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“(...) esta luta somente tem sentido quando os oprimidos, ao buscarem recuperar sua
humanidade, que é uma forma de criá-la, não se sentem idealistamente opressores, nem se
tornam, de fato, opressores dos opressores, mas restauradores da humanidade em ambos. E
aí está a grande tarefa humanista e histórica dos oprimidos – libertar-se a si e aos opressores”
(p.34)
( Essa parte da justificativa faz menção ao que Marx chamou de luta de classes, mais explicitamente
desenvolvido pelo mesmo no seu livro “O Manifesto do Partido Comunista”, mas também já presente na
ideologia alemã. A superação das opressões, somente pode ocorrer ao se superar a alienação existente em
nossa sociedade. Paulo Freire em diversos momentos se atenta a questão da alienação da qual estão
submetidos os por ele chamados de “oprimidos”. Alienação essa que está diretamente relacionada com a
divisão social do trabalho, tendo em vista que com a divisão do trabalho e a separação do trabalho material e
intelectual, vai haver efetivamente no plano material da vida uma distinção que explica essa alienação. Uma
divisão do trabalho em trabalho material e intelectual leva necessariamente a produção de um excedente por
parte da população de modo a suprir as necessidades dos que não produzem. Na medida em que há a
produção de excedente, há uma repartição desigual do trabalho e seus produtos. Há neste momento a
presença de uma exploração do trabalho que vincula-se a uma forma de dominação, que vincula-se a
propriedade privada. Essa alienação, a percepção de que a vida social não é criação dos homens, essa
alienação num meio material que lhe é estranho, resulta da divisão social do trabalho. Na medida em que se
fixa uma atividade, também se fixa o pertencimento a uma determinada classe. Os indivíduos vão se inserir no
mundo da produção material da vida, ou no mundo intelectual. O próprio pertencimento a classe é uma
alienação, pois é algo que não é escolha do homem. Marx vê a classe como uma restrição da liberdade
humana, que torna a alienação sua figura principal. É exatamente a superação a essa alienação que está sendo
proposta por Paulo Freire, alienação essa geradora das opressões as quais o mesmo critica. Para Marx a
superação total dessa alienação só se faria possível em uma “associação de homens livres”, no mais
conhecido comunismo, porém Paulo Freire fala de uma nova sociedade, de uma revolução sem deixar claro
rótulos, como a mesma seria e o processo que levaria a tal, isto pode ser entendido pelo caráter “de massas”
que o mesmo dá ao movimento, algo que será abordado mais adiante.)
“A nossa preocupação, neste trabalho, é apenas apresentar alguns aspectos do que
nos parece constituir do que vimos chamando de pedagogia do oprimido: aquela que tem de
ser forjada com ele e não para ele, enquanto homens ou povos, na luta incessante de
recuperação de sua humanidade. Pedagogia que faça da opressão e de suas causas objeto da
reflexão dos oprimidos, de que resultará o seu engajamento necessário na luta por sua
libertação, em que esta pedagogia se fará e refará.” (p.35)
“Daí a necessidade que se impõe de superar a situação opressora. Isto implica o
reconhecimento crítico, a ‘razão’ desta situação, para que, através de uma ação
transformadora que incida sobre ela, se instaure uma outra, que possibilite aquela busca do ser
mais.” (p.38)
“A libertação é (...) um parto doloroso. O homem que nasce deste parto é um homem
novo que só é viável na e pela superação da contradição opressores-oprimidos, que é a
libertação de todos” (p.39)
“A práxis, porém, é reflexão e ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo.
Sem ela é impossível a superação da contradição opressor-oprimidos.” (p.43)
“Por isto, inserção crítica e ação já são a mesma coisa. Por isto também é que o mero
reconhecimento de uma realidade que não leve a esta inserção crítica (ação já) não conduz a
nenhuma transformação da realidade objetiva, precisamente porque não é o reconhecimento
verdadeiro.” (p.43)
“(...) A ‘racionalização’, como mecanismo de defesa, termina por identificar-se com o
subjetivismo. Ao não negar o fato, mas distorcer suas verdades, a ‘racionalização’ ‘retira’ as
bases objetivas do mesmo. O fato deixa de ser ele concretamente e passa a ser um mito criado
para a defesa da classe do que fez o reconhecimento, que, assim, se torna falso. Desta forma,
mais uma vez, é impossível a ‘inserção crítica’, que só existe na dialeticidade objetividade-
subjetividade.” (p.44)
“(...) a exigência que fazemos da inserção crítica das massas na sua realidade através
da práxis, pelo fato de nenhuma realidade se transformar a si mesma.” (p.45)
“A pedagogia do oprimido, que no fundo, é a pedagogia dos homens empenhando-se
na luta por sua libertação, tem suas raízes aí. E tem que ter nos próprios oprimidos, que se
saibam ou comecem criticamente a saber-se oprimidos, um dos seus sujeitos.” (p.45)
“A pedagogia do oprimido, como pedagogia humanista e libertadora, terá dois
momentos distintos. O primeiro em que os oprimidos vão desvelando o mundo da opressão e
vão comprometendo-se, na práxis, com a sua transformação; o segundo, em que, transformada
a realidade opressora, esta pedagogia deixa de ser do oprimido e passa a ser a pedagogia dos
homens em processo de permanente libertação.” (p.46)
(Nesses pontos destacados e em outros pontos da obra fica clara uma crítica que vai no mesmo sentido da
crítica já desenvolvida por Karl Marx em sua obra a ideologia alemã. Onde na mesma Karl Marx faz uma crítica
aos filósofos hegelianos do período, identificando-os como conservadores devido a sua metodologia de
análise, por se limitarem a interpretar, não propondo uma mudança do mundo existente, como aparece no
trecho em destaque: “(...) Segundo a sua fantasia, as relações dos homens, tudo o que os homens fazem, os
seus grilhões e barreiras, são produtos das suas consciências, assim os jovens hegelianos, de modo
conseqüente, colocam aos homens o postulado moral de trocarem a sua consciência presente pela
consciência humana, crítica ou egoísta, e, desse modo, de eliminarem as suas barreiras. Essa exigência de
mudar a consciência conduz a exigência de interpretar de outro modo o que existe, ou seja, de o reconhecer
por meio de outra interpretação. Os ideólogos jovens hegelianos são, apesar das frases com que prentendem
‘abalar o mundo’, os maiores conservadores. Os mais novos dentre eles encontraram a expressão correta para
a sua atividade quando afirmam que lutam apenas contra ‘frases’. Esquecem, apenas, que a essas mesmas
frases nada opõem senão frases, e que de modo algum combatem o mundo real existente se combaterem
apenas as frases desse mundo. (...) Não ocorreu a nenhum desses filósofos procurar a conexão da sua crítica
com o seu próprio ambiente material” (MARX, Karl. “A ideologia Alemã”. Editora Expressão Popular. 1° edição.
2009. p.23) É preciso desse modo na concepção de Marx, assim como de Paulo Freira substituir essa filosofia
crítica, por uma crítica prática revolucionária, ou seja, enquanto os filósofos se limitam a interpretar o Mundo,
cabe a crítica prática revolucionária modifica-lo, transformá-lo. Se a crítica política não estiver relacionada a
uma prática revolucionária, ela recaí nesse perigo de meramente interpretar o Mundo. Meramente interpretar o
Mundo é situar-se no plano da filosofia, no plano da vida mental. Dessa forma, como continua Marx “As
premissas com que começamos não são arbitrárias, não são dogmas, são premissas reais, e delas só na
imaginação se pode abstrair. São os indivíduos reais, a sua ação e as suas condições materiais de vida, tanto
as que encontraram quanto as que produziram pela sua própria ação. Essas premissas são, portanto,
constatáveis de um modo puramente empírico.” Ou seja, “(...) não se parte daquilo que os homens dizem,
imaginam ou se representam, e também não dos homens narrados, pensados, imaginados, representados,
para daí se chagar aos homens em carne e osso; parte-se dos homens realmente ativos, e com base no seu
processo real de vida apresenta-se também o desenvolvimento dos reflexos e ecos ideológicos desse
processo de via” (MARX, Karl. “A ideologia Alemã”. Editora Expressão Popular. 1° edição. 2009. p.23/24 e p.31))
“Não haveria oprimidos, se não houvesse uma relação de violência que os conforma
como violentados, numa situação objetiva de opressão.
Inauguram a violência os que oprimem, os que exploram, os que não se reconhecem
nos outros; não os oprimidos, os explorados, os que não são reconhecidos pelos que os
oprimem como outro.” (p.47)
“Para os opressores, porém, na hipocrisia de sua ‘generosidade’, são sempre os
oprimidos, que eles obviamente jamais chamam de oprimidos, mas, conforme se situem,
interna ou externamente, de ‘essa gente’ ou de ‘essa massa cega e invejosa’, ou de
‘selvagens’, ou de ‘nativos’, ou de ‘subversivos’, são sempre os oprimidos os que desamam.
São sempre eles os ‘violentos’, os ‘bárbaros’, os ‘malvados’, os ‘ferozes’, quando reagem a
violência dos opressores”. (p.48)
“(...) consciente ou inconscientemente, o ato de rebelião dos oprimidos, que é sempre
tão ou quase tão violento quanto a violência que os cria, este ato dos oprimidos, sim, pode
inaugurar o amor.” (p.48)
“(...) Os freios que os antigos oprimidos devem impor aos antigos opressores para que
não voltem a oprimir não são opressão daqueles a estes. A opressão só existe quando se
constitui em um ato proibitivo do ser mais dos homens. Por esta razão, estes freios, que são
necessários, não significam, em si mesmos, que os oprimidos de ontem se tenham
transformados nos opressores de hoje.
Os oprimidos de ontem, que detêm os antigos opressores na sua ânsia de oprimir,
estarão gerando, com seu ato, liberdade, na medida em que, com ele, evitam a volta do regime
opressor. Um ato que proíbe a restauração deste antigo regime não pode ser comparado com
o que o cria e o mantém; não pode ser comparado com aquele através do qual alguns homens
negam às maiorias o direito de ser.” (p.49)
“Há, por outro lado, em certo momento da experiência existencial dos oprimidos, uma
irresistível atração pelo opressor. Pelos seus padrões de vida. Participar desses padrões
constitui uma incontida aspiração. Na sua alienação querem, a todo custo, parecer com o
opressor. Imitá-lo. Segui-lo. Isto se verifica, sobretudo, nos oprimidos de ‘classe média’, cujo
anseio é serem iguais ao ‘homem ilustre’ da chamada classe ‘superior’.” (p.55)
“(...) para a concepção “bancária” (...) Seu trabalho será, também, o de imitar o mundo.
O de ordenar o que já se faz espontaneamente. O de “encher” os educandos de conteúdos. É o
de fazer depósitos de “comunicados” – falso saber – que ele considera como verdadeiro saber.”
(p.69)
“(...) somente na comunicação tem sentido a vida humana. (...) o pensar do educador
somente ganha autenticidade na autenticidade do pensar dos educandos, mediatizados ambos
pela realidade, portanto, na intercomunicação.” (p.70)
“A educação como prática da dominação, que vem sendo objeto desta critica,
mantendo a ingenuidade dos educandos, o que pretende, em seu marco ideológico, (nem
sempre percebido por muitos dos que a realizam) é indoutriná-los no sentido de sua
acomodação ao mundo da opressão.” (p.73)
“O que nos parece indiscutível é que, se pretendemos a libertação dos homens, não.
podemos começar por aliená-los ou mantê-los alienados. A libertação autêntica, que é a
humanização em processo, não é uma coisa que se deposita nos homens. Não é uma palavra
a mais, oca, mitificante. É práxis, que implica na ação e na reflexão dos homens sobre o mundo
para transformá-lo.” (p.73/74)
“O antagonismo entre as duas concepções, uma, a “bancária”, que serve à dominação;
outra, a problematizadora, que serve à libertação, toma corpo exatamente aí. Enquanto a
primeira, necessariamente, mantém a contradição educador-educandos, a segunda realiza a
superação.” (p.75)
Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si,
mediatizados pelo mundo
“Desta maneira, o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa,
é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa.” (p.75)
“Já agora ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo: os
homens se educam em comunhão, mediatizados pelo mundo.” (p.76)
“(...) a educação problematizadora, de caráter autenticamente reflexivo, implica num
constante ato de desvelamento da realidade (...) busca a emersão das consciências, de que
resulte sua inserção crítica na realidade.” (p.77)
“Quanto mais se problematizam os educandos, como seres no mundo e com o mundo,
tanto mais se sentirão desafiados. Tão mais desafiados, quanto mais obrigados a responder ao
desafio. Desafiados, compreendem o desafio na própria ação de captá-lo. Mas, precisamente
porque captam o desafio como um problema em suas conexões com outros, num plano de
totalidade e não como algo petrificado, a compreensão resultante tende a tornar-se
crescentemente crítica, por isto, cada vez mais desalienada.” (p.77)
“A reflexão que propõe, por ser autêntica, não é sobre este homem abstração nem
sobre este mundo sem homem, mas sobre os homens em suas relações com o mundo.
Relações em que consciência e mundo se dão simultaneamente. Não há uma consciência
antes e um mundo depois e vice-versa.
‘A consciência e o mundo’, diz Sartre, ‘se dão ao mesmo tempo: exterior por essência à
consciência, o mundo é, por essência, relativo a ela’.
Por isto é que, certa vez, num dos ‘círculos de cultura’. do trabalho que se realiza no
Chile, um camponês a quem a concepção bancária classificaria de ‘ignorante absoluto’,
declarou, enquanto discutia, através de uma ‘codificação’, o conceito antropológico de cultura:
‘Descubro agora que não há mundo sem homem’. E quando o educador lhe disse: –
‘Admitamos, absurdamente, que todos os homens do mundo morressem, mas ficasse a terra,
ficassem as árvores, os pássaros, os animais, os rios, o mar, as estrelas, não seria tudo isto
mundo?’.
‘Não! respondeu enfático, faltaria quem dissesse: Isto é mundo’. O camponês quis
dizer, exatamente, que faltaria a consciência do mundo que, necessariamente, implica no
mundo da consciência.” (p.78)
“A educação problematizadora se faz, assim, um esforço permanente através do qual
os homens vão percebendo, criticamente, como estão sendo no mundo com que e em que se
acham.” (p.79)
“(...) a sua forma de atuar, sendo esta ou aquela, é função, em grande parte, de como se
percebam no mundo.” (p.79)
“Não há diálogo, porém, se não há um profundo amor ao mundo e aos homens.” (p.86)
“(...) Onde quer que estejam estes, oprimidos, o ato de amor está em comprometer-se
com sua causa. A causa de sua libertação. Mas, este compromisso, porque é amoroso, é
dialógico.” (p.86)
“Se não amo o mundo, se não amo a vida, se não amo os homens, não me é possível
o diálogo.” (p.87)
“A auto-suficiência é incompatível com o diálogo. Os homens que não têm humildade
ou a perdem, não podem aproximar-se do povo.” (p.87)
“Não há também, diálogo, se não há uma intensa fé nos homens. Fé no seu poder de
fazer e de refazer. De criar e recriar. Fé na sua vocação de ser mais, que não é privilégio de
alguns eleitos, mas direito dos homens.” (p.88)
“Ao fundar-se no amor, na humildade, na fé nos homens, o diálogo se faz uma relação
horizontal, em que a confiança de um pólo no outro é conseqüência óbvia.” (p.88)
“Não existe, tampouco, diálogo sem esperança. A esperança está na própria essência
da imperfeição dos homens, levando-os a uma eterna busca. Uma tal busca, como já vimos,
não se faz no isolamento, mas na comunicação entre os homens (...).” (p.89)
“Finalmente, não há o diálogo verdadeiro se não há nos seus sujeitos um pensar
verdadeiro. Pensar critico. Pensar que, não aceitando a dicotomia mundo-homens, reconhece
entre eles uma inquebrantável solidariedade.” (p.89)
“Daí que, para esta concepção como prática da liberdade, a sua dialogicidade comece,
não quando o educador-educando se encontra com os educandos-educadores em uma
situação pedagógica, mas antes, quando aquele se pergunta em torno do que vai dialogar com
estes. Esta inquietação em torno do conteúdo do diálogo é a inquietação em torno do conteúdo
programático da educação.” (p.90)
“Para o educador-educando, dialógico, problematizador, o conteúdo programático da
educação não é uma doação ou uma imposição – um conjunto de informes a ser depositado
nos educandos, mas a revolução organizada, sistematizada e acrescentada ao povo, daqueles
elementos que este lhe entregou de forma desestruturada.” (p.91)