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Eugênio C u n h a *

Autismo
e Inclusão
Social DESAFIOS E PERSPECTIVAS INCLUSIVAS

M U I T O S A U T I S T A S NAO momento contrário à discriminação, considerando


CONSEGUEM REALIZAR a demanda humana por igualdade. A atenção às di-
T A R E F A S S I M P L E S DO DIA ferenças ganhou centralidade nas discussões. O di-
A DIA E D E P E N D E M DA A J U D A D E reito, muitas vezes negado à pessoa com deficiência
O U T R A S P E S S O A S . NO E N T A N T O , ou transtornos globais, entra na pauta iminente das
POSSUEM HABILIDADES PARA A demandas sociais, pela necessidade de preparação
L E I T U R A E U M A M E M Ó R I A A C I M A DA dos espaços escolares e profissionais. São desafios
M É D I A , A PONTO D E E L A B O R A R E M impostos pelas questões que emergiram da família,
MENTALMENTE COMPLEXAS da cultura e das minorias no contexto dos direitos do
O P E R A Ç Õ E S MATEMÁTICAS E indivíduo. Tais desafios ajudaram a fomentar, nos úl-
GUARDAREM INTEGRALMENTE timos anos, relevantes movimentos na política de i n -
T R E C H O S D E L I V R O S Q U E L Ê E M . Alguns, clusão de pessoas com transtorno do espectro autista.
sem nunca terem estudado, conseguem aprender Porém, há um longo caminho a peicorrer que
em questão de minutos conteiidos que levaríamos para chegar a bom termo, dependerá do cumprimen-
dias ou meses para aprender. Observam por alguns to das conquistas legais alcançadas nos iiltimos anos.
momentos o objeto de estudo e conservam os Dependerá, ainda, da foi mação humana e cidadã de
mínimos detalhes. Suas regras de raciocínios são todos. Quando falamos de inclusão na escola ou no
impossíveis de serem compreendidas. trabalho, devemos lembrar que esta requer um com-
Mas nem todos os autistas têm uma mente pro- promisso de toda a sociedade.
digiosa. A grande maioria não é assim. Muitos não É preciso consolidar as conquistas alcançadas
verbalizam, apresentam estereotipias e outros com- até aqui. Uma delas, certamente, é a fei n" 12.764, de
prometimentos. Em comum, eles têm uma difícil rea- 27 de dezembro de 2012. "Lei Berenice Piana" que
lidade de inclusão social e escolar Decerto, tão dihcil instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos
quanto fazélos aprender tarefas simples da \a di- da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Trata-
ária, é incluí-los nas relações sociais e livrá-los dos se de um avanço na consolidação de políticas píi-
preconceitos e das discriminações que sofrem. blicas inclusivas, sem preconceitos e distinções. Um
movimento de anos, não poucos. Uma vitória para
CONTEXTO, SOCIAL, E LEGAL aqueles que por ela laboraram, principalmente pais
e familiares.
Atuaimenie. a sociedade brasileira vive um Na Lei, ettçpi>tram-se pririçípips de ações
CIDADANIA

democráticas, com um projeto emancipador e trans-


formador das relações sociais, enfatizando o traba-
DESAFIOS
lho coletivo e interdisciplinar entre diversos saberes. De fato, a instituição escolar, quando preparada,
Mais do que boas intenções, a lei precisa ser vista pode lidar qualitativamente com os distintos níveis
como um instrumento eficaz, legítimo e legal para pôr do autismo. Mas o aluno com autismo aprende? E os
em prática ações que irão superar os obstáculos e as casos mais severos? É possível ensinar? É possível
limitações historicamente impostas às pessoas com o aprender? Sim, certamente. Para além da condição
espectro. limítrofe do autista, estará a sua condição humana
O que significa a publicação da lei? Dentre ou- e os seus atributos e a natureza de enquanto ser,
tros benefícios, o autismo passou a ser considerado que aprende. Isto porque o processo de aquisição do
uma deficiência. Destarte, milhares de pessoas com saber é semelhante em todo ser humano, indepen-
o transtorno terão direito ao atendimento especiali- dentemente de restrições causadas por alguma de-
zado, ao trabalho e à educação. Porém, reconhecer o ficiência ou transtorno comportamental. No autismo
valor desse triunfo não nos desobriga do reconheci não é diferente.
mento da realidade cotidiana em nosso país. Mas, para tal, o educador deverá observar al-
O autismo abarca níveis de comprometimentos guns aspectos inerentes ao aprendizado de seu alu-
muito distintos. Por essa razão, há indivíduos com to- no. Inicialmente, todos nós aprendemos de forma
tais condições de empregabilidade. Todavia, em mui- diretiva. No contexto do autismo, em termos práti-
tos casos, o preconceito ainda prevalece, porque há cos, podemos dizer que, primeiramente, o professor
empregadores que não conhecem a Lei; há aqueles precisa reconhecer as habilidades do educando e as
que a conhecem, mas agem como se ela não existis- que devem ser adquiridas. É a constituição da apren-
se; e ainda outros que acreditam que empregar uma dizagem no campo pedagógico que chega ao campo
pessoa com autismo ou com outra deficiência, signifi social. Em muitos casos, trata-se do início da comu-
ca menor produtividade. nicação, da interação entre professor e aluno. Ainda
Apesar dos inegáveis benefícios da Lei 12764/12 que seja apenas pelo olhar ou pelo toque, surgem as
para todas as pessoas com o espectro, vemos que as primeiras respostas ao trabalho escolar
crianças e adolescentes que estão em idade escolar
Quando o estudante já domina o conhecimento
podem ser os maiores beneficiados, já que a Lei re-
e, por iniciativa própria busca progredir, ele adquire
afirma a atenção integral às necessidades de saúde
autonomia sobre suas ações. Dito de outra maneira,
da pessoa com transtorno, objetivando o diagnósti-
ele executa as atividades com independência, por
co precoce, coadunando-se com a democratização e
universalização do ensino. Nesse propósito, a forma-
ção do professor é comtemplada, ratificando o valor "O autismo abarca níveis de comprometimentos mui-
da escolaridade do autista. to distintos. Por essa razQo, há indivíduos com totais
O incentivo à formação e à capacitação de pro- condições de empregabilidade."
fissionais especializados, bem como o apoio a pais
e responsáveis, confirmam o imperativo da parce-
ria entre família e escola, fundamental na educação
de todo estudante com necessidades educacionais
especiais.
No campo educacional, sem dúvidas, é possível
ver com maior clareza os avanços das políticas inclu-
sivas no Brasil: dados do Instituto Nacional de Estu-
dos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira Inep
- mostram que entre 1998 e 2010 houve um aumento
do número de alunos da educação especial matri-
culados em escolas comuns de 1.000% Em 1998, dos
3373 mil alunos contabilizados em educação especial,
apenas 13%, isto é 43,9 mil, estavam matriculados em
escolas regulares ou classes comuns. Em 2010, dos
702,6 mil estudantes, 484,3 mil (697.) frequentavam a
escola regular O último Resumo Técnico do Censo
Escolar do Inep mostrou um aumento de 9M no nú-
mero de matrículas na educação especial, que passou
de 752.305 matrículas em 2011, para 820.433 em 2012,
mantendo-se o mesmo percentual de alunos nas es-
colas regulares.
"Pessoas diagnosticadas como borderlines fre-
quentemente experimentam emoções fortes e
avassaladoras, que sentem grande dificuldade
em controlar."

iniciativa própria. O professor pode auxiliá-lo, porém,


o seu desejo é motor Tal procedimento o conduz à
autonomia. São, certamente, momentos criativos e
colaborativos da aprendizagem escolar que poderão
ser experienciados ricamente e que terão seus efeitos
vistos na vida familiar e social.
É claro que os processos da aprendizagem
humana não são rígidos, principalmente no espec-
tro autista, em que há indivíduos com características
extremamente distintas. Entretanto, são parâmetros
respeito de metodologias de ensino: o medo emburra,
que dão suporte ao professor
o desejo elucida e inclui.
A inclusão da pessoa com autismo nos diferen-
POSSIBILIDADES DAS TECNOLOGIAS tes espaços sociais significa aprender para a vida.
DIGITAIS Trata-se de uma necessidade humana e, hoje em dia,
incrementada pela produção coletiva, da aprendi-
Se hoje podemos apontar benefícios trazidos zagem espontânea; que move uma teia de desejos e
pelos movimentos civis, como a Lei 12764/12, não po aspirações.
demos deixar de salientar aqueles que são trazidos O que ocorre é um movimento de afetos e so-
pelos movimentos culturais, principalmente os fo- nhos que deseja expandir-se para a vida, com articu-
mentados pelas novas tecnologias digitais. O mundo lações entre pessoas, fazendo múltiplas conexões com
digital é também o mundo colaborativo e, na maioria o mundo, como os instrumentos de uma orquestra
das vezes, inclusivo. É nele que crianças e adoles- que seguem os compassos da música, cada um em
centes descobrem novos caminhos epistemológicos. sua autonomia, exercendo a coletividade.
Alunos da educação especial aprendem a escrever Se detalharmos nosso olhar e nossos ouvidos
e a se comunicar, e transformam o mundo virtual em cada movimento particular dos instrumentos de
num mundo colaborativo. É um espaço onde muitos uma orquestra, perceberemos que cada um parece
deles são mais habilidosos do que os seus mestres da seguir caminhos dissimilares, compondo uma música
escola. É a tendência natural da contemporaneidade. própria, mas estritamente dentro do tom, do compas-
Os instrumentos digitais são tecnologias da in- so, da métrica, da essência afetiva da partitura.
teligência, nas quais, o usuário manipula com profi Os percursos melódicos e fugidios do violino se-
ciência o conteúdo, propiciando novos saberes. Elas guem os recursos de sua particularidade, distancian-
renovam as nossas relações com a imagem, com a do-se e opondose ao som circunspecto, suplicante,
escrita, com a língua, com o conhecimento e com o quase oracular, do violoncelo. Os metais - trompete,
outro. trombone, trompa e tuba - parecem querer dominar
Forma-se um novo espaço de produção cultu- com alarido e clangor os espaços, mas são contidos
ral. Esse espaço permite a construção de um ambien- pela manifestação pontual e criativa do tímpano, da
te pessoal de aprendizagem. Essa perspectiva colabo- caixa, do bumbo e dos pratos que enriquecem e dina-
rativa tem promovido novas leituras epistemológicas mizam o compasso da música, que expressa a condi
e demandado diferentes articulações cognitivas. E, o
ção de que ninguém detém em si mesmo o domínio do
mais importante, enfatiza que todos são capazes de
saber, mas todos o compartilham.
aprender e de ensinar
Decerto, por analogia, podemos desejar movi-
Por que as pessoas mais velhas do mundo
mentos inclusivos com essa mesma dinâmica, em que
analógico possuem tanta dificuldade de aprender as
o sonho de cada instrumentista esteja na figura do
novas tecnologias digitais? E por que crianças e ado-
maestro: é para ele que todos olham.
lescentes aprendem tão facilmente e as ensinam? A
resposta está no medo e no lúdico. Os mais antigos
* Eugênio Cunha é doutorando e mestre em educação, pro-
aprenderam debaixo do aguilhão do medo. De errar, fessor, psicopedagogo e jornalista. Leciona na Educação
de ser corrigido e punido, de passar vexame. Levaram Básica e no Ensino Superior. Autor dos livros "Afetividade na
essas impressões para o mundo social e profissional. prática pedagógica", "Afeto e aprendizagem" "Autismo e in-
As novas gerações aprendem brincando. Novas tec- clusão", "Práticas pedagógicas para inclusão e diversidade"
nologias representam novas maneiras de brincar Isto e "Autismo na escola: um jeito diferente de aprender, um jeito
é um sinal para nós, educadores, quando refletimos a diferente de ensinar", publicados pela WAK Editora.

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GRANDES TEMAS DO CONHECIMENTO

PSICOLOGIA
ESPECIAL AUTISMO
COMO NASCE
UM AUTISTA?
Hoje em dia, graças a dezenas
de estudos enn curso, as causas
do autismo estão na mira de
terapeutas e pesquisadores

O ESPECTRO
DA SÍNDROME
Identificar os sintomas
da doença se tornou
essencial na busca por
terapias adequadas
e efetivas

TRATAMENTOS
E A SOCIEDADE
Uma açào terapêutica
intensa desde os primeiros
sintomas pode minimizar
os efeitos e melhorar a
interação social

MITOS AUTISTAS
O cinema e a literatura sempre expuseram
os portadores da síndrome como pessoas
de dons extraordinários. Contudo, a realidade N° 0 5 - R $ 1 4 , 9 0 - € 9 , 5 0

não é exatamente essa

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