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J é s s i c a J a í n e Marques de Oliveira *

Carlo Schmidt**

A IMPORTÂNCIA DO

BRINCAR
PARA A CRIANÇA COM
••mmÊÊÊÊiÊÊÊÊÊÊm

ASPERGER
A CRIANÇAS COM ASPERGER
NÃO APRESENTAM OS MESMOS
COMPORTAMENTOS QUE AS OUTRAS
EM RELAÇÃO Ã COMUNICAÇÃO,
SIMBOLIZAÇÃO E BRINCADEIRAS.
É IMPORTANTE O AUXÍLIO DE UM
FACILITADOR NAS ATIVIDADES LÚDICAS,
POIS ESSES INDIVÍDUOS APRESENTAM
MELHOR DESENVOLVIMENTO QUANDO
INCENTIVADOS DO QUE QUANDO
BRINCAM SOZINHOS

H Á D Ú V I D A S S O B R E AS D I V E R S A S
NOMENCLATURAS UTILIZADAS
PARA N O M E A R AS PESSOAS
Q U E T E M O AUTISMO OU A S Í N D R O M E
DE ASPERGER: TRANSTORNO
AUTISTA, T R A N S T O R N O INVASIVO DO
DESENVOLVIMENTO, S Í N D R O M E D E
A S P E R G E R OU T R A N S T O R N O G L O B A L
D O D E S E N V O L V I M E N T O . Tal confusão se
deve a diversas questões, tal como a orientação
teórica de quem as nomeia ou às contínuas
mudanças dessas nomenclaturas ao longo dos anos
pelos manuais diagnósticos, como o CID - Código
Internacional de Doenças - ou o DSM - Manual de
Diagnóstico e Estatística de Transtorno Mentais. Estes
manuais são comumente utilizados por médicos para
consultar as diversas patologias que seus pacientes
podem apresentar.
Mas então, quando e onde originou-se o termo Sín-
drome de Asperger (SA)? Da mesma origem, ou seja, da
versão anterior do manual que temos hoje, o DSM-4 (1994).

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LUDICIDADE - A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR

A) Transtornos Globais do Desenvolvimento; B)


Transtorno Autista; C) Transtorno de Asperger; D)
Transtorno de Rett; E) Transtorno Desintegrativo
da Infância Transtorno Global do Desenvolvimen-
to Sem Outra Especificação
Em sua última revisão, o DSM-5 (APA, 2013),
trouxe o nome Transtorno do Espectro Autista
para se referir ao diagnóstico dos pacientes que
anteriormente eram avaliados como apresentando
Autismo ou Asperger. Isso significa que atualmen-
te tanto a síndrome de Asperger quanto o autismo
são nomeados como TEA.
A Síndrome de Asperger nos remete ao qua-
dro mais leve do TEA. Porém, também apresen-
tam déficits em várias áreas do desenvolvimento,
como na comunicação, interação social e também
comportamentos restritos e estereotipados (APA,
2002). Dificuldades motoras, percebidas como um
certo desajeitamento na motricidade ampla, tam-
bém são percebidas nesses sujeitos. É importante
sabermos que a interação social e comunicação
estão intimamente ligadas, ou seja, o sujeito que
tem dificuldades na comunicação terá enormes
dificuldades na interação social. Dessa forma, o
sujeito com Asperger também precisará de au-
xílio para desenvolver a comunicação e intera-
ção social. Essas características - embora leves,
quando comparadas aos casos mais severos de
autismo - também dificultam a vida dessas pes-
soas. Aliás, a palavra Transtorno é utilizada exa-
tamente por essa razão.
Na Síndrome de Asperger, podemos encon-
"Neste caso, as pessoas com Asperger geral- trar as mesmas dificuldades sociais do autismo,
mente tem dificuldades para contextualizar o porém, sem deficiência intelectual associada e
que ouvem." atraso na aquisição da linguagem. A comunicação
tende a se apresentar por uma fala mais fluente,
A Síndrome de Asperger, teve este nome em home- porém com dificuldade no início, manutenção e
nagem ao médico Hans Asperger, o qual publicou estabelecimento de diálogos. Muitas vezes, a fala
um artigo científico descrevendo as características tem uma variação melódica peculiar (prosódia),
de seus pacientes atendidos em Viena, em 1944. Como podendo ter um tom de indagação ou exclamação
essa publicação foi redigida em alemão no período ao fim de cada frase, sem a intenção de pergunta.
pós-guerra, somente depois de quase 50 anos a jjes- Também podem considerar no seu discurso ape-
quisadora inglesa Uta Frith a leu, identificou as seme- nas coisas de seu interesse, não levando em conta
lhanças com o autismo e traduziu para o inglês. Esse o que o outro argumenta, deixando uma impres-
fato impactou a comunidade científica, que reconhe- são de discurso egocêntrico ou até ríspido para
ceu a Síndrome de Asperger (SA) como uma "forma com os outros.
de autismo". Outra característica surge no entendimento
Naquela época, o autismo era um diagnóstico do sentido figurado da linguagem, como metáforas.
que fazia parte dos Transtornos Globais do Desen- Por exemplo, se alguém lhe pede para "andar na
volvimento - TGD, no DSM-4 (APA, 1994), onde a SA linha", ele pode sair à procura da linha onde tem
foi inserida. Depois esta condição ainda continuou que andar. Por essa razão, tendem a necessitar
na versão seguinte do manual, o DSM-4-Tr (2002), de uma linguagem mais objetiva e concreta para
o qual elencou além desses dois diagnósticos (SA compreenderem adequadamente a comunicação.
e TEA), a Síndrome de Rett, o Transtorno Desinte- Neste caso, as pessoas com Asperger geralmente
grativo da Infância (TDI) e o Transtorno Global do têm dificuldades para contextualizar o que ouvem.
Desenvolvimento Sem Outra Especificação (TGD- Essas características trazem implicações
SOE) dentro dos Transtornos Globais do Desen- importantes quando formos nos comunicar. É
volvimento (TGD), ficando da seguinte maneira: necessário que saibamos como agir com essas

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pessoas, ou seja, é importante modularmos nossa partes menos convencionais, como por exemplo
forma de comunicação quando conversamos com somente enfileirar os pratinhos, ao invés de brin-
elas, cuidando da forma e do tipo de palavras car de comidinha. Esses comportamentos podem
utilizadas nas mensagens. Caso contrário, é co- ser sutis, mas cuidadores atentos e com noções
mum que pessoas com SA tenham dificuldades de desenvolvimento infantil podem perceber essas
para entender o que se quer e o que se espera diferenças com facilidade.
dela. Aliás, muitos dos comportamentos desorga- Já por voha dos dois anos, as crianças come-
nizados, e às vezes até agressivos, podem ter sua çam a imitar as ações dos adultos, reproduzindo
raiz nessa dificuldade. seu cotidiano pela brincadeira. Na criança com
Normalmente, pelo fato de as características Asperger, pode não haver tanto interesse em re-
serem mais leves, o diagnóstico acaba sendo con- presentar ou imitar, sendo que, quando acontece,
firmado somente mais tarde no desenvolvimento. pode ser de forma repetitiva e pouco imaginativa.
Mas e quando este é reconhecido precocemente, Assim, já nos 36 meses a criança, além de gos-
o que podemos fazer para estimular essa criança tar de estar com seus pares, começa a propor as
desde cedo? Ressaltamos então uma palavra que brincadeiras com espontaneidade, o que difere da
tem grande relevância quando se trata de estímu- relação de isolamento com que o sujeito com As-
lo para essas pessoas: brincar. perger tende a apresentar-se (BRASIL, 2014).
Observamos então que a base para uma
A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR compreensão das diferenças entre o desenvolvi-
mento típico e o comportamento da criança com
A maior parte das características da SA
pode ser observada mais claramente ao longo
do desenvolvimento, especialmente o infantil. As
diferenças entre o que é esperado em termos de
desenvolvimento social para uma criança sem
SA podem ser identificadas na interação social
pela brincadeira.
No desenvolvimento típico, por volta dos seis
meses, a criança já explora os objetos de diferentes
formas (passa a mão, coloca na boca, olha o movi-
mento), o que não acontece na mesma intensidade
ou qualidade nos sujeitos com SA. Por exemplo,
entre os seis e 12 meses o bebé já estabelece um
contato visual e se engaja nas brincadeiras com
seus cuidadores facilmente, ao passo que o sujei-
to com SA tende a mostrar algumas dificuldades
para engajarse da mesma maneira. Isso porque
o seu interesse não ocorre de forma recíproca e
a compreensão do que se espera dele é limitada.
Entre o primeiro ano até os 18 meses é espe-
rado que as crianças comecem a utilizar a brinca-
deira de uma forma mais ampla, utilizando os ob-
jetos a partir de suas funções (como por exemplo:
brincar de comidinha). Na criança com Asperger,
essa mesma brincadeira pode ocorrer mais rara-
mente, pois tende a explorar nos seus brinquedos

âí5
JÁ POR VOLTA DOS DOIS
ANOS AS CRIANÇAS
COMEÇAM A IMITAR AS
AÇÕES DOS ADULTOS,
REPRODUZINDO SEU
COTIDIANO PELA BRINCADEIRA.

9^
LUDICIDADE - A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR

AS, reside nos parâmetros de desenvolvimento


infantil. Normalmente, crianças com SA não apre-
sentarão esses mesmo comportamentos espera
dos, ou os apresentarão de forma qualitativamente
diferente do esperado para sua idade cronológica.
Por essa razão é necessária uma atenção especial
para a intervenção com as crianças diagnosticadas
com SA, especialmente nas esferas do desenvolvi-
mento social e imaginativo, pois provavelmente te-
remos que apoiar o aprendizado do brincar para
elas. De acordo com Tamanaha e colaboradores
(2006), é de fundamental importância o auxílio de
um facilitador no brincar da criança com SA, pois
esse indivíduo apresenta melhor desenvolvimento
quando incentivado por no brincar lúdico do que
quando brinca sozinho. Neste sentido, se destaca a
função de um professor, que através de uma me-
diação da aprendizagem pode trazer significado e
coerência para a brincadeira.
O brincar toma relevo neste cenário, pois é
concebido como um dos preditores da comunica-
ção, ou seja, a criança que desenvolve habilidades
do brincar tende a desenvolver, consequentemen-
te melhor a comunicação e interação social. E esse
fato nos faz pensar no quanto a criança poderá
evoluir nessas áreas, quando estimulada através
dos terapeutas e professores e a própria família
que participam de seu contexto.
Há diversas intervenções terapêuticas espe
cíficas para pessoas com SA, que se utilizam de
diferentes formas de intervir com a síndrome, de
acordo com a orientação teórica ou instrumen-
tal. Inclusive, algumas utilizam o próprio brincar utilizando assim a linguagem verbal para se co-
como forma de intervenção. O programa Son-Rise municar. Tal estratégia se justifica pela dificuldade
(SRP), por exemplo, que foi desenvolvido nos Esta no uso a linguagem, verbal.
dos Unidos por volta da década de 1970 (KAUFMAN, Também busca se construir histórias nas
1994). O SRP é composto por uma equipe de faci- brincadeiras que tenham início, meio e fim cla-
litadores (que auxiliam os pais) que recebem for- ramente definidos, para organizar o paciente em
mação específica no Autism Treatment Center of seu ambiente quanto ao tempo. O objetivo é mos-
America (ATCA) ou de alguma pessoa credenciada trar que através do brincar, podese criar uma
neste local. É geralmente conduzido e implantado relação afetiva que envolver a criança na terapia
pelos pais da criança com SA em sua residência, de modo a e n s i n á l a as complexidades das rela-
sendo desenvolvido em um quarto, o qual é es- ções sociais significativas.
pecificamente modificado para ser um "quarto de Outro programa de intervenção para
brincar" (p/ay room). Toda a adaptação do quarto crianças com SA que utiliza a brincadeira
é feita de uma forma estratégica para que se con- como recurso é o Developmental, Individual
siga manter uma organização e previsibilidade do Difference, Relationship-Based - DIR. Este
ambiente, minimizando o máximo as distrações e orienta que tanto o terapeuta quanto a família
obtendo maior controle caso aja alguma mudança é que devem aproximar-se e interagir no mun-
inesperada. Isso tudo, com o intuito de aumentar a do da criança, e não o contrário. Desse modo
interação com a criança com a síndrome através podem, através do brincar compartilhado, favo-
do brincar (SCHMIDT et al, 2015). O programa bus- recer a interação social com os outros, onde a
ca desenvolver a espontaneidade da criança para criança poderá adquirir as bases para seu de-
iniciar uma interação, não direcionando esta para senvolvimento social, intelectual e emocional.
qualquer atividade específica, mas sim, utilizando A abordagem Floortime integra o modelo
do seu interesse. DIR como principal estratégia para sistematizar
Uma das estratégias é o de "esconder" objetos a brincadeira com a criança com SA e propor-
para que a criança com SA os solicite ao terapeuta. cionar a progressão dela ao longo das etapas do

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"Também buscase construir histórias nas brinca-
deiras que tenham inicio, meio e fim claramente
definidos para organizar o paciente em seu ambien-
te quanto ao tempo."

profissionais da educação para conduzirem esse


aluno e explicarem de forma objetiva o funciona-
mento da brincadeira. Também se faz importante
orientar para que os colegas reajam da mesma
maneira, fazendo assim com que a interação te-
nha efeitos positivos para ambos os lados, tanto o
aluno com SA quanto seus colegas.
Por exemplo, numa brincadeira de esconde-
esconde, na qual todos aprendem a brincar por
meio da imitação, para as crianças com SA é ne-
cessário que as regras sejam explicadas antes e, se
possível, mostradas inicialmente com um exemplo
objetivo do que precisa fazer em sequência.
Assim, a interação social vai se incremen-
tando à medida que as crianças com SA interagem
com seus pares na escola, mediada pelo aduho
que, brincando, contribui para o desenvolvimento
no contexto educacional.
Por fim, conclui-se que a brincadeira, base
de programas terapêuticos ou inclusão educacio-
nal, é uma importante ferramenta que pode ser
utilizada por terapeutas no tratamento de pessoas
com SA em ambientes como o consultório, clínicas
ou mesmo no ambiente escolar da educação i n -
fantil. O brincar é uma forma de o aduho interagir
desenvolvimento. O Floortime foi criado com o com a criança para observar importantes aspectos
objetivo de aumentar a socialização, melhorar a da interação social que podem estar acarretando
linguagem e diminuir os comportamentos repe- dificuldades em outros contextos, podendo tornar-
titivos das crianças com transtornos, inclusive -se alvo de interferência. Já como intervenção, o
aquelas com SA, bem como facilitar a compreen- brincar é uma oportunidade para ressignificar fa-
são das crianças e de suas famílias, identificando, las e atos sociais durante as interações, mostrando
sistematizando e integrando as funções essenciais ao paciente como ocorrem as trocas sociais fora
às capacidades de desenvolvimento (GREENSPAN; do consultório. Este ensinamento psicoeducativo
WIEDER, 1997), Essa abordagem é baseada na ideia pode ser essencial para o desenvolvimento futuro
de que a emoção é fundamental para o desenvol- da criança com SA.
vimento e compreensão das relações sociais, e que
este é obtido através de interações (brincadeiras)
* Jéssica Jaíne Marques de Oliveira é educadora especial (UFSM)
no chão (GREENSPAN; WIEDER, 2006).
e mestre em Educação (UFSM). Trabalha em um centro de
É importante ressaltarmos o papel do brincar
atendimento para pessoas com Transtorno do Espectro Autista,
no contexto educacional, no qual a criança par-
coordena o núcleo de acessibilidade e o setor psicopedagógico da
ticipa do processo de inclusão com o objetivo de
viabilizar o acesso, participação e aprendizagem Faculdade Integrada de Santa Maria (FISMA) e atua como docente
desses alunos. Nos anos iniciais, o brincar é muito do curso de graduação em Psicologia da Faculdade Integrada de
explorado como forma de facilitar a aprendizagem Santa Maria. Participa do Grupo de Pesquisa Educação Especial e
das crianças, utilizandose desse interesse natu- Autismo (EdEA - www.ufsm.br/autismo).
ral que elas apresentam. Para as pessoas com SA,
como já ressaltamos, a dificuldade de compreen- * * Carlo Sclimidt é psicólogo, professor do Departamento de
são do contexto das brincadeiras faz com que eles Educação Especial da Universidade Federal de Santa Maria e
prefiram não participar de atividades em grupo, já coordenador do Grupo de Pesquisa Educação Especial e Autismo
que não conseguem prever o que se espera deles. (EdEA - www.ufsm.br/autismo) do Programa de Pós-Graduação
Nesse momento, é necessária a sensibilidades dos em Educação/UFSM,
G R A N D E S T E M A S DO C O N H E C I M E N T O

PSICOLOGIA ESPECIAL AUTISMO


ENSINAR E
APRENDER
Melhorando o desenvolvimento da
criança confi apoio da família

o DESAFIO D E
S E R MÃE
Como lidar com as
dificuldades e as conquistas

PRECISA
COMUNICAR-SE
, As diferentes etapas
desse processo

o MEDO E O
\O
1 ' Conscientizar para
? combater os
ê preconceitos

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