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O Autismo nas

Emily dos Santos Ezidro

Graduanda em Licenciatura
em Pedagogia - Universidade

Perspectivas da Cidade de São Paulo –


Cruzeiro do Sul.

Educação Inclusiva: E-mail: emilyezidro@


hotmail.com

Apontamentos Márcia Pereira Cabral

e Reflexões Graduada em Geografia


e Pedagogia, doutora
em Ensino de Geografia.
Docente do curso de
Resumo Pedagogia na Universidade
de Franca – UNIFRAN.
O autismo é uma alteração no neurodesenvolvimento, podendo
ser reconhecido por alguns sintomas específicos, que acomete uma E-mail: marcia.cabral@
parcela significativa da população, sendo ainda um mistério a sua unifran.edu.br
causa. Mesmo com muitos casos de autismo que temos hoje, muitas
pessoas não têm conhecimento sobre o transtorno, e isso inclui pro-
fessores. Com isso, esta pesquisa, feita a partir de referenciais teó-
ricos concernentes, como por exemplo ASSUNÇÃO (2007); DONVAN;
ZUCKER (2016); ROTTA; BRIDI (2016); TEIXEIRA (2020) e traz uma breve
trajetória do avanço da inclusão social e escolar da pessoa com defi-
ciência e das leis que garantem o autismo como deficiência, bem como
os direitos das pessoas autistas e, portanto, possibilitando o acesso
aos mesmos direitos garantidos em lei à pessoa com deficiência. Tem
também como objetivo trazer conhecimento sobre vários aspectos
do transtorno do espectro do autismo, bem como a importância da
escola para essas crianças. Dessa forma, é essencial a atenção aos
primeiros sinais de autismo apresentado na infância, para que haja
intervenção o quanto antes, e para que se possa trabalhar de maneira
correta com essas crianças.

Palavras-chave: Autismo. Educação Inclusiva. Pessoa com deficiência.

Abstract
Autism is an alteration in neurodevelopment and can be recognized
by some specific symptoms, which affects a significant portion of the
population, and its cause is still a mystery. Even with the many cases
of autism we have today, many people are not aware of the disorder,
and that includes teachers. Thus, this research, made from relevant
theoretical references such as Assunção (2007), Donvan; Zucker (2016),
Rotta; Bridi (2016) and Teixeira (2020) brings a brief trajectory of
the advancement of social and educational inclusion of people with
disabilities and the laws that guarantee autism as a disability, as
well as the rights of autistic people and, therefore, enabling access
to the same rights guaranteed by law to the person with a disability.
Edição Especial | Junho de 2021

It also aims to bring knowledge about various O autismo, transtorno do espectro autista
aspects of autism spectrum disorder, as well (TEA), é um transtorno caracterizado por
as the importance of school for these children. problemas na comunicação, socialização
Thus, it is essential to pay attention to the first e comportamento, com um diagnóstico que
signs of autism presented in childhood, so that normalmente acontece entre os dois e três
there is intervention as soon as possible, and so anos de vida, podendo ser leve, moderado e
that one can work correctly with these children. grave. É um transtorno contado entre as várias
Keywords: Autism. Inclusive education. dificuldades de aprendizagem existentes
Disabled person. (TEIXEIRA, 2020).

Hoje, sabe-se que existem leis que amparam,


e dão direitos e garantias ao indivíduo que com-
Introdução provadamente tem o diagnóstico do autismo.
A escola é um espaço de diversidades não E está incluído nesses direitos o acesso à edu-
apenas étnicas e culturais, mas também de su- cação. O grande problema é que nem sempre
jeitos naturalmente diferentes, seja a diferença as escolas estão preparadas para receber um
inata ou não, onde o objetivo de todos é aprender. aluno de inclusão, nem tampouco o professor
está preparado, sabendo como trabalhar com
Viver é conhecer e conhecer é viver”, a vida
um aluno com autismo.
apresenta-se como condição necessária e, Dentro desse contexto, esse trabalho resulta
ao mesmo tempo, suficiente para o apren- de uma pesquisa de cunho bibliográfico, tendo
der. Nessa perspectiva, a aprendizagem é
como premissa a análise qualitativa dos dados,
um elemento intrínseco à condição huma-
que objetivou apresentar uma reflexão acerca
na. Aprendemos a todo momento, em um
processo de interação permanente com do conceito de autismo, além de discutir como
o meio, manifestando diferentes níveis de surgiram os estudos sobre o tema. Buscou-se
complexidade referentes ao conhecimento também refletir sobre seus direitos como cida-
construído. (ROTTA; FILHO; BRIDI, 2016, p. 17) dão e como educando, baseados em pesquisas
de outros autores, que se aprofundaram no as-
Há algumas décadas, pouco se ouvia sobre sunto. Buscando trazer clareza e conhecimento
o autismo, pouco se sabia o que era e do que se para se enfrentar as dificuldades e desafios
tratava, mas, com o aumento da notificação enfrentados no contexto escolar ao receber
de casos de autistas, que crescem a cada ano, uma criança com TEA.
tornou-se fundamental para profissionais,
como pedagogos, psicopedagogos, psiquiatras
Educação Inclusiva:
infantis, neuropsiquiatras e até mesmo os pais
entenderem sobre o assunto. E a busca pelo Histórico e a Inclusão
conhecimento sobre o universo do autismo nas Escolas Brasileiras
tem crescido.
História geral da
A palavra autismo foi inicialmente usada educação inclusiva
pelo psiquiatra suíço Paul Eugen Bleuler, em 1911,
para se referir a um aspecto da esquizofrenia. Podemos afirmar que a educação inclusiva
Mas, posteriormente, foi usado por Leo Kanner, trata do processo de inclusão de pessoas com
importante psiquiatra austríaco radicado nos deficiência e necessidades especiais em todos
Estados Unidos, para se referir a crianças que os níveis de escolaridade, da educação infantil
possuíam uma inabilidade inata para estabe- ao ensino superior (ASSUNÇÃO, 2007).
lecer contato afetivo, com deficiência na co-
municação e que apresentavam estereotipias A questão da inclusão diz respeito a acei-
e ecolalia (ROTTA; FILHO; BRIDI, 2016). tar quem já compõe nosso contexto social.

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Pluri Discente

Dessa forma, o contexto da educação in- desinstitucionalização manicomial revelaram o


clusiva nos remete a uma reflexão sobre problema da exclusão social das pessoas com
o tema e como ele vem sendo discutido e deficiência e exigiram novas práticas educa-
trabalhado pela sociedade ao longo do
cionais e sociais.
tempo. (TOMAZELI, 2020, p. 8)
Pela primeira vez, na década de 1960, encon-
travam-se crianças com deficiência na rede
No passado, anterior ao advento do cristia-
regular de ensino. Em 1975, foi instituída nos
nismo, as pessoas com deficiência não possuíam
Estados Unidos a lei pública número 94.142 de
o direito à vida, eram perseguidas e eliminadas.
1975 – o ato de educação a todas as crianças
portadoras de deficiência – que visava ga-
Em Esparta e Atenas, crianças com defici- rantir que os serviços de educação especial
ência física sensorial e mental eram con-
fossem colocados à disposição das crianças
sideradas subumanas, fato que legitimava
que necessitassem. Em 1986, foi decidido que
sua eliminação e abandono. Tal prática era
as crianças com deficiência frequentassem as
coerente com os ideais atléticos, de beleza
e classistas, que serviam de base à organi- escolas regulares junto com as demais crianças.
zação sociocultural desses dois locais. Em Foi se fortalecendo em todo o mundo a luta
Esparta, as crianças com deficiência eram pela inclusão e leis como o ADA (American
lançadas do alto dos rochedos e, em Ate-
With Desabilities ACT), que garantia a não
nas, eram rejeitadas e abandonadas nas
descriminação em função da deficiência foram
praças públicas ou nos campos. (RODRI-
GUES; MARANHE, 2012, p. 13) criadas. A UNICEF (Fundo Internacional de
Emergência das Nações Unidas para a Infância
– em inglês, United Nations International
Anterior ao primeiro século, acreditava- Children's Emergency Fund) e a UNESCO
se que as pessoas com deficiências, haviam (United Nations Educational, Scientific and
caído no desagrado divino e atraído seu Cultural Organization – Organização das
castigo como culpa por seus pecados. Porém, Nações Unidas para a Educação, Ciência
segundo Rodrigues e Maranhe (2012, p. 15), “com e Cultura) promovem uma série de ações
o cristianismo, essas pessoas ganharam alma, e reuniões internacionais para chamar a
e eliminá-las ou abandoná-las significava atenção do mundo sobre essa questão.
atentar contra os desígnios da divindade.”.
Em 1994, foi assinada a declaração de Sala-
Por volta do século XVIII, era considera- manca, documento elaborado na conferência
do uma vergonha para os pais terem um filho mundial de educação especial, realizada na
que possuísse alguma deficiência de qualquer cidade de Salamanca, na Espanha, em que 88
natureza que fosse, eles ficavam reclusos, es- governos e 25 organizações internacionais se
condidos da sociedade, ou eram internados reuniram para tratar da melhoria ao acesso
em hospícios. à educação por parte de pessoas com neces-
Já no final do século XIX e meados do século sidades especiais, propuseram uma mudança
XX, aparecem as classes especiais, oferecendo à de paradigma em relação à educação. Um dos
pessoa com deficiência uma educação à parte. pontos centrais desse documento é a parte que
versa sobre o dever de acesso à escola regular
E, no final do século XX, por volta da déca-
para pessoas com necessidades educacionais
da de 1970, observa-se um movimento para
especiais com um trabalho educacional voltado
integração dos indivíduos com deficiência em
para a criança, designando essa prática de
ambientes escolares regulares tal qual eram
orientação inclusiva (TOMAZELI, 2020). Forta-
oferecidos às outras pessoas sem deficiência.
leceu-se a urgência de providenciar educação
A psicanálise, a luta pelos direitos humanos, para pessoas com deficiência dentro do sistema
a pedagogia institucional e o movimento de regular de ensino. Foi um marco histórico a favor

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da inclusão, com o princípio de que as escolas necessidades especiais em escolas regulares”


devem acomodar todas as crianças, para que (FRELLER; FERRARI; SEKKEL, 2008, p. 9).
tenham a mesma oportunidade de aprenderem
juntas, independentes de suas diferenças, pois
O Processo de Inclusão no Brasil
todas as pessoas têm capacidade para apren-
der, independente se possuem alguma defi- No Brasil, o processo de educação inclusiva
ciência ou não (LEAL, 2017). As escolas devem foi tardio em relação aos países desenvolvidos.
respeitar o ritmo de aprendizado individual de Até meados do século XIX, o Brasil ainda se-
cada aluno reconhecendo e respeitando suas gregava as pessoas com deficiência, negligen-
necessidades e assegurar uma educação de ciando qualquer tipo de atendimento. No final
qualidade a todos, adaptando-se ao que for desse mesmo século, surge o IBC – Instituto
necessário. Todas as crianças devem ser ma- Benjamin Constant – e o INES – Instituto Na-
triculadas em escolas regulares. Porém, há a cional de Educação de Surdos.
necessidade de mudança do conceito de inclu-
são, que, ao invés de ser apenas uma garantia A educação especial começou a ter atenção
de vaga em escola regular de ensino, precisa sobre as deficiências visuais e auditivas, pouco
ser uma adaptação da escola que atenda às se falava das deficiências físicas e praticamen-
necessidades da criança. te nada sobre deficiência mental.

Em 1969, havia cerca de 800 escolas de en-


A educação inclusiva é benéfica a todos sino especial onde as pessoas com deficiên-
que participam dela, uma vez que o pro- cia poderiam estudar até o nível ofertado por
cesso de ensino-aprendizagem depen- elas. Na segunda metade do século XX, surge
de diretamente do meio social para se
a proposta de integração, onde os alunos com
consolidar, pois só se pode afirmar que
deficiência poderiam estudar em escolas re-
houve a construção do conhecimento se
houver aplicação do que foi aprendido. gulares, desde que conseguissem por si só de
Sendo assim, a necessidade de interação adequar ao ritmo da escola regular, os que não
social entre indivíduos foi descrita muito conseguissem, continuariam segregados por
anteriormente à constatação da neces- não conseguirem se integrar.
sidade de inclusão. Lev Vygotsky já dizia
que, toda criança, ao nascer, está inseri- No final do século XX, começam as discus-
da em um meio social, que é a sua famí- sões sobre inclusão, a escola deveria ser flexí-
lia, e que essa interação com os outros é vel e se adequar às necessidades do aluno se
que vai estabelecer suas primeiras rela- preparando para receber a todos e valorizar
ções com a linguagem. Ou seja, o homem as diferenças.
é um ser social e precisa dessa interação
para construir todo e qualquer tipo de Na luta pela inclusão de alunos com defici-
aprendizagem, seja ela afetiva, sensorial, ência, a escola deve se colocar à disposição e
motora ou cognitiva. A inclusão, portanto, prover os meios necessários para o desenvol-
é uma prática social que agrega valores
vimento de suas capacidades e sua formação
por meio da compreensão e do respeito
como cidadão.
às diferenças, da identificação das seme-
lhanças e da compreensão das desigual- Assim, o atendimento educacional especiali-
dades. (TOMAZELI, 2020, p. 10) zado deve andar lado a lado ao ensino regular
e não substituir, deve ser complementar. Alunos
Porém, “é preciso não perder de vista a fun- de inclusão precisam ter contato com alunos
ção da educação como mediadora entre o in- de ensino regular, para que possam progredir
divíduo e a cultura das sociedades, a educação pelo exemplo e observação, não é ideal que fre-
inclusiva deve ser pensada de forma mais am- quentem apenas uma escola de atendimento
pla do que apenas inserir e integrar alunos com educacional especializado.

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A escola proporciona um ambiente pro- separados de seus pais, de seus lares e de tudo
pício para servir de observação e meio que lhes pertenciam, até mesmo de suas roupas.
de intervenção nas habilidades sociais E, para os pais que desejavam criar seus filhos,
de qualquer criança, mas, no autismo, faz
o conselho dos médicos era a que isso não seria
uma diferença significativa no desenvol-
o mais indicado (DONVAN; ZUCKER, 2016).
vimento e na melhora de comportamen-
tos agressivos e estereotipados. Sempre Nessa mesma época, eram feitas campanhas
após o diagnóstico, orientamos aos pais por pessoas influentes, que acreditavam que
que a primeira atitude que devem tomar essas crianças defeituosas, representavam
é escolarizar o filho. (BRITES, 2019, p. 135) um perigo para a sociedade e que não eram de
todo humanas. E, mais tarde, surge a proposta
A escola deve respeitar o ritmo de cada alu- para que crianças assim não devessem viver,
no, oferecendo meios para que cresça e desen- mas sem sucesso (DONVAN; ZUCKER, 2016).
volva seu potencial, e se adequar de modo que O termo defeituoso era comum para a época
atenda às necessidades especiais dos alunos. como cita Donvan; Zucker (2016, p. 28):
Deve tornar os ambientes acessíveis a eles
adaptando o que for necessário e capacitando
A palavra defeituosa não pretendia ser
professores para atuar em sala frente ao de-
depreciativa. Na época, era apenas um
safio de educar o aluno de educação inclusiva. termo médico que denotava discrepân-
cia do funcionamento normal, igualmente
Caracterização de Autismo: aplicável a uma válvula cardíaca defei-
tuosa. O mesmo valeu, de início, quando
Histórico, Diagnóstico palavras como “idiota”, “imbecil” e “retar-
e Tratamento dado” eram empregadas em 1902, para
designar pessoas que operavam com
Uma Breve História do Autismo “idade mental” de –respectivamente- menos
de três anos, de três a sete anos, e de sete
Segundo a maioria dos estudiosos, o termo
a dez anos.
autismo (do grego autos – voltar-se para si
mesmo), aparece pela primeira vez na história
em 1911, termo usado pelo psiquiatra suíço Eugen Mas, posteriormente, esses termos foram
Bleuer, para nomear uma das características empregados pelo público, fora do contexto,
do indivíduo com esquizofrenia, em que a pessoa para zombar, ofender e estigmatizar. Por isso
procura isolar-se e viver em seu “próprio mundo foram necessárias mudanças de nomenclatura,
interior” (BRITES, 2019, p. 29). Porém, ela surge como segue:
na psiquiatria em 1906, usada por Plouller, para • 1876: Associação de agentes médicos de
se referir a pacientes com demência. Mas, foi instituições americanas, para pessoas
por Leo Kanner que o termo autismo foi usado idiotas ou débeis mentais;
pela primeira vez, para se referir ao autismo
• 1903: Associação americana para o estudo
de fato (GAUDERER, 1993).
dos débeis mentais;
No início do século passado, as crianças
que apresentavam comportamento atípicos, • 1933: Associação americana para defici-
como síndrome de down, epilepsia, traumatismo ência mental;
cranioencefálico ou outros comportamentos • 1987: Associação americana para retar-
que os médicos não sabiam explicar, eram damento mental;
rotuladas como “defeituosas”. E, nesse caso,
• 2006: Associação americana para defi-
era orientado aos pais que internassem seus
ciências mentais e de desenvolvimento.
filhos, em clínicas psiquiátricas. Milhares de
pais se separaram de seus filhos na infância Nesse contexto, aparece Leo Kanner, um re-
seguindo essa recomendação médica, eram nomado psiquiatra da época, que não apoiava

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a forma como as crianças não “normais” eram nelas, transformando a simpatia por
rotuladas por síndromes. Ele percebeu que a suas dificuldades em desprezo. Quase
ênfase estava em descobrir qual rótulo colar todo o aparato da psiquiatria america-
na participou desse retrato excludente e
em cada uma, ao invés de se dedicar tempo
debilitante da mãe geladeira. (DONVAN;
para estudá-las.
ZUCKER, 2016, p. 91)
Kanner passou a estudar 11 crianças que
tinham comportamentos parecidos, porém, Alguns anos após, percebeu-se que não fazia
não exatamente iguais e notou que elas tinham sentido as mães serem culpadas pelo autismo
preferência pela solidão e necessidade de mes- dos filhos, considerando que a maioria da época
mice. Definia essas crianças como inteligentes, tinha mais de um filho, com igual criação, em
obsessivas e pouco amorosas. E denominou que um possuía autismo e outro não. Mais tarde,
esse comportamento como distúrbio autista Kanner percebeu seu equívoco, chegando a se
do comportamento afetivo e, posteriormente, retratar e voltar atrás em sua teoria da mãe
como autismo infantil (DONVAN; ZUCKER, 2016). geladeira (DONVAN; ZUCKER, 2016). Porém, as
Embora Leo Kanner seja considerado o pai pesquisas continuaram, chegando à conclusão
do autismo, Hans Asperger também teve gran- de que a causa do autismo era genética, por-
de contribuição. Na mesma época em que Leo tanto, inata (FIORINI, 2017).
Kanner pesquisava nos Estados unidos, Hans
Asperger pesquisava na Alemanha, onde estu- Embora haja indícios de alterações do
dava um grupo de meninos, chegando à con- neurodesenvolvimento, existe um grande
clusão de que esses meninos tinham uma forma empenho em pesquisas que investigam
anomalias genéticas, visto que a mani-
de autismo suave.
festação do autismo ocorre desde muito
Na busca pela explicação do que causava cedo, porém não se sabe especificamente
o autismo, Kanner chegou à conclusão de que quais são os genes, como atuam ou como
era a falta de amor das mães, que passaram se associam aos fatores ambientais.
(FIORINI, 2017, p. 18)
a ser mal vistas pela sociedade da época por
“causarem autismo” nos filhos.
“As teorias baseadas em possíveis causas de
O maior fator, contudo, era a certeza ge- natureza emocional foram se enfraquecendo e
ral da psiquiatria de já saber porque al- se mostrando inconsistentes, dando cada vez
gumas crianças tinham autismo e outras mais espaço para um convencimento de as
não. O Veredicto: o autismo era causado causas são neurobiológicas” (BRITES, 2019, p. 33).
por mães que não amavam suficiente-
mente os filhos. Essa ideia se estabelece- Embora diversas pesquisas já tenham sido
ra no fim da década de 1940. (DONVAN; realizadas para descobrir o que leva uma pessoa
ZUCKER, 2016, p. 86) a ser autista, não se sabe, até o momento, o que
desencadeia o transtorno. Mas as conclusões
apontam para fatores genéticos e ambientais.
Esse fato ganhou o nome de “mães gela-
deiras”, e para as mães, que já tinham tantas
dificuldades para criar os filhos sem muita Características
informação sobre o autismo, passaram a ser
Gerais do Autismo
tratadas com desprezo.
A busca pela compreensão do autismo tem
Com o tempo, a discussão sobre a cul- aumentado significativamente nos últimos
pa começaria a deixar de lado o papel anos, tanto por profissionais, como por pais,
dos pais para se concentrar por inteiro ou estudantes. Há poucos anos, era raro ouvir
nas mães. A metáfora da “geladeira” fixou-se falar a respeito desse transtorno, porém, hoje,

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Pluri Discente

a realidade é outra. Segundo Brites (2019, p. 17), por outro lado, pode a ­ gilizá-los demais.
“nos anos 1980-1990, para cada 2 mil crianças O resultado: um cérebro atípico e pouco
que nasciam, 1 tinha autismo, hoje a proporção adaptado as necessidades exigidas pelas
relações sociais, independentemente da
mais atual é de 1 para 51; estima-se que apro-
idade (­BRITES, 2019, p. 36).
ximadamente 1% da população mundial tenha
autismo”. O transtorno está presente em todos
os grupos raciais, étnicos e socioeconômicos, As características predominantes no autis-
prevalecendo em crianças de sexo masculino. ta são o déficit no comportamento social, na
Sua causa ou fator desencadeante ainda são comunicação e comportamento atípico. O au-
desconhecidos (TEIXEIRA, 2020). tismo afeta a capacidade de percepção social,
impedindo que ele possa responder de forma
Embora a procura pelo conhecimento esteja
adequada e harmoniosa a um contexto ou a
aumentando, pesquisas têm demonstrado que
um contato social.
o tempo entre a suspeita inicial levantada pelos
pais e a confirmação diagnóstica do autismo
pode levar até três anos. A ideia de que cada Vários artigos mostram que no cérebro
criança tem seu tempo, de que não existe diag- autista existe uma grande desorganiza-
nóstico antes dos 3 anos e a falta de harmonia ção de microcolunas no córtex cerebral;
desativação, ou apagamento de regiões
entre os profissionais na hora de dar o diag-
específicas para os reconhecimentos de
nóstico, acabam levando os pais a duvidarem
faces, linguagem social, etc.; alteração
do diagnóstico dado por um deles, atrasando, no aspecto do neurônio quando analisa-
assim, o tratamento e impedindo o progresso do anatomopatologicamente; aumento
e melhora da criança (BRITES, 2019). do volume total do cérebro por falha na
poda neural; maior concentração de de-
Brites (2019, p. 35) afirma que “toda condição
terminados neurotransmissores no liquor
médica que afeta de maneira predominante-
do sistema nervoso central. Autores tem
mente o desenvolvimento psicomotor e o com-
relatado desconexões entre estruturas
portamento deve levantar a suspeita de que o de integração no cérebro com áreas lím-
problema reside no cérebro humano”. bicas e não límbicas ligadas à interpreta-
O cérebro humano funciona graças aos diver- ção das emoções. (BRITES, 2019, p. 38)

sos tipos de neurônios e células gliais nele encon-


trados. Desenvolvimento, pensamentos, raciocínio Nos primeiros 6 anos de vida de uma crian-
e todas as funções vitais são garantidas com o ça, semestralmente, o cérebro passa por uma
bom funcionamento cerebral, especialmente nos morte programada de neurônios (poda neural).
primeiros cinco anos de uma criança, quando ela
passa por constantes mudanças.
Tal morte é necessária para que se possa
abrir espaço para novas conexões e vias
No cérebro autista, esse funcionamento mais adaptadas, para que o funciona-
se encontra desorganizado e apresen- mento cerebral se remodele e se abra a
ta uma modelagem anormal, impedindo novos estímulos e sensações mais condi-
que o funcionamento seja pleno. As fun- cionados às idades subsequentes, em que
ções de cada grupo de neurônios se en- novas habilidades são essenciais para
contram desbalanceadas, com “hiperfun- que a criança dê saltos adaptativos e de
cionamento”, dependendo do interesse avanço. (BRITES, 2019, p. 38)
desse cérebro, e disfuncional para o que
não interessa. O conjunto, portanto, não
consegue processar direito as informa-
Estudos apontam para dois tipos de surgi-
ções, pois tudo fica dessincronizado, e ele mento do transtorno, um, quando as primeiras
pode demorar para realizar as tarefas características podem ser observadas logo
e os processos sociais do ambiente, ou, nos primeiros meses de vida, e o outro quando

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as características se apresentam mais tarde, dificuldade em mover os olhos em todas as di-


após o primeiro ano de vida da criança, porém, reções. Posteriormente, não tenta pegar objetos
seu aparecimento se dá antes dos três anos que estão a sua volta, não sorri nem expressa
de idade. Ela para de falar, de dar tchau, de expressões alegres, não se senta nem anda na
brincar socialmente (TEIXEIRA, 2020). idade esperada, não demonstra reciprocidade,
não reconhece o próprio nome, não aponta
Quando a poda neural não ocorre, o processo
para objetos nem entende comandos como
evolutivo da criança é interrompido, podendo
dar “tchau”, e não possui a fala desenvolvida
causar uma regressão na aquisição de habili-
(TEIXEIRA, 2020).
dades, levando a criança a perder habilidades
antes adquiridas. A criança geralmente brinca sozinha, não se
interessa por brincar com familiares, tem difi-
culdade de interação com outras crianças, há
Nesse contexto, uma das proposições no
campo de pesquisa que vem tentando indiferença por jogos ou atividades em grupo
formular explicações para essas even- e não reproduz imitações. Pode se observar
tualidades é a teoria da poda neural. De que crianças com autismo têm a tendência de
acordo com essa teoria, a poda, por al- correr de um lado para o outro, e se apegam a
gum motivo, não ocorre, e a criança per- objetos que querem manter consigo. Suas ações
de funções antes aprendidas por conges- podem se limitar a movimentos repetitivos, de
tionamento gerado por conexões inúteis. comportamento e fala (DONVAN; ZUCKER, 2016).
Esse fenômeno pode, inclusive, resultar
em aumento de volume cerebral, pois leva Alguns possuem uma intolerância a ruídos,
à permanência de estruturas que deve- texturas e cores, ou o oposto:
riam desaparecer; isso explica por que
muitos autistas têm macrocefalia relativa.
Pode ocorrer fascinação por luzes, sons e
(BRITES, 2019, p. 39)
movimentos que o despertem para um inte-
resse muito grande pelo ventilador de teto
Quando se trata do autismo inato, bebês, ou por uma batedeira elétrica por exemplo.
tendem a evitar contato visual e se mostram A textura, o cheiro, o gosto, a forma ou a cor
de um objeto, também podem desencade-
pouco interessados na voz humana, não pos-
ar um interesse específico na criança com
suem postura antecipatória, podem ficar indi-
autismo. (TEIXEIRA, 2020, p. 42)
ferentes ao afeto e não demonstrar expressão
facial ao serem acariciados (TEIXEIRA, 2020).
Conforme observado por Leo Kanner, “além
Embora cada criança tenha seu tempo de da preferência pela solidão, essas crianças
desenvolvimento, ela precisa estar dentro dos têm uma preferência extrema pela mesmice”
marcos do desenvolvimento infantil, e apre- (DONVAN; ZUCKER, 2016, p. 54). Precisam
sentar os comportamentos esperados para a estar dentro de uma rotina em que não
idade. Com 2 meses é esperado que o bebê fixe haja mudanças. Crianças com autismo não
o olhar nas pessoas, respondendo aos estímulos costumam aceitar muito bem a mudança de
delas, podendo sorrir ou chorar. Com 3-4 meses, rotina. O não cumprimento do seu padrão de
é esperado que o bebê direcione os olhos para rotina pode acarretar ansiedade, agitação
quem o chama e levante a cabeça mostrando psicomotora e agressão. Segundo Teixeira
atenção aos que o rodeiam. (2019), essa criança pode se sentir incomodada
De modo geral, um bebê dessa faixa etária por pequenas mudanças em sua rotina diária,
que apresenta o TEA não acompanha objetos o que pode resultar em ataques violentos de
que se movem à sua frente, não sorri para as raiva. Podendo também trazer prejuízos na
pessoas, não leva as mãos ou objetos à boca, alimentação e no sono.
não responde a sons altos, não emite sons com Apresentam movimentos estereotipados, ba-
a boca, não sustenta a própria cabeça, tem lançar do corpo para frente e para trás, gostam

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de fazer caretas, girar objetos, andar nas pontas psiquiatras especialistas na infância e adoles-
dos pés e cheirar coisas. E intensos interesses por cência, neurologistas da infância ou neurope-
uma atividade específica, que às vezes pode pare- diatras. Inicialmente, é realizada uma entrevis-
cer com um comportamento normal. Por exemplo, ta com os pais, para obter informações sobre
um menino que gosta muito de dinossauro, nesse o histórico do desenvolvimento da criança e os
caso, deve ser observado, se esse é seu único foco comportamentos apresentados desde o seu
de interesse, ou se interessa também por outros nascimento. Juntamente com essas informa-
brinquedos, como carrinho, avião etc., geralmente ções, a criança deve ser observada pelo pro-
possui um objeto de apego específico, que se lhe fissional, focando em seu desenvolvimento de
for tirado, é causado um grande desconforto
fala, comportamento e interação social.
(FIORINI, 2017).
Existem métodos criados, questionários fei-
É comum observar a presença de ecolalia, em
tos, que auxiliam na identificação do TEA, mas
que a criança repete por diversas vezes a mesma
não servem para dar o diagnóstico específico,
palavra, ou apenas repete o que ouve de outras
e sim para auxiliar na investigação.
pessoas, porém, sem sentido no que se diz.
Quanto antes o diagnóstico acontecer, me-
Existe a crença de que crianças com autismo
lhor será o desenvolvimento da criança e auxílio
são gênios, com inteligência acima da média,
porém, essa é uma ideia equivocada, pois os para que seu caso não seja agravado. E, para
graus de autismo são variados, e cada indivíduo isso, é de extrema importância a aceitação e
se porta de uma maneira diferente do outro. colaboração por parte da família.
No quesito intelectual, 10% apenas apresen-
tam um Q.I. acima da média, com habilidades O diagnóstico do autismo é clínico, depen-
intelectuais acima da média. Teixeira (2020) de de uma minuciosa avaliação compor-
afirma que, a inteligência fica comprometida tamental da criança e de entrevista com
em grande parte das crianças com autismo. os pais. Caso a criança já esteja inserida
Cerca de 80% desses pacientes apresentam em um programa educacional, a avaliação
algum grau de deficiência intelectual. pedagógica escolar será também muito
importante. (TEIXEIRA, 2019, p. 51)

Outros transtornos associados podem


estar presentes, e algumas dessas princi- Segundo Teixeira (2019), os cinco critérios
pais condições são, o transtorno obsessi- diagnósticos utilizados atualmente para iden-
vo compulsivo, o transtorno de ansiedade tificação do transtorno do espectro autista
generalizada, os transtornos de tiques, o estão descritos no DSM-5, e são:
transtorno de déficit de atenção e hipe-
ratividade, além de epilepsia, transtornos • Prejuízo em comunicação e interação so-
do humor, alterações do sono e agressivi- cial em múltiplos contextos:
dade. (TEIXEIRA, 2019, p. 43).
à Prejuízo em reciprocidade social e
emocional;
É importante ressaltar, que se trata de
características comuns a autistas, porém, à Prejuízos em comportamento comuni-
nem todas as crianças apresentam todos os cativo não verbal utilizado para inte-
comportamentos descritos. Trata-se de um ração social;
espectro onde existem variações de graus do à Prejuízos no desenvolvimento, manu-
autismo, desde leve até severo. tenção e entendimento de relaciona-
mentos sociais.
Diagnóstico
• Padrão de comportamento repetitivo e res-
A busca pelo diagnóstico é feita por pro- tritivo de interesses ou atividades, manifes-
fissionais capacitados, os mais indicados são tadas por pelo menos dois dos seguintes:

143
Edição Especial | Junho de 2021

à Movimentos ou fala repetitivos e/ou es- ser aplicada em crianças entre 18 e 30


tereotipado; meses, ela possui 23 itens, entre eles, itens
determinantes para o diagnóstico e ou-
à Insistência ou monotonia, inflexibilidade
tros apenas indicam uma possibilidade
nas rotinas ou padrões ritualísticos no
de existir o autismo. Ela é uma escala de
comportamento verbal ou não verba;
rastreamento;
à Interesses restrito;
2. Escala CARS (Childhood Autism Rating
à Hiper ou hiporeatividade à estimula- Scale): possui 15 itens, funciona em esque-
ção sensorial ou interesse atípico por ma de pontuação, quanto maior a pontu-
estímulos ambientais. ação, maior é a chance de a criança ter
autismo, a pontuação também define se o
• Sintomas devem estar presentes no perí-
autismo é leve, moderado ou severo;
odo de desenvolvimento inicial da criança;
3. Escala PRO-TEA: essa escala foi desen-
• Os sintomas provocam prejuízos significa-
volvida por pesquisadores brasileiros em
tivos no funcionamento social, ocupacional
1998 e reformulada em 2007. Sua aplicação
ou outras áreas importantes;
depende da interação e observação direta,
• Essas alterações não são mais bem expli- de um adulto com a criança em avalia-
cadas por deficiência intelectual ou atraso ção. Ela analisa a imitação espontânea,
global do desenvolvimento. A deficiência a atenção compartilhada e a brincadeira
intelectual e os transtornos do espectro simbólica juntamente com comportamen-
autista podem coexistir; para fazer o diag- tos repetitivos;
nóstico de comorbidade, a comunicação
4. Escala ABC (Autism Behavior Checklist):
social deve ser abaixo do esperado para
trata-se de um questionário com 57 itens
o nível de desenvolvimento.1
para avaliar comportamentos autistas
Em alguns casos, são solicitados exames em pessoas com deficiência intelectual.
quando há suspeita de autismo, criando uma
Quanto mais cedo houver o diagnóstico,
falsa realidade de que a criança não possui
maior é a chance de melhora e progresso no
o transtorno quando nada é encontrado nos
desenvolvimento. Com o diagnóstico definido,
exames. Porém, exames por imagem, ou testes
é possível iniciar os tratamentos, reduzir os
sanguíneos não ajudam no diagnóstico, que
sintomas de autismo e proporcionar à família
é feito apenas por observação e avaliação
o acesso ao laudo médico, para que possam
do comportamento, se os exames genéticos
usufruir de seus direitos garantidos por lei.
estiverem normais, em nada mudarão o diag-
nóstico de autismo. Conforme Brites (2019), os
exames servem para averiguar a possibilida- Tratamento
de de, associadamente ao autismo, a criança
O autismo é um transtorno do neurodesen-
também ser portadora de uma mutação ou
volvimento que não possui cura, mas muitos
anomalia genética.
de seus sintomas podem ser controlados por
Algumas escalas podem ser usadas no proces- meio de tratamentos, medicações e terapias.
so de avaliação da criança, as mais comuns são: O tratamento depende de diversas formas de
intervenção e da ação de vários profissionais, e
1. Escala M-CHAT (Modified Checklist for
deve ser focado no comportamento e na corre-
Autism in Toddlers): essa escala, pode
ção dos atrasos de desenvolvimento, sendo eles:

• Tratamento fonoaudiológico: Um impor-


1
(AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Diagnostic
and statistical manual of mental disorders. 5. ed. tante tratamento é o fonoaudiológico.
Washington, D. C. 2014, p. 50). O objetivo da fala em crianças autistas

144
Pluri Discente

é melhorar suas habilidades de comuni- papel muito importante, uma vez que é
cação e linguagem, a capacidade de se capaz de ‘liberar” mais a criança para
comunicar potencializa as respostas aos as interações sociais e torná-la mais re-
ceptiva para o compartilhamento e a in-
demais tratamentos e facilitam a inser-
serção em atividades que exigem organi-
ção social;
zação e persistência executiva. (BRITES,
2019, p. 123)
O papel da fonoaudiologia no tratamen-
to de criança com TEA é muito importan-
te, e deve ser direcionado para que elas • TEACH: O método TEACH (Treatment
venham a adquirir as mais diversas ha- and Education of Autistic and Related
bilidades de comunicação social, verbal, Communication-handica-pped Children)
não verbal e de linguagem, aplicadas aos é um método que procura ensinar
processos de compreensão de sentidos e
habilidades por meio de pistas visuais.
contextos e por intermédio dos mais di-
Ele é adaptável às necessidades de
versos meios disponíveis e desenvolvidos
cada criança usando formas de ensino
para esse fim. Podem se utilizar procedi-
mentos de intervenção verbais e não ver- estruturadas, e o trabalho é integrado
bais, pois um não atrapalha o outro; e vale entre pais e profissionais. As crianças
esclarecer que o segundo tipo não inibe a são avaliadas para que se percebam
fala e pode até mesmo auxiliar os autis- suas necessidades, e facilite a aquisição
tas não verbais. (BRITES, 2019, p. 120) do aprendizado;

• PECS: uma parcela de aproximadamen-


• Terapia ocupacional: “A terapia ocupacio-
te 30% dos autistas não desenvolvem a
nal tem como finalidade o ensino de habi-
fala ou a forma verbal de expressão, o
lidades cotidianas para tornar a criança
que acaba muitas vezes resultando em
o mais independente possível” (TEIXEIRA,
um comportamento agressivo e explo-
2020, p. 67). “O terapeuta ocupacional de-
sivo. O objetivo do método PECS (Picture
dica-se a práticas que envolvem praxia
­Exchange Communication Systems) é criar
motora, habilidades para as atividades de
oportunidades para que esses autistas
vida diária e terapia de integração sen-
possam se comunicar de maneiras alter-
sorial” (BRITES, 2019, p. 121);
nativas por meio de desenhos, fotos, filmes,
• TIS: É comum crianças com autismo apre- símbolos gráficos, códigos e sinais. “As fi-
sentarem dificuldade ao lidarem com guras podem representar rotinas, imagens
componentes sensoriais, como sons, luzes de emoções, objetos do cotidiano, horários
e odores, “a terapia de integração senso- e etapas de tempo, símbolos gráficos que
rial (TIS) ajuda a criança a interagir com denotam sentido e direção e anagramas”
as informações sensoriais do ambiente” (BRITES, 2019, p. 126);
(TEIXEIRA, 2020, p. 68);

O PECS se baseia em representações de


A TIS é um modelo de intervenção que figuras de materiais, objetos e seres com
procura organizar e reequilibrar as mais relação direta com nossa realidade e a
diversas sensações que porventura es- realidade que o rodeia, motivando o pa-
tejam dessincronizadas, ocasionando hi- ciente a imaginar que pode conseguir o
possensibilidades ou hipersensibilidades que deseja de maneira mais rápida e num
que, por sua vez, podem estar levando a sistema de troca. O PECS ensina a discri-
inabilidades no planejamento motor, pro- minar símbolos e a habilidade de usá-los
blemas posturais, restrições de convívio e agrupá-los com a finalidade de comu-
e atos exagerados de repúdio/medo. No nicação e formação de sentença. (­BRITES,
autismo, essa terapia pode assumir um 2019, p. 126)

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Edição Especial | Junho de 2021

• ABA: o ABA (Applied Behavioural Analysys) avós ou tios que tinham características
é considerado o modelo mais eficaz para parecidas com seu filho ou neto autista,
reduzir os sintomas do autismo. Ele con- um tio estranho que nunca saía de casa,
falava sempre sobre as mesmas coisas e
siste no estudo e na compreensão do com-
tinha interesses exagerados em ativida-
portamento da criança, de sua interação
des ligadas à astronomia. Vemos, espe-
com o ambiente e com as pessoas com
cialmente em autistas leves, um padrão
quem se relaciona. de herança relacionado a esse tipo de
Existem ainda algumas abordagens, que têm comportamento. (BRITES, 2019, p. 42)
uma repercussão positiva e que podem tornar
os tratamentos mais eficazes, como a musico- Ainda não foi encontrada a razão, mas a
terapia, a equoterapia, a prática de esportes, a probabilidade de uma criança ter autismo é
aquisição de um animal doméstico, entre outros. quatro vezes maior em meninos do que em me-
Quanto ao uso de medicações, elas têm a ninas. Uma família com um filho autista tem
finalidade de reduzir os sintomas do autismo uma probabilidade muito alta de ter o segundo
e tratar as comorbidades. Vários tipos de me- filho também autista.
dicações podem ser usadas, porém, as mais
Estudos científicos mostram que a gené-
recomendadas são a risperidona e o aripiprazol,
tica está intimamente ligada ao autismo.
trata-se de antipsicóticos, que estabilizam e
Pais com um filho portador de autismo
equilibram a presença de neurotransmissores
apresentam chances de ter um segundo
responsáveis pela autorregulação emocional filho com a mesma condição comporta-
e atenção social (BRITES, 2019). mental. Outros estudos genéticos com gê-
meos idênticos concluem que se um irmão
tiver autismo, a chance de o outro ter varia
Possíveis causas do autismo
entre 36% e 95%. (TEIXEIRA, 2020, p. 34)
Mesmo com tantos avanços nas pesquisas
e tecnologias, a causa do autismo ou o fator Pais com idades acima dos 40 anos tam-
desencadeante ainda são desconhecidos. En- bém possuem maior risco de ter um filho com
tretanto, existem fatores de risco que, aparen- autismo, isso se dá porque “o envelhecimento
temente, favorecem o surgimento do autismo. dos espermatozoides e dos óvulos aumenta os
A genética e os fatores ambientais influen- riscos de mutação genética e de erros fortuitos
ciam diretamente na formação de qualquer nas fases sequenciais da união entre ambos”
indivíduo, seja ele normal ou patológico. (BRITES, 2019, p. 44). A prematuridade e o baixo
peso ao nascer também são fatores de risco.
Estudos apontam que existe uma forte rela-
ção genética para desencadear o autismo, se Houve uma época em que se acreditou que
há alguém na família com histórico de autismo as vacinas causavam autismo nas crianças,
ou com comportamentos típicos do autismo, levando famílias a não vacinarem mais seus
é provável que na família tenha mais de um filhos, tornando-os vulneráveis a doenças que
indivíduo com autismo. antes haviam sido erradicadas. Posteriormente,
constatou-se que não havia relação entre a
É impressionante a correlação entre a vacina e o autismo.
presença de sintomas autísticos e a his- Existem muitas hipóteses, mas de nenhuma
tória familiar de traços desse espectro
se pode afirmar o que é o fator determinan-
em parentes de primeiro grau, especial-
te, como ocorre na síndrome de Down. Muito
mente nos de sexo masculino: pais com
perfis antissociais que preferem se isolar estudo há ainda a ser feito nesse sentido, por
a participar de festas ou confraterni- enquanto, temos apenas suposições do que
zações familiares, relatos frequentes de pode desencadear o transtorno.

146
Pluri Discente

Inclusão do Aluno para que a inclusão seja real, é necessário que


haja adaptação da escola às necessidades
Autista na Escola da criança. Não se trata de apenas realizar a
O ambiente escolar para as crianças que não matrícula e colocar o aluno em uma sala de
possuem nenhum transtorno ou deficiência já aula, e garantir que ele esteja dentro dos mu-
é um ambiente ideal para o desenvolvimento e ros da escola e na lista de chamada, inclusão
aquisição de conhecimentos. Quando se trata é criar oportunidades para que essas crianças
de alunos de inclusão, especialmente os que se desenvolvam aprendam.
estão dentro do espectro do transtorno autista,
o ambiente escolar se torna ainda mais propício, Inclusão significa criar novas condi-
melhorando o desenvolvimento e auxiliando na ções dentro de um espaço ou instituição,
melhora de comportamento dessas crianças. melhorar a harmonia entre os diferen-
Sendo assim, torna-se essencial que crianças tes, prevenir ações conflituosas, reduzir
do TEA frequentem a escola. os riscos de acidentes, de assédio e de
bullying. Nesse sentido, deve-se também
O ambiente escolar é um espaço que si- promover a atualização e a capacitação
mula, em muitos aspectos, a nossa so- dos agentes adultos responsáveis pelas
ciedade, com suas imposições, rotinas, mais diferentes práticas que conduzem
horários, oportunidades constantes de as ações dentro desse sistema, para que
interação social (imitação, compartilha- não somente a oportunidade de igualda-
mento, reciprocidade, atenção social), de ocorra, mas também a chance de, sen-
treino de frustrações, aquisição de di- do diferente, conseguir aprender no seu
versos tipos de linguagens, hierarquias, ritmo e assimilar as propostas pedagó-
processos de ensino-aprendizagem de gicas e os conteúdos. (BRITES, 2019, p. 137)
leitura, escrita e matemática e ativida-
des físicas com estimulação motora e
espacial. Enfim, tudo de que um autista Contudo, surgem muitos desafios para um
precisa, e ir para a escola é uma grande professor que já conta com aproximadamente
oportunidade de ele se desenvolver glo- 30 alunos em sua sala, em receber uma crian-
balmente. (BRITES, 2019, p. 135) ça autista, por exemplo. Mas, mesmo que seja
difícil, é importante que haja uma parceria
Mas, embora seja de extrema importância com a família, para que sintam confiança no
que autistas frequentem a escola, é necessário educador. E caso o professor não esteja fami-
haver um olhar diferenciado para essas crian- liarizado com o mundo do autismo, é impor-
ças. A adaptação de crianças típicas, muitas tante que haja uma busca pelo conhecimento,
vezes, apresenta dificuldades, a adaptação leituras, vídeos, cursos, troca de experiência
de crianças neurotípicas se torna ainda mais
com outros professores.
desafiadora. Essas crianças apresentam uma
intensa resistência à mudança de rotinas e Embora isso não seja de conhecimento de
dificuldade de aceitar pessoas com quem não todos os pais, a criança autista tem o direito
estão acostumadas, portanto, é necessário um de ter um educador para que fique apenas com
procedimento mais flexível na hora de incluir ela para auxiliá-la em seu desenvolvimento e
essas crianças na escola, como permitir que os aprendizagem. Por outro lado, pais que têm
cuidadores passem parte do tempo com elas esse conhecimento não procuram por esse di-
na escola nos primeiros dias, para que ameni- reito por não aceitar que sua criança precise
zem o sofrimento inicial da criança que, além de um educador só para ele, desconhecendo a
de mudar de seu ambiente caseiro, estará se realidade de uma sala de aula.
afastando de suas pessoas de referência.
Desde que a inclusão escolar passou a rece-
A inclusão escolar determina que todos têm ber mais atenção, leis foram criadas para am-
direito à educação, inclusive os autistas, mas, parar e dar direitos à pessoa com ­deficiência.

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Edição Especial | Junho de 2021

O Artigo 205º da Constituição Federal de 1988 desconhecimento sobre esse transtorno e em


define a educação como um direito de todos, como auxiliar essas crianças, tornou- se muito
e garante que é dever do Estado oferecer necessária a busca por formação profissio-
o atendimento educacional especializado (AEE), nal e a busca por informação sobre o autismo
preferencialmente na rede regular de ensino. (FIORINI, 2017).
A Lei 9394/96 – LDB (Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional) define educação especial, É importante, o professor ser um obser-
assegura o atendimento aos educandos com vador das características do aluno, sendo
necessidades especiais e estabelece critérios essas essenciais para o planejamento de
de caracterização das instituições privadas intervenções e das atividades escolares.
sem fins lucrativos, especializadas e com atu- Além disso, ressaltaram a necessidade
do professor em mediar situações para
ação exclusiva em educação especial para fins
promover maior participação da criança
de apoio técnico e financeiro pelo poder público.
com autismo nas atividades e para que
E ainda a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa ela interaja mais com outras crianças.
Com Deficiência, LEI Nº 13.146/2015, garante o (FIORINI, 2017, p. 46)
acesso da pessoa com deficiência à escola, com
uma pessoa para auxiliá-la. A recusa de ma-
A inclusão escolar existe pela lei, mas muitas
trícula nas escolas regulares para as pessoas
mudanças de conceitos ainda são necessárias
com deficiência é considerada crime.
para que ela ocorra de fato, e ela acontecerá
Até o século passado, o autismo não era quando, em parceria, a escola, familiares e edu-
considerado uma deficiência, portanto, esses cadores buscarem juntos o que há de melhor
direitos não eram garantidos aos autistas. Po- para a criança de inclusão.
rém, com o surgimento da lei nº 12.764/2012 – Lei
Berenice Piana (BRASIL, 2012) – que traz que, “a
pessoa com transtorno do espectro autista é Considerações Finais
considerada pessoa com deficiência, para todos Compreender o mundo do autismo é um de-
os efeitos legais”, garante à pessoa com TEA safio que exige constantes buscas pelo conheci-
todos os direitos para crianças com deficiência, mento e pesquisas. Entender o que é o autismo
como o direito à matrícula em escola regular. significa aceitar, sua forma diferente de ser; de
aprender; de agir, de se propor a criar ideias
Estas palavras abrem todas as portas que tornem o mundo de uma criança autista
que estavam fechadas aos autistas an- um lugar mais agradável, especialmente no
tes da lei. O acesso a inúmeras ações de ambiente escolar. Para tanto, é fundamental
proteção e tratamento de pessoas defi- que haja um diagnóstico precoce, quanto mais
cientes, era, em muitos lugares, negado a cedo se observar, mais intervenções poderão
eles. Este reconhecimento foi, sem dúvida, ser feitas em favor da criança.
uma das maiores conquistas dos autis-
tas, pois, por mais óbvio que fosse, ele não Os autistas de hoje são privilegiados em
era reconhecido como tal. (HUGUENIN; relação aos do passado, graças à conscien-
ZONZIN, 2016, p. 16) tização da necessidade de inclusão, e das leis
que amparam o autista, é possível que essas
crianças frequentem uma escola, realizem
Contudo, após os direitos serem garantidos,
tratamentos com terapias e medicações. Isso
houve um grande aumento de alunos com au-
permite, muitas vezes, que tenham uma vida
tismo matriculados em escolas regulares, o que
próxima da normalidade.
passou então a ser um grande desafio para
as escolas e professores, pois metodologias Ainda existem muitas dificuldades e mui-
precisam ser adaptadas, para que eles parti- tos desafios que são enfrentados no ambiente
cipem das atividades. Porém, ainda há muito escolar, o que torna necessário a presença de

148
Pluri Discente

profissionais capacitados nas escolas, de pro- ________. Lei 13.146 de 6 de julho de 2015. Dispo-
fessores especializados e com conhecimento nível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
sobre o autismo e suas peculiaridades. ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm>.

BRITES, L.; BRITES, C. Mentes Únicas. São Paulo:


Estudos ainda revelam que há dificulda-
des encontradas na escola sobre como Gente, 2019.
favorecer a participação do aluno com CAMINHA, V. L.; HUGUENIN, J.; ASSIS, L. M. de;
TEA, acredita-se na necessidade de sa-
ALVES, Priscila Pires. Autismo Vivências e Ca-
ber sobre a rotina escolar destes alunos.
minhos. São Paulo: Edgard Blucher Ltda, 2016.
Conhecer a rotina significa observar as
particularidades dos alunos, de que modo DONVAN, J.; ZUCKER, C. Outra sintonia: a his-
participam das atividades, quais habili- tória do autismo. São Paulo: Companhia das
dades apresentam e também quais são
Letras. 2016.
as dificuldades relacionadas à sua in-
clusão no contexto escolar. Tais aspectos FIORINI, B. S. O aluno com transtorno do es-
podem contribuir de forma mais precisa pectro do autismo na educação infantil: ca-
para o direcionamento e planejamento
racterização da rotina escolar. 2017. Disser-
de práticas que favorecerão a inclusão
tação. UNESP.
do aluno com TEA. (FIORINI, 2017, p. 48)
GIL, M. A legislação federal brasileira e a
Grande é a importância da escola e do pro- educação de alunos com deficiência. Diver-
fessor que, diariamente, acompanha seu aluno, sa. Disponível em: <https://diversa.org.br/ar-
observando seu comportamento, podendo, as- tigos/a-legislacao-federal-brasileira-e-a-e-
sim, por meio de reflexões e estratégias, criar ducacao-de-alunos-com-deficiencia/ Acesso
meios e ações de ensino para o desenvolvimento em: 12 fev. 2021>.
e aprendizagem da criança.
OLIVEIRA, C. Um retrato do autismo no Brasil.
Revista Espaço Aberto. Disponível em: <http://
Referências www.usp.br/espacoaberto/?materia=um-
-retrato-do-autismo-no-brasil>. Acesso em:
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION.
20/06/2020.
Diagnostic and statistical manual of mental
disorders. 5. ed. Washington, D. C. 2014. OLIVEIRA, S. R. de. A inclusão da criança com
autismo na educação infantil: compreenden-
ASSUNÇÃO, C. A. R. A ideologia na legislação
do a subjetividade materna. 2019. Dissertação
da educação inclusiva. 2007. Dissertação (mes-
trado) Universidade de Brasília. (Mestrado). Universidade de Brasília.

BRASIL. Constituição da República Federativa do ROTTA, N.; FILHO, C.; BRIDI, F. Neurologia e
Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planal- aprendizagem, abordagem multidisciplinar.
to.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Porto Alegre: Artmed, 2016.

________. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de TEIXEIRA, G. Manual do Autismo. Rio de Janeiro:


1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov. BestSeller, 2020.
br/ccivil_03/Leis/L9394.htm>. UNESCO. Declaração de Salamanca e Enqua-
________. Lei nº 12.764 de 27 de dezembro de dramento da Acção na Área das Necessidades
2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov. Educativas especiais. Lisboa: Instituto de Ino-
br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12764.htm>. vação Educacional, 1994.

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