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Fichamento Livro: “Pedagogia do Oprimido” – Paulo Freire

FREIRE, Paulo. “Pedagogia do Oprimido”. Editora Saraiva de Bolso. 1° Edição,


2012.

Aos esfarrapados do Mundo e aos que nele se descobrem e,


assim descobrindo-se, com eles sofrem,
mas, sobretudo, com eles lutam.
Primeiras Palavras
“Medo da liberdade” – “perigo da conscientização”.
“(...) a conscientização, que lhe possibilita inserir-se no processo histórico, como
sujeito, evita os fanatismos e o inscreve na busca de sua afirmação.” (p.28)
“As afirmações que fazemos neste ensaio (...) expressam reações de proletários,
camponeses ou urbanos, e de homens de classe média, que vimos observando, direta ou
indiretamente, em nosso trabalho educativo.” (p.28) (destaque para o caráter empírico da obra, um
suave apontamento de método)

1. Justificativa da Pedagogia do Oprimido


(Nessa introdução em que Paulo Freire faz a justificativa de sua obra, o mesmo se apropria de diversos
conceitos desenvolvidos por Karl Marx, dialogando com o mesmo, porém sem fazer referências diretas a ele)
“Educação como prática da Liberdade” (p.32)
“(...) se admitíssemos que a desumanização é vocação histórica dos homens, nada
mais teríamos que fazer, a não ser adotar uma atitude cínica ou de total desespero. A luta pela
humanização, pelo trabalho livre, pela desalienação, pela afirmação dos homens como
pessoas, como ‘seres para si’, não teria significação. Esta somente é possível porque a
desumanização, mesmo que um fato concreto na história, não é, porém, destino dado, mas
resulta de uma ‘ordem’ injusta que gera a violência dos opressores e esta, o ser menos.”
(p.33/34)
(Observamos nesse trecho a abordagem por Paulo Freire de uma questão central na obra de Marx, a alienação,
tema desenvolvido já precocemente por Marx em sua fundamental obra “A Ideologia Alemã”. Ao contrário de
Hegel que identificava a alienação como algo suscetível à espiritualidade do indivíduo, para Marx o terreno da
alienação é a vida histórica e social. Se a alienação é histórica e social é preciso entendê-la nesse contexto e,
portanto, é necessário desenvolver uma concepção materialista da história, que ficou conhecida como
materialismo histórico. Esse conceito de Marx é central para ter validade a tese central da obra, de que é
possível a desejada transformação, na medida que a atual situação de “desumanização”, nas palavras de
Paulo Freire, teria uma causa histórico-social por trás da mesma, e não seria, por tanto, um estado natural, ou
nas palavras dele “vocação histórica dos homens”.)

A contradição opressores - oprimidos. Sua superação

“(...) esta luta somente tem sentido quando os oprimidos, ao buscarem recuperar sua
humanidade, que é uma forma de criá-la, não se sentem idealistamente opressores, nem se
tornam, de fato, opressores dos opressores, mas restauradores da humanidade em ambos. E
aí está a grande tarefa humanista e histórica dos oprimidos – libertar-se a si e aos opressores”
(p.34)
( Essa parte da justificativa faz menção ao que Marx chamou de luta de classes, mais explicitamente
desenvolvido pelo mesmo no seu livro “O Manifesto do Partido Comunista”, mas também já presente na
ideologia alemã. A superação das opressões, somente pode ocorrer ao se superar a alienação existente em
nossa sociedade. Paulo Freire em diversos momentos se atenta a questão da alienação da qual estão
submetidos os por ele chamados de “oprimidos”. Alienação essa que está diretamente relacionada com a
divisão social do trabalho, tendo em vista que com a divisão do trabalho e a separação do trabalho material e
intelectual, vai haver efetivamente no plano material da vida uma distinção que explica essa alienação. Uma
divisão do trabalho em trabalho material e intelectual leva necessariamente a produção de um excedente por
parte da população de modo a suprir as necessidades dos que não produzem. Na medida em que há a
produção de excedente, há uma repartição desigual do trabalho e seus produtos. Há neste momento a
presença de uma exploração do trabalho que vincula-se a uma forma de dominação, que vincula-se a
propriedade privada. Essa alienação, a percepção de que a vida social não é criação dos homens, essa
alienação num meio material que lhe é estranho, resulta da divisão social do trabalho. Na medida em que se
fixa uma atividade, também se fixa o pertencimento a uma determinada classe. Os indivíduos vão se inserir no
mundo da produção material da vida, ou no mundo intelectual. O próprio pertencimento a classe é uma
alienação, pois é algo que não é escolha do homem. Marx vê a classe como uma restrição da liberdade
humana, que torna a alienação sua figura principal. É exatamente a superação a essa alienação que está sendo
proposta por Paulo Freire, alienação essa geradora das opressões as quais o mesmo critica. Para Marx a
superação total dessa alienação só se faria possível em uma “associação de homens livres”, no mais
conhecido comunismo, porém Paulo Freire fala de uma nova sociedade, de uma revolução sem deixar claro
rótulos, como a mesma seria e o processo que levaria a tal, isto pode ser entendido pelo caráter “de massas”
que o mesmo dá ao movimento, algo que será abordado mais adiante.)
“A nossa preocupação, neste trabalho, é apenas apresentar alguns aspectos do que
nos parece constituir do que vimos chamando de pedagogia do oprimido: aquela que tem de
ser forjada com ele e não para ele, enquanto homens ou povos, na luta incessante de
recuperação de sua humanidade. Pedagogia que faça da opressão e de suas causas objeto da
reflexão dos oprimidos, de que resultará o seu engajamento necessário na luta por sua
libertação, em que esta pedagogia se fará e refará.” (p.35)
“Daí a necessidade que se impõe de superar a situação opressora. Isto implica o
reconhecimento crítico, a ‘razão’ desta situação, para que, através de uma ação
transformadora que incida sobre ela, se instaure uma outra, que possibilite aquela busca do ser
mais.” (p.38)
“A libertação é (...) um parto doloroso. O homem que nasce deste parto é um homem
novo que só é viável na e pela superação da contradição opressores-oprimidos, que é a
libertação de todos” (p.39)
“A práxis, porém, é reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo.
Sem ela é impossível a superação da contradição opressor-oprimidos.” (p.43)
“Por isto, inserção crítica e ação já são a mesma coisa. Por isto também é que o mero
reconhecimento de uma realidade que não leve a esta inserção crítica (ação já) não conduz a
nenhuma transformação da realidade objetiva, precisamente porque não é o reconhecimento
verdadeiro.” (p.43)
“(...) A ‘racionalização’, como mecanismo de defesa, termina por identificar-se com o
subjetivismo. Ao não negar o fato, mas distorcer suas verdades, a ‘racionalização’ ‘retira’ as
bases objetivas do mesmo. O fato deixa de ser ele concretamente e passa a ser um mito criado
para a defesa da classe do que fez o reconhecimento, que, assim, se torna falso. Desta forma,
mais uma vez, é impossível a ‘inserção crítica’, que só existe na dialeticidade objetividade-
subjetividade.” (p.44)
“(...) a exigência que fazemos da inserção crítica das massas na sua realidade através
da práxis, pelo fato de nenhuma realidade se transformar a si mesma.” (p.45)
“A pedagogia do oprimido, que no fundo, é a pedagogia dos homens empenhando-se
na luta por sua libertação, tem suas raízes aí. E tem que ter nos próprios oprimidos, que se
saibam ou comecem criticamente a saber-se oprimidos, um dos seus sujeitos.” (p.45)
“A pedagogia do oprimido, como pedagogia humanista e libertadora, terá dois
momentos distintos. O primeiro em que os oprimidos vão desvelando o mundo da opressão e
vão comprometendo-se, na práxis, com a sua transformação; o segundo, em que, transformada
a realidade opressora, esta pedagogia deixa de ser do oprimido e passa a ser a pedagogia dos
homens em processo de permanente libertação.” (p.46)
(Nesses pontos destacados e em outros pontos da obra fica clara uma crítica que vai no mesmo sentido da
crítica já desenvolvida por Karl Marx em sua obra a ideologia alemã. Onde na mesma Karl Marx faz uma crítica
aos filósofos hegelianos do período, identificando-os como conservadores devido a sua metodologia de
análise, por se limitarem a interpretar, não propondo uma mudança do mundo existente, como aparece no
trecho em destaque: “(...) Segundo a sua fantasia, as relações dos homens, tudo o que os homens fazem, os
seus grilhões e barreiras, são produtos das suas consciências, assim os jovens hegelianos, de modo
conseqüente, colocam aos homens o postulado moral de trocarem a sua consciência presente pela
consciência humana, crítica ou egoísta, e, desse modo, de eliminarem as suas barreiras. Essa exigência de
mudar a consciência conduz a exigência de interpretar de outro modo o que existe, ou seja, de o reconhecer
por meio de outra interpretação. Os ideólogos jovens hegelianos são, apesar das frases com que prentendem
‘abalar o mundo’, os maiores conservadores. Os mais novos dentre eles encontraram a expressão correta para
a sua atividade quando afirmam que lutam apenas contra ‘frases’. Esquecem, apenas, que a essas mesmas
frases nada opõem senão frases, e que de modo algum combatem o mundo real existente se combaterem
apenas as frases desse mundo. (...) Não ocorreu a nenhum desses filósofos procurar a conexão da sua crítica
com o seu próprio ambiente material” (MARX, Karl. “A ideologia Alemã”. Editora Expressão Popular. 1° edição.
2009. p.23) É preciso desse modo na concepção de Marx, assim como de Paulo Freira substituir essa filosofia
crítica, por uma crítica prática revolucionária, ou seja, enquanto os filósofos se limitam a interpretar o Mundo,
cabe a crítica prática revolucionária modifica-lo, transformá-lo. Se a crítica política não estiver relacionada a
uma prática revolucionária, ela recaí nesse perigo de meramente interpretar o Mundo. Meramente interpretar o
Mundo é situar-se no plano da filosofia, no plano da vida mental. Dessa forma, como continua Marx “As
premissas com que começamos não são arbitrárias, não são dogmas, são premissas reais, e delas só na
imaginação se pode abstrair. São os indivíduos reais, a sua ação e as suas condições materiais de vida, tanto
as que encontraram quanto as que produziram pela sua própria ação. Essas premissas são, portanto,
constatáveis de um modo puramente empírico.” Ou seja, “(...) não se parte daquilo que os homens dizem,
imaginam ou se representam, e também não dos homens narrados, pensados, imaginados, representados,
para daí se chagar aos homens em carne e osso; parte-se dos homens realmente ativos, e com base no seu
processo real de vida apresenta-se também o desenvolvimento dos reflexos e ecos ideológicos desse
processo de via” (MARX, Karl. “A ideologia Alemã”. Editora Expressão Popular. 1° edição. 2009. p.23/24 e p.31))
“Não haveria oprimidos, se não houvesse uma relação de violência que os conforma
como violentados, numa situação objetiva de opressão.
Inauguram a violência os que oprimem, os que exploram, os que não se reconhecem
nos outros; não os oprimidos, os explorados, os que não são reconhecidos pelos que os
oprimem como outro.” (p.47)
“Para os opressores, porém, na hipocrisia de sua ‘generosidade’, são sempre os
oprimidos, que eles obviamente jamais chamam de oprimidos, mas, conforme se situem,
interna ou externamente, de ‘essa gente’ ou de ‘essa massa cega e invejosa’, ou de
‘selvagens’, ou de ‘nativos’, ou de ‘subversivos’, são sempre os oprimidos os que desamam.
São sempre eles os ‘violentos’, os ‘bárbaros’, os ‘malvados’, os ‘ferozes’, quando reagem a
violência dos opressores”. (p.48)
“(...) consciente ou inconscientemente, o ato de rebelião dos oprimidos, que é sempre
tão ou quase tão violento quanto a violência que os cria, este ato dos oprimidos, sim, pode
inaugurar o amor.” (p.48)
“(...) Os freios que os antigos oprimidos devem impor aos antigos opressores para que
não voltem a oprimir não são opressão daqueles a estes. A opressão só existe quando se
constitui em um ato proibitivo do ser mais dos homens. Por esta razão, estes freios, que são
necessários, não significam, em si mesmos, que os oprimidos de ontem se tenham
transformados nos opressores de hoje.
Os oprimidos de ontem, que detêm os antigos opressores na sua ânsia de oprimir,
estarão gerando, com seu ato, liberdade, na medida em que, com ele, evitam a volta do regime
opressor. Um ato que proíbe a restauração deste antigo regime não pode ser comparado com
o que o cria e o mantém; não pode ser comparado com aquele através do qual alguns homens
negam às maiorias o direito de ser.” (p.49)

A Situação concreta de opressão e os opressores

“(...) crer no povo é a condição prévia, indispensável, à mudança revolucionária. Um


revolucionário se reconhece mais por esta crença no povo, que o engaja, do que por mil ações
em ela.” (p.53)
“Dizer-se comprometido com a libertação e não ser capaz de comungar com o povo, a
quem continua considerando absolutamente ignorante, é um doloroso equívoco.” (p.53)
(Notasse nessas duas passagens uma crítica direta ao vanguardismo nas lutas populares, doutrinas
comunistas que ganham força na terceira internacional, idéias que ficaram mais conhecidas através das idéias
do partido bolchevique na Rússia. Essas idéias de uma vanguarda que guiará o povo ficam mais claras no
trecho destacado da obra de Josef Stalin, na qual o mesmo desenvolve os fundamentos do pensamento
leninista: “A teoria que consiste em prestar culto à espontaneidade é resolutamente contrária a que se imprima
ao movimento espontâneo um caráter consciente e metódico, é contrária a que o Partido avance à frente da
classe operária, a que o Partido eleve as massas a um nível consciente, a que o Partido dirija o movimento;
trabalha para que os elementos conscientes do movimento não impeçam que este siga seu caminho; luta para
que o Partido não faça mais que estar atento ao movimento espontâneo e caminhe a reboque deste. A teoria da
espontaneidade é a teoria que consiste em menosprezar o papel do elemento consciente dentro do movimento,
é a ideologia do “seguidismo”, fase lógica de todo oportunismo.” (STALIN, Josef. Questões Políticas. Coleção
Fundamentos. Editora Aldeia Global. 1979. p.29). As ideias de Paulo Freire são muito inovadoras para o
período em questão, em que os ideias da terceira internacional ainda tinham muita força dentro dos
movimentos socialistas, isto graças ao sucesso as revolução bolchevique e ao contexto da Guerra Fria no pós
Segunda Guerra Mundial. Essas ideias de um movimento popular e de massas, mais pra frente servem de base
para os manifestos de fundação do Partido dos Trabalhadores, do qual Paulo Freire foi contribuidor e um dos
fundadores, como pode-se notar em sua carta de princípios do dia 1° de maio de 1979, onde se afirma: “O PT
define-se também como partido das massas populares, unindo-se ao lado dos operários, vanguarda de toda a
população explorada, todos os outros trabalhadores – bancários, professores, funcionários públicos,
comerciários, bóiafrias, profissionais liberais, estudantes, etc. – que lutam por melhores condições de
vida, por efetivas liberdades democráticas e por participação política. O PT afirma seu compromisso com a
democracia plena, exercida diretamente pelas massas, pois não há socialismo sem democracia e nem
democracia sem socialismo.” (Carta de Princípios de 1° de maio de 1979, documento pré-PT)

A Situação concreta de opressão e os oprimidos

“Há, por outro lado, em certo momento da experiência existencial dos oprimidos, uma
irresistível atração pelo opressor. Pelos seus padrões de vida. Participar desses padrões
constitui uma incontida aspiração. Na sua alienação querem, a todo custo, parecer com o
opressor. Imitá-lo. Segui-lo. Isto se verifica, sobretudo, nos oprimidos de ‘classe média’, cujo
anseio é serem iguais ao ‘homem ilustre’ da chamada classe ‘superior’.” (p.55)

Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em


comunhão

“Somente quando os oprimidos descobrem, nitidamente, o opressor, e se engaja na


luta organizada por sua libertação, começam a crer em si mesmos, superando, assim, sua
‘convivência’ com o regime opressor. Se esta descoberta não pode ser feita em nível
puramente intelectual, mas da ação, o que nos parece fundamental é que esta não se cinja a
mero ativismo, mas esteja associada a sério empenho de reflexão, para que seja práxis.
O diálogo crítico e libertador, por isto mesmo que supõe a ação, tem de ser feito com
os oprimidos, qualquer que seja o grau em que esteja a luta por sua libertação.” (p.57)
“Ao defendermos um permanente esforço de reflexão dos oprimidos sobre suas
condições concretas, não estamos pretendendo um jogo divertido em nível puramente
intelectual. Estamos convencidos, pelo contrário, de que a reflexão, se realmente reflexão,
conduz a prática.” (p.58) (novamente deixa claro a sua comunhão com idéias de Marx, em relação a práxi,
desse modo a pedagogia do oprimido, seria uma pedagogia na qual os homens se transformam para assim
transformarem o mundo)
“Por outro lado, se o momento já é o da ação, esta se fará autêntica práxis se o saber
dela resultante se faz objeto de reflexão crítica. É neste sentido que a práxis constitui a razão
nova da consciência oprimida e que a revolução, que inaugura o momento histórico desta
razão, não pode encontrar viabilidade fora dos níveis de consciência oprimida.” (p.58)
“(...) o caráter eminentemente pedagógico da revolução.
Se os liderem revolucionários de todos os tempos afirmam a necessidade de
convencimento das massas oprimidas para que aceitem a luta pela libertação – o que de resto
é óbvio -, reconhecem implicitamente o sentido pedagógico desta luta.” (p.60)
“A propaganda, o dirigismo, a manipulação, como armas da dominação, não podem ser
instrumentos para esta reconstrução.
Não há outro caminho senão o da prática de uma pedagogia humanizadora, em que a
liderança revolucionária, em lugar de se sobrepor aos oprimidos e continuar mantendo-os como
quase ‘coisas’, com eles estabelece uma relação dialógica permanente” (p.61)

2. A concepção bancária de educação como instrumento da opressão.


Seus pressupostos, suas críticas
“Falar da realidade como algo parado, estático, compartimentado e bem comportado,
quando não falar ou dissertar sobre algo completamente alheio à experiência existencial dos
educandos vem sendo, realmente, a suprema inquietação desta educação. A sua irrefreada
ânsia. Nela, o educador aparece como seu indiscutível agente, como o seu real sujeito, cuja
tarefa indeclinável é "encher” os educandos dos conteúdos de sua narração. Conteúdos que
são retalhos da realidade desconectados da totalidade em que se engendram e em cuja visão
ganhariam significação. A palavra, nestas dissertações, se esvazia da dimensão concreta que
devia ter ou se transforma em palavra oca, em verbosidade alienada e alienante. Dai que seja
mais som que significação e, assim, melhor seria não dizê-la.” (p.63)
“A narração, de que o educador é o sujeito, conduz os educandos à memorização
mecânica do conteúdo narrado.” (p.63)
“(...)Eis aí a concepção “bancária” da educação, em que a única margem de ação que se
oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los. (...) No fundo,
porém, os grandes arquivados são os homens, nesta (na melhor das hipóteses) equivocada
concepção “bancária” da educação. Arquivados, porque, fora da busca, fora da práxis, os
homens não podem ser. Educador e educandos se arquivam na medida em que, nesta
destorcida visão da educação, não há criatividade, não há transformação, não há saber. Só
existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os
homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros. Busca esperançosa também.”
(p.63/64)
“Na visão “bancária” da educação, o “saber” é uma doação dos que se julgam sábios
aos que julgam nada saber. Doação que se funda numa das manifestações instrumentais da
ideologia da opressão – a absolutização da ignorância, que constitui o que chamamos de
alienação da ignorância, segundo a qual esta se encontra sempre no outro.” (p.64)
“Na medida em que esta visão “bancária” anula o poder criador dos educandos ou o
minimiza, estimulando sua ingenuidade e não sua criticidade, satisfaz aos interesses dos
opressores: para estes, o fundamental não é o desnudamento do mundo, a sua
transformação.” (p.66)
A Concepção “bancária” e a contradição educador-educando

“(...) para a concepção “bancária” (...) Seu trabalho será, também, o de imitar o mundo.
O de ordenar o que já se faz espontaneamente. O de “encher” os educandos de conteúdos. É o
de fazer depósitos de “comunicados” – falso saber – que ele considera como verdadeiro saber.”
(p.69)
“(...) somente na comunicação tem sentido a vida humana. (...) o pensar do educador
somente ganha autenticidade na autenticidade do pensar dos educandos, mediatizados ambos
pela realidade, portanto, na intercomunicação.” (p.70)
“A educação como prática da dominação, que vem sendo objeto desta critica,
mantendo a ingenuidade dos educandos, o que pretende, em seu marco ideológico, (nem
sempre percebido por muitos dos que a realizam) é indoutriná-los no sentido de sua
acomodação ao mundo da opressão.” (p.73)
“O que nos parece indiscutível é que, se pretendemos a libertação dos homens, não.
podemos começar por aliená-los ou mantê-los alienados. A libertação autêntica, que é a
humanização em processo, não é uma coisa que se deposita nos homens. Não é uma palavra
a mais, oca, mitificante. É práxis, que implica na ação e na reflexão dos homens sobre o mundo
para transformá-lo.” (p.73/74)
“O antagonismo entre as duas concepções, uma, a “bancária”, que serve à dominação;
outra, a problematizadora, que serve à libertação, toma corpo exatamente aí. Enquanto a
primeira, necessariamente, mantém a contradição educador-educandos, a segunda realiza a
superação.” (p.75)

Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si,
mediatizados pelo mundo

“Desta maneira, o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa,
é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa.” (p.75)
“Já agora ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os
homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo.” (p.76)
“(...) a educação problematizadora, de caráter autenticamente reflexivo, implica num
constante ato de desvelamento da realidade (...) busca a emersão das consciências, de que
resulte sua inserção crítica na realidade.” (p.77)
“Quanto mais se problematizam os educandos, como seres no mundo e com o mundo,
tanto mais se sentirão desafiados. Tão mais desafiados, quanto mais obrigados a responder ao
desafio. Desafiados, compreendem o desafio na própria ação de captá-lo. Mas, precisamente
porque captam o desafio como um problema em suas conexões com outros, num plano de
totalidade e não como algo petrificado, a compreensão resultante tende a tornar-se
crescentemente crítica, por isto, cada vez mais desalienada.” (p.77)
“A reflexão que propõe, por ser autêntica, não é sobre este homem abstração nem
sobre este mundo sem homem, mas sobre os homens em suas relações com o mundo.
Relações em que consciência e mundo se dão simultaneamente. Não há uma consciência
antes e um mundo depois e vice-versa.
‘A consciência e o mundo’, diz Sartre, ‘se dão ao mesmo tempo: exterior por essência à
consciência, o mundo é, por essência, relativo a ela’.
Por isto é que, certa vez, num dos ‘círculos de cultura’. do trabalho que se realiza no
Chile, um camponês a quem a concepção bancária classificaria de ‘ignorante absoluto’,
declarou, enquanto discutia, através de uma ‘codificação’, o conceito antropológico de cultura:
‘Descubro agora que não há mundo sem homem’. E quando o educador lhe disse: –
‘Admitamos, absurdamente, que todos os homens do mundo morressem, mas ficasse a terra,
ficassem as árvores, os pássaros, os animais, os rios, o mar, as estrelas, não seria tudo isto
mundo?’.
‘Não! respondeu enfático, faltaria quem dissesse: Isto é mundo’. O camponês quis
dizer, exatamente, que faltaria a consciência do mundo que, necessariamente, implica no
mundo da consciência.” (p.78)
“A educação problematizadora se faz, assim, um esforço permanente através do qual
os homens vão percebendo, criticamente, como estão sendo no mundo com que e em que se
acham.” (p.79)
“(...) a sua forma de atuar, sendo esta ou aquela, é função, em grande parte, de como se
percebam no mundo.” (p.79)

O homem como um ser inconcluso, consciente de sua inconclusão, e seu permanente


movimento de busca do ser mais

“A concepção e a prática “bancárias”, imobilistas, “fixistas”, terminam por desconhecer


os homens como seres históricos, enquanto a problematizadora parte exatamente do caráter
histórico e da historicidade dos homens. Por isto mesmo é que os reconhece como seres que
estão sendo, como seres inacabados, inconclusos, em e com uma realidade, que sendo
histórica também, é igualmente inacabada.” (p.80)
“A educação problematizadora, que não é fixismo reacionária, é futuridade
revolucionária. Daí que seja profética e, como tal, esperançosa. Daí que corresponda à
condição dos homens como seres históricos e à sua historicidade. Daí que se identifique com
eles como seres mais além de si mesmos – como ‘projetos’ – como seres que caminham para
frente, que olham para frente; como seres a quem o imobilismo ameaça de morte; para quem o
olhar para traz não deve ser uma forma nostálgica de querer voltar, mas um modo de melhor
conhecer o que está sendo, para melhor construir o futuro. Dai que se identifique com o
movimento permanente em que se acham inscritos os homens, como seres que se sabem
inconclusos; movimento que é histórico e que tem o seu ponto de partida, o seu sujeito, o seu
objetivo.” (p.81)
“(...) como não há homens sem mundo, sem realidade, o movimento parte das relações
homens-mundo.” (p.81)
“(...) é necessário, inclusive, que a situação em que estão não lhes apareça como algo
fatal e intransponível, mas como uma situação desafiadora, que apenas os limita.” (p.82)
“(...) qualquer que seja a situação em que alguns homens proíbam aos outros que
sejam sujeitos de sua busca, se instaura como situação violenta. Não importa os meios usados
para esta proibição. Fazê-los objetos é aliená-los de suas decisões, que são transferidas a
outro ou a outros.” (p.82)

3. A dialogicidade: essência da educação como prática da liberdade


(Dialogicidade vem de diálogo, ato de dialogar.)
“Quando tentamos um adentramento no diálogo, como fenômeno humano, se nos
revela algo que já poderemos dizer ser ele mesmo: a palavra. Mas, ao encontrarmos a palavra,
na análise do diálogo, como algo mais que um meio para que ele se faça, se nos impõe buscar,
também, seus elementos constitutivos.
Esta busca nos leva a surpreender, nela, duas dimensões; ação e reflexão (...) Não há
palavra verdadeira que não seja práxis.2 Daí, que dizer a palavra verdadeira seja transformar o
mundo.” (p.84)
“A existência, porque humana, não pode ser muda, silenciosa, nem tampouco pode
nutrir-se de falsas palavras, mas de palavras verdadeiras, com que os homens transformam o
mundo. Existir, humanamente, é pronunciar o mundo, é modificá-lo. O mundo pronunciado, por
sua vez, se volta problematizado aos sujeitos pronunciantes, a exigir deles novo pronunciar.”
(p.85)
“Mas, se dizer a palavra verdadeira, que é trabalho, que é práxis, é transformar o
mundo, dizer a palavra não é privilégio de alguns homens, mas direito de todos os homens.
Precisamente por isto, ninguém pode dizer a palavra verdadeira sozinho, ou dizê-la para os
outros, num ato de prescrição, com o qual rouba a palavra aos demais.
O diálogo é este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo,
não se esgotando, portanto, na relação eu-tu.
Esta é a razão por que não é possível o diálogo entre os que querem a pronúncia do
mundo e os que não a querem; entre os que negam aos demais o direito de dizer a palavra e
os que se acham negados deste direito.” (p.85)

Educação dialógica e diálogo

“Não há diálogo, porém, se não há um profundo amor ao mundo e aos homens.” (p.86)
“(...) Onde quer que estejam estes, oprimidos, o ato de amor está em comprometer-se
com sua causa. A causa de sua libertação. Mas, este compromisso, porque é amoroso, é
dialógico.” (p.86)
“Se não amo o mundo, se não amo a vida, se não amo os homens, não me é possível
o diálogo.” (p.87)
“A auto-suficiência é incompatível com o diálogo. Os homens que não têm humildade
ou a perdem, não podem aproximar-se do povo.” (p.87)
“Não há também, diálogo, se não há uma intensa fé nos homens. Fé no seu poder de
fazer e de refazer. De criar e recriar. Fé na sua vocação de ser mais, que não é privilégio de
alguns eleitos, mas direito dos homens.” (p.88)
“Ao fundar-se no amor, na humildade, na fé nos homens, o diálogo se faz uma relação
horizontal, em que a confiança de um pólo no outro é conseqüência óbvia.” (p.88)
“Não existe, tampouco, diálogo sem esperança. A esperança está na própria essência
da imperfeição dos homens, levando-os a uma eterna busca. Uma tal busca, como já vimos,
não se faz no isolamento, mas na comunicação entre os homens (...).” (p.89)
“Finalmente, não há o diálogo verdadeiro se não há nos seus sujeitos um pensar
verdadeiro. Pensar critico. Pensar que, não aceitando a dicotomia mundo-homens, reconhece
entre eles uma inquebrantável solidariedade.” (p.89)

O diálogo começa na busca do conteúdo programático

“Daí que, para esta concepção como prática da liberdade, a sua dialogicidade comece,
não quando o educador-educando se encontra com os educandos-educadores em uma
situação pedagógica, mas antes, quando aquele se pergunta em torno do que vai dialogar com
estes. Esta inquietação em torno do conteúdo do diálogo é a inquietação em torno do conteúdo
programático da educação.” (p.90)
“Para o educador-educando, dialógico, problematizador, o conteúdo programático da
educação não é uma doação ou uma imposição – um conjunto de informes a ser depositado
nos educandos, mas a revolução organizada, sistematizada e acrescentada ao povo, daqueles
elementos que este lhe entregou de forma desestruturada.” (p.91)

As relações homens-mundo, os temas geradores e o conteúdo programático desta


educação

“Será a partir da situação presente, existencial, concreta, refletindo o conjunto de


aspirações do povo, que poderemos organizar o conteúdo programático da situação ou da
ação política, acrescentemos.
O que temos de fazer, na verdade, é propor ao povo, através de certas contradições
básicas, sua situação existencial, concreta, presente, como problema que, por sua vez, o
desafia e, assim, lhe exige resposta, não só no risível intelectual, mas no nível da ação.” (p.93)
“Nosso papel não é falar ao povo sobre a nossa visão do mundo, ou tentar impô-la a
ele, mas dialogar com ele sobre a sua e a nossa. Temos de estar convencidos de que a sua
visão do mundo, que se manifesta nas várias formas de sua ação, reflete a sua situação no
mundo, em que se constitui.” (p.94)
“O momento deste buscar é o que inaugura o diálogo da educação como prática da
liberdade. É o momento em que se realiza a investigação do que chamamos de universo
temático13 do povo ou o conjunto de seus temas geradores.” (p.94)
“(...)No momento em que a percepção critica se instaura, na ação mesma, se
desenvolve um clima de esperança e confiança que leva os homens a empenhar-se na
superação das ‘situações-limites’.” (p.98)
“Superadas estas, com a transformação da realidade, novas surgirão, provocando
outros “atos-limites” dos homens.
Desta forma, o próprio dos homens é estar, como consciência de si e do mundo, em
relação de enfrentamento com sua realidade em que, historicamente, se dão as “situações-
limites”. E este enfrentamento com a realidade para a superação dos obstáculos só pode ser
feito historicamente, como historicamente se objetivam as ‘situações-limites’.” (p.98/99)
“A diferença entre os dois, entre o animal, de cuja atividade, porque não constitui ‘atos-
limites’, não resulta uma produção mais além de si e os homens que, através de sua ação
sobre o mundo, criam o domínio da cultura e da história, está em que somente estes são seres
da práxis. Somente estes são práxis. Práxis que, sendo reflexão e ação verdadeiramente
transformadora da realidade, é fonte de conhecimento reflexivo e criação.” (p.100)
“Enquanto os temas não são percebidos como tais, envolvidos e envolvendo as
‘situações-limites’, as tarefas referidas a eles, que são as respostas dos homens através de sua
ação histórica, não se dão em termos autênticos ou críticos.
Neste caso, os temas se encontram encobertos pelas ‘situações-limites’ que se
apresentam aos homens como se fossem determinantes históricas, esmagadoras, em face das
quais não lhes cabe outra alternativa, senão adaptar-se. Desta forma, os homens não chegam
a transcender as ‘situações-limites’ e a descobrir ou a divisar, mais além delas e em relação
com elas, o ‘inédito viável’.
Em síntese, as ‘situações-limites’ implicam na existência daqueles a quem direta ou
indiretamente ‘servem’ e daqueles a quem “negam” e “freiam”.” (p.101/102)

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