Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Cury, Isabelle
RESUMO
Desde então, um novo conceito ou uma nova categoria, denominada paisagem histórica urbana estava se
configurando e passou a ser discutida e pensada pelos órgãos de doutrina de patrimônio.
No Fórum de países Ibero Americanos – 2007/ICOMOS, discutiu-se primordialmente, a propriedade de ser uma
categoria ou um conceito. Outros encontros se sucederam, destacamos o Fórum Universidade e Patrimônio:
Paisagem Histórica Urbana: Um novo conceito? Uma nova categoria de Patrimônio? ocorrido em Hanoi – 2009.
No Brasil, ocorreram duas reuniões da UNESCO, realizadas uma em Olinda e outra Rio de Janeiro.
Finalmente, em outubro passado na 36ª Conferencia Geral da UNESCO, no documento “Recomendação sobre as
Paisagens Históricas Urbanas”, definiu-se o conceito, entendendo os territórios historicos urbanos entre os bens
patrimoniais mais diversificadas do nosso patrimônio cultural comum, criados por gerações, são provas essenciais
das aspirações da humanidade no espaço e no tempo.
O trabalho em questão tem por objetivo analisar o processo de construção do mais recente
conceito de patrimônio – o de paisagem histórica urbana, por meio dos documentos formulados e
as das propostas resultantes dos mesmos.
Muitas foram as contribuições e os fóruns de debates, elencamos apenas alguns, pois não seria
possível dar conta do processo de discussão como um todo. Porém, consideramos que a
seleção realizada atendeu aos propósitos desta comunicação.
1. Memorando de Vienai
O Memorando de Viena é o resultado da conferência internacional que teve por tema "O
patrimônio mundial e arquitetura contemporânea: Gestão das paisagens históricas urbanas",
ocorrida de 12 a 14 de Maio de 2005 em Viena – Áustria. 2005, art. 1º
Reconhece que as mudanças permanentes relacionadas com o uso funcional, a estrutura social,
a conjuntura política e o desenvolvimento econômico que se manifestam sob a forma de
intervenções estruturais na paisagem histórica urbana herdada, podem ser consideradas como
parte integrante da tradição urbana, porém, exigem uma visão alargada da cidade, em seu
conjunto, da ação dos que elaboram as decisões e, do diálogo com os outros atores e demais
partes interessadas envolvidas. 2005, art. 13
O princípio geral é de que a proporção e o desenho (design) devam se harmonizar com o padrão
histórico e arquitetural, a preservação do parcelamento é fundamental, pois, o "fachadismo" não
é uma forma de intervenção recomendável. (Figura 1) 2005, art. 26
Finalizado, solicita que a UNESCO estude a possibilidade de formular uma nova Recomendação
para completar e atualizar as que existem sobre as paisagens históricas urbanas, com referência
particular à contextualização da arquitetura contemporânea. 2005, art. 32, b
Desde então um novo conceito ou uma nova categoria estava se configurando, e passou a ser
discutido e pensado pelos órgãos de doutrina de patrimônio.
As discussões ocorreram com base em 10 (dez) perguntas-chave, que tiveram como temática o
memorando de Viena e, especialmente, o conceito de paisagem histórica urbana e as suas
consequências nas cidades históricas.
Justificando que conceituar a cidade como uma paisagem cultural viria revelar outros conjuntos
de elementos tangíveis, que ainda não foram devidamente identificados, nem documentados,
essa hipótese não foi aceita.
Algumas das questões debatidas já estavam presentes nos estudos dos principais teóricos do
patrimônio, tendo sido elencadas nas discussões que se sucederam.
Para John Ruskin o tecido urbano é um componente do patrimônio a ser protegido, entende que
a cidade, como um todo, desempenha o papel de monumento histórico. Aponta para a
necessidade das cidades pré-industriais continuarem habitadas como no passado.
Terminologias do patrimônio:
Categorias do patrimônio:
Deverá ser mantido o uso do conceito de "cidade histórica" e não substituí-lo por "paisagem
histórica urbana";
É prioritário reforçar os estudos sobre as cidades históricas; a proteção deverá ser realizada
com base em instrumentos de gestão;
A substituição de edifícios históricos deve ser excepcional e, a análise dos novos projetos
deve ser, necessariamente, realizada por um conselho de peritos em conservação.
Com relação à metodologia, discutiu-se como equilibrar a conservação da cidade com o seu
desenvolvimento se não existem critérios claros e aceitos sobre a definição de limites para
bairros históricos e zonas tampão. Evidenciou-se a necessidade de incluir questões sociais nos
mecanismos de intervenção e gestão histórica cidade ou bairro.
As mudanças são aceitáveis, porém a preservação dos valores deve ser o principal objetivo da
gestão. As transformações devem ser adaptadas às características específicas das áreas
históricas e, deve ter-se em conta: escala, altura predominante, materiais, cores, texturas.
O Brasil deu lugar a duas reuniões técnicas, uma em Olinda - 2007 e outra Rio de Janeiro -
2009.
Em novembro de 2007, o Centro do Patrimônio Mundial organizou uma terceira reunião regional
de especialistas em Olinda, Brasil, quando foi possível verificar que, lentamente, estava se
formando um consenso sobre o entendimento de paisagem histórica urbana como espaço
edificado.
Na reunião discutiu-se que a noção de que Paisagem Histórica Urbana, com a visão de
paisagem urbana, não era necessariamente nova, muitas vezes foi utilizada para descrever um
povoamento construído em estreita relação com as formas do território, e por isso, se torna uma
paisagem.
Declaração As limitações existentes nos textos doutrinários incidem principalmente sobre a arquitetura,
de mesmo quando relacionadas às áreas históricas urbanas. A Declaração do Conselho da Europa
Amsterdã – iii
CoE 1975. de 1975 , que introduziu o conceito de conservação integrada, estava focada no patrimônio
arquitetônico, enquanto na Recomendação da UNESCO de 1976iv, a noção de áreas históricas e
arquitetônicas, abrangia os conjunto de edificações, as estruturas e os espaços abertos.
Recomendação de Nairobi da UNESCO de 1976 relativa a Salvaguarda dos conjuntos históricos e sua função na vida contemporânea.
A maioria dos especialistas, em grupos de discussões, aceitaram os termos: urbano e paisagem
urbana e, alguns questionaram a necessidade de incluir a noção de histórico.
Jokillehto, em suas reflexões, explicitou que o termo historia, no idioma inglês, foi definido em
dois sentidos: o primeiro estuda a historia dos eventos de grande escala da humanidade a partir
da ação e da sucessão temporal; e o segundo, como a disciplina que estuda o modo como
conhecimento do passado é adquirido ou pesquisado.
A proposta incluía a área urbana, com seu conjunto edificado e paisagístico. Os órgãos
responsáveis pela analise, não reconheceram o conjunto edificado na categoria de paisagem, e
assim sendo, o Governo da Argentina acabou por retirar a candidatura de Buenos Ayres.
Posteriormente, tendo em vista o ocorrido, o Brasil retirou da área proposta à inclusão na Lista do
Patrimônio Mundial da cidade do Rio de Janeiro o centro histórico, ficando apenas os elementos
paisagem. A candidatura também havia sido indicada na categoria de paisagem cultural, nas três
subcategorias.
Inclui ainda as áreas onde a paisagem da orla tem sido agenciada ao longo dos séculos, seja
para erigir fortificações para a defesa da cidade, como na entrada da Baía de Guanabara com
seus fortes históricos, seja para propiciar instalações de lazer para os residentes, como o
Passeio Público, o Parque do Flamengo e a Praia de Copacabana.
Em 2012, dez anos após a primeira avaliação, as “Paisagens Cariocas: Entre o Mar e a
Montanha”, foram inscritas na Lista do Patrimônio Mundial. (Figura 2)
Fórum UNESCO-Universidade e Patrimônio se reuniu em Hanoi no ano 2009, por iniciativa das
universidades vietnamitas.
Paisagem Histórica Urbana é uma parte integrante e fundamental do ambiente das comunidades
que vivem dentro delas, ou que tenham associação com elas; nem a designação, nem a
pesquisa acadêmica devem se dar em detrimento das comunidades locais;
Todas as políticas relativas e que afetem as cidades e os centros históricos urbanos devem
respeitar os estilos de vida das comunidades que vivem e trabalham nelas; esses estilos de vida
representam um componente significativo da cultural intangível das comunidades, sua herança
cultural. Assim sendo, devem ser previstos o acesso adequado e os direitos culturais das
comunidades.
Os acesso adequado e os direitos culturais devem ser respeitados, tanto quanto os elementos
tangíveis das paisagens históricas urbanas; apesar de envolverem relações intangíveis ou
invisíveis. É necessário propor ferramentas inovadoras para perceber, apreciar ou classificar
seus valores.
Nessa linha de pensamento, não poderíamos deixar de citar os “Princípios de Valetta para a
salvaguarda e a gestão das cidades e conjuntos históricos urbanos” resultante do Simpósio
"Cidade Histórica: modelo de referência para as políticas de desenvolvimento urbano
sustentável", resultante da reunião anual do CIVVIH ─ Comitê Internacional para Cidades e
Povoações Históricas, realizado em Valletta, Malta, de 7 a 10 de abril de 2011.
A urbanização está evoluindo numa escala nunca vista na história da humanidade e, em todo o
mundo, este fato está na base da mudança e do crescimento socioeconômico, que deveria ser
aproveitado a nível local, nacional, regional e internacional. 2011, preambulo, 3º paragrafo
Hoje, mais de metade da população mundial reside em áreas urbanas. As áreas urbanas são
cada vez mais importantes como motores de crescimento e como centros de inovação e
criatividade; proporcionam oportunidades de emprego, de educação, e vão ao encontro das
crescentes necessidades e aspirações da população. 2011, art. 1º
O patrimônio urbano, incluindo seus componentes materiais e imateriais, constitui um recurso
fundamental na melhoria da habitabilidade das áreas urbanas e promove o desenvolvimento
econômico e a coesão social num ambiente global em constante mudança. Como o futuro da
humanidade depende do planejamento e gestão eficazes de recursos, a conservação tornou-se
uma estratégia para alcançar o equilíbrio entre crescimento urbano e qualidade de vida numa
base sustentável. 2011, art. 3º
A proteção do patrimônio natural e cultural deverá estar apoiada na integração das estratégias de
conservação, gestão e planejamento da área histórica urbana nos processos de
desenvolvimentos locais e planejamento urbano, tais como a arquitetura contemporânea e o
desenvolvimento de infraestruturas, para os quais a aplicação de uma abordagem paisagística
ajudaria a manter a identidade urbana. 2011, preambulo, 6º paragrafo
Ficando assim definida: “a paisagem histórica urbana é a área urbana compreendida como o
resultado de uma estratificação histórica dos valores e atributos culturais e naturais, que se
estende além da noção de ‘centro histórico’ ou ‘conjunto’ para incluir o contexto urbano mais
amplo e a sua localização geográfica. Este contexto mais amplo inclui a topografia do local, a
geomorfologia, hidrologia e recursos naturais; o seu ambiente construído, tanto histórico como
contemporâneo; as suas infraestruturas acima e abaixo do nível do solo; os seus espaços
abertos e jardins, os seus padrões de uso da terra e organização espacial; percepções e
relações visuais; bem como todos os outros elementos da estrutura urbana. Também inclui
práticas e valores sociais e culturais, processos econômicos e as dimensões intangíveis do
patrimônio relacionado com a diversidade e identidade”. 2011, art. 8º e 9º
Fotos:
Figura 1 – Centro Histórico de Salvador/BA- Brasil Figura 2 – Vista Aérea – Rio de Janeiro/RJ – Brasil
BANDARIN, Francesco e Oers, Ron van, The Historic Urban Landscape: managing heritage in a
urban century. Ed. Willey-Blackwell, 2012.
CURY, Isabelle (org.). Cartas Patrimoniais. 3ª edição, IPHAN- Brasília, 2004.
ICOMOS, Carta Internacional para a Conservação e Restauração de Monumentos e Sítios
(Carta de Veneza) de 1964.
_______, Carta Internacional para Jardins Históricos (Carta de Florença) de 1982.
_______, Carta de Washington Carta Internacional para a Salvaguarda das Cidades Históricas
(Carta de Washington) de1987.
_______, Declaração de Xi'an de 2005, Proteção e gestão das edificações, dos sítios e das áreas
do patrimônio, como as cidades, paisagens, itinerários culturais e sítios arqueológicos.
________, Assembleia-Geral sobre o Espírito do Local, no Québec, em 2008.
UNESCO, Recomendação sobre a Salvaguarda da Beleza e do Caráter das Paisagens e Locais,
de 1962.
________, Convenção do Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural, de 1972.
________, Recomendação sobre a Preservação de Bens Culturais Ameaçados por Obras
Públicas ou Privadas, de 1968.
________ Declaração sobre o Ambiente Humano, do Patrimônio Cultural e Natural, de 1972.
________, Recomendação sobre a Salvaguarda dos conjuntos históricos e sua função na vida
contemporânea; de 1976.
________, Convenção sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade das Expressões
Culturais, de 2005.
________, Memorando de Viena a Conferência Internacional de 2005 sobre o Patrimônio
Mundial e Arquitetura Contemporânea em Viena. de 2005.
Notas:
i
O Memorando de Viena, conferência internacional "O patrimônio mundial e arquitetura contemporânea:
Gestão das paisagens históricas urbanas", 2005.
ii
Recomendação da UNESCO de 1962 sobre a Salvaguarda da Beleza e do Caráter das Paisagens e
Locais.
iii
Declaração de Amsterdã – Conselho da Europa 1975.
iv
Recomendação de Nairobi da UNESCO de 1976 relativa a Salvaguarda dos conjuntos históricos e sua
função na vida contemporânea.
v
Recomendação R (95) 9 - Sobre a conservação integrada das áreas de paisagens culturais como
integrantes das políticas paisagísticas Conselho da Europa – 1995.
vi
Princípios de Valleta para a Salvaguarda e a gestão das cidades e conjuntos históricos urbanos –
ICOMOS, 2011.
vii
Recomendação de Nairobi da UNESCO de 1976 sobre a Salvaguarda e Papel Contemporâneo das
Áreas Históricas.
viii
Carta do ICOMOS para a Conservação das Cidades Históricas e Áreas Urbanas (Carta de Washington)
1987.
ix
Recomendação sobre as Paisagens Históricas Urbanas, 36ª Conferencia Geral da UNESCO, 2011.