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Resumo
O presente texto objetiva analisar os múltiplos referenciais abordados por Herbert Marcuse na
composição de seu conceito de liberdade, desde as críticas marxistas a Feuerbach até as
influências da atividade combativa de Rosa Luxemburgo. Em textos como “Novas fontes para
a fundamentação do materialismo histórico”, de 1932, e “Obsolescência do marxismo”, de
1966, há uma fundamentação do materialismo histórico e uma crítica ao modo como este foi
utilizado para embasar o regime soviético. Marcuse identifica o socialismo soviético e o
imperialismo norte-americano como opressivos, chegando a formular, em “Un ensayo sobre
la liberación”, de 1969, um conceito de libertação, tomado como alternativa ao socialismo
ortodoxo vigente em sua época e o modo de vida do capitalismo afluente. Não se pretende
uma abordagem exegética dos textos, mas um desenvolvimento da evolução dialética do
conceito abordado. Por fim, o presente texto deixa subsídios para a compreensão da libertação
como ação revolucionária capaz de subverter os mecanismos econômicos e políticos
opressores, ao aliar reflexões sobre o que é ser livre (o exercício propriamente filosófico de
uma ontologia do ser livre) e uma atividade de recusa e combate às instâncias responsáveis
por operacionalizar a opressão em diversas situações.
1 Introdução
1
Estudante do curso de Filosofia da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
2
As Ocupações, a Primavera Árabe, as revoltas no contexto da crise europeia em países como a Grécia, as ações
de ONGs ecológicas e, recentemente, as manifestações de junho de 2013, no Brasil.
2
economia, ele vai tratar da história do homem e de sua realidade, algo que não é apenas a
história econômica.
Na sociedade capitalista, a produção transforma tanto os recursos naturais quanto as
manifestações culturais em coisas que devem funcionar pelas leis do mercado. O homem e os
produtos do seu trabalho são convertidos em objetos palpáveis, desejáveis e compráveis. As
exigências do mercado são transformadas em exigências do homem enquanto ser cultural.
No entanto, a alienação é uma situação histórica específica do trabalhador capitalista e,
enquanto histórica, é passível a alteração. Isso precisa ser bem salientado para que não se
reduza o homem ao trabalhador e, assim, ao trabalhador explorado – compreensão que passa,
nos manuscritos de Marx, por uma conceituação do trabalho no âmbito da ontologia.
A economia política clássica só percebe o trabalho enquanto alienação e produção de
capital. Para se contrapor a isso, Marx e seu materialismo irão se reportar à discussão de
Hegel a respeito da objetivação, propondo um conceito de trabalho enquanto realização das
potencialidades do humano (o momento em que a subjetividade se encontra com o mundo
objetivo, para criar a si mesmo e o mundo como um todo mais livre).
A definição de objetivação que temos nos manuscritos se refere ao processo de
produção de si através do trabalho, do qual cada homem assim se apodera do mundo, da
natureza e de sua própria natureza. Trabalho é atividade criadora, não mera reprodução de
padrões externos. Ação sempre em função das necessidades de tornar-se livre, sendo uma
condição para a libertação, que se daria no âmbito da passagem do capitalismo para o
socialismo. Cabe, portanto, analisar as possibilidades dessa passagem e como ela se efetivou
historicamente.
criados para fazer com os trabalhadores fossem afastados desse protagonismo. Em primeiro
lugar, as classes trabalhadoras foram engajadas no processo de desperdício lucrativo que os
faz usufruir do fetiche criado por uma instância que só aparentemente está fora dele: a ciência
e a tecnologia. Marcuse (1972a, p. 195) salienta: “Grandes quantidades de mercadorias não
seriam adquiridas sem a sistemática e científica manipulação das necessidades e sem a
estimulação científica da demanda.”
Em “Reforma ou revolução”, Rosa Luxemburgo (1900) reflete, dentre outras coisas,
sobre os mecanismos de adaptação do capitalismo (o crédito, os meios de informação e os
monopólios). Marcuse não trata desses pontos, mas fala da relação entre socialismo e o poder
de adaptação do capitalismo.
Nesse contexto, o que seriam forças negativas internas ao processo destrutivo do
capitalismo se tornam forças de coesão e manutenção. Esse controle de que fala o autor, cabe
destacar, não atinge somente a superfície da subjetividade do trabalhador, sua consciência de
estar sendo explorado. A ciência e a técnica, num sentido amplo, desenvolvem no trabalhador
demandas que ele não pode superar apenas conscientemente. A satisfação encobre a
exploração, porém não diminui (nem quantitativamente) a perda de vidas no processo de
produção, apenas transfere a visibilidade dessa perda para outros locais.
Essa situação, como afirma Marcuse (1972a), faz com que se torne problemática a
clássica teoria marxista da passagem do capitalismo ao socialismo. Isso porque em sua leitura
dos Grundrisse (1857), aparece que a dissolução do valor de troca e sua substituição pelo
valor de uso estaria diretamente condicionado à liberação das forças produtivas através do
crescente desenvolvimento técnico-científico.
Nesse ponto, Marx vislumbra a possibilidade de através da substituição do tempo de
trabalho imediato pelo tempo de trabalho criativo. O segundo se referindo aos conhecimentos
adquiridos em vista a um controle da natureza que acarrete não um maior lucro, mas um
melhor funcionamento da sociedade. Uma transferência do trabalho laborioso (imediato) do
homem para o trabalho das máquinas faria a riqueza ser progressivamente medida não em
tempo de trabalho humano, mas de capacidade do maquinário. Essa modificação acarretaria
uma ruptura na relação entre valor de troca como medida do valor de uso. Ou seja, “O sobre-
trabalho da massa (da população) cessará de ser a condição para o desenvolvimento da
riqueza social, e a situação privilegiada de alguns deixará de ser a condição para o
desenvolvimento das faculdades intelectuais.” (MARX, 1953 apud. MARCUSE, 1972a, p.
197).
Porém, segundo Marcuse (1972a, p. 198): “Os resultados técnicos do capitalismo
tornaram possível um desenvolvimento que supera a distinção marxista entre trabalho
socialmente necessário e a atividade criadora, entre o reino da necessidade e o da liberdade.”
A “sociedade do bem-estar” que se espalhou pelo mundo acabou por desenvolver
sobremaneira as forças produtivas através da ciência e da tecnologia. Fez isso, porém, sem
uma mudança qualitativa na dinâmica da exploração. O trabalhador, aqui tomado como
aquele que através do trabalho realiza sua subjetividade no mundo objetivo, está engajado no
desperdício e no luxo. Mergulhado no fetiche da mercadoria potencializado pela ciência e
pela técnica, afetado em níveis subjetivos aos quais ele não tem acesso direto (inconsciente),
ele não tem sequer o direito de opinar a respeito das decisões objetivas do governo e do
mercado.
Nos países desenvolvidos essa “sociedade do bem-estar” se tornou um modelo. Ora, os
trabalhadores agora são muito importantes. Não mais operários brutos dos primórdios, mas
consumidores livres que devem ser ouvidos sobre a parcela de desperdício e satisfação que
lhes deve ser destinada, proporcional à exploração. Opressão paga com mais opressão?
Nos países economicamente atrasados existiam, segundo Marcuse (1972a), à época do
texto, três condições primárias para o desenvolvimento do socialismo: 1) nesses países, os que
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4 Considerações finais
Referências
______. Razão e revolução: Hegel e o Advento da Teoria Social. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1978.
MARX, K.; ENGELS, F.. A Ideologia alemã I. Tradução Conceição Jardim e Eduardo Lúcio
Nogueira. Lisboa: Presença; Brasil: Martins Fontes, 1974.