadas conforme os
privilégios e a hierarquia social vigente, que detinha o mando dos meios produtivos,
no caso em específico, a terra.
Todavia, as crises pré-capitalistas que assolaram a Europa e dos abusos
socioeconômicos feitos pela alta classe social proporcionaram uma reação contra
hegemônica. Foi despertada uma consciência coletiva acerca da necessidade da
maior organização socioeconômica das classes subalternas, principalmente advindas
dos artesãos, pequenos comerciantes e mestres de oficio.
À priori, como consequência disso, surgiram as guildas, espécie de
associações compostas pelos profissionais anteriormente citados no intuito de se
obter maior autonomia liberal e comercial diante da nobreza da época. Como
consequência disso, a questão do trabalho realizada pela classe subalterna nas
guildas passou a ter características com o que Marx pensa acerca da necessidade do

1 Marx cita como trabalho abstrato, o trabalho desprendido pelo proletário que foi tratado como uma
mercadoria, pelo fato deste ter vendido o que ele fez, conforme a sua habilidade, como moeda de troca
para determinado fim, logo seu trabalho teve um valor de troca.
2 A situação de bem estar social defendida por karl Marx faz referência a um estado em que a sociedade

usufrua de todos os direitos de forma igual, sem preconceitos, e desigualdades em todas as suas
vertentes. Logo isso só é obtido através da superação do capitalismo com a emancipação completa
dos sujeitos.
16

trabalho à plenitude social, através de uma ação teleológica, pensada sob uma
concretude ou uma finalidade própria para o mesmo ser social que criou determinada
mercadoria.
Nesse sentido, os objetos e toda a organização laboral presenciadas nas
guildas, através dos artesãos, mestres de oficio, camponeses, dentre outros,
passaram a ter maior importância em relação ao seu valor útil, de uso, pois o mesmo
detém todas as características e técnicas próprias dos indivíduos que produziram.
Isto posto, convém destacar que o resultado advindo do trabalho, passara a ter
um valor não só para quem fez determinada mercadoria ou obra prima, mas também
para quem procurava trocá-lo, através do escambo.
Pois, segundo Marx (2017), todo o conteúdo ou matéria obtida do processo
laboral é constituído de características ou qualidades próprias de quem fez, como
também do local de onde foi feito. Logo, o objeto feito através de uma ação
transformadora, e derivada de uma matéria prima encontrada na natureza, passara a
ter um valor útil ou de uso que detinha em suas características ou qualidade, todo o
dispêndio de esforço e cuidado para construir determinada mercadoria.
Percebe-se então até aqui, que parte do desenvolvimento histórico produtivo
caracterizado inicialmente, diante do fato histórico produtivo de trabalho de serventia
do vassalo ao suserano, através da terra para sua subsistência, no final da idade
média, passou-se de uma questão de dependência e serventia da terra, para uma
relativa autonomia produtiva ou laboral marcada inicialmente nas guildas, o que
acabou caracterizando uma nova sociabilidade marcada pela manufatura.
Em consonância com isso, é notável também conforme a autonomia
encontrada nas guildas, uma noção ou consciência coletiva acerca das necessidades
e liberdades que os indivíduos lá encontravam. Logo vem à tona a questão de Marx
(2017) sobre o significado do trabalho para o ser social genérico, ou seja, o ser que
se encontra pleno e realizado em suas atividades sociais e laborais numa
sociabilidade.

2.1 AS RELAÇÕES LABORAIS E SOCIAIS NA MANUFATURA: DA SERVIDÃO À


NOBREZA A BUSCA PELA AUTONOMIA COMERCIAL PELA BURGUESIA

Tendo em vista tal fato, se faz necessário também refletir sobre o significado
do trabalho ocorrido no período de tempo analisado até então. Como citado
anteriormente, a relação de trabalho existente nas sociedades pré-capitalistas e pós
17

medieva era caracterizado por um trabalho de serventia, abstrato, relacionado à terra


para subsistência da classe subalterna (vassalo). Pirenne (1982)
Entretanto, de acordo com Franco (1988), depois de assolada por diversas
crises sócio culturais e econômicas na Europa, a relação de trabalho passara a ter
uma maior autonomia para a classe subalternizada com o advento organizacional e
de consciência coletiva encontrada nas guildas, conforme a liberdade encontrada em
tais localidades, em que a dependência laboral à terra passara a ser própria das
classes subalternas.
O trabalho então nesse novo período e sociabilidade, caracterizado pela
manufatura, tem seu significado concreto próprio e próximo do criador que construiu
algo, com suas características ou qualidades, na qual tem o valor de uso derivado de
qualidades do criador.
Entretanto, conforme a efervescência dos acontecimentos sócio históricos que
eclodiram na Europa, derivados de todo um interesse político e societário,
principalmente de uma classe que passara a estabelecer força e notoriedade. De
acordo com Santos (2012), devido ao seu caráter revolucionário, junto a questão do
despertar do senso crítico iluminista, a burguesia despertou uma reflexão contra os
abusos dos altos gastos das nobrezas e do clero, criticando a justiça parcial, ainda
baseada nos costumes.
A burguesia na Europa no final do século XVIII junto as demais classes
subalternas, segundo Hobsbawn (1977) atentou-se contra a nobreza, com o propósito
de conquistar uma nova sociabilidade, baseada na liberdade, igualdade e fraternidade
entre os seus indivíduos.
Porém, conforme aponta Marx (2002), a classe revolucionária, que foi
fundamental para enfrentar e acabar com grande parte do absolutismo no final do
século XVIII, passara a ter um viés político ideológico conservador diante das crises
sociais e políticas que se instalaram após as revoluções burguesas. Essa
característica mostrou-se visível devido a intenção das classes burguesas, de obter
maior influência social e econômica através da expansão comercial e adoção de uma
tecnologia, ainda rústica, para dar maior praticidade aos negócios.
18

2.2 A ASCENSÃO DA BURGUESIA E A NOVA RESTRUTURAÇÃO LABORAL: A


DEPENDÊNCIA AOS MEIOS DE PRODUÇÃO E O CONSEQUENTE DESGASTE
LABORAL DOS SUJEITOS

Logo surgem as primeiras fábricas, e junto a isso toda uma nova especiaria de
trabalho baseado na produção de mercadorias, feitas de forma coletiva, sistemática,
numa quantidade de horas estipuladas e negociadas entre trabalhador e empregador.
Tal revolução no modo de trabalho, segundo Pirenne (1985) acabou ganhando
grande espaço social, devido não só a influência econômica e política da classe
burguesa, mas também pelo fato dessa nova modalidade de trabalho não sofrer
interferência de intempéries climáticas. O fator climático atrapalhava e muito o modo
de trabalho manufatureiro, pois nessa situação, havia uma grande dependência em
relação a questão da qualidade e tratamento da terra, devido sua importância para
obter a matéria prima para a produção de objetos.
Como consequência, houve um forte êxodo rural para áreas urbanas devido a
localização estratégica das fábricas para o escoamento de mercadorias. Com isso,
deu-se início a um novo ciclo do trabalho, baseado na construção coletiva de
mercadorias, e elaborado num espaço de tempo estipulado pelo empregador, na qual
o ganho do trabalhador pela construção de determinada mercadoria se dá de uma
nova forma, através do salário.
À primeira vista, se tem uma impressão que essa nova forma de trabalho
poderia ser melhor devido as questões referentes a não dependência da terra ou da
natureza, como também à questão de uma relativa facilidade produtiva, que passara
a ser coletiva junto a questão dos aparatos tecnológicos, na premissa de obter maior
praticidade e agilidade a produção.
Todavia, torna-se evidente, conforme os fatos anteriormente apresentados, que
tais características não passaram de uma alienação, numa contradição que envolve
aproveitar e explorar o máximo da força de trabalho através de uma imposição ou
subsunção do capital, feita mediante a todo um conjunto produtivo, que envolve
competitividade e concorrência. Marx (2017)
Com as fábricas e as indústrias, o capitalismo passou a ditar todo o conjunto
de regras e influências sociopolíticas e culturais sob o meio social. Logo, a classe mais
afetada foi a trabalhadora, classe essa que antes dependia somente de sua terra para
19

sua subsistência, depois passara a depender do capitalista, detentor dos meios de


produção.
No tocante à categoria do trabalho, na recém sociedade capitalista ou industrial,
o trabalho passara a ser coletivo, mas fragmentado, elaborado em funções ou partes
para desenvolver ou fabricar determinada mercadoria. Tais funções requeriam uma
certa especialidade ou qualificação 3 de quem executava, e é através disso que o
comportamento competitivo e dependente à nova forma de trabalho industrial passara
a ser perceptível.
Alia-se a essa questão, da dependência no trabalho industrial, o fato de que tal
atividade laboral passara a ser motivado pelo salário, pois para determinada função,
é acordado entre empregado e empregador o valor caracterizado pelo valor de troca,
referente ao que o trabalhador irá ganhar por participar do processo de produção de
determinada mercadoria.
Nota-se então, que a questão do salário, segundo Marx (2010) característico
da sociabilidade burguesa, denota toda uma alienação, pois o mesmo é calculado
conforme a exigência do mercado, através das suas oscilações entre oferta e procura
de mercadorias, como também era levado em conta os gastos referentes a
manutenção dos meios de produção.
O trabalho industrial ficara então caracterizado pela exploração intensiva da
força de trabalho, conforme a apropriação da mercadoria produzida, como também,
por meio da apropriação não só do tempo laboral do trabalhador, mas também do
tempo social, uma vez que no início da sociabilidade do capital, não havia leis
especificas para o trabalho, que era exercido de forma intensiva.
Tal característica mostrou-se evidente a precarização do trabalho com o
propósito incessante de obter lucro e acumulação de riquezas, em detrimento de uma
exploração intensiva da força de trabalho sob condições desumanas, onde homens,
e principalmente mulheres e crianças, que tinham seu valor de troca mais baratos,
eram submetidos a situações de trabalho degradante, sem nenhuma perspectiva de
segurança laboral.
No tocante a essa situação, torna-se claro o pensamento de Marx sobre o
estranhamento do ser social do ser genérico,

3 Ao capitalismo é fundamental ter mão de obra disposta e qualificada para desenvolver determinada
função, pois quanto mais treinada menor será o tempo para produção de determinada mercadoria.
20

O trabalhador, portanto, só se sente à vontade em seu tempo de folga,


enquanto no trabalho se sente contrafeito. Seu trabalho não é voluntário,
porém imposto, é trabalho forçado. Ele não é a satisfação de uma
necessidade, mas apenas um meio para satisfazer outras necessidades. Seu
caráter alienado é claramente atestado pelo fato, de logo que não haja
compulsão física ou outra qualquer, ser evitado como uma praga. O trabalho
exteriorizado, trabalho em que o homem se aliena a si mesmo, é um trabalho
de sacrifício próprio, de mortificação. (MARX 2017; p.196)

Logo, através da citação de Marx, nota-se a descaracterização do ser social


que o trabalho alienado existente no capitalismo provoca no indivíduo, pois ele acaba
sendo um fardo social para este, do que uma inspiração ou satisfação pessoal e social.
Concomitante a isso, ocorre também a questão da subsunção que o capital,
através do trabalho, impõe em relação ao proletário, uma vez que o mesmo, de forma
alienada, acaba entrando numa situação de dependência e submissão em troca pela
sua subsistência.

2.3 CAPITAL VERSUS TRABALHO: A PRECARIZAÇÃO EXISTENTE MEDIANTE A


CORRELAÇÃO DE FORÇAS

Nesse sentido, mediante a dependência do capital, motivado por toda uma


série de influências e interesses políticos e econômicos, levou os indivíduos de forma
alienada a depender da nova forma organizacional do trabalho existente no capital,
mesmo sob condições desumanas.
O trabalho no capital, em detrimento do trabalho manufaturado, que tinha no
trabalho um caráter social, na qual indivíduos se realizavam em sua criação de uma
mercadoria dotada de toda a sua subjetividade e objetividade - como também era o
mesmo indivíduo que dava o valor de uso 4 a seu objeto, passara a ter caráter abstrato,
pois conforme a forma organizacional fragmentada do trabalho nas fábricas ou
industrias, os trabalhadores são desassociados do que produzem, ou seja, não
presenciam a concretude do que estão produzindo, como também são desapropriados
de sua criação (mercadoria) pelo valor de troca (salário) antes negociado.
Por outro lado, torna-se fundamental também enfatizar que tal precarização
provoca uma relação de mercantilização da vida entre o empregador e o empregado,
na qual para o primeiro, só interessa o lucro e o acúmulo de riqueza. Essa

4Marx traz à tona o conceito de valor útil ou valor de uso, que é o valor que caracteriza as qualidades
ou técnica aplicadas para a produção de determinada mercadoria, pois a mesma detém todo um
conjunto de subjetividade, referente ao esforço e técnica aplicada que acabam agregando valor.
21

característica Marx cita como reificação 5 do capital, onde o sistema capitalista


passara a ver os indivíduos como se fossem coisas ou mercadorias, sem qualidades
ou importância social, mas sim laborais, somente para serem explorados a fim de
gerar riquezas.
Tal categoria, mostrou-se também em consonância com a subsunção6 dos
indivíduos ao capitalismo, uma vez que esse sistema mantém os sujeitos nele
envolvidos, sob controle e exploração, num contexto de precarização das condições
laborais. Um fato ou característica que denota explicitamente isso, é o desemprego
estrutural 7presente no capitalismo, pois é por meio da dependência que o capital
provoca nos indivíduos, através da sua forte influência sócio econômica e cultural.
Nesse sentido, Segundo Marx,

A grande revolução provocada na sociedade pela concorrência, a qual


dissolveu as relações dos burgueses entre si e com os proletários em puras
relações monetárias, transformou todos os acima mencionados “bens
santificados” em artigos de comércio e destruiu todas as relações naturais e
tradicionais dos proletários, como, por exemplo, as relações familiares e
políticas, junto com todo o seu arcabouço ideológico. (MARX 2002; p.360)

Logo, para o trabalhador, somente resta-lhe aceitar as condições laborais


impostas pelo empregador de forma precária, uma vez que há todo um exército
industrial de reserva disposto a trabalhar também para garantir sua subsistência. Já o
empregador ou capitalista, apropria-se da riqueza produzida pelo trabalhador não só
de forma abstrata, mas também alienante, através da mais valia.
Caracterizada pelo maior dispêndio de força de trabalho, como também de
tempo de trabalho realizado pelo trabalhador em relação ao valor de troca antes
estipulado, que permanece inalterado em relação a maior exploração do trabalho, a

5 Reificação, no pensamento Marxista, refere-se à questão de transformar algo abstrato em objeto.


Logo no sistema capitalista tal processo acaba também incidindo sobre a força de trabalho, onde toda
a sua subjetividade é deixada de lado, e consequentemente acaba sendo vista com um objeto, uma
coisa, sem sentimentos, com uma necessidade para ao capital somente de reproduzir mercadorias.
6 Marx fala sobre subsunção o processo na qual o capitalismo deixa os indivíduos subalternos

submissos ou dependentes, tal característica se dá economicamente, diante da dependência aos meios


de produção e da alienação referente ao valor de troca ou salário, onde os processos produtivos são
ditados pelos donos de tais meios; como também devido a influência política, com o privilégio sobre a
noção de direitos no capital que de tempos em tempos agem, diante de uma precarização intencional,
para controlar e amenizar, as reações advindas dos trabalhadores.
7 Marx fala sobre desemprego estrutural a característica presente ou inerente ao capital para continuar

o processo de exploração, pois diante de toda a precarização presente no modo de produção capitalista
e na sociedade, sempre haverá alguém que esteja desempregado disposto para ganhar valor de troca
para garantir o mínimo de subsistência. Logo, através disso, é perceptível o processo produtivo e
chantagista ao qual o capital impõe sob a força de trabalho.
22

mais valia torna evidente o caráter intensivo da exploração do trabalho e expropriação


do tempo social do trabalhador, uma vez que ela se dá como reflexo da subsunção e
da reificação que o capital mantém sob a classe operária, tendo o exército industrial
de reserva como uma espécie de estratégia para constranger laboralmente o
trabalhador.
O que importa para o capitalista é o acúmulo de riquezas concomitante a
influência política. Como consequência disso, da precarização e da degradação
decorrentes das formas e ambientes de trabalho, o meio social da Europa acabou
sofrendo um processo degenerativo referente ao aumento da mortalidade decorrente
não só das péssimas condições laborais, mas também da violência. Reflexo da falta
de políticas públicas, sociais e laborais derivadas da contradição existente entre
trabalho e capital, por meio da acumulação de riqueza da classe burguesa em
detrimento da exploração ou da mortificação do ser social da classe proletária.
Haja visto tal situação degradante, de acordo com Netto (1981), a nova
configuração laboral coletiva existente no capitalismo, mesmo estranhada no
processo produtivo, proporcionou uma organização dos trabalhadores como reação a
precarização existente. A classe operária começou a se organizar no objetivo de obter
melhores condições de trabalho, aliado a correntes críticas de pensamentos que
tornavam públicas e explícitas a exploração sofrida pela classe operária.
Como consequência, segundo Huberman (1985) em meados do século XIX
surgiram associações livres de trabalhadores, que mais tarde se unificaram em
sindicatos para protestar e reivindicar direitos referentes à segurança do trabalho.
Com isso, é notório o pensamento de Marx, quando este cita a importância da
consciência de classe em si, e que tal consciência surge de um fomento crítico, ou
através da necessidade humana, do senso de justiça natural, diante de sua
degradação psicossocial provocada pelo capital.
O Estado como reação à organização da classe trabalhadora, segundo
Behring & Boschetti (2011), age de forma repressora, com o intuito de desmobilizá-la,
uma vez que, através dos protestos e das greves, o lucro da classe burguesa acabou
sendo prejudicado. Não obstante, vem à tona a afirmação de Marx sobre a relação
antagônica entre capital e trabalho, na qual ambos se necessitam tanto para a
subsistência, por parte dos proletários, quanto para manutenção do lucro e
consequente acúmulo de riquezas, por parte da burguesia.
23

Com isso, na correlação de dependência e de força existente entre capital e


trabalho, o Estado burguês, no objetivo de manter a classe operária sob controle,
acaba cedendo em parte com relação à efetivar direitos como as férias e a
regulamentação referente a carga horária para 8 horas.
Tais conquistas foram fundamentais para a reafirmação da organização da
classe trabalhadora mediante os abusos e exploração da classe burguesa. Todavia,
o capital, tendo a classe burguesa como sua maior representante, no intuito de manter
as taxas de lucro e acúmulo de riqueza, acabou intensificando e inovando as relações
de trabalho através de um maior incentivo ou emprego de trabalho morto nas
indústrias.
24

3 A ESPECIFICIDADE HISTÓRICA E ESTRUTURAL DO TRABALHO EM SUAS


DIVERSAS MORFOLOGIAS: ENTRE A ALIENAÇÃO, PRECARIZAÇÃO E
FLEXIBILIZAÇÃO.

No início do século XX houve a intensificação do trabalho e da produção de


mercadorias, diante de uma nova formação do trabalho, para atender as demandas
advindas da tendência mundial de consumo, baseado na produção de itens voltados
a comodidade e facilitação das atividades domésticas, produtivas e de locomoção,
diante do avanço tecnológico que eclodira.
De acordo com Netto (2009) a partir disso, iniciou-se uma reestruturação
produtiva e laboral, que passara a ser chamada fordismo, devido a sua característica
de produção em massa, com vista a atender as demandas do novo perfil consumidor
da época. Com isso, as relações de trabalho e produção passaram a ter maior
exploração com a adoção de uma nova configuração laboral, baseada na produção
em série, tendo em vista inicialmente a questão da qualidade e durabilidade da
mercadoria.
Logo, foram adotadas as esteiras de produção para atender as grandes
demandas advindas do novo padrão de consumo, como também foi agilizado o
processo de trabalho nas indústrias, que acabou caracterizando uma relação laboral
fragmentada, na qual os indivíduos participantes desse processo acabaram
recebendo funções em partes para a construção de determinada mercadoria.
Tal fato, denota e explicita a questão da alienação do trabalho através de uma
atividade rígida, repetitiva e estranhada, em que os indivíduos, que desse processo
participam, são explorados e chantageados mediante o avanço tecnológico com a
adoção de trabalho morto, do desemprego estrutural e da maior extração de mais
valia, para serem mais produtivos e eficazes, isso sem uma perspectiva de segurança
do trabalho. Harvey (2013)
Em decorrência disso, foram inúmeros os acidentes de trabalho, como também
o adoecimento físico e psicológico ocorrido nas indústrias através da alta demanda de
trabalho, como também da repetição das atividades laborais, fragmentadas nas
funções.
Concomitante a isso, o capital assumiu uma nova estrutura mercantil, a
concorrência, tida como ação mercantil fundamental em seus primórdios, através do
25

livre mercado ou laissefaire8 com sua mão invisível, Adam Smith (1982), dá lugar a
uma nova era monopolista do capital, caracterizada pelo grande controle mercantil,
feito por corporações através de suas influências econômicas e políticas.
Característica essa, que acabou interferindo na competividade mercantil, e
gerando grande acúmulo de riquezas às corporações que acabaram se sobressaindo
contra outras devido as suas influências econômicas e políticas, como também pelo
controle a questão dos preços, da oferta e demanda presentes no mercado.
Tal fato, segundo Behring & Boschetti (2011) aliado à superprodução mercantil
presente no fordismo, acabou sobrecarregando o mercado financeiro, pois mediante
a precarização social da época, pela qual somente os capitalistas tinham poder de
compra, em detrimento de uma classe proletária que só detinha de sua força de
trabalho para garantir a sua subsistência, resultou numa grande demanda de produtos
comercializados para consumo à uma pequena demanda de consumidores aptos ou
com capital para comprar.

3.1 CRISE E REESTRUTURAÇÃO DO CAPITAL E SUAS CONSEQUÊNCIAS

Como consequência dessas características, no ano de 1929, o sistema


capitalista sofreu sua grande crise de produção devido à grande demanda de
produção, em detrimento de uma pouca demanda de procura para consumir as
mercadorias. Logo, como denota Netto (2009), o mundo se encontrou em pleno
colapso econômico e social devido ao grande desemprego ocasionado pelo capital,
para controlar as margens de prejuízo por causa da superprodução. Foi conveniente
então ao capital, controlar a oferta de mercadorias através da destruição dessas para
torná-las escassas no mercado, e consequentemente, atender a demanda de procura.
Diante disso, ficou evidente a questão da subsunção do capital em relação a
força de trabalho, uma vez que quem sofreu com o grande impacto da grande
depressão econômica de 1929 foi a classe trabalhadora, pois mediante sua condição
de dependência em relação ao capital para subsistência, e conforme a diminuição da
produção, ela se viu desamparada, abandonada sem direitos a curto prazo que
possibilitasse dá-lhes segurança, enquanto estivessem desempregados.

8 Termo francês usado por Smith em sua obra a riqueza das nações, que em português significa deixe-
se fazer, tal termo, caracteriza o fenômeno na qual Adam Smith toma como reflexão de como o mercado
financeiro deve funcionar, através da demanda de produção e consequente procura por produtos para
o consumo, o mercado consegue se auto regular, por isso não é necessária a intervenção estatal na
economia.
26

Como reflexo disso, o mundo se viu em atenção acerca da necessidade de


tomar medidas econômicas e sociais para superar a grande crise do capital, pois o
liberalismo econômico foi posto em questionamento como reflexo da precarização
social e da economia quase estagnada. Foi necessária a intervenção estatal para
injetar grande quantidade de dinheiro ou capital através de investimentos em
infraestrutura, empregando assim grande quantidade de mão de obra no ramo da
construção civil, no intuito de facilitar o escoamento de mercadorias.
Em reação a isso, o modelo administrativo econômico fordista passou por
diversas reformulações concomitantes com o novo modelo produtivo taylorista,
através de um novo controle de produção que enfatizava a eficácia, eficiência e
controle de qualidade, como também o aumento salarial advindo de maior
produtividade. Nota-se então, o caráter alienante do modelo taylorista também,
principalmente no que tange ao controle de produção com um conjunto determinado
de requisitos para a esta, com o pressuposto de que o trabalhador quanto mais
trabalharia mais valor de troca ele teria.
Porém, é notável, como refletido anteriormente, a questão de como o salário
no capital está intrinsecamente ligada com o aumento do lucro, junto com a mais valia,
pois o capitalista só aumenta o valor de compra de sua mão de obra conforme o
aumento do lucro advindo da maior exploração e mais valia.
De acordo com Antunes (2006) Tais modelos, através da intervenção estatal
acabaram aumentando a taxa de lucro das grandes corporações, uma vez que mesmo
sob injeção de capital no setor público, ocorrido com o New Deal, acabou fomentando
o consumo de boa parte das mercadorias, que até então estavam escassas. O novo
ethos de produção industrial Taylorista acabou se intensificando na segunda guerra
mundial, principalmente através da necessidade de produção de mercadoria bélica.
Logo as relações de trabalho e produção foram intensificadas mediante a situação
emergencial, para suprimir o alto gasto de mercadoria bélica, foi intensificada então a
exploração laboral, como também a mais valia.
Nesse sentido, de acordo com Hobsbawn (1995), a segunda guerra mundial
deixou a sociedade perplexa com os seus acontecimentos, que acabaram ferindo e
explicitando características de uma sociedade ainda doente, xenofóbica e
preconceituosa, ao infligir os direitos humanos fundamentais vistos nos campos de
concentração nazistas e nas bombas atômicas de Hiroshima e Nagazaki.
27

Concomitante a isso, a Europa entrou numa crise profunda social e econômica, na


qual diversos países como a Alemanha estavam sob ruínas.
Em detrimento disso, Os Estados Unidos, vencedores da segunda guerra
mundial, através do seu poderio bélico, e grande influência mundial que acabara
ganhando após o episódio das bombas atômicas, acabou criando um plano
econômico para reestruturar economicamente e socialmente os países que saíram
arruinados.
Conhecido como o Plano Truman, segundo Behring & Boschetti (2011), ele
tinha como objetivo o investimento feito pelos Estados Unidos para reerguer
economicamente os países que saíram prejudicados na guerra. Tal acordo, acabou
propiciando uma dependência econômica quase que mundial em relação aos Estados
Unidos. Logo esse país acabou se tornando o berço do capitalismo na metade do
século XX.
No decorrer de tais acontecimentos, o mundo se voltou para a necessidade
social de criação de políticas sociais e públicas para combater a precarização social
e humana, que foi consequência da segunda grande guerra. Com isso, foram
conquistados uma série de direitos trabalhistas, como também houve uma maior
empregabilidade de força de trabalho para a reestruturação produtiva na Europa. É
criado o modelo sócio político Welfare State (Estado de bem estar social) com o
propósito de enfatizar a necessidade de criar um Estado sob perspectiva de direitos,
mais regulador economicamente, com vistas a garantir maior sustentabilidade social.
Contudo, no que cerne o pensamento de Marx, acerca da alienação não só nas
relações produtivas existentes no capital, mas também políticas, ficou evidente que
tal modelo foi criado no intuito de amenizar a situação social de revolta e precarização
das classes subalternas mediante do acúmulo de riquezas que as grandes
corporações ganharam na segunda grande guerra. Um fato de demonstra isso, foi a
proximidade aos sindicatos no intuito de negociar em partes certos direitos em relação
ao trabalho, em detrimento da perca de outros.
Isso foi evidenciado, de acordo com Antunes (2006), com o aumento dos
empregos informais em detrimento de medidas que puseram fim à estabilidade de
empregos, principalmente do setor público. Tal característica foi perceptível, em
específico no Brasil, na qual o governo militar golpista criou benefícios como o PIS,
PASEP e o FGTS em detrimento da extinção da garantia de trabalho estável, no
28

momento em que determinado trabalhador entrasse no setor público, ou com certo


tempo era beneficiado com tal garantia no setor privado.
Todavia, nota-se que a questão ou formação do Estado de bem estar social, se
deu de forma mais efetiva nos países europeus e norte-americanos. Já a maioria dos
países da América Central e do Sul não tiveram a formação de um Estado de Bem
Estar Social.
De acordo com Hobsbawn (1995), conforme a polarização política que se
encontrava o mundo após a metade do século XX, entre os blocos econômicos e
políticos capitalista (Com os Estados Unidos sendo maior representante) e o
comunista (sendo a União Soviética maior representante) houveram diversos conflitos
políticos e golpes de Estado na maioria dos países do centro e sul americanos,
patrocinados pelos Estados Unidos.
Logo, tal fato denotou o caráter destrutivo não só social e econômico do
capitalismo, mas também político, sob um pretexto de que era necessário “acabar com
a ameaça mundial comunista”, pois tal sistema era considerado utópico ou
insustentável para o capital, mas que na realidade punha em risco a acumulação de
riquezas deste.
Tal competitividade armamentista e tecnológica, oriunda da guerra fria,
proporcionou um forte desenvolvimento e avanço tecnológico, que acabou
impulsionando a globalização e o desenvolvimento de novas tecnologias.
Concomitante a isso, conforme os Estados Unidos aumentava sua influência política
e econômica, também entrava em conflitos políticos com outros países do oriente
médio, principalmente com a disparada da importância e do preço do petróleo, sendo
a matéria prima com maior cotação econômica e/ou monetária nas novas indústrias
que estavam com produção em alta.
Através disso, de acordo com Netto (2009), conflitos envolvendo os Estados
Unidos com os maiores produtores de petróleo como o Iraque e a Arabia Saudita
ocasionaram uma forte consequência econômica com o embargo de petróleo advindo
principalmente de tais países produtores para com os Estados Unidos e os demais
países parceiros econômicos. Surge então, uma grande crise econômica advinda da
falta da matéria prima, petróleo, no mercado mundial.
A crise econômica acabou ameaçando o acúmulo de lucro do sistema
capitalista, como também pressionou tal sistema contra o modelo sócio político de
Estado de Bem Estar Social, sob o pretexto de que este modelo gerava um grande
29

gasto e consequente aumento da inflação nos países. Os Estados Unidos sob o


pretexto de “impor a democracia” aos países do extremo oriente acabou patrocinando
conflitos que já haviam no extremo oriente, como o conflito do Irã e Arábia Saudita
contra o Iraque, na qual o Iraque teve o apoio e patrocínio bélico norte americano.
Tal característica, denotou novamente o que foi exposto anteriormente em
relação às estratégias de repressão política e social que o capital foi capaz de
estabelecer quando teve seu acúmulo de riquezas e consequente taxa de lucro
ameaçadas. Logo, diante do fim do Estado de Bem Estar Social, que foi uma
consequência de tal característica, a parcela da população que mais sentiu os efeitos
negativos econômicos foi a classe trabalhadora, principalmente através da nova
reestruturação política e econômica do capital, para manter o acúmulo de riqueza e
influência sócio política.

3.2 O NEOLIBERALISMO E A NOVA MORFOLOGIA DO TRABALHO

Como reflexo da crise do modelo de Estado de bem estar social, surge todo um
ideário liberal sob nova roupagem, com vistas a tensionar a regulamentação estatal,
como também de enxugar a máquina pública estatal na intenção de limitar a atuação
estatal na economia e consequentemente de pôr a responsabilidade, ou boa parte das
ações deste, para a sociedade civil organizada.
Concomitante ao novo pensamento liberal, ocorreu um processo reestruturante
de produção e relação de trabalho, chamado de Toyotismo. De acordo com Alves
(2012) esse modelo tem suas origens no Japão, baseado uma produção feita de forma
descentralizada, fragmentada ou terceirizada. Pois o objetivo central desse modelo de
produção é a economia de gastos baseada na procura de mão de obra barata, de
forma terceirizada.
Nesse sentido, tais inovações foram reflexos de um novo e promissor mercado
produtivo, constituído por grandes inovações tecnológicas e informacionais, como
afirma Castellis (2013) acabaram marcando o final do século XX, início do século XXI
até os dias atuais, como a internet e o smartphone, dentre outros. Foram criadas com
o propósito de facilitar a comunicação intercontinental entre os indivíduos, como
também, para aumentar e facilitar a praticidade em relação às novas tipologias do
trabalho.
Com isso, a terceirização de serviços, diante da nova morfologia do trabalho,
passou a ser constante em seu uso, principalmente de acordo com a nova e grande
30

demanda de procura consumidora pelas novas tecnologias, a fim de ter maior


praticidade informacional em seu cotidiano. À primeira vista, pode parecer que todo
esse novo conjunto tecnológico tem o propósito de melhorar as relações sociais, e
principalmente laborais, diante do dinamismo e praticidade que ela pode proporcionar.
Entretanto, a questão referente a precarização do trabalho, como também ao
estranhamento oriundo de tal categoria, se evidencia, segundo Antunes (2018), no
processo de desenvolvimento ou construção de itens tecnológicos ou informacionais,
como um smartphone por exemplo, na qual o mesmo tem o silício como matéria prima
para fabricação de seus componentes eletrônicos. Tal matéria é retirada de minas,
com condições de trabalho bem precárias, pondo em risco a saúde tanto física quanto
mental dos trabalhadores que extraem esse minério.
Concomitante à essa questão do trabalho precarizado em tempos atuais,
mesmo sob um grande avanço tecnológico e informacional, está o fato de que o
sistema do capital mantém não somente influência econômica, mas também política,
com o objetivo de manter sua dominação e lucro. Tal fato, de acordo com Behring
(2003) se evidencia no neoliberalismo, em específico no Brasil e nos demais países
sul-americanos, na qual através do consenso de Washington, efetuou diversas
contrarreformas em desfavor das políticas públicas e trabalhistas.
Essas medidas, junto com o novo processo produtivo, proporcionaram todo um
desmantelo em relação aos direitos sociais, principalmente contra a seguridade social,
ao manter os trabalhadores em seus postos de trabalho por mais tempo, como
também tornar o processo de aposentadoria mais burocrático. Logo, com isso, é
perceptível todo um conjunto de interesses, políticos e econômicos que se entrelaçam
no intuito de intensificar a exploração da força de trabalho sem obstáculos, como os
direitos trabalhistas.
Do fim do século XX até os dias atuais, o mundo do trabalho sofreu alterações
estruturais que acabaram gerando um retrocesso aos trabalhadores, principalmente
com o aumento do exército industrial de reserva, e da diminuição de postos de
trabalho permanente, conforme a terceirização da produção de mercadorias que
passou a ser constante com o advento do Toyotismo.
Tal fato torna notório, Segundo Antunes (2018), mediante a tríade
precarização-flexibilização-informalidade, na qual acabou intensificando o processo
de estranhamento e adoecimento aos trabalhadores, através do caráter reificante do
capital. A questão estrutural do emprego mostrou-se cada vez mais precária desde as
31

formas dos vínculos de trabalho, tendo em vista o valor de troca ofertado, até a
questão política, em que o processo de trabalho acabou se degenerando em relação
à sua segurança legal ou constitucional de direitos.
Esse fato, se evidencia numa característica que se tornou frequentemente
usada nas relações e formas de contratação de força de trabalho, com base na análise
de Antunes (2006), a questão da flexibilização das formas de contratação, através de
contratos zero hora (Zero Hour Contract), contratos esses caracterizados por um
vínculo de trabalho em que não há carga horária estipulada, na qual o trabalhador tem
que ter total dedicação à qualquer momento ou ocasião em que for necessário
trabalhar.
Tal vínculo acabou se tornando uma forma padronizada de vínculos de
emprego, principalmente através de um grande aumento do número de desemprego
concomitante com o aumento de formais informais de trabalho. Exemplos com os das
grandes companhias de tecnologia, como a Apple e a Samsung, mostram essa
evidência, uma vez que essas empresas terceirizam sua produção de forma
internacional. Há países, como a China, que têm grande número de mão de obra
barata contratadas com vínculos de trabalho zero hora. Logo, se torna banal a questão
referente a falta de direitos laborais nesses países, na qual em média se trabalha 12
horas por dia de forma intermitente. Antunes (2018)

3.3 O PRIVILÉGIO DA SERVIDÃO

Torna-se necessário também a reflexão acerca da apropriação do tempo social


feita pelo capital, principalmente por meio da característica de trabalho intermitente,
na qual não há uma garantia referente a estipulação de uma carga horária pré-
estabelecida para que determinado trabalhador possa ter certa gerencia em relação
ao seu tempo de trabalho, de folga e de lazer. Logo, um fato que acaba sendo a
consequência disso é o adoecimento derivado de tal flexibilização das relações de
trabalho junto a falta de garantias e direitos laborais.
Diante disso, vale a pena citar exemplos, de acordo com Antunes (2018), do
adoecimento e de fatos ocorridos na fábrica terceirizada da China para fabricação de
smartphones da Apple e demais multinacionais, na qual houvera diversos episódios
de suicídio em seus trabalhadores, devido terem uma média de 12 horas de trabalho
diárias. A questão referente ao estranhamento do ser humano que trabalha nessas
condições, em relação ao ser humano genérico, torna-se potencializada, pois esse
32

indivíduo acaba perdendo uma perspectiva referente a sua emancipação, se tornando


assim, um sujeito em processo de mortificação social, de viver ou subsistir somente
para o seu trabalho.
Soma-se a isso a questão política, na qual Antunes (2018) cita que também
acabou desmobilizando a classe trabalhadora, pois em tempos neoliberais são criados
uma série de estigmas contra a classe trabalhadora, que vão desde o descrédito aos
sindicatos, com medidas que tendem a prejudicar e dificultar a atuação destes. Como
também à questão do sindicalismo negocial que acaba sendo passivo ao capital, mal
representado por certa parte da classe trabalhadora, que é destituída de uma
consciência de classe social em si e para si, de forma radical contra o capital.
Com um discurso individualista e egoísta, o capital acabou colocando
principalmente as classes subalternizadas numa situação de incapacidade
emancipatória, social e de culpabilização por sua condição social. Por conseguinte,
tais discursos postos pelo capital, de individualismo e culpabilização, em tempos de
intenso avanço tecnológico e informacional, marcadas pelas TICs (Tecnologias
informacionais e de Comunicação), e que há o estigma referente a praticidade advinda
dos dispositivos informacionais, como os smartphones e seus aplicativos, acabaram
reforçando a questão da alienação e fetichização da classe trabalhadora, através do
fomento ao consumo, ao ponto de deixar tal classe sob controle, consumindo até
entrar em processo de dívida diante do fetiche existente.
Logo, como consequência disso, aliada a questão do aumento dos empregos
informais oriundos da ofensiva neoliberal, juntamente à questão da flexibilidade
presente nas novas relações laborais, que causa uma exigência aos trabalhadores
para que sejam polivalentes, o capital acabou intensificando a mais valia do processo
de exploração da classe trabalhadora, em tempos atuais, com o objetivo de tornar a
classe trabalhadora dependente e desmobilizada.
Isto posto, percebe-se então, que a nova lógica produtiva do capital passou a
ter um critério não mais voltado para a qualidade, durabilidade e especialidade de
determinada mercadoria, e para a qualidade e especialidade da força de trabalho. Mas
sim, diante da influência do Toyotismo e da nova indústria tecnológica e informacional,
chamada de indústria 4.0, como consequência da precarização laboral e do
desemprego estrutural cada vez maior, ao capital interessa colocar a força de trabalho
à um nível mortificante, dependente e desamparada em relação aos seus direitos.
33

Esse fato se evidencia atualmente de forma precarizada e flexível através da


indústria baseada nos aplicativos de celular, como é o caso do Uber, ifood, dentre
outros, na qual, à primeira vista, quando o indivíduo trabalha de forma autônoma, sem
uma hierarquia direta, pode parecer que ele está sendo o seu próprio dono ou dono
do seu trabalho, como afirma Antunes (2018).
Nesse sentido, é perceptível o quanto é intensificado o nível de subsunção da
força de trabalho em relação ao capital. Pois mediante o cenário degradante das
relações de trabalhos, sem garantias de direitos, desmobilização das organizações da
classe trabalhadora, resta a esta classe aceitar as condições oferecidas,
principalmente de trabalho informal, pelas TICs.
Logo, com isso, impera no senso comum, o atrativo referente a facilidade que
as TICs podem promover, através dos aplicativos, para o sucesso profissional de
determinado sujeito, mediante a facilidade de trabalho, principalmente pelo fato da
autonomia laboral, e praticidade em seu uso. Entretanto, tal alienação, é evidente
numa indústria na qual não há regulação referente a garantir direitos e segurança
laboral para os trabalhadores.
Por conseguinte, conforme o processo de precarização existente na nova
morfologia do trabalho vista até aqui, torna-se claro, através de todo um conjunto sócio
estrutural e político de degradação do trabalho e manutenção da exploração da mão
de obra e do exército industrial de reserva, tendo em vista também o grande aumento
de posto de trabalho informal, em detrimento de uma diminuição dos postos de
trabalho informais, junto à uma desmobilização da classe trabalhadora, e da perda de
direitos fundamentais à esta.
Tais características evidenciam o que Antunes (2018) cita sobre o privilégio da
servidão, ou seja, perante toda uma precarização e flexibilização, aliada a perda de
direitos fundamentais aos trabalhadores, pois para estes, ter um emprego, mesmo
que sendo precário, acaba se tornando um privilégio. Logo o privilégio de ser
explorado para garantir o mínimo de subsistência, como reflexo do desmantelo
referente aos postos de trabalho formais, assegurados pelos direitos trabalhistas, em
detrimento do aumento dos empregos informais, flexíveis, em que o ambiente de
trabalho e o ambiente pessoal, de descanso e lazer se misturam, sem perspectiva de
direitos e de segurança do trabalho.
34

4. SERVIÇO SOCIAL: IDENTIDADE, TRABALHO E PRECARIZAÇÃO

Tendo em vista a análise histórico dialética anterior, de como se dão as


relações laborais entre as classes sociais, através de um antagonismo existente, na
qual ambas se necessitam, mas somente a classe que não é subalternizada e que
detém os meios de produção é a que acumula riqueza e, consequentemente, detém
e impõe toda uma série de influências econômicas e políticas.
Além disso, torna-se evidente que no cenário sócio histórico anteriormente
analisado, o fato de que há uma correlação de forças existente entre classes desde
os tempos antigos, e que se potencializou nas sociedades pré-capitalista e capitalista
atual. Tal relação, de início se deu de forma oligárquica, na qual determinado grupo
de indivíduos acabaram conquistando certa influência política, e consequentemente,
propagando-a por diversas gerações.
Nesse sentido, cabe lembrar acerca das consequências sociais dessas
influências, uma vez que determinado grupo acabou criando e usufruindo de diversas
regalias ligadas a riqueza e ao poder político e econômico. Em detrimento disso, como
consequência, há toda uma desigualdade social de pessoas que foram
subalternizadas mediante exploração e opressão, causadas pelas classes ou
oligarquias dominantes.
Tais consequências acabaram gerando uma grande pauperização nas classes
subalternizadas, como também uma exclusão social destas. Conforme lembra Marx
(2017), Tendo em vista essa situação, num período de tempo na antiguidade que
ainda estava por despertar o espírito ou pensamento crítico, a pauperização era até
então vista como algo natural, inerente às pessoas oriundas das classes
subalternizadas, como se fosse o destino desses indivíduos.
Todavia, conforme o passar do tempo, através de relatos de filósofos como
Aristóteles e Sócrates, que diziam que a pobreza deveria ser um ponto de reflexão
crítica e moral. Pois conforme a situação social se agravada nas pólis gregas, tais
filósofos atentaram-se a necessidade de problematizar a pobreza, já que para eles,
isso era uma questão de moral, e deveria ser problematizada.
Segundo Martinelli (2000), tal linha de pensamento acabou adentrando tempos
depois à doutrina cristã, principalmente na Idade Média, através das confrarias, que
eram uma espécie de associações religiosas, na qual tiveram forte protagonismo em
relação ao acolhimento e à caridade aos mais pobres, só que, de uma maneira
35

higienista e paliativa, principalmente através das cruzadas, esse protagonismo foi de


suma importância para a igreja católica propagar a sua influência ao conquistar novos
adeptos.
Se tem, então, as primeiras formas de assistência social pautadas
exclusivamente na caridade, sem perspectiva intervencionista ou preventiva, mas sim
de controle das classes subalternizadas, mediante o forte poderio e influência do clero
junto à nobreza. Tornou-se então evidente com isso, que a assistência social, em suas
protoformas, esteve ligada ao controle social e ideológico-político, conforme a
situação social se deteriorava através dos abusos das classes dominantes.
A partir disso, de acordo com Santos (2012), era notório que a situação social
em relação a pauperização, que grande parte da população sofria, tinha um olhar
religioso, e principalmente cristão sob ela, de destinação e culpabilização dos
indivíduos em relação a sua situação social. Soma-se a este fato, a influência dos
soberanos que tentavam manter o controle sobre as massas populares, de forma
opressiva e exploratória.
Atrelado a isso, estava a questão filosófica e ideológica, principalmente quando
grandes pensadores ou filósofos ligados à igreja, como Tomaz de Aquino por
exemplo, que ao mesmo tempo, inspirado pelo pensamento aristotélico
problematizado com o cristianismo, criticava a situação social de precarização social.
Mas em detrimento disso, ainda reforçava o ethos paliativo, caritativo e benevolente
que deveria ser empregado sobre a situação social de pobreza.

4.1 O TOMISMO COMO CORRENTE FILOSÓFICA

De acordo com Barroco (2007), nesse sentido, o tomismo, corrente filosófica,


cujo principal representante era Thomaz de Aquino, acabou sendo a corrente filosófica
da assistência social em suas protoformas, mas ainda através de uma atuação sob a
pauperização de forma focalista e paliativa, sem uma perspectiva problematizadora.
Todavia, tal fato acabou sendo um avanço, mesmo que pequeno, para dar direções
de como lidar com a pauperização, até então, em efervescência nessa época.
Com isso, ficou notório o caráter alienante, alienador e alienado que envolveu
o tratamento social em relação a pauperização, pois como este era consequência de
todo um conjunto de desigualdade social aliada a dominação de classes, como afirma
Marx, acabou se tornando uma relação política entre classes, de dominação e
36

controle, através de uma influência política social e econômica, reforçando assim sua
dominação com o passar do tempo.
Características essas que foram notáveis, principalmente anos depois, na
Inglaterra, especificamente na Era Vitoriana, pré-capitalista, em que se intensificou a
pauperização social como reação aos altos gastos e regalias da nobreza. Como
consequência, os exageros vindos da nobreza, acabou gerando inquietações a
população.
Como reflexo disso, houve um grande aumento da violência e da mortalidade,
devido ao desamparo às populações pauperizadas e excluídas socialmente, situação
essa que se agravou ainda mais e, diante das inquietudes das classes médias
burguesas, acarretou-se numa crise política, principalmente pelo motivo de que essas
classes subalternizadas estavam se organizando e manifestando-se através de
reinvindicações por melhores condições de vida e moradia. Santos (2006)
Nesse sentido, conforme cita Behring & Boschetti (2011), a reação da nobreza
inglesa foi a criação das primeiras políticas sociais, não com o propósito de amparar
e dar direitos a população mais pauperizada, mas sim com uma intenção de cooptação
e controle referente ao que era cobrado pela população à nobreza. Junto a isso,
estava o fato de que a própria Inglaterra estava num momento de aperfeiçoamento
das relações produtivas. Logo, políticas como a Lei do cercamento e as leis dos
pobres foram criadas com o objetivo alienante de controlar a população
subalternizada, oferecendo uma política social que o cooptassem a produzir nas
grandes cidades, através do êxodo rural.
Como consequência, houve uma grande quantidade de pessoas que migraram
do campo para cidade, em busca de melhores condições, diante da intenção de
cooptação feita pelo Estado inglês com a lei de cercamento, na qual foram
beneficiados os grandes latifundiários que tiveram suas terras garantidas e cercadas,
sendo então proibido o compartilhamento destas. Logo, criou-se um bolsão
populacional nas grandes metrópoles morando em situação de vulnerabilidade social,
o que acarretou numa maior intensificação da exploração de trabalho, como também,
uma intensificação da desigualdade social, que acabou resultando num alto índice de
mortalidade e violência.
Em decorrência dessa grande precarização, ao qual boa parte da Europa se
encontrava, e principalmente a Inglaterra e a França, houve grande insatisfação por
parte das classes sociais subalternizadas, como os camponeses e comerciantes.
37

Como reação, as insurreições dessas classes sociais, em confronto com o poder


absolutista dos soberanos, deram um novo sentido à questão da assistência social.
Martinelli (2000)
Pois, conforme o novo lema das revoluções burguesas, de noção sobre os
direitos universais de igualdade, liberdade e fraternidade, como também de acordo
com a intensificação do trabalho e maior exploração feita pela burguesia, conforme
uma nova ordem social que se formava, na qual estava prestes a expandir o seu
poderio mercantil. Só que, em contrapartida, mediante a exploração feita pela
burguesia, a classe proletária acabou sofrendo as consequências da exploração,
principalmente no que diz respeito à precarização social junto a desigualdade social,
em detrimento de maior acúmulo de riqueza da burguesia.
Como reflexo disso, a classe proletária passou a manifestar-se contra a
situação deplorável de trabalho, que os remetia a uma condição de somente
subsistência. Logo, tal classe começou a organizar-se em sindicatos com o propósito
de reivindicar melhores condições de trabalho, uma vez que a situação social em boa
parte da Europa era degradante, sem condições sanitárias dignas, que acabavam
colocando em risco a vida das pessoas mediante as inúmeras doenças, junto aos
níveis de violência que pairavam nas grandes metrópoles nos séculos XVIII e XIX.
Estes fatos, conforme Marx (2011) observara e criticara, acabou caracterizando
a questão social, na qual a mesma é caracterizada pelo conjunto de expressões
sociais e econômicas que acabaram definindo a desigualdade social, como reflexo da
correlação de forças antagônicas existentes entre capital e trabalho. A classe
proletária então, em reação, acabou se organizando, e consequentemente
manifestando em busca por melhores condições laborais e sociais, em detrimento de
toda uma coerção provocada, tanto pelo capitalista, quanto pelo estado burguês, na
intenção de controlá-lo e manter sua exploração.
Em consequência à tamanha degradação social e laboral, junto à escassez de
alimentos que se passava na Europa, houve um levante da classe proletária contra os
Estados burgueses em fevereiro do ano de 1848, conhecida como a primavera dos
povos, com um teor socialista, nacionalista e liberal. Eclodida inicialmente na França,
devido à forte crise social e consequente intensificação das expressões da questão
social, na qual a insatisfação da população local, com tamanha degradação, fez-se
insurgir contra o governo local de Luiz Felipe, que havia tornado explícito o seu apoio
à classe burguesa ao conceder diversos benefícios fiscais.
38

A insurreição teve o efeito esperado por algum tempo, através da tomada do


governo Francês, ao retirar o monarca Luiz Felipe do poder, e eleger uma nova
república, que viria a representar teoricamente os camponeses e trabalhadores em
geral. Todavia, mesmo tendo conquistas como as primeiras leis e garantias de
proteção trabalhistas, o governo até então revolucionário, passara a ser conservador
e a agir de forma coercitiva contra a população mais pobre e trabalhadora.
Todavia, o período que assim se caracterizou como as insurreições
trabalhistas, foram de suma importância, no pensamento de Marx (2011), na
reafirmação da casse proletária pela luta por seus direitos, como também para
ressignificar a consciência de classe em si, tão importante para esta e,
consequentemente, tão temerária para a classe burguesa. Como resposta, a situação
da questão social, que a cada dia mais se agravava em suas expressões, junto a
intenção burguesa, de manter sua hegemonia e controle social em relação aos
proletários, o Estado junto à igreja criou a Sociedade de Organização da Caridade.

4.2 O INÍCIO DA ASSISTENCIA SOCIAL INSTITUCIONALIZADA, AINDA SOB UMA


AÇÃO ALIENANTE

A Sociedade de Organização da Caridade era formada por membros do Estado


e da igreja, marcou o início da prática da assistência social, ainda moldada nos
princípios caritativos da igreja católica, mas com uma metodologia voltada em visitas
à regiões pauperizadas, baseadas em dois objetivos, o de amenizar a questão da
pauperização, como também para a burguesia, de amortizar as manifestações e
reinvindicações da classe trabalhadora e subalternizada, esta característica acabou
definindo as protoformas do Serviço Social.
Dessa maneira, convém destacar o sentido inicial de atuação que o Serviço
Social teve, como cita (MARTINELLI 2000, p.17) “[...] a ausência de identidade
profissional fragiliza a consciência social da categoria profissional, determinando um
percurso alienado, alienante e alienador da prática profissional.” Com base nesse
ethos, torna-se claro que, diante de uma identidade profissional, a profissão, desde
suas origens atuou sob um tensionamento ético e profissional alienado, pois o mesmo,
criado através de uma origem filantrópica e caritativa, agia de forma a amortizar as
expressões da questão social, e não de questionar tal situação.
Soma-se a este fato, a noção de que não havia, no início do Serviço Social com
a sociedade de Organização da Caridade, uma consciência social dos profissionais,
39

que até então atuavam por uma motivação humanitária, caritativa e filantrópica, sobre
a especificidade e especialidade social da assistência social, em relação à combater
ou intervir nas expressões da questão social. Tal característica, mostrou-se em
evidência quando em suas primeiras atuações, a sociedade de organização da
caridade atuava em locais específicos, próximos à fábricas e sindicatos, na intenção
indireta de, ao mesmo tempo acolher a população pauperizada, como também, de
amortizar e desmobilizar a organização dos trabalhadores.
A partir daí, de acordo com Martinelli (2000), O Serviço Social, até então
chamado de ação social, passou a ser pautada numa ação humanizada, mas também
fiscalizatória e focalista, numa perspectiva aburguesada de atenuar as expressões da
questão social mediante a intenção de ver a questão social como consequência de
um possível desvio de caráter das pessoas vulneráveis, e não como uma
consequência da relação antagônica existente entre classes.
Logo, a atuação da sociedade de organização da caridade passara a ser
atuante no sentido reformador de caráter das pessoas por boa parte do século XIX e
início do século XX, pois a situação social se agravava em decorrência das precárias
condições sociais e de trabalho, como reflexo da intensificação do trabalho fabril e
industrial, sob os interesses da classe burguesa de amortizar as manifestações da
classe trabalhadora, como precaução para que os eventos ocorridos nas insurreições
proletárias ocorridas na Europa em 1848 não se repetissem.
Não obstante disso, o Estado Burguês passara a agir com o propósito
amortizador em relação a classe trabalhista concedendo-lhes alguns direitos, sob o
pretexto liberal de fraternidade, igualdade e liberdade. São concedidos direitos
fundamentais como a educação universal e pública, como também serviços de
saneamento básico. Têm-se início então as primeiras ações governamentais no
campo social. Tais serviços prestados, passaram a ser oferecidos e acompanhados
sob uma ação social com o intuito de obter maior aproximação na análise da
pauperização e do controle social. Behring & Boschetti (2011).
Logo, a aproximação desses serviços, que passaram a ser considerados
fundamentais à princípio para o bem estar social, mas também para os propósitos da
manutenção hegemônica da influência burguesa, proporcionaram à assistência social
um novo status de organização e ação para lidar com as expressões da questão
social, uma vez que, conforme a realização de estudos e análise sociais acerca da
pauperização na Europa, e principalmente na Inglaterra, os membros da Sociedade
40

de Organização da Caridade passaram a realizar visitas nos locais de maior


vulnerabilidade social.
Como consequência, O Serviço Social começou de forma embrionária e
alienada, a buscar sua identidade profissional e social. Em contrapartida, tal ação se
deu ainda sob os pilares cristãos de caridade e do cuidado, numa perspectiva fatalista
acerca da condição social dos indivíduos, sendo as damas de caridade, as
protagonistas dessa ação através das visitas sociais. Todavia, essas visitas, sem
metodologia ou estratégia pré-definida, não tinham um grande alcance acerca do
acompanhamento das pessoas em vulnerabilidade social.
De acordo com Martinelli (2000), esse novo ethos da assistência social acabou
perdurando por boa parte do final do século XIX até o início do século XX, pois essa
metodologia acabou sendo insuficiente conforme o agravamento das expressões da
questão social e do apoderamento da classe proletária, como reflexos dos principais
acontecimentos que ocorreram no início do século XX. A Revolução Russa, a Primeira
Guerra Mundial, a grande depressão econômica de 1929 e posteriormente, a Segunda
Guerra Mundial sinalizaram um estado de alerta à hegemonia burguesa, uma vez que
a conscientização e avanço proletariado, juntamente a precarização social, com a
forte pauperização, acabaram tornando explícito e reflexivo o quão degradante é o
sistema capitalista burguês.

4.3 O POSITIVISMO E O FUNCIONALISMO COMO CORRENTE FILOSÓFICA: A


BUSCA PELA CIENTIFICIDADE DO FAZER PROFISSIONAL

Concomitante a situação social degradante ao qual o mundo vivenciava no


início do século XX, a questão do acompanhamento social passou a ser debatida e
questionada no campo da ação social, pois era necessário ter um olhar mais crítico
sob as expressões da questão social, como também havia a necessidade de um
aprofundamento teórico e metodológico à prática do Serviço Social Barroco (2007).
Nesse sentido, destacou-se o nome de uma profissional norte americana, através de
sua experiência enquanto membro da Sociedade de organização da Caridade,
mediante sua metodologia de acompanhamento social.
Mary Richmond se destacou na ação social devido a sua experiência
profissional referente a ação social nos Estados Unidos, ela propôs uma nova
metodologia para o acompanhamento dos indivíduos em vulnerabilidade social na
perspectiva de uma maior aproximação em relação a entender as reais condições e
41

necessidades em que tais sujeitos estavam. Soma-se a este fato, a questão de que a
própria Richmond tinha forte influência sob os membros da Sociedade de Organização
da Caridade, o que proporcionou forte possibilidade para que sua metodologia fosse
discutida não só em âmbito local, nos Estados Unidos, mas também em nível mundial.
Segundo Martinelli (2000), Richmond olhava a questão social e a prática social
sob uma perspectiva crítico cientifica, na qual era necessário desprender-se do módus
operante, referente ao acompanhamento dos indivíduos sob uma visão caritativa, que
ainda tinha forte influência advinda da igreja cristã. Para ela, era necessária uma
perspectiva metodológica crítico cientifico para com a questão social, feito de forma
organizativa, coletiva e teorizada cientificamente, através do que ela chamou de
trabalho social.
Tal metodologia se dava de forma mais organizada e próxima aos sujeitos,
através de visitas sociais e estudos de casos, que eram divididos no atendimento e
acompanhamento individual e em grupos. Essa configuração técnica e metodológica
se deu através da influência de diversos estudos sociológicos, como os do sociólogo
Émile Durkheim, que via a sociedade como algo ajustado, mas que caso acontecesse
algo fora dos padrões, numa perspectiva social, a sociedade poderia ser corrompida,
isso ele chamava de fatos sociais.
Nesse sentido, a prática social acabou adquirindo um caráter funcionalista, pela
qual O Serviço Social passara a ver a questão social sob uma visão reformista em
relação a precarização social, com o propósito de adequação dos indivíduos à ordem
social vigente. Através disso, O Serviço Social em sua busca identitária, passou a ter
uma confrontação metodológica mediante as suas vertentes. De um lado a prática
social européia, principalmente a Inglesa, tinha como norte ainda o caráter caritativo
presente desde suas protoformas. Do outro lado, havia a prática social norte
americana norteada por uma nova ação social, através de uma maior aproximação e
metodologia científicas sob a questão social, mediante o novo trabalho social. Barroco
(2007)
Trabalho esse que se caracterizava numa prática social no intuito de
condicionar as pessoas socialmente ao padrão social da época, ou seja, os indivíduos
que estavam numa situação de vulnerabilidade social, eram considerados pessoas
com desvio de caráter, na qual deveriam ser acompanhados com o objetivo de serem
ajustados através da prática social da assistência social a determinado padrão. Com
base nisso, torna-se lógico o avanço do Serviço Social em relação a romper com a
42

influência dogmática da igreja católica, através de uma ação crítico científica, o que
acabou uma alternativa em busca pela sua identidade profissional.
Nesse ponto, influenciada por Mary Richmond em sua nova metodologia, o
Serviço Social, inicialmente, teve seu norte metodológico baseado no funcionalismo
que, conforme analisado anteriormente, pauta as análises sociais com base em um
padrão sociológico, com o intuito de condicionar os indivíduos, que vivem numa
situação considerada anormal ou desviante de tal padrão, num acompanhamento com
o objetivo de serem reformados. Essa nova metodologia, mesmo sendo inovadora que
a anterior, devido o teu caráter critico científico, acabou ainda reforçando o ethos
alienado e alienante existente na ação social, conforme o desejo de manter sob
controle os indivíduos subalternizados ao modus operandi hegemônico burguês.
Concomitante a esse novo status da prática social, estava o fato de que a
questão social se agravava conforme a crise social e econômica se instalava,
principalmente com a grande depressão de 1929, Santos (2006). Com base nisso, se
fez necessário ao Serviço Social fomentar a formação de novos profissionais para
suprir a grande demanda existente, como também para atender, de forma alienada e
alienante, a necessidade burguesa de controlar o movimento operário diante do
empoderamento desse com a União Soviética.
Por conseguinte, no início do século XX, como afirma Martinelli (2000), foram
criadas diversas escolas de Serviço Social nos Estados Unidos, visando a
necessidade de dar maior cobertura e assistência social aos indivíduos em situação
de vulnerabilidade social, só que, ainda sob numa atuação conservadora objetivada
na intenção de preparar a população ao sistema capitalista vigente. Tal fato
proporcionou também ampliação do Serviço Social em outros continentes, como o
Europeu e o sul-americano.

4.4 O SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL

Tendo em vista a especificidade do Serviço Social no Brasil, segundo Iamamoto


& Carvalho (2015), o mesmo seguiu o caminho inicial caritativo no país, sob um olhar
humanitário e filantrópico, tendo como protagonistas as damas de caridade. Tal
característica não foi obstante ao que acontecia na Europa, que também detinha de
um apanhado histórico social, em que às mulheres, havia a necessidade de elas
protagonizarem atividades referentes a questão do cuidado e da religiosidade. Porém,
esse ethos sofreu mudanças conforme o Brasil começou a se desenvolver
43

industrialmente, como também pelo fato de que o país, como reflexo dessa
industrialização, passou a sofrer os impactos da degradação social que esse modelo
econômico provocara.
Soma-se a esta situação, conforme afirma Fausto (2008), a característica de
que no Brasil houve uma revolução burguesa tardia, ou seja, o país permaneceu com
sua configuração política sob forte influência oligárquica agrária, que apenas se
aperfeiçoou conforme a sociedade estava se desenvolvendo. Todavia, o que
aconteceu em relação à política e a sociedade brasileira do fim do século XIX para o
início do século XX, foram uma série de conflitos com o propósito nacionalista para
combater as oligarquias que comandavam socialmente e economicamente o país.
Como consequência, a burguesia adentrou ao campo político brasileiro com o
seu projeto hegemônico através de um golpe de Estado com Getúlio Vargas. A
revolução de 30 pôs início ao projeto hegemônico burguês no Brasil de intensificar a
exploração do trabalho e a consequente acumulação de capital. Tudo isso somado
com a intenção hegemônica burguesa de manter a classe trabalhadora sob controle
em nível mundial, através do apoderamento da classe proletária com o comunismo, e
a intensificação da precarização laboral e social.
Como consequência disso, seguindo a característica mundial da prática social
vigente, junto a nova tendência metodológica pregada por Mary Richmond, em 1936
em São Paulo foi criada a primeira escola de Serviço Social no Brasil, numa
perspectiva crítico cientifica funcionalista de entender as expressões da questão social
sob uma visão reformadora do caráter social. Logo, foi criado também o Centro de
Ensino e Ação Social – CEAS de São Paulo, com o objetivo de fomentar uma base
teórico metodológica acerca do Serviço e da assistência social, como também para
uma maior formação de profissionais para a prática social, Iamamoto & Carvalho
(2015).
Assim sendo, torna-se evidente o caráter alienado e alienante também presente
na ação social aqui no Brasil, que mesmo tendo suas especificidades referentes à sua
conjuntura sócio política e econômica, acabou sendo feita inicialmente sob uma
perspectiva amortizadora acerca da questão social, culpabilizando e tensionando os
indivíduos em vulnerabilidade social ao comodismo, sem provocá-los acerca dos
motivos que os levaram a tal vulnerabilidade. Logo, a prática social no Brasil, em seu
início, acabou sendo fadada ao imediatismo, de forma superficial, focalista e fatalista.
44

Todavia, a prática social usada no Brasil e no mundo acabou sendo


questionada, principalmente devido as consequências sociais do pós Segunda Guerra
Mundial, em que a questão social foi agravada como consequência da grave crise
social e econômica que se instalaram. Como reflexo, o sistema capitalista, no objetivo
de reestruturar sua produção, e por conseguinte, ter sob controle a classe
trabalhadora. O Estado burguês acabou investindo em infraestrutura e na
consequente geração de emprego com a intenção de injetar mais dinheiro e fomentar
o consumo dos trabalhadores, Netto (2009).
Somado a este fato, estava também a necessidade de reavaliar a metodologia
da prática social, principalmente diante da reunião da cúpula de Chicago, nos Estados
Unidos, cúpula essa formada por representantes governamentais e da assistência
social, que teve como debate a necessidade de novas estratégias para a prática
social. A partir disso, foi decidido acerca da importância da expansão da prática social
através de uma cobertura, não só de forma individual e de grupos, mas também em
comunidades, numa ampliação da formação profissional juntamente com uma ação
social integrada com outros profissionais, sob uma perspectiva de comunidade. Logo,
com isso é que se poderia obter resultados mais abrangentes sobre a real
necessidade social dos indivíduos em situação de vulnerabilidade, Martinelli (2000).
Sob essa perspectiva, segundo Barroco (2007), o Serviço Social brasileiro
acabou seguindo a tendência metodológica e filosófica da prática social americana,
sob um viés positivista e funcionalista, com forte fomento à formação profissional de
assistentes sociais. A prática social brasileira acabou obtendo um novo
direcionamento para a sua institucionalização. Entretanto, sob esta prática, ainda
pairava o caráter alienante e alienado, voltado de forma indireta para o controle social
ou amortização das classes subalternizadas aos interesses da burguesia. Fato este,
que se tornou mais evidente com a criação do SESC- Serviço Social do Comércio, no
ano de 1946.
Assim sendo, como reitera Iamamoto & Carvalho (2015), a criação do SESC
acabou reafirmando o caráter alienante da prática social numa perspectiva privatista,
ao tensionar o lidar da mesma sob a questão social num enfoque terceirizado, o que
acabou reafirmando o que já estava acontecendo com a política desenvolvimentista
brasileira, ao desprezar os serviços públicos e direcionar a responsabilidade estatal
para o setor privado. Logo, essa característica acabou reafirmando o interesse
45

hegemônico burguês de manter a classe trabalhadora sob controle, como também de


lidar com a questão social, no caso especifico do SESC, sob a intenção burguesa.
Nesse sentido, de acordo com Martinelli (2000), a prática social baseada na
metodologia de assistência social em comunidades passou a ser predominante no
Brasil por um grande período, que vai desde os anos 40 até os anos 60, e isso se deu
devido à forte influência internacional que a prática social norte americana tinha, não
só sob o Brasil, mas também no mundo. Todavia, segundo Fausto (2008), conforme
o agravamento das expressões sociais no Brasil nos anos 60, devido a política
desenvolvimentista voltada aos anseios do capital externo, como também à forte crise
política e social iniciada pelo golpe militar no dia 1 de abril de 1964, o Estado brasileiro
acabou agindo sob o propósito burguês de controle ou amortização social numa
perspectiva explícita de opressão militar antidemocrática.
Tal fato, acabou incidindo contra os trabalhadores com a perca de direitos
destes, como o fim da estabilidade laboral instantânea ao funcionalismo público, e
também pela característica opressora estatal de perseguição contra os intelectuais e
artistas. Com isso, as expressões da questão social acabaram não só tendo uma
potencialização na pauperização das classes subalternas, mas também em relação a
violência exacerbada que o Novo Estado burguês golpista exerceu. A alienação
referente a hegemonia burguesa contra a classe trabalhadora acabou adquirindo um
novo formato alienante regido de forma explícita, através da opressão e violência.

4.5 A IMPORTÂNCIA DO MOVIMENTO DE RECONCEITUAÇÃO DO SERVIÇO


SOCIAL BRASILEIRO PARA A BUSCA PELA IDENTIDADE PROFISSIONAL

Como reação a tal precarização e opressão, de acordo com Netto (2018),


surgiram diversas discussões acerca da necessidade de ter uma maior reflexão sobre
a prática social do Serviço Social em plena Ditadura. Pois o caos social que se
instalou, de maneira indireta, proporcionou maior crítica social sob a questão alienante
e alienadora que o serviço Social enfrentava, mediante a ofensiva autoritária
burguesa. Como reflexo disso, surgiu o movimento de reconceituação do Serviço
Social no Brasil e na América Latina, sob intuito de traçar alternativas e estratégias
teórico metodológicas que pudessem desvelar, de forma crítica, um comprometimento
maior do Serviço Social com as classes subalternizadas, pois era necessário abster-
se do ethos funcionalista e positivista que guiavam a profissão, deixando-a ainda sob
uma ação reformadora do caráter, e não crítico social.
46

Tal movimento, de acordo com Castro (2017), teve como inspiração os


movimentos críticos do Serviço Social em países latino americanos que também
estavam enfrentando problemas sociais derivados de ditaduras políticas. Entre os
principais países, estavam o Chile e o Perú. Os intelectuais da área do Serviço Social
desses países passaram a criticar a ação social funcionalista e positivista da profissão
ainda ditada sob controle hegemônico burguês em relação a intervenção social da
profissão, que ainda era realizada de forma neutra, sem uma perspectiva de mudança
social para com a realidade precarizada da população subalternizada.
Com isso, nesses países, começaram diversos debates acerca da necessidade
de o Serviço Social ter maior protagonismo crítico e político, numa perspectiva de
proporcionar condições sociais eficazes para a classe trabalhadora, pois conforme a
situação social se agravava, esta era a que mais sofria os impactos da precarização,
opressão e exploração laboral. Juntava-se a este fato, segundo Netto (2009), a
questão sócio política em que o mundo se encontrava àquela época, em plenos anos
60, dividido entre a polarização capitalista (Estados Unidos como principal
representante) e a comunista (Com a União Soviética como principal representante).
Logo, surgiram diversos debates marxistas na área do Serviço Social, como reação e
comprometimento com a classe trabalhadora mediante a opressão que esta sofria.
O Serviço Social brasileiro acabou seguindo a tendência teórico metodológica
latino-americana que estava até então em valia. Logo, foram criados momentos de
debate acerca da necessidade de adoção de novas metodologias para a prática social
do Serviço Social. Tal situação, como afirma Netto (2018), acabou gerando o
movimento de reconceituação do Serviço Social Brasileiro, mesmo sob as estruturas
conservadoras e opressoras provocadas pela censura que ainda pairava, o que de
certa forma, acabou criando uma resistência conservadora, conforme o pensamento
de alguns intelectuais que ainda viam o Serviço Social como uma prática corretiva do
caráter.
Todavia, a movimentação teórica metodológica, ainda de forma conservadora,
acabou despertando um caráter crítico na perspectiva de mudança e de busca pela
sua identidade política e profissional, mesmo com algumas ramificações tradicionais,
fez o Serviço Social traçar debates e experiências referentes a sua importância na
intervenção das expressões da Questão Social. Os seminários de Araxá, Teresópolis,
Sumaré e Alto da Boa Vista proporcionaram uma maior reflexão acerca da prática do
47

Serviço Social ao questioná-lo metodologicamente, traçando alternativas tanto


teórico, quanto metodológicas e técnico operacionais.
Netto (2018), acabou classificando essa perspectiva em três momentos de
reflexão e reforma crítica teórico e metodológica, caracterizados na perspectiva
modernizadora conservadora, caracterizada pelo debate e discussão acerca da
necessidade crítica acerca da necessidade de uma nova metodologia e corrente
filosófica baseada no funcionalismo e estruturalismo-positivismo. Sendo os
seminários de Araxá e Teresópolis, mas que ainda sofreu interferência conservadora
advinda da ditadura.
A reatualização do conservadorismo, foi caracterizada pela objetivação da
necessidade do Serviço Social acerca de uma nova adoção metodológica pautada na
fenomenologia. Tal perspectiva de reforma crítica, se deu no período em que estava
acontecendo um afrouxamento da Ditadura. Representada nos seminários de Sumaré
e Boa Vista, na qual foi discutida e debatida a necessidade de o Serviço Social ter sua
prática voltada na fenomenologia.
Já a intenção de ruptura ocorreu através da necessidade de atuação crítica do
Serviço Social pautada numa análise histórico dialética sob as diversas determinantes
da vulnerabilidade social dos sujeitos. Surgindo a partir de uma abordagem profunda
a teoria marxista, com maior interação e aproximação ao campo acadêmico.
Tais características foram perceptíveis inicialmente com a intenção
modernizadora do Serviço Social, ao ir contra a teoria positivista e funcionalista, tão
criticada pela teoria social marxista, pelo fato da questão presente no positivismo, de
que a sociedade está em processo constante de desenvolvimento é rebatida na teoria
social Marxista, pois o desenvolvimento social dos sujeitos se dá de forma desigual,
mediante uma sociedade formada por classes sociais que se correlacionam de forma
antagônica.
Todavia, mesmo diante dos avanços em relação à prática e a teoria do Serviço
Social, através da recusa ao funcionalismo e ao positivismo, na tentativa de sair da
neutralidade, e consequente alienação. O Serviço Social ainda acabou sofrendo, no
início dos seus processos e debates, os efeitos do conservadorismo, devido ao caráter
Marxista ser tão rebatido pela ditadura burguesa e militar. Logo, mesmo criticando o
caráter alienante presente nas teorias positivista e funcionalista, boa parte dos
assistentes sociais e intelectuais da área do Serviço Social, influenciados pela
48

ditadura, acabaram direcionando a metodologia do Serviço Social para uma nova


corrente filosófica, a fenomenologia, Barroco (2006).
A fenomenologia acabou sendo discutida sob o Serviço Social brasileiro,
mediante o que a mesma propusera. que era a observação dos fenômenos sociais e
da troca de experiência com os indivíduos, junto a uma cientificidade empírica, de
forma crítica, pode-se obter com precisão os fatores sociais que estão dificultando a
vida destes, para que com isso, a partir de uma análise metodológica, possa ter uma
maior observação e intervenção sob as expressões da questão social. Porém,
conforme a situação social se agravava, a teoria social marxista no Serviço Social
ganhava ainda mais força, principalmente com publicações de autores Marxistas,
como José Paulo Neto e Marilda Iamamoto.
Nesse sentido, conforme aconteceram os seminários que marcou o movimento
de reconceituação do Serviço Social, o seminário de Alto da Boa Vista teve grande
destaque acerca da necessidade de o Serviço Social fomentar uma maior
cientificidade aliada a dialética em suas bases teórico metodológicas, através de maior
aproximação da universidade aos campos de trabalho. Junto a isso, também estava
o fato de que a Ditadura Militar se encontrava num momento de enfraquecimento
político. Com isso, tais situações proporcionaram uma maior proximidade do Serviço
Social a teoria social dialética Marxista. Martinelli (2000)
Assim sendo, esses acontecimentos históricos proporcionaram uma abertura
crítica aos estudos marxistas na área do Serviço Social através das obras de
intelectuais da área, como José Paulo Netto e Marilda Iamamoto, que adentraram ao
campo acadêmico como fomento para debates, discussões, estudos e pesquisa.
Soma-se a esta situação, a questão de que as discussões e debates com o teor
marxistas passaram a ser pautadas nas obras do próprio Marx, ou seja, de sua base
e originalidade, sem haver a necessidade de estudos focados somente em obras de
autores marxistas. Netto (2018)
Com isso, tais discussões puseram em evidência o caráter histórico dialético à
prática do Serviço Social, uma vez que o método de Marx vê a realidade social sob
um conjunto de acontecimentos não só sociais, mas também históricos, sendo que,
as condições ou comportamentos sociais são reflexos temporal de uma correlação de
forças existentes entre classes, de forma antagônica, na qual ambas se necessitam,
mas mediante uma relação de privilégio e influência de uma determinada classe social
sob outra que acaba se sobrepondo e explorando.
49

Logo, essa caraterística, presente no materialismo histórico dialético,


proporcionou uma maior identificação profissional do Serviço Social com a classe
trabalhadora, deixando assim de ter seu antigo caráter alienante, imediato a serviço
do Estado, para amortizar as expressões da Questão Social, e agir em conjunto com
a classe trabalhista. Tal fato, segundo Netto (2018), a prática social pautada no
materialismo dialético, teve seu início no Método de BH, através de diversos estudos
e pesquisas sob o direcionamento das obras de Karl Marx, junto aos experimentos em
campo com os cursos de graduação e pós-graduação, que puseram em prática o
método.
Essa nova configuração teórica e metodológica proporcionou maior autonomia
para o Serviço Social, principalmente no período de abertura política e democrática
do Brasil, ao provocar uma série de estudos e debates acerca da necessidade de
tensionar o Estado pela garantia e promoção de direitos. A prática do Serviço Social
deixou de ser neutra e imediata, como era em seu caráter funcionalista, para ser
comprometida com a classe trabalhadora, através da aproximação a esta, com um
projeto profissional que visava uma intervenção na questão social numa perspectiva
de luta pelos direitos das classes subalternizadas, e não mais para agir sob um viés
corretivo de caráter. Barroco (2006)
Com isso, através de um projeto ético-político, o Serviço Social proporcionou
um protagonismo à classe trabalhadora, com vista à um compromisso com a classe
trabalhadora para fomentar a busca pela emancipação desta, como também na busca
pela igualdade social em suas diversas vertentes, seja de gênero, de classes, raças,
dentre outras. Tal fato alinhou-se com a recém constituição de 1988, no que se refere
a perspectiva de garantias de direitos, na qual a mesma consta com um grande
aparato de garantias de direitos individuais e coletivos fundamentais para bem estar
social e econômico.
O período de redemocratização do Brasil, com a nova constituição cidadã, de
acordo com Sposati (2012), foi determinante para a consolidação da assistência social
como uma política pública de direitos, principalmente com a lei orgânica da assistência
social, no memo período em que a lei de regulamentação da profissão do assistente
social fora aprovada. tais fatos legitimaram a importância da assistência social
brasileira como necessária para o bem estar social, com diretrizes que visem maior
abrangência e eficácia na cobertura social dos indivíduos em situação de
vulnerabilidade social, na intenção de resgatar o protagonismo destes socialmente,
50

como também de extinguir o caráter clientelista e caritativo, que ficou por muito tempo
sendo o padrão da assistência social.
Junto a isso, e como reflexo da constituição cidadã e da lei orgânica da
assistência social, outra grande conquista foi a criação dos conselhos da assistência
social em seus níveis federal, estaduais e municipais. Essas características
reforçaram o caráter autêntico e necessário da assistência social como política de
direito e de inclusão social de forma democrática, com controle e participação social.
Soma-se a isso, tempos depois, nos anos 2000, a criação do SUAS- Sistema Único
da Assistência Social, com o propósito de proporcionar a expansão e controle social
da política, no objetivo de dar maior cobertura e inclusão social aos indivíduos em
vulnerabilidade social, numa maior aproximação e financiamento dos serviços à
população.
Todavia, a assistência social, no período pós redemocrático brasileiro,
defrontou-se com o neoliberalismo e todo o amontoado de precarização que o
envolve, referente aos tensionamentos às políticas públicas, com as contra reformas
estruturais, que incidiram na desresponsabilização Estatal para com as políticas
públicas sob o pretexto de corte de gastos, juntamente com todo um emaranhado de
reformas trabalhistas que visaram também, de forma direta e explícita, desmobilizar e
tirar direitos, que até então eram garantidos. O neoliberalismo, com todo o seu
conjunto flexibilizante das relações políticas e sociais, surgiu com o propósito
reestruturativo do capital para desestruturar o movimento e a organização trabalhista,
que foi tão importante no período de redemocratização.
Por conseguinte, restou ao Serviço Social a necessidade e pactuação dentro
da categoria, no intuito de reforçar o apoio destes à classe trabalhadora, através de
uma maior assessoria e participação política, com o objetivo de garantir e conquistar
direitos.
Através de uma ação direcionada pelo seu projeto ético e político, que visa
garantir todo o conjunto de direitos fundamentais que proporcionem a emancipação
social dos sujeitos. Com isso, mesmo diante de sua relativa autonomia, pela qual
como afirma Iamamoto (2012), o assistente social, mesmo ao exercer sua atividade
de forma especial, não deve sucumbir ao fatalismo e nem ao messianismo. Para tanto,
se faz sempre necessário reforçar e lutar por direitos, através de sua estrutura teórico-
metodológica, ética política e técnico operativa para reafirmar seu caráter materialista
e dialético contra os tensionamentos feitos pelo capital.
51

5 PESQUISA SOBRE A PRECARIEDADE DO TRABALHO DAS ASSISTENTES


SOCIAIS NAS CIDADES DE SÃO FERNANDO E CAICÓ-RN

A presente pesquisa tem como objetivo analisar, confrontar e discutir os dados


coletados através de entrevistas e questionários junto às obras bibliográficas, para a
pesquisa sobre a precarização do trabalho das/os assistentes sociais, da política do
SUAS nas cidades de São Fernando e Caicó – RN.
Dotado de conteúdo reflexivo sobre o que foi evidenciado na pesquisa referente
aos assistentes sociais, com as respectivas categorias obtidas das respostas no
questionário aplicado. O referido trabalho servirá como matriz crítico analítica para a
pesquisa acerca das condições de trabalho das/os assistentes sociais da política do
Sistema Único da Assistência Social - SUAS nas cidades de São Fernando e Caicó-
RN, no intuito de conhecer e entender os desafios e limitações, frente a realidade da
precarização desses profissionais em seu cotidiano.
Seguindo essa lógica, se faz necessário o que Minayo cita em relação à
importância da pesquisa,

Uma pesquisa não pode se restringir à utilização de instrumentos apurados


de coleta de informações. Para além das informações acumuladas, o
processo de trabalho de campo nos leva, frequentemente, à reformulação de
hipóteses ou, mesmo, do caminho da pesquisa. Enquanto construímos dados
colhidos em interação e os articulamos a nossos pressupostos, exercitamos
nossa capacidade de análise que nos acompanha em todas as fases.
(MINAYO 2016, p.68)

A confrontação dos dados obtidos neste trabalho será fundamental para


conhecer e aprofundar o conhecimento crítico sobre a real situação laboral destes/as
profissionais, na premissa de entender e compreender se a problemática precarização
do trabalho, percebida na experiência de estágio, é abrangente à essa categoria
profissional nos demais órgãos da política do SUAS.
Para tanto, essa análise será fundamental para atender aos objetivos que a
pesquisa propõe, desde uma reflexão geral sobre o processo de precarização do
trabalho das/os assistentes sociais, no intuito de entender a autonomia relativa destes,
junto as consequências que a precarização incide contra as suas particularidades
ético políticas, como também, entender o impacto que a nova morfologia do trabalho
incide sobre esses profissionais, mediante o gerencialismo administrativo e da
ofensiva neoliberal contra as políticas sociais.
52

Assim sendo, será de grande importância a apreensão dos dados obtidos neste
trabalho para a problematização das categorias encontradas, com a finalidade de
compreender a realidade sobre a situação das/os profissionais da assistência social
através da confrontação das hipóteses elencadas no projeto de pesquisa.
Hipótese como a precarização dos vínculos de trabalho foi perceptível nos
relatos das profissionais, principalmente em relação a uma profissional que possui o
vínculo empregatício de pregão, na qual a mesma relata que tem o seu salário em
atraso com frequência, como também não possui carteira de trabalho assinada.
Soma-se a esse fato, os relatos de outras duas profissionais que, respectivamente,
com cargos estável e temporário, relataram também que já tiveram seus salários
atrasados, mas com menos frequência do que a profissional com vínculo empregatício
pregão, em determinado período.
Outra hipótese que foi evidenciada e verificada nas entrevistas e questionários
de três profissionais, foi o adoecimento adquirido no trabalho, tal situação, que foi
relatada pelas profissionais, se deu decorrente da alta carga de demandas para
poucos profissionais.
A hipótese desvalorização profissional e consequente polivalência também foi
observada nos relatos das profissionais, quando questionadas se elas tinham outros
vínculos de emprego, como também se, pela situação de trabalho delas, teriam
condições de fazer planejamentos familiares e profissionais. A maioria das
profissionais entrevistadas e questionadas relataram que suas condições laborais não
dão condições plenas de fazer planejamentos familiares e profissionais, ambas se
sentem desvalorizadas com essa situação.
Outra situação elencada como hipótese no projeto de pesquisa, a interferência
hierárquica no fazer profissional, foi perceptível em duas das quatro profissionais,
quando citaram que já sofreram interferência de outros funcionários em algum período
laboral. Fato este ainda característico da herança clientelista que ainda permeia a
assistência social nos dias atuais.
E por último, mas não menos importante, a hipótese da precarização no
processo interventivo desses profissionais foi evidenciada na maioria dos relatos das
profissionais, quando estas citaram que há uma precarização física e estrutural, no
que diz respeito à falta de transportes para a realização de visitas domiciliares, como
também a falta de sigilo profissional, devido a divisão de sala com outros profissionais,
53

fato este que fere as condições éticas e técnicas de trabalho, explicitadas na


Resolução CFESS 493/06.
Portanto, neste trabalho os relatos serão analisados no intuito de compreender
e evidenciar se a precarização, percebida na experiencia de estágio, é abrangente
aos demais órgãos do SUAS.

5.1 ASPECTOS METODOLÓGICOS

A metodologia aplicada para a coleta de dados presentes neste trabalho tem


caráter qualitativo, inspirada no método crítico dialético, com a intenção de conhecer
e entender a totalidade real dos fatos e desafios que os/as assistentes sociais do
SUAS presenciam cotidianamente em seus ambientes de trabalho, frente ao
gerencialismo e os ataques neoliberais contra as políticas sociais.
Através disso, no intuito de ter maior aproximação aos profissionais em seus
campos de atuação, a metodologia para coleta de dados, inicialmente consistiu em
entrevistas semiestruturadas, com a gravação em áudio, mediante autorização com a
assinatura do termo de gravação de voz pelas/os profissionais, como também a
aplicação de um questionário contendo questões fechadas e abertas, que serviu como
roteiro para as entrevistas iniciais.
Por conseguinte, vale relembrar o público alvo escolhido para a realização das
entrevistas, que são as/os assistentes sociais pertencentes à política do SUAS nas
cidades de São Fernando e Caicó-RN. Como também os critérios de inclusão, que
foram as/os assistentes sociais do SUAS com atuação maior de um ano na instituição
em que trabalha, com vínculos de trabalho efetivo, por contrato ou carteira assinada,
e pregão. Já os critérios de exclusão foram as/os assistentes sociais do setor privado,
que tem vínculos de trabalho comissionado, com atuação inferior há seis meses na
instituição.
Todavia, mesmo seguindo o cronograma, explicitado no projeto de pesquisa
para dar início às entrevistas a partir do mês de março, houveram alguns empecilhos
iniciais em relação à marcação de entrevistas, para que as mesmas fossem realizadas
em um dia especifico, isso pelo fato da pesquisa englobar duas cidades, São
Fernando e Caicó, sendo que Caicó tem mais profissionais, e não é a cidade de
moradia do entrevistador/pesquisador, pois exige mais gastos financeiros para
locomoção entre as mesmas. No entanto, conforme os critérios de inclusão, foi
54

conseguido contato, respectivamente, presencialmente e através de e-mail, com sete


assistentes sociais mulheres, sendo duas da cidade de São Fernando e cinco de
Caicó.
A partir disso, foram marcadas entrevistas em datas diferentes para com estas
profissionais, sendo realizada a metodologia inicial, através da realização de
entrevista semiestruturada junto a utilização de questionário, e a apresentação do
TCLE (Termo de consentimento livre e esclarecido) com as duas assistentes sociais
da cidade de São Fernando, apenas uma aceitou a gravação em áudio da entrevista.
Já em relação ao planejamento para marcação de entrevistas, referentes às
profissionais da cidade de Caicó. A semana em que foi marcada tais entrevistas,
coincidiu com a tensa situação sanitária de pandemia do Coronavírus no mundo.
Decretado como pandemia pela Organização Mundial de Saúde - OMS, cujo umas
das recomendações para conter a pandemia, foi a necessidade de distanciamento
social, o que acabou sendo seguida e decretada pelos governos federal, estaduais e
municipais do Brasil.
Nesse sentido, a Faculdade Católica Santa Teresinha seguiu essas
recomendações, suspendeu as aulas por tempo indeterminado. Logo, a metodologia
sofreu adaptações para adequar-se a situação de distanciamento social. As
entrevistas agendadas com as cinco assistentes sociais em Caicó foram canceladas,
sendo necessário modificar a metodologia, que ficou restrita ao questionário com
questões abertas e fechadas, para ser enviado por e-mail junto com o TCLE, e
posteriormente, com as repostas obtidas, serem analisadas, tabuladas e
compreendidas.
Isto posto, foram aplicados os dois tipos de análises para o estudo dos dados
presentes neste relatório, a análise discursiva nas duas primeiras entrevistas, por
terem sido feitas de forma presencial em seus espaços ocupacionais, fundamental
para entender além das respostas passadas pelas profissionais, de forma direta e
indireta, o conjunto de características e demais informações que foram evidenciadas
presencialmente.
Junto a isso, foi também usada a análise de conteúdo para a análise das
demais respostas das profissionais contactadas via e-mail, através da reflexão e
estudo referente às respostas advindas do questionário que, excepcionalmente devido
a pandemia, as demais assistentes sociais responderam. Como também em relação
a todo o estudo referente as bibliografias e outras pesquisas que foram utilizadas
55

como suporte teórico para evidenciar com outros estudos científicos, o que foi
percebido em comum nesta pesquisa.
O presente trabalho possui seu conteúdo reflexivo oriundo de dados tabulados
em gráficos e tabelas abertas que facilitaram a análise dos dados oriundos das
respostas das profissionais da assistência social. Estas, por sua vez, tiveram seus
pseudônimos caracterizados pela abreviação de Assistente Social – AS, mais o
número que identifica a ordem cronológica das entrevistas, e das respostas oriundas
do questionário das profissionais que não foram entrevistadas. Tais características
tornaram a análise dos dados mais maleável para confrontamento e apreensão destes
na elaboração deste relatório de pesquisa, como também não fere o sigilo e
identificação dessas profissionais.
Portanto, vale ressaltar as dificuldades na obtenção de dados mais completos
ou totalitários da situação dessas profissionais, com base na metodologia crítico-
dialética marxista, em virtude da situação de isolamento social, decorrente da
pandemia do coronavírus, mas vale também frisar, que tal situação não
descaracterizou a problematização feita sobre a proposta desta pesquisa.

5.2 ANÁLISE DOS RESULTADOS

A coleta de dados levantados através da pesquisa intitulada “A precarização do


trabalho das/os assistentes sociais do SUAS nas cidades de São Fernando e Caicó-
RN”, apresenta os resultados que foram elencados e tabulados no intuito de facilitar a
sua compreensão para problematizá-los neste trabalho.
Do processo de construção da referida pesquisa, em relação às entrevistas, foi
feito um levantamento das/os profissionais da política de assistência social no setor
público de ambas cidades, obteve-se um total de sete assistentes sociais, duas de
São Fernando e cinco de Caicó que se enquadravam nos critérios de inclusão da
pesquisa.
Vale relembrar que, devido a situação excepcional de pandemia, a metodologia
inicial da pesquisa foi feita com as duas assistentes sociais da política do SUAS na
cidade de São Fernando-RN, as demais foram contactadas por E-mail e,
consequentemente, foi acordado com elas o envio do questionário da pesquisa por
este meio, para que elas respondessem e devolvessem, uma vez que, mediante os
decretos de distanciamento social do governo, e por precaução, não se pôde realizar
entrevistas presencialmente com estas profissionais.
56

Através da situação de excepcionalidade e consequente aumento de


demandas advindas da precarização social, potencializada diante das medidas de
fechamento dos serviços sociais, das cinco profissionais contactadas para responder
o questionário por E-mail, duas retornaram com as respostas. Uma vez que também
para se enquadrar nos critérios, era necessário que o/a profissional estivesse há mais
de um ano atuando na instituição.

Gráfico 1: tempo de trabalho das assistentes sociais

0 0
1 ano 2 anos 3 anos ou mais

Assistentes Sociais

Fonte: Pesquisa de campo realizada com assistentes sociais do SUAS nas cidades de Caicó e São Fernando- RN,
no mês de março de 2020.

Ao observar essa pequena quantidade de profissionais nos espaços sócio


ocupacionais, foi perceptível a precarização laboral destes, uma vez que essas
características têm intrínseca relação com os diversos fenômenos precarizantes
administrativos, aos quais serão abordados e analisados nesta pesquisa, devido haver
uma tendência desde o tempo da ditadura até os dias atuais de forte incidência no
âmbito administrativo desses fenômenos serem utilizados com frequência.
Um dos primeiros fenômenos a serem percebidos desde o início do processo
da pesquisa, foi a rotatividade de empregos, caracterizada pela permanência
temporária em cargos administrativos, ela vem ocorrendo com frequência no setor
público em tempos neoliberais, essa característica tem forte relação com os vínculos
de trabalho temporários e precarizados, que vêm sendo bastante recorrentes no setor
público.
Com isso, ao ter como particularidade de tal pesquisa, a situação laboral dos/as
assistentes sociais em seus espaços sócio-ocupacionais e institucionais, vale
ressaltar a importância desse/a profissional como protagonista, ao utilizar e adentrar
na política de assistência social de forma institucionalizada como agente mediador na
correlação de forças entre capital e trabalho, utilizando-se de sua força de trabalho
57

especial, que não produz algo concreto como mercadoria, mas uma força de trabalho
dotada de toda uma especialidade, formada e direcionada através do embasamento
teórico-metodológico e político, que é utilizada pelo Estado como valor de troca
alienada por um salário.
Tendo em vista essa reflexão, torna-se necessário enfatizar que os/as
assistentes sociais do setor público foram escolhidos para esta pesquisa por
justamente ser o setor que mais emprega esses profissionais. Porém, em detrimento
disso, é o setor em que mais é observado o processo de precarização e de flutuação
de cargos dessa categoria. Uma característica que corroborou com isso, no processo
de entrevista, foram as respostas das profissionais quando perguntadas sobre o
vínculo empregatício:

Gráfico 2: Tipos de vínculos

3
1
0
Contrato Pregão Efetivo/Concurso
público

Assistentes Sociais

Fonte: Pesquisa de campo realizada com assistentes sociais do SUAS nas cidades de Caicó e São Fernando- RN,
no mês de março de 2020.

Diante das respostas sobre o vínculo de trabalho das assistentes sociais, vistas
no gráfico 2, foi percebido que três profissionais (AS2, AS3 e AS4) são efetivas e
consequentemente têm estabilidade laboral advinda de concursos públicos, fato este
bastante importante, mas não único, para a continuidade e maior segurança laboral
dessas profissionais no setor público da assistência social, uma vez que a própria
Norma Operativa Básica referente aos recursos humanos-NOB/RH do SUAS enfatiza
a necessidade da contratação de profissionais por meio de concursos públicos, com
o objetivo de preservar a práxis profissional do/as assistentes sociais na política da
assistência social, como também de preservar o vínculo deste profissional com os
usuários da política.
Através dessas medidas, criadas e enfatizadas pelas NOB-RH SUAS, foi
notável o não cumprimento destas no que se refere forma de contratação da
58

assistente social AS1, contratada via pregão, caracterizada como modalidade de


contratação que vem sendo questionada pela categoria dos assistentes sociais devido
à falta de direitos trabalhistas perceptíveis nesse tipo de subcontratação. Quando
questionada sob o tipo de contratação, de como ela se sentia em relação a isso, a
AS1 respondeu:

“É bem complicada essa situação, uma vez que nós que somos pregão,
somos os últimos a receber o salário, pois priorizam os estáveis e os
concursados primeiro, devido a questão da obrigatoriedade do pagamento
em dia deles. [...] outra característica degradante é a questão do momento da
contratação, onde você tem que dá uma proposta do salário que irá ganhar.”

Além disso, torna-se evidente, segundo Antunes(2006), que os direitos


trabalhistas brasileiros conquistados na década de 30, com a Consolidação das Leis
Trabalhistas-CLT, mesmo de forma tensionada pela classe trabalhadora, na qual o
Estado garantiu essas conquistas no intuito de manter a classe sob controle, estão
cada vez mais ameaçados atualmente por meio da precarização laboral existente,
pois tal flexibilização é feita no intuito de manter a taxa média de lucros no setor
privado, como também para o setor público, com o propósito de assegurar gastos ou
investimento para o mercado financeiro externo.
Os dados elencados nesta análise, se coadunam com o perfil do/as assistentes
sociais feita pela DIEESE/CUT Nacional do ano de 2015, que elenca valores oriundos
do censo e da base de dados da PNAD/ IBGE (Pesquisa Nacional de Domicílios), da
RAIS (Relação Anual de Informações Sociais do ministério do Trabalho), e demonstra
a situação dos/as assistentes sociais nas diversas áreas do Serviço Social.
O perfil nacional dos/as assistentes sociais da DIEESE/CUT Nacional mostra a
situação do setor público no ano de 2015 no Brasil, referente a categoria dos/as
assistentes sociais, nota-se que há ainda grande quantidade de assistentes sociais
com vínculos estáveis ou estatutários, cerca de 56.813 profissionais. Já a quantidade
de profissionais com carteira assinada é de 16.264 profissionais. Essa quantidade
advém do incentivo aos concursos públicos ocorridos nos últimos anos, como também
devido ao forte incentivo e pacto de descentralização das políticas sociais que
integram o SUAS, fato este que provocou um aumento de contratações desses
profissionais nos municípios.
Em detrimento disso, está o grande quantitativo referente ao número de
profissionais da assistência social com vínculos empregatícios precários, conforme
59

também consta no perfil nacional desses profissionais, há cerca de 33.603 assistentes


sociais que trabalham sem carteira assinada.
No que cerne à precarização percebida nos vínculos de trabalho atuais,
segundo Antunes (2006), ela advém desde o período da ditadura, quando o governo
brasileiro fez uma série de reformas administrativas, dentre elas, a perca da garantia
da estabilidade instantânea nos vínculos laborais no setor público. Naquela época,
antes das referidas reformas, qualquer indivíduo que tivesse empregado no setor
público, tinha a garantia de ter seu emprego estável.
Assim sendo, esta tendência de flexibilização foi impulsionada com o advento
do Toyotismo, que precarizou ainda mais as relações produtivas de trabalho ao
terceirizá-las mundialmente. Em consonância a este fato, a flexibilização adentrou-se
também ao campo administrativo, que passou a ter reformas e incentivos à formas
temporárias de contratação. Os subcontratos até então com o neoliberalismo
brasileiro, a partir da década de 90, passaram a ser constantes.
A partir disso, vale ressaltar o que Raichellis (2018) diz a respeito do novo ethos
administrativo gerencial, sobre a categoria de profissionais da assistência social, uma
vez que o sucateamento das políticas e órgãos públicos tendem cada vez mais a
enxugar e flexibilizar as relações de trabalho por meio de vínculos laborais
temporários, sem direitos trabalhistas. Pois há todo um ethos gerencial no setor
público por meio de atividades imediatas, como se fossem metas, numa espécie de
empresariamento da coisa pública que, particularmente, acabam tensionando
eticamente o que a categoria desses profissionais defende, que são o apoio
incondicional à classe trabalhadora, a igualdade e liberdade entre os indivíduos e a
sua consequente emancipação.
Nesse sentido, a flexibilização existente no setor administrativo tende a cada
vez mais diminuir os gastos e, consequentemente, aumentar a exploração nos
serviços públicos, como também diminuir a contribuição referente a segurança laboral
dos trabalhadores. Isso é muito evidente na pejotização9 existente nas contratações,
na qual os sujeitos são incentivados a serem contratados como pessoas jurídicas,

9 O termo pejotização, segundo Antunes, refere-se à uma estratégia atual do capital de contratar
trabalhadores de forma flexibilizada, cooptando-os para que estes se registrem como pessoas jurídicas
e não físicas, para consequentemente, mediante a descaracterização de vínculo laboral não pagar
direitos trabalhistas, proporcionando assim, o corte de gastos por parte de uma empresa ou
empregador.
60

com o objetivo de não contribuir com taxas referentes aos direitos trabalhistas, pois
paga-se somente o salário bruto que foi negociado.
No que tange em relação a valorização salarial, mesmo por essa característica
ser um processo de alienação existente na relação laboral do/a assistente social, ou
seja, característico da sociabilidade burguesa atual, ele é atualmente essencial para
a subsistência dos indivíduos. Desta forma, convém adentrar acerca do significado
marxista da alienação, particularizando essa categoria com a práxis profissional do/a
assistente social.
Sendo a alienação, segundo Marx (2017), uma característica do processo
produtivo do capital, em que a força de trabalho (os trabalhadores), antes dotados de
toda a sua subjetividade, referente a mercadoria que produziam com seus próprios
instrumentais, eram sua propriedade. Com o capitalismo e as consequentes formas
de produtividade fragmentadas em massa, o trabalhador acabou perdendo toda a sua
subjetividade posta na mercadoria que ele produziu, sem seus instrumentais, pelo fato
dele vende-la por um preço (salário) imposto pelo capitalista, que detém os meios de
produção e que, consequentemente, ganhara maior valor por meio da também mais
valia produzida, e da questão oferta-procura encontrada no mercado.
Percebe-se com isso, que há todo um estranhamento acerca da subjetividade
do indivíduo que produziu determinado bem que continha características de sua
habilidade, sendo então desprovido do que havia criado, sem saber a finalidade a que
sua mercadoria levou.
Em consonância a este fato, está também a questão da apropriação do tempo
social feito pelo capitalista em relação ao trabalhador, uma vez que, pela necessidade
deste último manter sua subsistência por meio de seu valor de troca, tende a ficar
mais tempo alienado, trabalhando em detrimento de toda uma expropriação do seu
tempo e força de trabalho gerado da mais valia, que é caracterizada pelo ganho
oriundo da maior quantidade de trabalho num mesmo espaço de tempo, e mesmo
valor de troca acordado anteriormente entre o empregador e o trabalhador.
Assim sendo, essa alienação, conforme as crises esporádicas do capital
durante as últimas décadas, tornou-se cada vez mais precarizada, pois o
estranhamento antes ocorrido devido aos sujeitos serem desprovidos de seus
instrumentos de trabalho e de sua mercadoria, passou nos tempos atuais a ser
potencializado com a precarização dos próprios meios de produção, com vínculos
cada vez mais frágeis e temporários, juntamente à questão de o próprio valor de troca
61

também ser precarizado. Uma vez que, o capital tende a cooptar os indivíduos cada
vez mais a se qualificar para atender as exigências do mercado para
consequentemente ter seus valores de trocas mais valorizados.
Nesse sentido, em relação às profissionais da assistência social, a alienação
foi perceptível quando esta profissional vende sua força de trabalho por um salário,
para uma finalidade especializada, não concreta ou material, mas mediativa,
transformadora da realidade. Percebe-se então a alienação, quando este profissional
se utiliza das políticas sociais, criadas pelo Estado, como instrumento para intervir nas
expressões da questão social, que estão cada vez mais precarizadas por
consequência da má gestão ou abandono estatal, por meio de suas responsabilidades
como garantidor e provedor de direitos.
Sendo assim, o Estado que contrata o/a profissional da assistência social para
intervir nas expressões da questão social, através das políticas sociais, é o mesmo
que limita a autonomia e precariza a práxis desse/a profissional. A questão alienante
é histórica em relação a atuação estatal na precarização social, como controlador ou
amortizador em relação a correlação de forças existentes entre capital e trabalho, ou
seja, o Estado somente atuou sob a questão da pauperização no intuito de controlar
a classe trabalhadora, e não de resolver a questão referente a precarização e
exploração que esta classe sofre.
Ao ter em vista a questão da alienação, torna-se importante analisar, os relatos
das assistentes sociais, quando perguntadas sobre o quanto ganhavam mensalmente:

Gráfico 3: Média salarial das/os profissionais

1
0
Até 2 salários Mais de 2 até 3 3 ou mais salários
mínimos salários mínimos mínimos

Assistentes Sociais

Fonte: Pesquisa de campo realizada com assistentes sociais do SUAS nas cidades de Caicó e São Fernando- RN,
no mês de março de 2020.
62

Conforme analisado nas respostas das profissionais, esboçadas no gráfico 3,


a diferença salarial percebida entre as assistentes sociais se dá pelo fato da assistente
social AS3, que tem maior salário, ter vínculo de trabalho efetivo conquistado por meio
de concurso público, e está em atuação na administração pública há mais de 10 anos.
Logo a mesma ganha maior quantidade de benefícios advindos da maior quantidade
de tempo de carreira. Junto a isso, está a questão da formação profissional da mesma,
pois ela tem formação em pós-graduação.
Nesse sentido, um detalhe que também chamou a atenção foi o fato da
assistente social AS1, em detrimento da AS3 Efetiva, ter a mesma formação
acadêmica, mas devido seu vínculo laboral ser pregão, tal característica desprovida
de direitos trabalhistas, não lhe dá expectativas de aumento ou valorização salarial.
Soma-se a este fato, a questão da desvalorização profissional em relação ao
salário, pois mesmo através da relação de alienação, encontrada no fazer profissional,
em que o Estado neoliberal consegue precarizar ao ponto de interferir também na vida
pessoal dessas profissionais. Essa situação foi perceptível nos relatos das
profissionais quando perguntadas se elas já tiveram momentos em que não
receberam salário, e a relação disso com seus planejamentos pessoais e
profissionais. Todas responderam que a desvalorização salarial interferia tanto nos
planejamentos pessoais quanto nos pessoais, o relato profissional em específico que
demonstra essa evidência é o seguinte:

“O salário atrasa com frequência e consequentemente interfere nos meus


planejamentos pessoais e profissionais, principalmente por eu ser mãe
recente e, devido a situação requerer um gasto maior com o cuidado da minha
filha.” (AS1)

Por meio dessa situação, que é oriunda da sociabilidade burguesa, a questão


do salário vem à tona, e consequentemente, leva a refletir sobre o processo de
alienação ao qual a dependência a determinado valor de troca traz. Para tanto, se faz
necessário refletir sobre o que pensa Marx (2010) a respeito da questão da
dependência e influência do salário presente na sociabilidade produtiva burguesa. O
salário é caracterizado como o valor de troca da força de trabalho do proletário que,
diante da sociabilidade burguesa, necessita vender sua força de trabalho, como se
fosse uma mercadoria para poder obter sua subsistência ou os meios de sua
reprodução social.
63

Através disso, o valor é obtido por diversas condições, uma é ligada sob a
quantidade de gastos que o capitalista terá em relação à manutenção dos seus meios
de produção, pois o capitalista sempre irá manter sua taxa de lucro diante dos gastos
oriundos da manutenção dos meios de produção. Já outra condição, traz a questão
da oferta e procura pelas mercadorias, ou seja, quanto maior a procura de
determinada mercadoria, maior o capitalista vai ao mercado contratar mais
trabalhadores para produzir mais. Essa característica poderá elevar o valor do salário
real dos trabalhadores mediante o aumento do lucro, mas diminuirá o salário relativo,
uma vez que os trabalhadores serão mais explorados, e consequentemente, haverá
maior incidência de extração da mais valia destes.
Desta maneira, à primeira vista, a incidência do salário parece satisfazer a
questão referente ao trabalho pago, mas logo é percebido que o salário pago é
somente o trabalho necessário mediante acordo entre o empregador e empregado.
Porém, em detrimento disso, há a questão referente a mais valia que o empregador
impõe de forma alienada sobre o empregado para aumentar o seu lucro, que vai ser
acrescido junto com o valor de uso e de troca de determinada mercadoria.
Tal característica tem semelhança com o setor público, e em específico, em
relação a condição laboral dos/as assistentes sociais, uma vez que, por meio da
precarização existente, o Estado contrata um profissional por um determinado salário
anteriormente imposto. Logo, mediante a precarização existente da falta de
profissionais nos espaços ocupacionais, a polivalência derivada disto, irá gerar uma
maior quantidade de trabalho não pago ou mais valia advindas de um profissional que
irá exercer outro papel laboral, além do seu.
Sendo assim, o valor obtido da mais valia advinda da exploração dos
profissionais em seus espaços sócio ocupacionais, através da precarização existente,
servirá para atender as exigências do mercado financeiro. Fato este que vem se
tornando evidente com a diminuição do financiamento das políticas sociais para
atender a dependência ao mercado financeiro, com o pagamento das dívidas externas
do país, Behring (2011).
Observa-se com isso, que a lógica produtivista e a consequente alienação e
dependência ao capital, que visa formar os indivíduos de forma imediata para o
mercado, com precarizações, ultrapassou a barreira do trabalho e consequentemente
interferiu também no meio sócio familiar. A coisificação dos indivíduos mostrou-se em
evidencia nessa ocasião, sendo esta lógica tão forte e alienante, que limita o ser social
64

em relação a sua necessidade laboral alienada. Com isso, torna-se importante a visão
de Marx (2002), acerca da importância da consciência de classe, e politização dos
trabalhadores na luta reivindicatória por melhores condições salariais. É necessário
que os trabalhadores tenham também participação na taxa de lucro obtida dos meios
de produção.
Logo, por meio disso, convém trazer à tona a particularidade acerca da prática
profissional dos/as assistentes sociais sobre a importância da valorização profissional
destes, uma vez que, com a alienação característica da sociabilidade burguesa, que
necessita do valor de troca como meio de sua subsistência. Para tanto, em
consonância com o que foi citado anteriormente, sobre a necessidade da união da
classe trabalhadora, se faz importante também entender que a categoria destes
profissionais esteja ciente da importância destes para a luta reivindicatória por
melhores condições laborais, maior autonomia e valorização profissional, garantia de
direitos e a luta societária pela superação da sociabilidade burguesa, e não somente
sobre a questão salarial.
Ao ter essas características, referentes a desvalorização salarial em
consonância com a subcontratação temporária da maioria destes profissionais,
presente principalmente nos espaços sócio institucionais, se faz necessário também
evidenciar a reafirmação da luta da categoria junto com seus conselhos pelo piso
salarial, conforme explicitado no Projeto de Lei nº 5.278/2009, que fixa o piso salarial
dos/as assistentes sociais para 3.720 reais mensais numa jornada de 30 horas de
trabalho semanais. Questão essa que Ricardo Antunes em entrevista para o CFESS
reitera:

[...] não basta lutar para se ter um piso. É preciso lutar para que ele seja
respeitado. Veja como exemplo professores e professoras do ensino público,
que possuem um piso salarial, mas que muitos estados e municípios não
cumprem por falta de obrigatoriedade no cumprimento da lei. Então, o
primeiro passo para que os/as assistentes sociais devem dar é conseguir a
aprovação de um piso salarial digno. Em seguida, lutar pela sua
implementação.

Nesta direção, esses aspectos mostraram-se em consonância também com o


perfil do assistente social feito pela DIESSE/CUT Nacional do ano de 2015, na qual a
taxa de vencimento médio dos/as assistentes sociais no setor de administração do
Estado e da política econômica e social-municipal é de em média de 2.151,95 reais
65

mensais. Sendo que a região Nordeste é a que tem maior desvalorização desses
profissionais, com um vencimento mensal em média de 1.812,45 reais.
Assim sendo, torna-se necessário refletir sob o que pensa Santos (2010) a
respeito da precarização laboral, uma vez que há uma forte tendência neoliberal de
rebaixamento dos salários em consonância com uma baixa quantidade de
funcionários. Tal fato acaba ocasionando todo um acúmulo ou sobrecarga de
demandas nas instituições, e consequentemente acaba tensionando os/as
profissionais da assistência social ao imediatismo e ao esgotamento físico e mental.
Essa sobrecarga também foi evidenciada quando as profissionais foram
questionadas sobre como se dá o cumprimento de demandas na instituição:

“Há uma grande demanda, devido ter somente eu como assistente social
responsável pelo CRAS, Serviço de Convivência e Fortalecimento de
vínculos, acompanhamento educacional jurídico. [...] diante disso, em virtude
da grande demanda vinda principalmente do setor sócio jurídico, em muitos
casos eu não consigo cumprir as demandas a tempo por causa da sobrecarga
de demandas. (AS1)

Observa-se através disso, segundo Alves (1999), que a lógica produtivista e


exploratória do capital, em sua forma neoliberal, acabou adentrando aos serviços
públicos, e consequentemente gerou toda uma degradação provocada por uma
flexibilização intencional produtiva do capital, para manter os sujeitos sobre sua
reprodução de forma precária e alienada, mediante todo um grande contingente de
exército industrial de reserva.
Pois com vínculos temporários por meio de toda uma conjuntura sócio laboral
de desemprego estrutural, determinado trabalhador, para manter sua subsistência, se
sujeita, de forma sempre alienada, a atender a grande carga de demandas que lhe é
posta.
Esse Fato acarreta ou potencializa o estranhamento do indivíduo através da
coisificação em que o capital lhe impõe. O efeito derivado disso é todo um
estranhamento que o indivíduo, dotado de sua força de trabalho tem com a
expropriação de sua força de trabalho pelo capital, na qual a relação entre tempo de
trabalho e tempo de lazer se tornam quase homogêneas mediante o processo
reestruturativo e exploratório do capital.
66

Tal reflexão condiz com o que foi respondido pelas assistentes sociais, quando
perguntadas sobre se já havia sofrido algum processo de adoecimento decorrente do
trabalho.

“Sim, sofri um processo de depressão devido à alta carga de demandas, a


falta de autonomia no trabalho, e a desvalorização profissional advinda do
vínculo de emprego pregão, uma vez que é constante o atraso do pagamento
do salário.” (AS1)

“Já sofri três episódios de depressão decorrentes de empregos anteriores,


[...] oriundas de situações conflituosas com a gestão municipal e as políticas
estatais pouco eficientes, referentes a alta demanda de vulnerabilidade social
que não eram suprimidas ou dadas a devida atenção por esses órgãos. Tive
que entrar na justiça em 2017 para ter direito a licença médica remunerada
pelo INSS. (AS3)

Observa-se com isso, que a lógica produtivista competitiva tensiona de forma


exploratória ao máximo o mundo do trabalho atual, soma-se a isso a questão da
precarização das condições laborais e sociais, que tende a elevar a exclusão social e
laboral, alimentando assim o desemprego estrutural, na qual os sujeitos são cada vez
mais tratados ou vistos como coisas ou mercadorias e, consequentemente de forma
cada vez mais alienada, acabam perdendo a noção do ser social que são, com a
tendência individualista que o capital impõe.
Atrela-se a isso o ethos ofensivo do capital contra direitos sociais e laborais,
tendo em vista a atender as exigências do mercado, que cada vez mais quer os
indivíduos sendo explorados, de forma alienada, sem dispêndio de gastos com direitos
laborais, como se fossem robôs, de forma automática, desprovidos de sua
subjetividade, importância e vivência social. Logo, o estranhamento resultante desse
processo excludente e desumanizador, acaba tendo seus reflexos na condição física
e psicológica dos sujeitos, sendo o reflexo do processo de adoecimento físico e
psíquico pela alta demanda de trabalho, desvalorização profissional e escassez de
postos de trabalho existente.
Nesta direção, torna-se necessário citar o que Giovanni Alves enfatiza sobre os
reflexos do mundo do trabalho atual sob a saúde dos trabalhadores:

É por mobilizar, com intensidade e profundidade, a alma humana que o novo


capitalismo, com sua nova cultura da fluidez e precarização do trabalho e da
vida social, contribui para a epidemia de novas doenças psicossomáticas. As
doenças do novo capitalismo atingem mais o homem integral, sua mente e
corpo, com o estresse e a depressão sendo sintomas da colonização intensa
da vida social pelos requisitos empresariais. (ALVES 2012, p. 98)
67

Nota-se, por meio dessas reflexões e relatos, que as relações produtivas,


oriundas da exploração e alienação do capital, acabam submetendo os indivíduos
dentro dessa cadeia reprodutiva, pois há todo um conjunto degradante que visa
espoliar o máximo do tempo social do indivíduo para suprir o tempo produtivo, o que
acaba gerando consequências danosas a saúde não só física, mas também
psicológica dos trabalhadores.
Tendo em vista os reflexos da precarização existente na situação citada
anteriormente, torna-se necessário também enfatizar um dos reflexos da
flexibilização, que tem relação ou consequência também com a desvalorização
profissional. A questão da polivalência foi também evidente quando as assistentes
sociais foram questionadas se possuem outro tipo de emprego, nos seguintes relatos.

“Possuo outro emprego, tenho ele como complemento de renda para


sustentar gastos com o meu plano de saúde privado.” (AS2)

“Eu possuo outro emprego na área da educação”. (AS4)

Diante do que foi reportado pelas profissionais, vale lembrar que essas
respostas coadunaram com a pesquisa realizada no Rio de Janeiro e Minas Gerais,
nos anos de 2008 e 2009, feita com 989 assistentes sociais, na qual quando
perguntados/as sobre as relações de trabalho, 81,5% responderam dizendo que
tinham apenas um vínculo de trabalho como assistente social, já 18,5% responderam
ter dois ou mais vínculos de trabalho. (DELGADO; AQUINO,2014).
É observável com isso, a partir da maioria das respostas apresentadas pelas
profissionais, de acordo com Marx (2011), as consequências de um ethos metabólico
do capital que vem sendo endêmico em relação as suas crises de produção, uma vez
que em seu início, na forma concorrencial, necessitava e tinha toda uma contingência
de capital variável (trabalhadores assalariados) trabalhando, mesmo em condições
degradantes, o que acabou gerando uma supérflua população desses trabalhadores
em atividade, mesmo sob as condições laborais anteriormente citadas. Entretanto,
conforme os pensamentos de Antunes (2006) e Alves (1999), a superprodução
consequente disso, em busca de maiores taxas de lucros, e as consequentes crises
de reprodução, acabou reestruturando o capitalismo em suas formas subsequentes
com a fase monopólica até o neoliberalismo atual.
68

Esse sistema teve toda uma tendência de flexibilização existente em seus


vínculos laborais, passando pelas fases do fordismo, taylorismo, keynesianismo e
atualmente no Toyotismo, na qual o mesmo passara a ter tendência a requisição maior
de capital constante (maquinário-tecnologia), do que de capital variável
(trabalhadores), como também passara a fragmentar sua produção, terceirizando-a
em escala global.
Nessa direção, o capital passou a ter menos ofertas de empregos junto a
flexibilização dos postos de trabalho, sendo cada vez mais escassos e temporários,
tal ethos teve como consequência uma supérflua população laboral que, antes estava
em atividade em sua forma concorrencial, e atualmente, conforme a precarização
adotada, encontra-se numa insegurança laboral ou desempregada, situação essa
cada vez mais notória estruturalmente em tempos neoliberais.
Junto disso, há toda uma lógica produtivista de competitividade no mercado de
trabalho, seja ele no público ou privado, derivada da fragilidade do trabalho entre os
trabalhadores, como também entre estes e a tecnologia, e a consequente globalização
existente. Essas características acabaram gerando um exército industrial de reserva
que tende a ser maior mediante o crescente desemprego estrutural e o acúmulo de
funções, devido a consequente apropriação maior do tempo de trabalho. É como se
fosse uma mais valia administrativa, onde os indivíduos passaram a ocupar outras
funções além das suas, o que acabou gerando maior exploração e rendimento ao
Estado, em detrimento de toda uma expropriação do tempo e consequente fadiga
física e psicológica dos trabalhadores.
Por isso, o aumento do acúmulo de vínculos de empregos é evidenciado
atualmente em tempos neoliberais, como consequência da insegurança laboral
marcada pelos frágeis e temporários vínculos de trabalho. Ao ter como partida a visão
de que a lógica produtiva do capital precariza tanto as relações laborais quanto as
relações pessoais, nota-se que essa lógica é potencializada quando envolve a
questão de gênero, pois quando questionadas se já teriam sofrido algum tipo de
preconceito, constrangimento ou assédio moral, as assistentes sociais AS2 e AS3
responderam:

“Já sofri uma ameaça que não foi direta, mas velada, referente à um episódio
no ano de 2017, em que estava acontecendo uma mobilização na ilha de
Santana contra o governo do Estado, pedindo que os parlamentares
votassem contra a reforma trabalhista, e devido a minha atuação junto ao
sindicato dos servidores municipais, recebi uma ligação de um funcionário
69

comissionado da prefeitura de Caicó no horário em que estava acontecendo


a mobilização, mas não atendi, pois não iria me submeter a nenhum tipo de
constrangimento por parte deste profissional.” (AS3)

“Já sofri preconceito, pelo fato de alguns acharem que mulher tem menos
habilidade de que os homens, por ser mulher não seria eficiente.” (AS2)

Ao analisar as respostas advindas dessa questão, referente a


constrangimentos, preconceitos e assédio moral no ambiente de trabalho, é
evidenciado e percebido de início a questão do preconceito e discriminação de
gênero, tal questão tem suas expressões oriundas de toda uma relação patriarcal que
é oriunda dos laços familiares mais conservadores, acaba permeando as relações de
trabalho, uma vez que há todo um conjunto de estereótipos referentes a função do
homem e da mulher na sociabilidade burguesa.
Tais estereótipos são expressados quando se vincula o papel da mulher à
relação de cuidadora e reprodutora da família, relacionando-a as atividades
domésticas, enquanto que ao homem recai o estereótipo de provedor material da
família, responsável pela parte burocrática e econômica do núcleo familiar.
Em consonância a tal fato está a questão da feminização de determinadas
profissões, devido as suas origens estarem ligadas a atribuições femininas. Em
específico, está a profissão dos/as assistentes sociais, que teve suas origens nos
seios caritativos da igreja católica, através das damas de caridade, que faziam
assistencialismo diante da precarização social da época, seguindo os preceitos
culturais daquele tempo, que eram reproduzidos na questão da mulher ser a
cuidadora, protetora do lar, e que devia sempre está engajada com as causas sociais
ou benesses advindas da religião católica.
Nesse sentido também está a questão da formação de tais profissionais do
Serviço Social, nota-se até os dias atuais, ainda uma grande e maior presença do
público feminino em relação ao masculino nas universidades, algo que é uma
consequência também do fenômeno da feminização de certas profissões, como foi
anteriormente citado, ou seja, mesmo depois da institucionalização desta profissão,
percebe-se que tal questão ainda tem seus reflexos referentes a questão de gênero
até os diais atuais.
Um aspecto que coaduna com essa situação de feminização da profissão do
serviço social, é o fato de todas as entrevistadas e contactadas para esta pesquisa
serem do sexo feminino.
70

Junto a isso, também está evidente tal situação de gênero, em que é


demonstrado no perfil nacional das/os assistentes sociais da DIEESE/CUT Nacional
(2015), no ano de 2015. Dos 66.601 assistentes sociais registrados e trabalhando na
época, 6,2% destes são do sexo masculino, já os 93,8% restantes são do sexo
feminino.
Diante disso vale ressaltar o que pensa (CISNE, 2012, p. 49).

Esse processo é resultante de uma sociedade patriarcal que institui


hierarquicamente o que é trabalho/atividade de homens e mulheres. Por isso,
a divisão sexual do trabalho e todas as habilidades, qualidades e
características a ela associadas como naturalmente pertencentes aos sexos.
deve ser analisada como construção histórica com a nítida reprodução da
desigualdade de gênero associada a interesses dominantes.

Como dito anteriormente, os efeitos advindos de tais estereótipos, que são


ainda reproduzidos até hoje, perpassam as relações familiares e permeiam as
laborais, ocasionando assim a divisão sexual do trabalho, divisão essa caracterizada
como um ethos de preconceito e desigualdade de gênero no mercado de trabalho,
derivadas de forma acrítica do patriarcado, que tende a colocar a figura da mulher
como submissa e inferior ao homem nas suas diversas relações, tanto afetivas, quanto
sociais e laborais.
Nesse sentido, em relação a degradação laboral ocasionada pelo assédio
moral, já há um projeto de lei nº 4742 de 2001, aprovado na câmara em março de
2019, que se encontra em tramitação e apreciação pelo senado. Tal projeto trata sobre
a criminalização do assédio moral, podendo ter como punição, pena de até 2 anos de
prisão com multa. Tendo em vista que a lei atual somente criminaliza o assédio sexual,
em que tal indivíduo aproveita-se de uma posição de poder para obter favores sexuais
de seu subordinado.
Caso aprovada futuramente, tal medida contra os diversos tipos de assédio,
terá grande importância no combate do abuso de autoridade e poder existente no
mercado de trabalho atual.
Diante disso, de acordo com Raichellis (2011), é perceptível toda uma lógica
produtivista inerente ao capital, que visa explorar ao máximo os indivíduos,
estabelecendo relações hierárquicas e de gênero. Alienando-os através de uma
concorrência nos postos de trabalho, em busca de qualificações para obter melhores
71

condições laborais, mediante a precarização existente, pois não importa mais a


subjetividade, mas sim o controle produtivo aos donos dos meios de produção.
Já em relação a carga horária das assistentes sociais em seus ambientes sócio
institucionais, foi percebido o pleno cumprimento das 30 horas semanais de acordo
com a lei nº 12.317, de 27 de agosto de 2010:

Gráfico 4: Carga horária de 30 horas semanais, de acordo com a lei


12.317

3
1

Assistentes Sociais

Sim Não

Fonte: Pesquisa de campo realizada com assistentes sociais do SUAS nas cidades de Caicó e São Fernando- RN,
no mês de março de 2020.

É perceptível que a aprovação desta lei foi um marco histórico para a categoria,
tendo em vista tamanha precariedade existente que tensiona os/as assistentes sociais
a altas cargas de trabalho. Diante disso, vale ressaltar o que as assistentes sociais
AS2 e AS3 relataram,

“Minha carga horária semanal é de 20 horas, e uma vez que sou de outra
cidade, isso me ajuda muito na organização do meu tempo para outras
atividades”. (AS2)

“Minha carga horária é de 30 horas semanais, mas o município ainda não


regulamentou a lei das trinta horas”. (AS3)

Tal conquista permite que tais profissionais tenham, mesmo diante de sua
autonomia relativa, maior tempo disponível para o descanso e atividades sociais, uma
vez que tais características são fundamentais para o bem estar não só social, mas
também laboral.
Conquista esta, importante, que evidenciou a forte organização e mobilização
política e laboral da categoria para conseguir a aprovação da lei das trinta horas.
Todavia, de acordo com Iamamoto (2011), diante da importância e
especificidade laboral do/a assistente social, tais características flexíveis encontradas
72

atualmente no mundo do trabalho, aliada as ofensivas neoliberais, acabam


interferindo no fazer profissional deste profissional, tendo em vista que, mesmo diante
da alienação encontrada no trabalho deste, onde o Estado que é ao mesmo tempo
empregador deste profissional, contratado para intervir nas expressões da questão
social, são reflexos da violação e desamparo provocadas pelo mesmo Estado.
Nesse sentido, vale apena ressaltar a especificidade do fazer profissional do/da
assistente social, profissional esse inserido como sujeito interventivo nas expressões
da questão social, oriundas da correlação de forças que há entre trabalho e capital.
Diante disso, é necessário também enfatizar a importância do aparato ético político e
societário norteador de tais profissionais, que os direcionam numa perspectiva de
coletividade, comprometida com a classe trabalhadora e os movimentos sociais, numa
busca constante pela garantia de direitos e pela igualdade de classes, gênero e raça.
Uma vez especificado a importância de tal profissional, vale apena ressaltar os
desafios deste/a, diante de uma autonomia relativa que o mesmo possui em seu fazer
profissional, uma vez que, o seu trabalho na conjuntura do capital é realizado de forma
alienada, com uma especialidade, pois tal profissional não produz algo concreto, mas
sim algo especial, necessário, que transforma a realidade social dos indivíduos.
No entanto, tal profissional necessita dos meios físicos estruturais e políticos
necessários para a efetivação de sua intervenção, de acordo com Raichellis (2011,
p.428)

[...] ainda que o serviço social tenha sido reconhecido como “profissão liberal”
nos estatutos legais e éticos que definem a autonomia teórico-metodológica,
técnica ético-política na condução do exercício profissional, o trabalho do
assistente social é tensionado pela relação de compra e venda da sua força
de trabalho especializada. A condição de trabalhador assalariado – seja nas
instituições públicas ou nos espaços empresariais privados “sem fins
lucrativos”, faz com que os profissionais não disponham nem tenham controle
sobre todas as condições e os meios de trabalho postos à sua disposição no
espaço institucional.

Diante dessa reflexão, se faz necessário relatar a importância referente a


questão da autonomia relativa, quando as profissionais foram perguntadas
especificamente sobre a resolução do CFESS nº 493/2006, se elas conheciam a
resolução e se conseguiam manter o sigilo profissional, que trata sobre os meios
físicos e éticos necessários para a plena atividade profissional dos/as assistentes
sociais em seus espaços sócio ocupacionais. O relato da assistente social AS2
chamou atenção:
73

“Conheço a resolução, mas meu aparelho de trabalho (notebook) que é onde


ficam os instrumentais é também acessado por outros funcionários, assim
como também há as vezes, dificuldades referentes a disponibilidade de
veículo para as visitas domiciliares.” (AS2)

Através do que foi percebido nos relatos, houve evidência destes em


consonância com o estudo realizado com assistentes sociais dos estados do Rio de
Janeiro e Minas Gerais, pois no que se refere a qualidade dos espaços físicos
disponíveis para estes profissionais trabalharem, cerca de 59,3% declararam não
dispor de uma sala específica para o Serviço Social. Alia-se a isso, o fato de que 63%
dos profissionais afirmaram que utilizam a sala de atendimento em conjunto com
outras/os profissionais, junto a isso, está o fato de que 29,6% das/os assistentes
sociais afirmaram que seus espaços não propiciam caráter sigiloso. (DELGADO;
AQUINO,2014).
Com isso, vale ressaltar a importância da resolução no que tange o pleno
desenvolvimento profissional no seu espaço de trabalho:

O local de atendimento destinado ao assistente social deve ser dotado de


espaço suficiente, para abordagens individuais ou coletivas, conforme as
características dos serviços prestados, e deve possuir e garantir as seguintes
características físicas: a- iluminação adequada ao trabalho diurno e noturno,
conforme a organização institucional; b- recursos que garantem a privacidade
do usuário naquilo que for revelado durante o processo de intervenção
profissional; c- ventilação adequada a atendimentos breves ou demorados e
com portas fechadas; d- espaço adequado para colocação de arquivos para
a adequada guarda de material técnico de caráter reservado.(CFESS, 2006,
art.2º).

Percebe-se, pelo que foi relatado pelas profissionais, toda uma série de
desafios inerentes a sua relativa autonomia profissional, fato esse, que tem que ser
atentado por essa categoria junto a seus conselhos, no intuito de se conseguir maior
atuação política e social nas lutas e reinvindicações por condições dignas de trabalho,
uma vez que esse profissional é essencial e protagonista para a aplicabilidade,
construção e eficácia das políticas sociais. Logo, torna-se importante enfatizar a
necessidade de cumprimento de tal resolução.
Foi perceptível também, a questão do tensionamento ético que esses
profissionais sofrem mediante a precarização tanto profissional, existente a
administração pública, quando há funcionários escolhidos por recomendação política,
quanto estrutural, com os limites físicos estruturais presentes nos espaços sócio-
74

ocupacionais. Essas questões chocam diretamente com o direcionamento ético e


político do Serviço Social, principalmente no que tange a necessidade e
obrigatoriedade do sigilo profissional dos seus profissionais.
Diante do que foi exposto, se faz necessário também refletir sobre os impactos
dos avanços conservadores neoliberais contra as políticas sociais, que estão sendo
tensionadas à terceirização, à iniciativa da sociedade civil, assim como também
mediante o gerencialismo que há sob a administração pública, está sendo flexibilizada
e tensionada eticamente e hierarquicamente.
Um fato que trouxe consonância a respeito dessas tensões, foram os relatos
das assistentes sociais, quando questionadas se já tiveram algum tipo de
tensionamento ético político em seus espaços sócio ocupacionais.

“Um funcionário quis intervir em um caso específico, mas eu consegui


contornar a situação.” (AS1)

“No setor onde trabalho atualmente não houve tensionamento ético, pois há
total autonomia, mas em outro setor em que eu trabalhei, tive que presenciar
situações de não considerar a situação do usuário para a viabilização de
benefícios eventuais, o que acabou deixando o caso sem resolução.” (AS3)

Conforme observado, tais características mostram também uma herança


política e clientelista que ainda permeia a assistência social, que tenta tensionar
eticamente os profissionais, que dela participa. Há também toda uma tendência
conservadora de utilizar a política da assistência social como política de favor, e não
como direito como é disposto na constituição de 88. Couto (2006)
Nesse sentido, torna-se importante enfatizar a precarização existente no ethos
administrativo, uma vez que há uma relação hierárquica entre os indivíduos, e quando
estes são escolhidos de forma clientelista e não por qualificação profissional, acabam
interferindo de forma negativa nos espaços sócio ocupacionais da assistência social.
Isto posto , torna-se imperioso também elencar que, mediante as configurações
existentes na sociabilidade burguesa, a questão da estabilidade de empregos é
importante, mas não absoluta para a conquista dos direitos trabalhistas, e
consequente quebra da precarização social existente.
Soma-se a este fato a questão da importância também da garantia e de novas
conquistas referentes as políticas públicas e sociais, mesmo sendo bastante atacadas
atualmente pelo Estado neoliberal, no intuito de ser o estopim para o início de um
processo de emancipação dos indivíduos. Nesse sentido, é percebido também, em
75

tempos neoliberais, que há todo um dimensionamento e direcionamento acerca das


responsabilidades estatais para o setor privado, mediante um sucateamento
intencional da máquina pública, na qual os meios públicos acabam ficando cada vez
mais precários e frágeis.
Em consonância a isso, está a questão da globalização e das tecnologias que,
de uma forma, agilizam a questão do tratamento e confrontação dos dados e estudos
acerca da assistência social, mas de outra forma, tensionam a práxis desse
profissional a uma normatização, como se fosse algo automatizado, imediato. Tal
pensamento mostra uma série de desafios e limites que são impostos aos assistentes
sociais mediante a precarização social atual, e a importância subjetiva e formativa
desses profissionais, para que, regidos diante de toda uma regulamentação
profissional, compromisso ético político e societário, não possam entregar-se ao
messianismo ou vitimismo. Iamamoto (2012)
Limites estes, que também são observáveis na necessidade da ação conjunta
ou interdisciplinar destes profissionais com profissionais de outras áreas, numa
atuação conjunta na própria política da assistência social, como também, de forma
intersetorial com outras políticas ou áreas. tais questões são reflexos também da
realidade precária de contratação laboral existente no setor público, principalmente na
área da assistência social, que ainda vêm sendo vista com um olhar
desresponsabilizante do Estado neoliberal, ao tensionar essa política à centralização
administrativa privada, ou seja, para a responsabilidade da sociedade civil organizada.
Logo, diante dessas características precarizantes, que permeiam a assistência
social, se faz necessário refletir sobre a importância da atuação conjunta ou
intersetorial entre os profissionais e as políticas públicas, conforme está definido na
constituição, pois é necessária que a população brasileira tenha plena inclusão,
cobertura e acompanhamento intersetorial dessas políticas de forma contínua e
eficaz. Diante disso, convém citar os relatos das assistentes sociais quando perguntas
sobre a atuação interdisciplinar em sua instituição:

“Há desfalque na equipe interdisciplinar, acaba interferindo no trabalho,


acumulando funções, necessita de psicólogo, oficineiro, orientador social nos
grupos da equipe do CRAS.” (AS1)

“Há desfalque, é observável a dificuldade da formação completa da equipe,


devido a seleção dos outros profissionais ser feita via pregão, o que acaba
causando desvalorização e constrangimento.” (AS2)
76

Tendo em vista tais relatos, é evidente que a política de assistência social tem
que ser levada a sério, já que a potencialização das expressões da questão social,
consequências da forte exploração, maior concentração de riquezas, e da grande
desigualdade social, são reflexos degradantes que ainda pairam no país. Como
reflexo, as constantes crises do capital, derivadas de tais características, acabam
gerando grande número de usuários em vulnerabilidade social, que necessitam da
assistência social para sua subsistência.
Todavia, é fundamental entender e pôr em evidência, que a assistência social
não pode ter sua ação individualizada, referente as intervenções nas expressões da
questão social, uma vez que o ethos individualista neoliberal torna a intervenção
focalizada, com tendência ao imediatismo, sem entrosamento com as outras políticas,
como a saúde e educação, que também são fundamentais a reinserção ou inclusão
social, e consequente bem estar social.
Logo, segundo Mota (2010), é preciso acabar com o mito da assistência social
referente a visão acrítica e imediata desta sobre a sua intervenção particularizada ou
individualizada nas expressões da questão social. Para tanto, é fundamental que a
categoria dos/as profissionais da assistência social esteja também reivindicando junto
a outras áreas e profissionais, melhorias referentes as políticas públicas em geral, e
não somente em relação as políticas públicas e/ou sociais que abrangem a assistência
social.
No que tange a esses desafios, é importante analisar e problematizar acerca
da organização de tal categoria profissional mediante a precarização laboral e do
desmonte das políticas públicas e sociais provocadas pelo Estado neoliberal. É notório
a importância dos conselhos federal e estaduais no intuito de assessorar, fiscalizar e
direcionar a práxis dos/as assistentes sociais através dos projetos ético político e
societário que visam a defesa da igualdade social, como também o combate a todo
tipo de preconceitos e discriminação de classe, raça e gênero.
Nesse sentido é perceptível também, a precaução que a categoria,
representada pelos seus conselhos, tem conforme o avanço do conservadorismo na
profissão, questões como a busca pela autonomia laboral, pela maior participação
social na formulação das políticas públicas, como também a defesa pela manutenção
de tais políticas, em meio ao desmonte e tensionamento neoliberal à terceirização e
privatização, são pautas constantes nas discussões e campanhas feitas pelos
conselhos.
77

Junto a isso, também está a defesa que a categoria faz em relação ao processo
de formação profissional, a necessidade de enfatizar a teoria social marxista dialética,
em consonância com todo um embasamento teórico metodológico crítico, numa
perspectiva de aprendizado presencial libertador é um prisma que a categoria também
defende diante da precariedade tecnicista, presente na Educação à distância, e que
vêm sendo adotada pelo neoliberalismo.
Entretanto, tendo em vista a lógica da importância da educação e formação
permanente desses profissionais, sob uma perspectiva crítica, e não produtivista para
atender as querências do mercado de trabalho, é necessário frisar a eficiência da
educação permanente dos/as profissionais da assistência social, mesmo após a sua
formação, uma vez que a questão social sofre constante mutação em suas
expressões, que são reflexos da precariedade presente na correlação de forças entre
capital e trabalho.
Essa questão foi bastante enfatizada por tais profissionais, como é o caso dos
relatos a seguir,

“Não há capacitações de forma continuadas.” (AS4)

“Há capacitações periódicas, mas há também a necessidade de maior


investimento do Estado para promover capacitações, uma vez que a
periodicidade está aumentando, vale o mesmo para o município.” (AS2 e
AS3)

Em consonância a isso, conforme os comentários das profissionais, é inegável


a necessidade maior do cumprimento acerca da formação ou capacitação permanente
dessas profissionais, uma vez que isso é um dos principais requisitos que está
disposto tanto na Política Nacional da Assistência Social – PNAS, quanto na Norma
de Operacional Básica do SUAS – NOB-SUAS, referentes a necessidade do pacto
administrativo e gestor nas três esferas administrativa, federal, estadual e municipal.
Sendo que a esfera Estadual é a responsável pelo cofinanciamento referente à
educação permanente dos profissionais da assistência social, através de
capacitações periódicas. Deste modo, é perceptível que a necessidade da educação
permanente se torna importante para a práxis desses profissionais, tanto para manter
o compromisso ético e político destes, como também para enfatizar o método crítico
e dialético presente em suas mediações, diante de todo o processo conservador
imediatista, precarizante e reestruturativo existente no sistema econômico e cultural
neoliberal.
78

Essa perspectiva de formação, acaba sendo importante também para a


formação crítica desses profissionais, que se deparam diariamente com uma série de
desafios e problemáticas, que podem ser analisadas e problematizadas através de
estudos e pesquisas em seus campos de atuação. Logo, com isso, vale apena
enfatizar novamente a importância da conquista referente a carga horária semanal de
30 horas, uma vez que os profissionais tem mais tempo também para realizar estudos
e pesquisas acerca da realidade social em seus espaços sócios ocupacionais, como
também para a mobilização destes com discussões em outros espaços, como o
acadêmico, de suas experiências perante a precarização neoliberal.
Neoliberalismo esse, que vêm impondo um ethos de descrédito referente as
organizações sindicais, através das contrarreformas trabalhistas, ao não tornar mais
obrigatória a contribuição sindical através da folha salarial do trabalhador, que estaria
em dívida com o mesmo. Fato perceptível esse no artigo nº 582, na qual antes da
contrarreforma trabalhista, em seu texto citava:

“Art. 582. Os empregadores são obrigados a descontar, da folha de


pagamento de seus empregados relativa ao mês de março de cada ano, a
contribuição sindical por estes devida aos respectivos sindicatos.” (Lei
8.212/91)

Já no novo texto, alterado pela contrarreforma trabalhista, percebe-se que deve


haver uma prévia autorização do trabalhador para a sua contribuição sindical,
conforme o texto a seguir dispõe:

“Art. 582. Os empregadores são obrigados a descontar da folha de


pagamento de seus empregados relativa ao mês de março de cada ano a
contribuição sindical dos empregados que autorizaram prévia e
expressamente o seu recolhimento aos respectivos sindicatos. (Lei
13.467/2017).”

Logo, com esses fatos, é notório a ofensiva neoliberal contra a organização


coletiva dos trabalhadores expressa nos sindicatos, uma vez que essas alterações
nas leis proporcionam tentativas de cooptação feitas pelos empregadores aos
trabalhadores contra os sindicatos, no intuito de enfraquecer o movimento sindical.
Enfraquecimento dos sindicatos que, segundo Mattos (2010), se dá mediante a
precarização e fragilidade nos ambientes e vínculos de trabalho que, de certa forma,
diretamente ou indiretamente, acabaram desmobilizando ou causando o medo do
desemprego a classe trabalhadora.
79

Nesse sentido, vale apena destacar os relatos das assistentes sociais à


questão da organização da categoria, em relação a presença do conselho, e às
contrarreformas neoliberais. Tendo em vista que somente a assistente social AS3
possui vínculo sindical na categoria dos servidores públicos, segue os relatos:

“O Conselho estadual não é presente, nenhuma visita do mesmo desde que


começou a trabalhar na instituição, necessidade da atuação próxima devido
dificuldade de locomoção para Natal.” (AS1 e AS2)

“Por ser servidora estatuária a reforma trabalhista não atingiu


individualmente, mas abre espaço para desmontar o setor público, com a
terceirização trabalhista.” (AS3)

Conforme esses relatos, foi possível compreender que os efeitos advindos da


precarização neoliberal social e laboral permeiam a organização referente a categoria
dos/as assistentes sociais, diante da alienação, característica do capitalismo, aliada a
precarização laboral, que tende a aumentar cada vez mais a deslegitimação
sindical/laboral do/as trabalhadores, e a diminuir cada vez mais também os postos de
trabalho.
Compreende-se ainda que tal ethos acaba tensionando a organização da
categoria dos/as assistentes sociais, sendo que, é necessário a contribuição anual
dos profissionais para manter a atuação dos conselhos estaduais e federal. Logo,
consequentemente, fica perceptível a dificuldade de expansão dos conselhos, através
de um processo de regionalização, mediante novos dispêndios de gastos para manter
atuação destes próximos a regiões interioranas.
Nesse sentido, é claro o desafio à categoria dos/as profissionais da assistência
social, acerca de uma maior organização e assessoria feita pelos conselhos, através
de uma amplitude de atuação destes, de forma regional. Como também a necessidade
de menor burocratização acerca dos serviços oferecidos pelo mesmo, que foram tão
questionados pelas assistentes sociais entrevistadas. Serviços como a inscrição e
renovação da licença no conselho foram questionadas, pelo fato destes
procedimentos serem feitos somente na sede principal em Natal, que fica há cerca de
quatro horas de viagem das cidades interioranas de Caicó e São Fernando. Logo, na
maioria das vezes, não têm tempo disponível para ir à tais lugares.
Diante dessas situações, evidenciadas por estas profissionais acerca da
organização da categoria, em específico na região interiorana do Seridó, é importante
entender o que pensa Marx & Engels (2002) e Gramsci (1978) sobre a necessidade
80

de organização da categoria ou classe trabalhadora, diante das ofensivas e


exploração alienada do capital.
Pois é evidente a necessidade da formação de uma consciência de classe
acerca das suas necessidades e realidades laborais, uma vez que tal classe
proletária, ciente do processo de coisificação ou mercadorização dos sujeitos sociais
que o capital impõe de forma alienada, terá as condições revolucionárias de luta por
melhores condições laborais e de superação desse sistema, pela busca da
emancipação humana, através da necessidade coletiva e inclusiva por condições
sociais e laborais igualitárias.
Deste modo, é importante e necessária a organização próxima e ampla da
categoria, não só pelos meios organizativos e sindicais, mas também através dos
intelectuais, seja eles orgânicos ou tradicionais, no intuito de adentrar de forma crítica
no meio cultural, com estudos e discussões que propiciem o despertar de suas
necessidades e realidades, construindo assim, um novo ethos crítico e reflexivo, que
vise tirar as amarras alienadas e acríticas impostas pela burguesia.
Sendo assim, é imperioso também enfatizar a importância da organização ética
e política da categoria dos/as assistentes sociais em consonância com as demais
categorias de trabalhadores, no intuito de se obter uma consciência ampla de classe
pela garantia de direitos e de melhores condições laborais e sociais, que vise unificar
uma criticidade mediante a relação trabalho e capital, com o objetivo de superar tal
sistema e, por conseguinte, obter uma nova sociabilidade baseada numa única classe
comprometida com a igualdade de condições econômicas e culturais.
Pois é somente com a garantia e defesa de direitos, em consonância com
discussões críticas acerca da exploração, precarização e alienação presentes no
mundo de trabalho, é que se pode organizar e mobilizar a classe trabalhadora na luta
de classes.
81

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise do presente estudo proporcionou um amplo entendimento acerca de


como as relações sociais na sociedade sofreram influência direta da categoria
trabalho, pois essa categoria além de definir a sociabilidade entre os sujeitos, pode
proporcionar relações de dependência entre os indivíduos. Isso se deu pelo fato de
que estes necessitam do trabalho para a sua sobrevivência. Logo foi observado na
linha histórica até então traçada, as mudanças da sociabilidade entre os sujeitos
mediante as transformações na categoria trabalho.
As relações hierárquicas obtidas por privilégios de um determinado grupo em
relação a outro, ainda sem uma perspectiva de direitos foram evidenciadas na
sociabilidade predominante na Idade média, pela qual indivíduos necessitavam da
classe dominante para a sua sobrevivência numa espécie de permissão temporária
para o desfruto de um pedaço de terra para subsistência, mediante consentimento da
nobreza. Uma vez que a propriedade privada era dada como uma permissão do grupo
dominante, para que os indivíduos subalternizados tirassem o seu sustento da terra,
mesmo que diante do seu ganho, parte era dada como imposto ao soberano, ainda
sim, tais indivíduos ficavam com algo que foi oriundo do seu trabalho para si próprio.
Entretanto, em detrimento disso, uma classe que não se agradou com tais
medidas da nobreza, por ter vínculo direto com a parte econômica, e também por ter
anseios de expandir o comercio, acabou se voltando contra e revolucionando a
sociabilidade até então vigente. A burguesia se tornara classe revolucionária, e
consequentemente passou a ser uma classe hegemônica mediante as
transformações que ela provocara sob as relações laborais, na qual os indivíduos até
então subalternizados pela sua moradia, ficaram livres para ter sua propriedade, mas
em contrapartida, necessitavam da nova subsistência em relação ao trabalho dado,
sob troca de um valor, o salário, característico da nova sociabilidade burguesa.
Conforme essa nova relação de subsunção imposta pela burguesia, a classe
trabalhadora passou a agir com o intuito de obter melhores condições sociais e
laborais. É a partir disso que o Serviço social surge, de forma alienante, mediante a
ação Estatal aburguesada de controlar as expressões da questão social. Nota-se
então, que o Serviço Social, tendo o seu profissional assistente social como
protagonista, também sofrera com a precariedade existente nas relações sociais e
laborais da sociabilidade burguesa. E isso torna-se lógico principalmente mediante as
82

repetitivas crises do capital, através dos seus processos de reestruturação, com o


agravamento que este provocada para manter o acúmulo de riquezas e lucro.
Tal fato foi notório mediante as limitações encontradas nas áreas de atuação
dos profissionais da assistência social, como reflexo de uma nova morfologia do
trabalho existente, que tende a ser mais precarizada, e que consequentemente
acabou delimitando a eficiência da práxis desses sujeitos mediante ações burguesas
que visam não só precarizar as relações laborais, mas também as políticas sociais.
Logo, essas características denotam a necessidade de a categoria desses
profissionais reafirmar o seu projeto profissional voltado a classe trabalhadora, junto
a intenção de manter suas dimensões referentes a intervenção profissional através do
materialismo histórico dialético.
Pois como foi evidenciado neste trabalho, o processo histórico de identidade
profissional do Serviço Social passou por diversas transformações que foram um
reflexo da construção coletiva dos profissionais em busca de uma criticidade referente
a uma melhor forma de intervir na precarização social, na qual ao longo dos anos
tornou-se uma necessidade mediante a agudicidade da precarização social.
Logo a analise histórico dialética posta aqui sob a categoria trabalho, e os
impactos sociais das sociabilidades que se utilizaram deste, proporcionou uma
percepção de que se faz necessário compreender os fatos sociais através das
relações entre classes, e que como consequência disso, torna-se importante analisar
tais fatos mediante a parcialidade de entender a realidade de uma classe
subalternizada, que acaba sendo sempre explorada e submissa perante outra classe
que, de forma hegemônica, acaba sendo sempre a exploradora diante de privilégios
sociais e econômicos.
Tal compreensão, nos tempos atuais, volta-se a importância de perceber que
para mudar o cenário antagonista existente entre classes, só é possível mediante a
luta de classes. Luta essa, que só é obtida com o despertar da consciência de classes
entre os sujeitos que constituem a classe trabalhadora, através do apoderamento e
do fomento às discussões que envolvem a comunidade acadêmica, profissional e a
sociedade junto aos intelectuais, com o propósito de propor uma nova alternativa
sustentável com o fim do capital, uma nova sociabilidade que vise a igualdade e
emancipação total entre os sujeitos.
Sendo assim, se faz necessário enfatizar a relevância desse trabalho não só
para a comunidade acadêmica, mas também para a categoria dos profissionais do
83

Serviço Social, e para a sociedade em si, como objeto reflexivo não só sob a
historicidade na qual a categoria se desenvolveu, mas também como criticidade
referente a realidade e importância do fazer profissional, com o objetivo de traçar
estratégia que visem a reafirmação do projeto societário que tais profissionais
defendem mediante a forte precarização social e laboral.
84

APENDICE A - QUESTIONÁRIO UTILIZADO NA PESQUISA COM AS


ASSISTENTES SOCIAIS

1) Há quanto tempo você trabalha na instituição ou órgão público?


( ) 1 ano
( ) 2 anos
( ) 3 anos ou mais
2) Qual o tipo de vínculo empregatício que você tem junto ao centro ou órgão
público?
( ) Contrato/carteira assinada.
( ) Via pregão
( ) Via concurso público
3) Qual a sua Relação Salarial na instituição em que você trabalha?
( ) Recebe até 2 salários mínimos
( ) Mais de 2 até 3 salários mínimos
( ) 3 ou mais salários mínimos
4) A sua carga horária é, de acordo com a Lei 12.317, de 30 horas semanais?
( ) sim
( ) não
5) Você possui outros vínculos de emprego?
6) Você contribui para a previdência? se sim, ela é pública ou privada?
7) já teve que trabalhar em algum lugar e, por algum motivo o salário atrasar? Se
sim, como percebe essa situação?
8) O salário e o vínculo de trabalho que você possui, lhe dá condições de fazer
planejamento familiar e profissional a longo prazo?
9) Você acha que a nova reforma trabalhista traz consequências boas ou ruins
para o seu exercício profissional?
10) Há uma forte presença na atuação do conselho Regional em sua região de
trabalho?
11) Você possui algum vínculo com um sindicato da sua categoria?
12) Você conhece a resolução CFESS nº 493/2006, que dispõe sobre as
condições éticas e técnicas do exercício profissional do assistente social? Se
sim, como percebe seu espaço de trabalho e o atendimento das prerrogativas
que a mesma apresenta.
85

13) Você já fez alguma atividade advinda do seu trabalho em casa, para atender
os curtos prazos exigidos de outras instituições?
14) Você consegue manter o sigilo profissional em relação aos seus instrumentais,
estudos sociais e acompanhamentos dos usuários no seu espaço de atuação
profissional?
15) Você já se sentiu tensionada/o eticamente, em algum acontecimento que
poderia violar o código de ética do assistente social?
16) Há realização de capacitações para você e outros profissionais, no intuito de
mantê-los atualizados acerca de mudanças ocorridas nas políticas sociais?
17) Há uma grande quantidade de demandas no espaço em que atua? Você
consegue cumpri-las a tempo?
18) A equipe interdisciplinar em que você está inserida/o, é completa ou há
desfalques? Se tem desfalque, isso interfere no teu exercício profissional?
19) Já houve interferência, nas relações de trabalho, de outros profissionais em
seu ambiente de trabalho?
20) Você já sofreu algum tipo de preconceito em seu ambiente de trabalho?
21) Você já sofreu algum processo de adoecimento decorrente do seu trabalho?
22) Você já sofreu alguma ameaça ou constrangimento em seu ambiente de
trabalho?
86

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