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O CONCEITO DE LIBERDADE EM HERBERT MARCUSE FRENTE

AO MUNDO SOCIALISTA DE 1960-70: DAS CRÍTICAS MARXISTAS À


FEUERBACH ÀS INFLUÊNCIAS DE ROSA LUXEMBURGO
Ricardo da Silva Pedrosa1
Universidade Estadual do Ceará (UECE)
GT 5 – Socialismo no século XXI

Resumo

O presente texto objetiva analisar os múltiplos referenciais abordados por Herbert Marcuse na
composição de seu conceito de liberdade, desde as críticas marxistas a Feuerbach até as
influências da atividade combativa de Rosa Luxemburgo. Em textos como “Novas fontes para
a fundamentação do materialismo histórico”, de 1932, e “Obsolescência do marxismo”, de
1966, há uma fundamentação do materialismo histórico e uma crítica ao modo como este foi
utilizado para embasar o regime soviético. Marcuse identifica o socialismo soviético e o
imperialismo norte-americano como opressivos, chegando a formular, em “Un ensayo sobre
la liberación”, de 1969, um conceito de libertação, tomado como alternativa ao socialismo
ortodoxo vigente em sua época e o modo de vida do capitalismo afluente. Não se pretende
uma abordagem exegética dos textos, mas um desenvolvimento da evolução dialética do
conceito abordado. Por fim, o presente texto deixa subsídios para a compreensão da libertação
como ação revolucionária capaz de subverter os mecanismos econômicos e políticos
opressores, ao aliar reflexões sobre o que é ser livre (o exercício propriamente filosófico de
uma ontologia do ser livre) e uma atividade de recusa e combate às instâncias responsáveis
por operacionalizar a opressão em diversas situações.

Palavras-chave: Materialismo. Liberdade. Revolução.

1 Introdução

Em meio às agitações e levantes estudantis do chamado “Maio de 68” encontramos


um Herbert Marcuse, cujos escritos correspondiam, no âmbito do pensamento e da ação
revolucionária, às inquietações dos jovens e dos grupos minoritários que lutavam pela
libertação. Era a busca por uma liberdade mais real, vista como liberação da sexualidade e da
sensibilidade, bem como da ação política, artística e, por que não dizer, filosófica. Assim,
procuramos desenvolver a evolução dialética do conceito abordado, tendo em vista sua
disseminação no contexto social da época (anos 60 e 70).
Esse contexto se assemelha e se diferencia tanto do contexto atual que caberá à
reflexão filosófica subsidiar a compreensão do encadeamento histórico das necessidades de
revolução que, de uma forma ou de outra, subsidiam os movimentos pelo mundo2. Em vista
de tão fortes mecanismos de opressão, um passo nessa compreensão seria, a partir da ótica
marcuseana, tentar responder a pergunta: como converter a liberdade que sonhamos (utopia)
em um processo de libertação efetivo?

1
Estudante do curso de Filosofia da Universidade Estadual do Ceará (UECE).
2
As Ocupações, a Primavera Árabe, as revoltas no contexto da crise europeia em países como a Grécia, as ações
de ONGs ecológicas e, recentemente, as manifestações de junho de 2013, no Brasil.
2

2 Primeiras aproximações à crítica marxista a Feuerbach: humanismo, materialismo


e/ou liberdade?

Segundo Marcuse (1972b) os manuscritos de Marx elucidam o que ficou velado no


posterior desenvolvimento do materialismo histórico, a saber, as influências de Hegel e
Feuerbach no pensamento de Marx. Nesse sentido, trazem à tona o que antes só se percebia
com dificuldade: como a política e a economia podem ser fundamentadas em “[...] uma
interpretação filosófica bem determinada da essência humana e de sua concretização histórica
[...]” (MARCUSE, 1972b, p. 11).
Encontramos aí um Marx preocupado não apenas com a construção das bases para
uma revolução comunista, mas também com a fundamentação positiva da economia política.
Ou seja, ao mesmo tempo em que suas argumentações evidenciam as contradições de uma
ciência que alicerçou enorme quantidade de abusos históricos, também se preocupa em
transformar a economia política, em dar uma fundamentação objetiva a essa ciência.
Para Marcuse (1972b), o materialismo histórico é uma crítica ao modo de ser da
economia política e só pode ser caracterizada como tal, graças aos constantes e profundos
emergires do pensamento hegeliano (e não dos jovens hegelianos). Assim, começa sua
exposição, afirmando que Feuerbach procura retirar tudo aquilo que, no pensamento do
mestre de Gena se afasta da realidade humana e da organização publicamente afirmada pelo
consenso.
Nesse sentido, Feuerbach se propõe a negar o “idealismo padrão” de Hegel. Este,
ainda que tenha determinado em seu sistema as leis que regiam o modo estabelecido de vida
em seu tempo, revelando a origem e o decurso histórico do homem em sua estruturação da
sociedade a partir da consciência de si, não consegue criticar aquela situação, postulando-a
finalmente como a única possível. O estágio mais elevado de vida seria a vida burguesa e o
estado burguês em ascensão.
Hegel teria feito isso, pois relegava a capacidade do ser humano de libertar-se (num
sentido amplo) à esfera única do pensamento puro. Mas, como afirma Feuerbach, o
pensamento também é uma construção material e não está separada de uma análise genética
de seu aparecimento psicológico nos grupos humanos. Hegel teria se recusado a fazer essa
análise, sendo necessária a formulação de um humanismo capaz de responder aos anseios de
liberdade do homem. A antropologia feuerbachiana converte o pensar numa faculdade do
homem em seu confronto com a existência material, sendo a natureza anterior à capacidade
humana de pensá-la.
A natureza digna de análise, ou seja, o ser anterior ao pensar, não é qualquer natureza,
pois só pode sê-la de fato como conteúdo humano. Feuerbach, em seu materialismo, toma um
homem consciente de sua materialidade: ele a contempla e, ao fazer isso, estaria em processo
de libertação. Como pode o homem ser livre já em seu estado de natureza? Segundo Marcuse
(1972b, p. 250), eis a preocupação de Feuerbach que, na tentativa da resposta:
[...] introduz a natureza como a base e o instrumento de libertação da
humanidade [...]. O eu é moldado e determinado de fora pela natureza, que o
torna essencialmente passivo. O processo de libertação não pode eliminar
esta passividade, mas pode transformá-la, de uma fonte de privação e dor,
em uma fonte de abundância e prazer.
Enquanto ser social, o homem não se afastaria de si em direção ao gênero, mas em
direção de sua situação existente e da forma como a natureza o obriga a ser. O que ele faz é se
constituir em função da concretude de seu sofrimento, um sofrer que é definido por Feuerbach
como “sensibilidade”.
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Não se pode edificar a liberdade e a razão a partir de uma realidade social de


exploração. Essa é uma posição comum a Feuerbach e Marx. A liberdade não pode ser um
princípio ontológico se a escravidão e a miséria são tão flagrantes. Assim, a história por si não
garante a libertação, pois apenas expressa o encadeamento do sofrimento e a razão não pode
se realizar de forma alguma nesse contexto.
Ambos, Feuerbach e Marx, respondem a essa problemática inerente à filosofia de
Hegel. Primeiro, tentando afastar totalmente o homem de uma suposta necessidade (ilusória)
por constituir a realidade a partir de conteúdo abstrato e ideal. Em Marx, chegar à verdade
objetiva não é função da contemplação e da postura filosófica (esta, em Feuerbach, ainda é
apenas teoria, pois postula um homem passivo frente à história), mas é atividade prática. Ou
seja, pensar se torna atividade prática em si mesma e não um simples contraposto à prática.
Para Marx, a processualidade histórica não é regida por leis de causalidade e
determinismo, mas é a construção concreta da vida de cada homem, sobre a qual se debruçam
alguns desses homens para entender como ocorreu a construção prática de suas vidas e que
fatores têm se repetido ao ponto de gerar UM determinismo e UMA causalidade.
Entendimento que só faz sentido enquanto comprometimento com a mudança direcionada á
liberdade (revolução). Uma revolução feita por todos aqueles que, apercebidos daquelas leis,
desejam e necessitam mudar as condições materiais de sua existência e, assim, de seu ser
homem. Para Marx e Engels (1974, p. 30):
[...] o mundo sensível em seu redor não é objeto dado directamente para toda
a eternidade, e sempre igual a si mesmo, mas antes o produto da indústria e
do estado da sociedade, isto é, um produto histórico, o resultado da atividade
de toda uma série de gerações cada uma das quais ultrapassa a precedente,
aperfeiçoando a sua indústria e o seu comércio, e modifica o seu regime
social em função da modificação das necessidades.
A exemplo disso, podemos dizer que uma luta contra a propriedade privada só faz
sentido se não for uma imposição ao homem, sendo percebida historicamente enquanto
necessidade de efetivação das potencialidades dos homens.
A teoria de uma práxis revolucionária tem a função de perceber que o homem
produziu sua alienação na alienação do outro e em vistas a se apropriar do poder de criar
realidade humana. Porém, o fez para superar essa mesma alienação e melhorar
qualitativamente sua força produtiva. Ou seja, a alienação passa de necessidade à
contingência histórica contra a qual se pode e se deve lutar.
O deslocamento feito por Marx, de uma economia política enquanto a fundamentação
científica da alienação do homem para uma ciência das formas de objetivação do homem e
das determinações de sua essência é o centro das suas preocupações nos manuscritos. Aquela
distorção clássica do homem em mercadoria, definida como necessária e único fim do homem
trabalhador, será criticada em termos de um olhar dialético sobre a relação entre a
objetividade e a subjetividade.
A transformação do homem e de seu trabalho efetivo em mercadoria é a abstração de
seu estar sendo humano, sendo artificial e só conseguida através da alienação. Marx, nos
manuscritos, irá se posicionar a respeito de uma alienação muito mais fundamental, uma
alienação do trabalho que se estende a uma alienação da vida e do próprio homem, o que leva
Marcuse a concluir que o materialismo histórico, em sua gênese e nos manuscritos, trata não
só do trabalhador, sujeito economicamente inserido na história, mas trata do homem enquanto
construtor de si mesmo e de sua vida.
Não se pode reduzir a vida à atividade econômica, importando estudar o lugar dessa
atividade num todo maior e descortinando as relações econômicas que expressam uma
realidade maior na qual o homem se coloca inteiro no trabalho de produção da vida humana.
Isso corrobora com a tese inicial de que Marx não se afasta da filosofia em direção à
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economia, ele vai tratar da história do homem e de sua realidade, algo que não é apenas a
história econômica.
Na sociedade capitalista, a produção transforma tanto os recursos naturais quanto as
manifestações culturais em coisas que devem funcionar pelas leis do mercado. O homem e os
produtos do seu trabalho são convertidos em objetos palpáveis, desejáveis e compráveis. As
exigências do mercado são transformadas em exigências do homem enquanto ser cultural.
No entanto, a alienação é uma situação histórica específica do trabalhador capitalista e,
enquanto histórica, é passível a alteração. Isso precisa ser bem salientado para que não se
reduza o homem ao trabalhador e, assim, ao trabalhador explorado – compreensão que passa,
nos manuscritos de Marx, por uma conceituação do trabalho no âmbito da ontologia.
A economia política clássica só percebe o trabalho enquanto alienação e produção de
capital. Para se contrapor a isso, Marx e seu materialismo irão se reportar à discussão de
Hegel a respeito da objetivação, propondo um conceito de trabalho enquanto realização das
potencialidades do humano (o momento em que a subjetividade se encontra com o mundo
objetivo, para criar a si mesmo e o mundo como um todo mais livre).
A definição de objetivação que temos nos manuscritos se refere ao processo de
produção de si através do trabalho, do qual cada homem assim se apodera do mundo, da
natureza e de sua própria natureza. Trabalho é atividade criadora, não mera reprodução de
padrões externos. Ação sempre em função das necessidades de tornar-se livre, sendo uma
condição para a libertação, que se daria no âmbito da passagem do capitalismo para o
socialismo. Cabe, portanto, analisar as possibilidades dessa passagem e como ela se efetivou
historicamente.

3 Formulações de Marcuse sobre a liberação: o horizonte revolucionário de Rosa


Luxemburgo(?)

Outra interpretação marcuseana do marxismo aparece já posterior ao seu afastamento


e reaproximação deste, visto que a morte de Rosa Luxemburgo, em 1919, e a derrota do
spartaquismo acabou levando-o aos estudos com Heidegger: “E no interior dessa derrota,
Rosa Luxemburgo constituía, sem dúvida, a figura símbolo [...].” (LOUREIRO, 2004, p. 42).
Porém, em vista ao contexto alemão da Segunda Guerra, o frankfurteano se refugiaria nos
Estados Unidos e retomaria suas reflexões sobre Marx, agora subsidiado mais profundamente
pela fundamentação hegeliana e pela perspectiva dos movimentos estudantis e de libertação
nacional.
Em seu texto “Obsolescência do marxismo”, de 1966, Marcuse começa afirmando que
não separa o pensamento de Marx e Engels das teorias marxistas posteriores e afirma: “[...]
considero as teorias sobre o imperialismo de Rosa Luxemburgo, Hilferding e Lênin, por
exemplo, como autênticos desenvolvimentos da teoria marxista original.” (MARCUSE,
1972a, p. 193).
Nesse sentido, as noções marxistas convalidam o decurso histórico do capitalismo ao
demonstrarem que o valor das mercadorias é estabelecido pelo valor de troca, sendo este
controlado menos pelas necessidades reais que por ilusões criadas pelo mercado. Sustentam-
se, dessa forma, contradições através do luxo, do desperdício e da destruição das forças
produtivas. Um crescente aumento da produtividade e da riqueza sem elevação da qualidade
de vida dos trabalhadores. Tal percurso vai desde a produção sempre crescente de
armamentos, passa pelo acúmulo e concentração de riquezas numa expansão imperialista e
acaba por desencadear as guerras.
A produtividade e a riqueza são utilizadas como instrumentos de repressão e
empobrecimento das classes trabalhadoras e, justamente por isso, essas classes deveriam ser
protagonistas da subversão da lógica capitalista. Porém, uma série de mecanismos foram
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criados para fazer com os trabalhadores fossem afastados desse protagonismo. Em primeiro
lugar, as classes trabalhadoras foram engajadas no processo de desperdício lucrativo que os
faz usufruir do fetiche criado por uma instância que só aparentemente está fora dele: a ciência
e a tecnologia. Marcuse (1972a, p. 195) salienta: “Grandes quantidades de mercadorias não
seriam adquiridas sem a sistemática e científica manipulação das necessidades e sem a
estimulação científica da demanda.”
Em “Reforma ou revolução”, Rosa Luxemburgo (1900) reflete, dentre outras coisas,
sobre os mecanismos de adaptação do capitalismo (o crédito, os meios de informação e os
monopólios). Marcuse não trata desses pontos, mas fala da relação entre socialismo e o poder
de adaptação do capitalismo.
Nesse contexto, o que seriam forças negativas internas ao processo destrutivo do
capitalismo se tornam forças de coesão e manutenção. Esse controle de que fala o autor, cabe
destacar, não atinge somente a superfície da subjetividade do trabalhador, sua consciência de
estar sendo explorado. A ciência e a técnica, num sentido amplo, desenvolvem no trabalhador
demandas que ele não pode superar apenas conscientemente. A satisfação encobre a
exploração, porém não diminui (nem quantitativamente) a perda de vidas no processo de
produção, apenas transfere a visibilidade dessa perda para outros locais.
Essa situação, como afirma Marcuse (1972a), faz com que se torne problemática a
clássica teoria marxista da passagem do capitalismo ao socialismo. Isso porque em sua leitura
dos Grundrisse (1857), aparece que a dissolução do valor de troca e sua substituição pelo
valor de uso estaria diretamente condicionado à liberação das forças produtivas através do
crescente desenvolvimento técnico-científico.
Nesse ponto, Marx vislumbra a possibilidade de através da substituição do tempo de
trabalho imediato pelo tempo de trabalho criativo. O segundo se referindo aos conhecimentos
adquiridos em vista a um controle da natureza que acarrete não um maior lucro, mas um
melhor funcionamento da sociedade. Uma transferência do trabalho laborioso (imediato) do
homem para o trabalho das máquinas faria a riqueza ser progressivamente medida não em
tempo de trabalho humano, mas de capacidade do maquinário. Essa modificação acarretaria
uma ruptura na relação entre valor de troca como medida do valor de uso. Ou seja, “O sobre-
trabalho da massa (da população) cessará de ser a condição para o desenvolvimento da
riqueza social, e a situação privilegiada de alguns deixará de ser a condição para o
desenvolvimento das faculdades intelectuais.” (MARX, 1953 apud. MARCUSE, 1972a, p.
197).
Porém, segundo Marcuse (1972a, p. 198): “Os resultados técnicos do capitalismo
tornaram possível um desenvolvimento que supera a distinção marxista entre trabalho
socialmente necessário e a atividade criadora, entre o reino da necessidade e o da liberdade.”
A “sociedade do bem-estar” que se espalhou pelo mundo acabou por desenvolver
sobremaneira as forças produtivas através da ciência e da tecnologia. Fez isso, porém, sem
uma mudança qualitativa na dinâmica da exploração. O trabalhador, aqui tomado como
aquele que através do trabalho realiza sua subjetividade no mundo objetivo, está engajado no
desperdício e no luxo. Mergulhado no fetiche da mercadoria potencializado pela ciência e
pela técnica, afetado em níveis subjetivos aos quais ele não tem acesso direto (inconsciente),
ele não tem sequer o direito de opinar a respeito das decisões objetivas do governo e do
mercado.
Nos países desenvolvidos essa “sociedade do bem-estar” se tornou um modelo. Ora, os
trabalhadores agora são muito importantes. Não mais operários brutos dos primórdios, mas
consumidores livres que devem ser ouvidos sobre a parcela de desperdício e satisfação que
lhes deve ser destinada, proporcional à exploração. Opressão paga com mais opressão?
Nos países economicamente atrasados existiam, segundo Marcuse (1972a), à época do
texto, três condições primárias para o desenvolvimento do socialismo: 1) nesses países, os que
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exercem o trabalho imediato vivem em condições de miséria alarmante, a exploração é ainda


mais sentida no corpo; 2) as classes dirigentes locais precisam recorrer à interferência
estrangeira, numa dominação consentida, para que o sistema de produção funcione; e 3)
haveria lideranças engajadas na organização da população mais empobrecida, principalmente
o proletariado agrário e não industrial. As bases para uma revolução, segundo Marx.
Como explica Marcuse (1972a, p. 201-202):
[...] a sociedade do bem-estar reforça, ao invés de eliminar, as contradições
internas que Marx atribuía ao desenvolvimento capitalista. É verdade que
essas contradições (que sublinhei inicialmente) são adiadas e controladas,
mas elas não são resolvidas pelo estado do bem-estar ou estado militarista
[...] no interior do sistema da prosperidade repressiva, tem lugar uma notável
radicalização dos jovens e da intelectualidade. Isso nada tem a ver com um
fenômeno ideológico; trata-se de um movimento que, malgrado todas as suas
limitações, tende para uma fundamental transmutação dos valores. Faz parte
das forças humanas ou sociais que, numa escala global, resistem ao poder
opressivo da sociedade.
O potencial de libertação é deslocado, portanto, para o movimento de libertação
nacional, bem como para os movimentos estudantis e não para o âmbito das propostas
socialistas em voga na época. É importante salientar esse ponto, pois em sua obra “Un ensayo
sobre la liberación”, de 1969, encontramos a proposta de libertação como um “[...]
rompimento histórico com el passado y el presente.” (MARCUSE, 1969, p. 8).
Para Marcuse esses jovens militantes saberiam ou pressentiriam que o que está em
jogo na luta pela liberdade são suas vidas e a de todos os seres humanos que estão sendo
convertidos em objeto de diversão nas mãos dos políticos, administradores e generais. A
liberdade se torna libertação e, de alguma forma, dá subsídios para se pensar em bases
biológicas para o socialismo, ou seja, um socialismo que não atenda aos conceitos ou à
burocracia, mas diretamente às necessidades desiderativas das pessoas. Aqui, o lugar do
pensamento marxista se modifica, pois de acordo com Marcuse (1969, p. 13):
Marx e Engels se abstiveram de elaborar conceitos concretos sobre as
possíveis formas de liberdade em uma sociedade socialista, hoje, tal
abstenção já não parece se justificar. O crescimento das formas produtivas
sugere possibilidades de liberdade humana muito diferentes e mais além
daquelas previstas anteriormente.
Na sociedade contemporânea ao autor frankfurteano, mas também hoje, um dos
instrumentos de repressão é a liberação, inclusive sexual. Uma forma de liberação que
mascara, na satisfação imediata, o desejo de ser livre e de poder livremente desenvolver sua
subjetividade (e sua sexualidade).
A revolta instintiva acontece na percepção de que o mundo capitalista impõe aos
sujeitos a compra de uma parte essencial de sua existência no mercado, visto que a perda
dessa parte de si mesmo se identifica, dentre outras coisas, com a um estado de mendicância,
somado à perda de consciência, perda de um lugar de sujeito no mundo, a face mais grave da
exclusão social, sendo a própria loucura como quadro patológico.
A liberdade, por outro lado, não pode excluir os avanços tecnológicos e científicos,
mas pode exigir que esses avanços não sirvam à lógica da manutenção da exploração. A que
lógica devem servir, então? A uma lógica mais afeita a uma “nova sensibilidade”, a lógica da
realização dos instintos vitais do homem.
Nesse ponto, Marcuse articula a compreensão kantiana de uma dimensão estética
como a compreensão do aparecimento do objeto em suas formas materiais e uma visão
nietzschiana do belo como “espelho do lógico, o desejo, as leis da lógica como leis do Belo.”
(NIETZSCHE, 1921 apud. MARCUSE, 1969, p. 33). Portanto, a liberdade em Marcuse se
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desenvolve no processo de libertação que faz interferir mutuamente as dimensões instintiva


(biológica), econômica, política e estética do homem, sempre em função de um
“direcionamento” que ajusta cada uma dessas dimensões e as interconecta em vista à
liberdade como única forma aceitável de se viver.

4 Considerações finais

Na atualidade, o materialismo histórico de Marx e seus continuadores representa um


conjunto de perspectivas teórico-prático-revolucionárias que precisam ser ressignificadas à
luz do desenvolvimento da sociedade industrial afluente. Para o autor de Frankfurt, elucidar o
conteúdo do materialismo histórico significa perceber que as potencialidades de efetivar
liberdade a partir de uma práxis revolucionária verdadeiramente combativa só é possível
tendo como base uma análise filosófica (dialética) da situação histórica na qual as forças
antagônicas se chocam, em vistas a uma melhoria qualitativa da situação econômica e política
dos agrupamentos humanos envolvidos na querela (luta de classes).

Referências

LOUREIRO, M. I. Rosa Luxemburgo: os dilemas da ação revolucionária. São Paulo:


Editora UNESP, 2004.

LUXEMBURGO, R. Reforma ou revolução. 1900. Disponível em:


<http://www.marxists.org>. Acesso em: 16 set. 2013.

MARCUSE, H. A obsolescência do marxismo. In: MARCUSE, H. et al. Opções da


esquerda. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1972a.

______. Novas fontes para a fundamentação do materialismo histórico. In: MARCUSE, H.


Ideias para uma teoria crítica da sociedade. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1972b.

______. Un ensayo sobre la liberación. México: Editorial Joaquim Mortiz, 1969.

______. Razão e revolução: Hegel e o Advento da Teoria Social. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1978.

MARX, K.; ENGELS, F.. A Ideologia alemã I. Tradução Conceição Jardim e Eduardo Lúcio
Nogueira. Lisboa: Presença; Brasil: Martins Fontes, 1974.

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