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Brazilian Journal of Development 19775

ISSN: 2525-8761

O autismo e a inclusão na educação infantil: estudo e revisão

The autism and inclusion in childhood education: study and review

DOI:10.34117/bjdv7n2-563

Recebimento dos originais: 25/01/2021


Aceitação para publicação: 25/02/2021

Paulo Henrique Araújo


Doutor em Estudos Literários
Orientador e docente do Instituto Federal de Minas Gerais. Campus - Bambuí
Endereço: Rodovia Bambuí/Medeiros - Km 05 - Caixa Postal 05 - Bambuí - MG
Email: paulo.araujo@ifmg.edu.br

Verônica Andrade dos Santos


Doutora em Ciências Agrárias
Programa de Pós-Graduação Lato Senso em Docência com Ênfase em Educação
Inclusiva do IFMG - Campus Arcos
Endereço: Avenida Juscelino Kubitschek, 485 - Bairro Brasília, Arcos - MG
E-mail: veronicaandrad@yahoo.com.br

Isabella Carolina Borges


Engenheira Química
Programa de Pós-Graduação Lato Senso em Docência com Ênfase em Educação
Inclusiva do IFMG - Campus Arcos
Endereço: Avenida Juscelino Kubitschek, 485 - Bairro Brasília, Arcos - MG
E-mail: bellacarol93@hotmail.com

RESUMO
O autismo é caracterizado pela presença de um desenvolvimento acentuadamente
incomum na interação social e na comunicação, e por atividades, interesses e
características que podem levar a um isolamento social contínuo da criança e também de
sua família. A inclusão é definida como inserção de uma criança com necessidades
educativas especiais, em termos físicos, sociais e acadêmicos nas escolas regulares. A
legislação brasileira determina que todas as crianças devem ter acesso à escola comum,
incluindo as com Transtornos do Espectro Autista (TEA). Nos últimos anos, houve
aumento expressivo de crianças com autismo nas escolas públicas e privadas, o que
possibilitou mais igualdade e oportunidades para estes alunos. Percebendo-se o aumento
da inclusão de crianças com autismo na educação infantil, o objetivo deste estudo foi
elaborar uma revisão bibliográfica a respeito do tema, visto a importância da inclusão na
educação brasileira e principalmente infantil. O aumento no número de matrículas de
crianças com autismo na Educação Infantil é um marco fundamental no processo de
inclusão e evidencia a necessidade de uma escola mais preparada. É necessário dar
oportunidades para que crianças com deficiência desenvolvam suas potencialidades,
respeitando suas condições sociais e cognitivas e, para isso, deve haver qualificação
profissional para a maioria dos atuais e futuros profissionais da educação.

Palavras-chave: Desenvolvimento infantil, aprendizado, deficiências.

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ISSN: 2525-8761

ABSTRACT
Autism is characterized by the presence of a markedly unusual development in social
interaction and communication, and by activities, interests and characteristics that can
lead to continuous social isolation for the child and also for his family. Inclusion is
defined as the insertion of a child with special educational needs, in physical, social and
academic terms in regular schools. Brazilian law stipulates that all children must have
access to a common school, including those with Autism Spectrum Disorders (ASD). In
recent years, there has been a significant increase in children with autism in public and
private schools, which has enabled more equality and opportunities for these students.
Realizing the increased inclusion of children with autism in early childhood education,
the objective of this study was to prepare a bibliographic review on the subject, given the
importance of inclusion in Brazilian education and especially in childhood. The increase
in the number of enrollments of children with autism in early childhood education is a
fundamental milestone in the inclusion process and highlights the need for a better
prepared school. It is necessary to provide opportunities for children with disabilities to
develop their potential, respecting their social and cognitive conditions and, for this, there
must be professional qualification for most current and future education professionals.

Keywords: Child development, learning, disabilities

1 INTRODUÇÃO
O termo autismo surgiu da palavra grega autos (si mesmo) e foi pela primeira vez
utilizado pelo psiquiatra suíço Eugene Bleuler, em 1911, para caracterizar um tipo de
sintoma que ele julgou ser secundário das esquizofrenias, concebendo que os autistas
viviam num mundo muito pessoal e que deixavam de ter qualquer contato com o mundo
exterior. Com o passar dos anos, estabeleceu-se uma relação entre psicanálise e autismo,
a partir da publicação do caso Dick, em 1930, no qual foi constatado que a criança em
estudo não cumpria todos os critérios para a classificação de demência precoce e
esquizofrenia, condições diagnósticas utilizadas na época para casos de crianças com a
mesma descrição comportamental de Dick (BETTELHEIM, 1987).
Com o avanço dos estudos, o conceito de autismo e os critérios utilizados para o
diagnóstico sofreram alterações; a definição atual mais utilizada é a da quarta versão
revisada do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Na mais recente
classificação deste manual, o DSM-V, o autismo é descrito como um distúrbio do neuro
desenvolvimento e denominado de Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). Prejuízos
sociocomunicativos e a manifestação de padrões restritos de comportamentos e interesses
são as principais características dessa condição, cuja incidência é maior em homens do
que em mulheres (APA, 2013).
Apesar de poucos dados atualizados de TEA no Brasil estudo realizado na região
Sudeste do Brasil, constatou que aproximadamente 0,3% das crianças em idade escolar

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apresentam o transtorno (PAULA, et al., 2014 ). Em termos mundiais sua prevalência é


da ordem de 10/10.000 crianças, sendo superior nas do sexo masculino; para cada uma
menina, cinco meninos são autistas (SANTOS, et al., 2015).
É uma condição caracterizada, essencialmente, por dificuldades sociais e de
comunicação, que surge do longo desenvolvimento da criança, percebida nos primeiros
anos de vida. Pessoas com TEA apresentam características semelhantes nos campos
sociocomunicativos e comportamentais, o transtorno se difere de outras condições, tais
como depressão, o Transtorno Afetivo Bipolar (TAB), Transtorno de Déficit de Atenção
e Hiperatividade (TDAH); no entanto, alguns sintomas destes transtornos são parecidos
com o TEA e podem se confundir. De acordo com Baio et al. (2018), na atualidade, o
autismo é entendido como espectro, incluindo uma complexa e ampla gama de
características, com diferentes níveis de severidade e comorbidades com outros
transtornos.
O autismo infantil envolve alterações leves, moderadas e severas nas áreas de
socialização, comunicação e cognição. Os quadros resultantes são severos e persistentes,
com grandes variações individuais, mas frequentemente exigem das famílias cuidados
extensos e permanentes períodos de dedicação. Os pais da criança autista são
confrontados por uma nova situação, que exige ajuste familiar e social, com o objetivo de
identificar o transtorno e, após o diagnóstico, buscar os serviços de saúde, educação e
lazer adequados (BOSA, 2006).
O TEA divide-se em três níveis: nível 1 (grau leve); nível 2 (grau moderado); e
nível 3 (grau severo). No nível 1, o autista consegue se comunicar com suporte, mas
problemas de organização e planejamento impedem sua independência. No nível 2 e no
nível 3, o autista apresenta um déficit grave nas habilidades de comunicação verbais e
não verbais, demonstrando dificuldade nas interações sociais e cognição reduzida. Estes
também manifestam um perfil inflexível de comportamento, seja pela dificuldade de lidar
com mudanças, seja pelo isolamento social, caso não haja estímulo. Algumas crianças
com TEA desenvolvem-se bem em casa, mas necessitam de apoio na escola, o que
ressalta, portanto, a importância de professores capacitados para a educação inclusiva
(RUSSO, 2020).
Verifica-se, atualmente, que há uma grande lacuna em relação à formação docente
para lidar com o autismo nas escolas brasileiras. Ao pesquisar práticas pedagógicas
desenvolvidas com alunos na escola regular, Azevedo (2017) observou que menos de

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20% dos agentes educacionais possuíam formação na área de educação especial, não
sendo relatada qualquer capacitação específica dos profissionais para lidar com o autismo.
A importância de formar profissionais aptos para atuarem junto aos alunos com
TEA corresponde também a uma nova concepção de escola, em que há igualdade legal
de oportunidades e equidade educativa.
A Constituição de 1988 garante a matrícula de alunos com necessidades
educacionais especiais em escolas regulares no Brasil, estabelecendo “o direito à
escolarização de toda e qualquer pessoa, a igualdade de condições para o acesso e para a
permanência na escola e a garantia de “atendimento educacional especializado aos
portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”. A Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (9.394/96) reafirmou a obrigatoriedade do
atendimento educacional especializado e gratuito aos estudantes com necessidades
especiais, preferencialmente na rede regular de ensino, reforçando, desde então, a adoção
de práticas educacionais inclusivas no país (BRASIL, 1988).
De acordo com o Instituo Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixiera (INEP, 2019), o número de alunos com transtorno do espectro autista (TEA) que
estão matriculados em classes comuns no Brasil aumentou 37,27% em um ano. Em 2017,
77.102 crianças e adolescentes com autismo estudavam nas mesmas salas que pessoas
sem deficiência. Esse índice subiu para 105.842 alunos em 2018. Os dados consideram
tanto os estudantes de escolas públicas, quanto de particulares.
O aumento no número de matrículas acompanha uma exigência legal, incluindo
as escolas do setor privado. Percebendo-se o aumento da inclusão de crianças com
autismo na educação infantil, é necessário reunir informações sobre o tema, visto a
importância da inclusão na educação brasileira, principalmente na educação infantil.

2 A ESCOLA INCLUSIVA
Ocorreu, a partir dos anos 90, uma grande mobilização no sentido de tornar as
escolas mais inclusivas. Sob o amparo da Organização das Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) decorrem inúmeras conferências e
compromissos internacionais, em que os diversos países envolvidos se empenham na
construção de modelos, através dos quais a educação deve ser considerada. Dos vários
encontros realizados, destaca-se a Declaração de Salamanca (1994); a Carta de
Luxemburgo (1996) e a Declaração de Madrid (2002).

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Gradualmente, a escola inclusiva vem se tornando promotora do sucesso de todos


e de cada um, assente em princípios de direito e não de caridade, e de igualdade de
oportunidades (SANCHES, 2005). “Inclusão” é a palavra que hoje comporta em seu
campo semântico relações indissociáveis com “igualdade”, “fraternidade”, “direitos
humanos” e “democracia”; da mesma forma, a inclusão escolar teve a sua origem no
centro dos debates sobre pessoas em situação de deficiência e insere-se nos grandes
movimentos contra a exclusão social. Sanches e Teodoro (2007) descrevem que a
inclusão escolar deve “contemplar todas as crianças e jovens a quem são atribuídas
necessidades educativas especiais”.
Visando observar as diretrizes internacionais, é necessário que a escola reconheça
e satisfaça as necessidades dos alunos, adaptando-se aos diversos estilos e ritmos de
aprendizagem, de forma a proporcionar um desenvolvimento harmonioso, através de
projetos e aulas adequados, de uma flexibilização na organização escolar, assim como de
utilização de recursos e de articulação junto aos pais e à comunidade.
As interações entre os membros da comunidade escolar de um aluno com autismo
(professoras, merendeiras, diretora, orientadora escolar, colegas de classe e familiares)
foram estudadas por Melo (2004), utilizando aparato teórico etnográfico e mapeamento.
O estudo possibilitou a descrição minuciosa do contexto escolar e a análise das interações
entre os participantes, proporcionando alternativas para buscar soluções de problemas, no
que diz respeito ao atendimento educacional a pessoas com autismo. Já Gomes e Mendes,
(2010) realizaram um trabalho sobre escolarização inclusiva de alunos e observaram no
comportamento dos alunos com TEA semelhanças nas etapas escolares; a maioria deles
interage com seus colegas "sempre" ou "às vezes" e entre 60% e 70% dos alunos
apresentam comportamentos difíceis "às vezes".

3 POLÍTICA INCLUSIVA NO BRASIL


A inclusão procura levar a criança com necessidades educativas especiais às
escolas regulares e, sempre que possível, às classes regulares onde, por direito, deve
receber todos os serviços adequados às suas características e necessidades. Pretende,
portanto, encontrar formas de aumentar a participação de todas as crianças com
necessidades educativas especiais nas escolas regulares, independentemente dos seus
níveis acadêmicos e sociais (JIMÉNEZ, 1997).
O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) foi criado com fins de articular
diversos programas educacionais neste sentido. Quando foi criado, o projeto obteve uma

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repercussão positiva, no entanto, uma das fragilidades do PDE é o fato de que suas metas
se limitam a um conjunto de ações sem a organicidade necessária para se constituir um
plano político de governo. Muitas destas ações não interagem entre si e, tampouco, com
as propostas do Plano Nacional de Educação de 2001.
Em 2003, foi lançado o programa do Governo Federal chamado “Educação
Inclusiva: Direito à Diversidade”, contemplando várias ações que passam a ser
desenvolvidas com a intenção de transformar os sistemas de ensino do país em sistemas
de ensino inclusivos. O objetivo era promover a formação continuada de gestores e
educadores das redes estaduais e municipais de ensino, para que fossem capazes de
oferecer educação especial na perspectiva da educação inclusiva.
A educação inclusiva tem como princípios uma educação pela não discriminação
e pela aceitação da diferença. É um processo que objetiva a inclusão no sentido amplo. A
educação especial é uma das modalidades que compõem a educação inclusiva e promove
o desenvolvimento das potencialidades, objetivando inclusão, aceitação, qualidade do
ensino para pessoas com dificuldades de aprendizagem, deficiências, TEA e altas
habilidades, além de abranger diferentes níveis e graus do sistema de ensino. O ensino
deve ser igual para todos e, justamente para alcançar a equidade legal, a educação especial
inclusiva é um método pedagógico que mescla características do ensino regular com o do
ensino especial, promovendo a integração entre crianças com diferentes necessidades
(VALERIANI, 2020).
No conjunto dessas ações, em 2008, foi publicado o documento orientador da
Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva
(PNEEPEI) e também instituído o Decreto n 6.571/2008, este último como forma de
operacionalizar o financiamento dos serviços de atendimentos propostos aos alunos com
deficiências, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação
priorizando, sobretudo o atendimento educacional especializado a ser prestado em salas
de recursos multifuncionais (REBELO, 2016).
Antes de 2008, a Educação Especial era vista como um tipo de educação que,
eventualmente, poderia substituir a educação no ensino regular (por exemplo, na
Resolução CNE/CEB n° 2/2001 e no Parecer CNE/CEB n° 17/2001). Houve mudanças a
esse respeito ao longo dos anos, que podem ser observadas nos indicadores educacionais
de matrículas de alunos com deficiência, disponibilizados pelo Censo Escolar da
Educação Básica (MEC/INEP) (REBELO, 2016).

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No mesmo ano de 2008, ocorre um afastamento entre as curvas com os


quantitativos de matrículas em espaços exclusivos e inclusivos. Até 2007, o total de
matrículas em classes especiais e escolas exclusivas foi superior ao de alunos incluídos
(348.470 e 306.136 matrículas, respectivamente), o que se altera no ano seguinte, em que
se pública a PNEEPEI. Em 2013, havia 194.421 matrículas em espaços exclusivos e
648.921 matrículas de alunos incluídos; as últimas matrículas correspondem a 76,95% do
total das matrículas de alunos com necessidades educacionais especiais (NEE) na
Educação Básica (843.342), segundo dados do MEC/INEP (REBELO, 2016).
Os dados de matrículas são apontados pelo Ministério da Educação como
indicadores do sucesso da política de inclusão escolar: com eles, mostra-se “a efetivação
da educação inclusiva e o empenho das redes de ensino em envidar esforços para
organizar uma política pública universal e acessível às pessoas com deficiência”.
De acordo com o censo escolar, em 2019 o número de matrículas da educação
especial chegou a 1,3 milhão, um aumento de 34,4% em relação a 2015. O maior número
de matrículas está no ensino fundamental, que concentra 70,8% das matrículas da
educação especial. Quando avaliado o aumento no número de matrículas entre 2015 e
2019, percebe‐se que as matrículas de ensino médio são as que mais cresceram, um
aumento de 91,7% (INEP, 2019).
Apesar do crescente número de alunos matriculados nas escolas públicas, para se
conseguir qualidade no atendimento, é necessário que os profissionais recebam formação
e especialização, já que é comum os profissionais não saberem reconhecer, nem tampouco
lidar com o autismo e outras deficiências. Para Nunes e A. Schmidt (2019), a
escolarização de educandos com autismo em classes regulares tem se mostrado
desafiadora, demandando do professor o conhecimento e a incorporação de estratégias
interventivas que se mostrem eficazes.
As políticas públicas educacionais existentes devem manter o compromisso de
incentivar a formação e a capacitação de profissionais especializados no atendimento à
pessoa com transtorno do espectro autista, bem como o apoio a pais e responsáveis,
fortalecendo a parceria entre família e escola na educação de todo aluno com necessidades
educacionais especiais (CUNHA, 2013).

4 O AUTISMO E A EDUCAÇÃO INFANTIL


As crianças diagnosticadas com TEA apresentam um déficit cognitivo bastante
significativo, principalmente aquelas classificadas no nível 2 ou no nível 3, visto que as

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alterações existentes afetam partes essenciais para o processo de aprendizagem. Parente,


(2010) relata que esses indivíduos têm um estilo cognitivo qualitativamente diferente e
distúrbios em funções que normalmente usamos para chegar ao conhecimento na escola,
à interação social e às comunicações verbal e não verbal. Os alunos com autismo
apresentam comportamentos diferenciados, alguns com inteligência preservada, outros
com hiperfoco por determinado assunto. O hiperfoco encontrado no autismo pode ser
definido como uma forma intensa de concentração em um mesmo assunto, tópico ou
tarefa e é bastante frequente em pessoas com TEA, manifestando-se em sujeitos que
apresentam comportamento restrito e repetitivo. É importante que os profissionais
possuam capacidade para observar atentamente indivíduos que apresentem tais
características, para não serem confundidos e tidos como crianças que possuem altas
habilidades, pois o tratamento incorreto pode acarretar possíveis problemas (RAMOS,
2010).
A capacitação adequada na área diminui os obstáculos e cria algumas estratégias
que podem auxiliar o professor a estreitar ou mesmo a criar vínculo afetivo. É importante
estabelecer rotinas para os alunos, em especial para aqueles que tenham autismo; criar
espaços para que expressem suas emoções e inserir a família no contexto de aprendizagem
(VILLELA, 2010).
Crianças com autismo podem apresentar dislexia ou a chamada hiperlexia, que
consiste na capacidade de ler bem precocemente e sem serem ensinados. Como muitas
crianças com autismo têm problemas com a compreensão de leitura, é especialmente
importante ajudá-los a se concentrar em entender o que leem. Para alguns estudiosos, os
déficits expressivos na linguagem oral e na comunicação explicam, em parte, a hiperlexia
em crianças com autismo, ao passo que a linguagem oral deficitária prejudica as
representações fonológicas armazenadas no léxico mental, inviabilizando o acesso ao
significado dos vocábulos (KJELGAARD; TAGER-FLUSBERG, 2001).
De forma geral, os estudos indicam que, embora a capacidade em reconhecer
palavras escritas possa ser semelhante à de educandos com desenvolvimento típico,
crianças com autismo tendem a apresentar déficits na integração das informações para
depreender sentidos. Ou seja, elas têm dificuldades de recuperar e integrar significados
necessários para a compreensão leitora, incluindo a capacidade de traçar relações entre o
conteúdo lido com conhecimentos prévios e a capacidade em fazer inferências intra ou
extratextuais (WHALON; DELANO; HANLINE, 2013).

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As ações educacionais interventivas, voltadas aos alunos com TEA, devem


acontecer em contextos naturais, envolvendo familiares, professores ou outros indivíduos
próximos da criança. Na escola, é extremamente importante que tanto os gestores
escolares e os professores, quanto os espaços físicos estejam abertos e preparados à
chegada de crianças com necessidades educacionais especiais (NEE).
As primeiras creches brasileiras foram criadas no final do século XIX, com o
propósito de atender filhos de mães solteiras, abandonadas ou viúvas, que não tinham
condições de cuidar de suas próprias crianças (PACHECO; DUPRET, 2004). Em uma
perspectiva médica e sanitarista, essas instituições, de cunho primordialmente
filantrópico, objetivavam “nutrir as crianças, promover a saúde e difundir normas rígidas
de higiene, associando à pobreza a falta de conhecimentos de puericultura e abafando
qualquer relação com as questões econômicas e políticas do país” (ANDRADE, 2010,).
Nas décadas de 1920 e 1930, com o crescimento da industrialização e a expressiva
inserção da mulher no mercado de trabalho, observa-se a participação mais ativa do
Estado na criação e na manutenção dessas instituições. As duas décadas posteriores foram
marcadas pelo desenvolvimento de programas governamentais que priorizavam a
alimentação e a higiene da mulher trabalhadora e de seus filhos (ANDRADE, 2010).
Apesar do crescimento do número de alunos com autismo na educação infantil
pública, mudanças políticas e educacionais expressivas são, no entanto, demandadas para
que essa prática se concretize. As matrículas em creches públicas cresceram e, em 2019,
atingiram 2.456.583 crianças de 0 a 3 anos. O número é 4,4% maior do que o ano anterior,
quando 2.352.032 crianças foram matriculadas em unidades escolares, em relação aos
anos de 2014 a 2018. Quando se fala em alunos com alguma deficiência os resultados são
expressivos, de forma que o número de matrículas da educação especial chegou a 1,3
milhão em 2019, um aumento de 5,9% em relação ao ano anterior, e de 34,4% em relação
a 2015, (INEP, 2019). O percentual de alunos com deficiência, autismo ou altas
habilidades matriculados em classes comuns tem aumentado gradualmente para todas as
etapas de ensino.
Um projeto pedagógico claro, objetivo e detalhado é fundamental para atender as
crianças com autismo. Neste contexto, fica claro que a tarefa que se espera de um
professor não é somente transmitir conhecimento a seus alunos, existe uma demanda de
atributos que se tornaram prioridades em sua atuação, habilidades que colaborem para o
progresso do aluno na aquisição do saber: diálogo, capacidade de estimular o interesse

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em aprender, cuidado com o desenvolvimento afetivo e moral, atenção à diversidade, à


gestão da aula e ao trabalho em equipe (MARCHESI, 2006).
Dentre vários desafios, pode-se ressaltar aqueles que se dirigem à formação do
professor para atender a diversidade de necessidades educacionais apresentadas pelos
alunos com deficiência inseridos no sistema de ensino. No contexto escolar, é importante
reconhecer o processo de aprendizagem da criança autista e observar as dificuldades de
comunicação e de atenção que o aluno apresenta. Deste modo, é necessário criar um
sistema de comunicação que envolva os conceitos de troca ou de causa-consequência
insistentes no autista. A importância do ensino estruturado é ressaltada por Gauderer
(1993), no método TEACCH (Tratamento e Educação para Autistas e Crianças com
Doenças Relacionadas à Comunicação), quando afirma que “é bom ter em mente que
normalmente as crianças, a medida que vão se desenvolvendo, vão aprendendo a
estruturar seu ambiente, enquanto que os autistas e outras crianças com distúrbios difusos
do desenvolvimento precisam de uma estrutura externa para otimizar uma situação de
aprendizagem” (GAUDERER, 1993).
Para o autista, em especial, a escola de educação infantil é mais um espaço de
interação social que, portanto, constitui-se num meio sociocultural fundamental à
constituição dos sujeitos. A inclusão de educandos com deficiências nesses espaços
relaciona-se à criação de um ambiente pautado pela valorização da diversidade, que se
adeque às necessidades de todos os estudantes.
Apesar das leis e políticas de inclusão, atualmente muitas crianças não frequentam
escolas regulares e muitas daquelas que estão matriculadas enfrentam diversas barreiras
diárias, principalmente as atitudinais, as quais se expressam por meio de preconceitos,
estigmas e mitos na sociedade e no meio escolar.
O trabalho realizado por Mattos e Nuernberg (2011), com autismo na educação
infantil, mostra os métodos utilizados pelo professor para promover diferentes meios de
interação e de comunicação para a maior participação do aluno autista nas atividades.
Gradualmente, deve-se realizar a inserção das relações das mais simples até as mais
complexas, mais distantes do objeto real, de modo a ampliar seu universo simbólico. Os
autores ainda concluem que, em relação os modos diferenciados de comunicação dos
alunos na fase da educação infantil estudada, buscou-se possibilitar o desenvolvimento
da linguagem, com objetivo de facilitar a inclusão escolar do aluno com TEA. Os adultos
envolvidos e, posteriormente, as crianças da turma, auxiliaram ativamente nos processos

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de comunicação, colaborando para o desenvolvimento das relações sociais e dos


processos psicológicos superiores do educando com deficiência.
A criança, quando frequenta um ambiente escolar adequado às suas condições e
recebe um estímulo diário sobre a sua condição provavelmente se socializa com
facilidade, mesmo apresentando comportamentos diferenciados dos demais da turma.
Quando se observa as características desta criança e procura-se definir sua rotina centrada
de maneira constante, o ambiente escolar tende a se tornar mais inclusivo, proporcionando
vigilância constante para a necessidade do tipo de apoio.
A escola inclusiva e a educação são transformadoras para as crianças, mas este
deve ser um processo do qual participem também a sociedade e a família. A escola é um
ambiente multicultural, diversificado, que atende um público com objetivos, ideologias e
necessidades diferenciadas, acolhe indivíduos com aspectos múltiplos, sejam religiosos,
políticos, sociais, entre muitos outros. Ela é responsável pela transformação do indivíduo,
o que corresponde a um conjunto de alterações comportamentais que culminam na
aprendizagem.
Um dos grandes desafios na educação infantil é envolver o aluno nas atividades
propostas em sala de aula e cabe ao professor a tarefa de observar. Além disso, um desafio
enfrentado pelos profissionais é envolver o aluno autista nas atividades propostas, já que
os objetos alvo de sua atração podem ser difusos, deste modo, o docente deve recorrer a
mecanismos que atendam às necessidades da criança e, sobretudo que o instiguem a
participar das atividades.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desenvolvimento educacional e social da criança com autismo acontece a partir
das interações com o meio em que está inserida. A inclusão da criança com Transtorno
Espectro Autista (TEA) na educação infantil promove seu desenvolvimento pessoal e
social, para isso, a família é determinante e representa um importante papel junto à escola.
O aumento no número de matrículas de crianças com TEA na educação infantil é
um marco fundamental no processo de inclusão e evidencia a necessidade de uma escola
mais preparada, assim como os professores e toda a equipe que compõe a escola. Apesar
dos grandes avanços na legislação brasileira, do aprimoramento dos Parâmetros
Curriculares Nacionais e da formação de escolas preparadas, com oportunidades para
sólido desenvolvimento, é preciso formar profissionais para atender a demanda de alunos
com TEA. Podemos perceber que não basta ter o espaço físico inclusivo, é necessário dar

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oportunidades para que crianças com deficiência desenvolvam suas potencialidades,


respeitando suas condições sociais e cognitivas e, para isso, deve haver qualificação
profissional para a maioria dos atuais e futuros profissionais da educação.

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REFERÊNCIAS

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do espectro autista na escola regular: uma revisão integrativa da literatura. 2017.
153 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do
Norte, Natal, 2017.

ANDRADE, L. B. P. Educação infantil: discurso, legislação e práticas institucionais


São Paulo: Editora UNESP. 2010.

APA. AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. DSM-V: Diagnostic and


statistical manual of mental disorders (5th ed.). Washington, DC. 2013.

BAIO, JON, et al. Prevalência de transtorno do espectro do autismo entre crianças de 8


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