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Freire, Paulo Pedagogia do Oprimido, 17° ed.

Rio de Janeiro: Paz e terra, 1987

Prefácio de Ernani Maria Fiori: o professor tece apontamentos gerais sobre a obra de
Freire. Optei por pormenorizar os conceitos aqui citados a partir de meu entendimento sobre
cada capítulo. Porem, destaco uma passagem que em minha concepção sintetiza o método
desenvolvido por Freire que neste livro apresentado:

“Tudo foi resumido por uma mulher simples do povo, num círculo de cultura,
diante de uma situação representada em quadro: “Gosto de discutir sobre isto porque vivo
assim. Enquanto vivo, porém, não vejo. Agora sim, observo como vivo”.” P.9 do pdf

Primeiras Palavras: Se pauta muito mais no exemplo prático da aplicação do método,


um relado de experiências vividas tanto no Brasil quanto nos anos de exilio. Reflexões estas
que dialogam com os conceitos que serão apresentados no decorrer do livro, sobretudo o
“perigo da liberdade” sobre o qual versa o capítulo um do livro.

Capítulo 1

Justificativa da «pedagogia do oprimido»

O livro pontua mais profundamente pontos antes abordados no livro Educação como
Pratica da Liberdade acrescentando novas nuances a discussão. Os homens pouco sabem de si
e essa máxima gera sua enorme inquietação por saber mais sobre seu lugar no mundo,
deslocam-se para o centro dessa problemática e suas questões os levam sempre a outras.
Constatar essa inquietude desvela o grave problema da desumanização enquanto uma
realidade histórica.

“Humanização e desumanização, dentro da história, num contexto real, concreto,


objetivo, são possibilidades dos homens como seres inconclusos e conscientes de sua
inconclusão. Mas, se ambas são possibilidades, só a primeira nos parece ser o que
chamamos de vocação dos homens. Vocação negada, mas também afirmada na própria
negação. Vocação negada na injustiça, na exploração, na opressão, na violência dos
opressores. Mas afirmada no anseio de liberdade, de justiça, de luta dos oprimidos, pela
recuperação de sua humanidade roubada.” P. 19

A desumanização é “distorção possível na história, mas não vocação histórica” é


resultado da ação violenta dos opressores sobre os oprimidos.

A CONTRADIÇÃO OPRESSORES-OPRIMIDOS SUA SUPERAÇÃO

A violência a que estão submetidos os oprimidos não os torna ‘menos’, pois ao serem
dados como menos esses, cedo ou tarde, são levados a lutar contra quem os fez menos “e esta
luta somente tem sentido quando os oprimidos, ao buscar recuperar sua humanidade,
que é uma forma de criá-la, não se sentem idealistamente opressores, nem se tornam, de
fato, opressores dos opressores, mas restauradores da humanidade em ambos.” p. 20 Nesse
sentido, Freire pontua a restauração da humanidade de ambos como sendo a grande tarefa
humanista e histórica dos oprimidos. Essa libertação, só será alcançada pela práxis da busca,
pelo reconhecimento e conhecimento do quão necessário é lutar por ela.

“Os opressores, violentando e proibindo que os outros sejam, não podem


igualmente ser; os oprimidos, lutando por ser, ao retirar-lhes o poder de oprimir e de
esmagar, lhes restauram a humanidade que haviam perdido no uso da opressão.” P.28

A preocupação desse trabalho é apresentar uma pedagogia do oprimido feita com ele e
não para ele, mecanismo esse que o conduzira a libertação. A problemática central esta
porem, no fato de que enquanto os homens não tomarem consciência de que são hospedeiros
do poder opressor a libertação não se efetivará. A descoberta critica do oprimido enquanto
oprimido e opressor enquanto opressor pelo oprimido é a chave para a efetivação da
humanização que prega esta pedagogia. No entanto, como estes se formam na existência,
situação concreta onde o seu conhecimento do que é ser oprimido esta em acordo à sua
imersão na realidade opressora, é decorrente que em um primeiro momento após essa
descoberta o oprimido se torne um subopressor, pois sua aderência ao opressor não possibilita
que este se enxergue enquanto classe oprimida, é esse o seu testemunho de humanidade.
“Desta forma, por exemplo, querem a reforma agrária, não para libertar-se, mas para
passar a ter terra e, com esta, tornar-se proprietários ou, mais precisamente, patrões de
novos empregados.” P.21

O medo da liberdade situa-se no fato de que sendo a prescrição elemento básico de


mediação entre opressores e oprimidos, ou seja, os primeiros prescrevem modos de agir que
os segundos seguem sem contestar transformando a consciência destes em hospedeira da
consciência opressora. Uma vez que a liberdade põe por terra tal prescrição, aqueles que
anteriormente foram hospedeiros devem agora preencher esta lacuna com as suas explicações
de mundo, autonomamente constituídas. A liberdade e ponto indispensável na busca do
homem enquanto ser inconcluso, não esta dada, é algo pelo qual se deve lutar, “dai, a
necessidade que se impõe de superar a situação opressora. Isto implica no reconhecimento
crítico, na “razão” desta situação, para que, através de uma ação transformadora que
incida sobre ela, se instaure uma outra, que possibilite aquela busca do ser mais.” P.22

“Os oprimidos, contudo, acomodados e adaptados, “imersos” na própria


engrenagem da estrutura dominadora, temem a liberdade, enquanto não se sentem capaz es
de correr o risco de assumi-la. E a temem, também, na medida em que, lutar por ela,
significa uma ameaça, não só aos que a usam para oprimir, como seus “proprietários”
exclusivos, mas aos companheiros oprimidos, que se assustam com maiores repressões.

Quando descobrem em si o anseio por libertar-se, percebem que este anseio


somente se faz concretude na concretude de outros anseios.” P22

A superação desse ponto não poderá se dar em termos idealistas, embora subjetividade
seja fundamental para modificar as estruturas, mas sim práticos, a realidade concreta dos
oprimidos tem de deixar de ser um mundo fechado ao qual estão presos, fator que que leva a
temer a liberdade, mas sim encarada enquanto uma condição passageira, que por hora os
limita mas que eles podem modificar “é fundamental, então, que, ao reconhecerem o
limite que a realidade opressora lhes impõe, tenham, neste reconhecimento, o motor de
sua ação libertadora.” P.23 Assim, subjetividade e objetividade se colocam em constante
dialética no curso dessa mudança.

Opressão é uma realidade domesticadora e a práxis é reflexão e ação diante desta


realidade, objetivando modifica-la libertando tanto opressores quanto oprimidos. “Por isto,
inserção crítica e ação já são a mesma coisa. Por isto também é que o mero
reconhecimento de uma realidade que não leve a esta inserção critica (ação já) não
conduz a nenhuma transformação da realidade objetiva, precisamente porque não é
reconhecimento verdadeiro.” P25

Nesse sentido, a pedagogia do oprimido enquanto instrumento libertador e humanista


pode ser dividida em dois momentos: “O primeiro, em que os oprimidos vão desvelando
o mundo da opressão e vão comprometendo-se na práxis, com a sua transformação; o
segundo, em que, transformada a realidade opressora, esta pedagogia deixa de ser do
oprimido e passa a ser a pedagogia dos homens em processo de permanente libertação.”
P.27 Em ambos se enfrentará culturalmente a cultura da dominação. É importante por isso,
que a luta dos oprimidos se faça no sentido de nascer um homem novo, nem oprimido e
tampouco opressor, mas sim um homem libertando-se, pois, libertar-se é um ato constante de
se humanizar, se fazer e refazer constantemente na práxis.

A SITUAÇÃO CONCRETA DE OPRESSÃO E OS OPRESSORES

Quando a superação da contradição entre ambos se dá em termos autênticos que


desembocam em uma realidade concreta, uma vez libertados os opressores de ontem, diante
dos freios que os oprimidos lhes impõem, os quais nada tem a ver com opressão mas sim com
evitar que esse regime novamente se instaure, sintam-se oprimidos, pois não conseguem ver-
se em libertação. Pois, sua humanização é tida como seu direito natural, já a do outro, que
outrora fora oprimido, é vista por estes enquanto subversão, reside ai a afirmativa de que a
solidariedade que antes demonstravam para com os oprimidos é uma falácia, uma vez que, era
nutrida na injustiça. “É que, para eles, “formados” na experiência de opressores, tudo o
que não seja o seu direito antigo de oprimir, significa opressão a eles.” P. 29

A SITUAÇÃO CONCRETA DE OPRESSÃO E OS OPRIMIDOS

Na dualidade existencial a qual estão imersos os oprimidos, quase sempre não chegam
a localizar o opressor concretamente, pois introjetam seus modos, assim atribuem sua situação
a uma espécie de fatalismo natural ignorando por completo as razoes que geram seu estado de
opressão. Essa ordem invisivel na qual estão imersos, gera frustrações que por muitas vezes
os levam a praticar violências horizontais contra seus companheiros, demonstrando assim,
mais uma vez, a dualidade que os guia pois, agredindo eles agride indiretamente o opressor
hospedado neles. Há ainda no oprimido, em algum momento de sua alienação, uma inegável
atração pelos padrões de vida do opressor que faz com que queiram se parecer a todo custo
com este. Isso se dá, sobretudo, nos oprimidos de “classe média” que almejam se igualar ao
“homem ilustre”. Dentro dessa visão inautêntica sobre si e o mundo a sua volta o oprimido se
resigna assumindo sua sina, sentindo-se enquanto uma “quase coisa” de propriedade do
opressor que dita as regras desse mundo. A autodesvalia é outro aspecto que merece destaque,
pois de tanto ouvir a forma que os opressores os vem os oprimidos passam a crer que de fato
são incapazes. Essa característica no entanto, passa a sofrer alterações conforme se modifica a
situação opressora ruma a libertação:

“Escutamos, certa vez , um líder camponês dizer, em reunião, numa das


unidades de produção (asentamiento) da experiência chilena de reforma agrária: “Diz
iam de nós que não produz íamos porque éramos borrachos, preguiçosos. Tudo mentira.
Agora, que estamos sendo respeitados como homens, vamos mostrar a todos que nunca
fomos borrachos, nem preguiçosos. Éramos explorados, isto sim”, concluiu enfático.”
P.32

NINGUÉM LIBERTA NINGUÉM, NINGUÉM SE LIBERTA SOZINHO: OS


HOMENS SE LIBERTAM EM COMUNHÃO.

O caráter de dependência do oprimido é que pode levar a destruição de sua vida ou da


do outro. Pois, somente quando os oprimidos reconhecem o opressor e se engajam na luta por
sua liberação passam a crer em si superando assim, seu caráter dependente. Essa liberação
para que seja efetiva, não pode decorrer de uma descoberta puramente intelectual, a práxis
deve partir da conjugação entre reflexão e ação, vem dai a importância de se fomentar o
constante dialogo critico e libertador, que pode variar devido as condições históricas que
implicam diretamente em seu conteúdo, pois, uma reflexão profunda conduz a prática. “Os
oprimidos, nos vários momentos de sua libertação, precisam reconhecer-se como homens, na
sua vocação ontológica e histórica de Ser Mais.” P.33 A libertação do oprimido é
sinônimo de libertação dos homens e não das coisas, pois ao libertarem-se coisas se
transformarão em massa de manobra populista e não homens autônomos, não é auto
libertação e tampouco libertação executada por terceiros. Por isso, o caminho para libertação
não esta pontuado por propaganda revolucionária, mas sim, na conscientização dos oprimidos
d que devem lutar por sua liberdade, “sua inserção lúcida na realidade, na situação
histórica, que a levou à crítica desta mesma situação e ao ímpeto de transformá-la.” P.34
Assim, sem esse convencimento não ocorrerá a luta, ficando claro assim o caráter pedagógico
da revolução.

“Para reconstruir-se é importante que ultrapassem o estado de quase “coisas”.


Não podem comparecer à luta como quase "coisas”, para depois ser homens. É
radical esta exigência. A ultrapassagem deste estado, em que se destroem, para o de
homens, em que se reconstroem, não é “a posteriori”. A luta por esta reconstrução
começa no auto-reconhecimento de homens destruídos.” P.35

Capítulo 2

A concepção «bancária» da educação como instrumento da opressão.

Seus pressupostos, sua crítica


A tonica da educação é fundamentalmente pautada em um narração sem vida ou
sentido prático, completamente alheia a experiência trazida pelos educandos. Onde um
sujeito, educador, disserta sobre algo enquanto passivamente os objetos, educandos, o ouvem,
não há dialogo, mas sim deposito de conteúdos e informações petrificadas, onde a palavra se
esvazia de sua dimensão concreta, sendo pregada sua sonoridade e não sua força
transformadora. Assim, se fixa, memoriza e repete mecanicamente logo, não se sabe o
verdadeiro significado da palavra narrada.

Nessa perspectiva de ensino a educação se torna um ato de depositar pelo educador


conteúdos nos educandos, não existe espaço para reflexão, para o dialogo, pois em lugar de
comunicar-se o educador faz comunicados, e tampouco para a construção pois, fora da práxis
os homens não podem ser. Nesse sentido o saber é encarado enquanto uma doação “daqueles
que sabem” para os que julgam ignorantes, deixando enquanto única margem de atuação para
os educandos depositar os saberes recebidos passivamente que foram memorizados de forma
mecânica. No momento que educador bancário superar esta contradição, educador x
educando, sua pratica deixará de ser bancária.

“O educador se põe frente aos educandos como sua antinomia necessária.


Reconhece, na absolutização da ignorância daqueles a razão de sua existência. Os
educandos, alienados, por sua vez , à maneira do escravo na dialética hegeliana,
reconhecem em sua ignorância a razão da existência do educador, mas não chegam,
nem sequer ao modo do escravo naquela dialética, a descobrir-se educadores do
educador.

Na verdade, como mais adiante discutiremos, a razão de ser da educação libertadora


está no seu impulso inicial conciliador. Daí que tal forma de educação implique na
superação da contradição educador-educandos, de tal maneira que se façam ambos,
simultaneamente, educadores e educandos.” P. 38

Fica evidente o caráter de reprodução de sociedade opressora que rege a educação


bancária. Uma vez que, quanto mais se esforcem para arquivar os conteúdos depositados,
menos espaço para desenvolver sua consciência critica terão estes educandos, e logo, sua
inserção no mundo não será no papel de protagonista neste. “Na medida em que esta visão
“bancária” anula o poder criador dos educandos ou o minimiza, estimulando sua
ingenuidade e não sua criticidade, satisfaz aos interesses dos opressores.” P. 39
Configurando-se em um instrumento de manutenção do status quo da sociedade opressora

A CONTRADIÇÃO PROBLEMATIZADORA E LIBERTADORA DA


EDUCAÇÃO. SEUS PRESSUPOSTOS

O educador libertador deve orientar-se no sentido da humanização sua e de seus


educandos, saber deles e para eles, visando superar a contradição imposta pela pratica
bancaria, tornando-se um companheiro destes. Sua pratica deve partir da profunda crença no
potencial criador dos homens

A CONCEPÇÃO “BANCÁRIA” E A CONTRADIÇÃO EDUCADOR-EDUCANDO


A concepção bancaria de educação sugere uma concepção de que os homens estão no
mundo enquanto meros expectadores e não criadores e recriadores deste. Não concebendo
assim, estes enquanto corpos conscientes. Pelo contrario a educação libertadora entende o
homem como em constante relação com o mundo, onde dentro destas consciência e mundo se
dão simultaneamente.

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