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DIALOGANDO DEJETOS: Liberdade em Byung-Chul Han e

Paulo Freire
João Pedro Matias

Traçar a possibilidade do diálogo entre Paulo Freire e Byung-Chul Han pode


parecer em um primeiro momento uma tentativa arriscada de lançar luz sobre a
problemática da liberdade. Se em Agonia do Eros, Han aponta para uma
idealização da liberdade e um afogar-se em si mesmo, como um ato narcísico,
Freire levanta a seguinte afirmação: “A liberdade, que é uma conquista, e
não uma doação, exige uma permanente busca” – isto é, demanda uma
conquista, a partir de um ato afirmativo da vida, fugindo das amarras da
opressão institucionalizada, na qual os oprimidos estão imersos.
Autoexploração é o que segue Byung-Chul Han em suas obras, onde evidencia
os mecanismos de uma positividade da facilidade, da objetividade, da
tecnologia e da técnica. Não seria estranho constatar uma crítica a noção de
uma transcendência, aquela mesma do ir além, aquela do acontecer. Falta a
morada, o descanso, o inútil. Ora, onde está o inútil? O fútil? Onde está o dia
do Senhor?
A liberdade como maldição se entrelaça ao inferno do igual, onde o fitness
revela a deusa contemporânea, Saúde! O bem-estar é acima de qualquer coisa
o poder de um dever abstrato que engendra seres cada vez mais cansados em
seus padrões normativos, absolutos e malditos.
Mal-dito pois pouco diz o viver em sua esfera trans.
Trans-formação, tran-sitoriedade, tran-subistanciação, trans-mutação,
tran-sitivo.
Freire como aquele que sabiamente respeitou a alteridade diante de si próprio,
estabelece uma dialética, não aquela do Hegel ou do Marx, mas aquela
brasileira, nordestina e sertaneja. É com Paulo Freire revelando o lugar que
ocupa o oprimido em sua conjuntura social e cultural, que se pode falar de uma
liberdade. Liberdade que é conquista daquele que se permite ser ser mais.
Aquele que fugindo da prescrição do estranho vai além e inventa sua vida, em
uma dialógica potente, onde afetar é sinônimo de cri-ação.
Cri-ação é ação. Ação é Eu-Tu. Eu-Tu é desdobramento de possibilidades.
Lugares diferentes e problemáticas que parecem se encerrar em si mesmo.
Seria cômico pensar a liberdade como um objeto dado, seria o dejeto que o
Afonso ressalta. Levemos a ambiguidade do termo “liberdade” para a esfera
não teórica, não institucionalizada e muito menos falada. Não objetivemos esta
que é aquela que está além do bem e do mal (parafraseando Nietzsche).
Liberdade na condição de Freire e Han, ainda que afastadas se aproximam em
paradoxo muito interessante:
• “Hoje, vivemos numa sociedade que está se tornando cada vez
mais narcisista. A libido é investida primordialmente na própria
subjetividade.” (Byung-Chul Han);
• “Para eles, o novo homem são eles mesmos, tornando-se
opressores de outros. A sua visão do homem novo é uma visão
individualista.” (Paulo Freire).
Evidentemente, seria mais propício uma outra citação de Han, mas esta tem
um valor especial. É na libido que vou até o outro, mas nesse caso, ela não é
movimento até o estranho, mas até mim. É o meu prazer que deve ser suprido,
o outro é apenas meu objeto, meu bem de consumo. Ora! Eu sou um
opressor? O meu outro é por si mesmo oprimido? Onde começa e se delineia
esses lugares?
O oprimido da sala de aula é o estranho que nele deposito meu saber,
naquela consciência hospedeira, marcada pela opressão objetivista e
técnica. Mas o oprimido também torna-se opressor, na medida em que sendo
“homem novo”, longe das amarrações constitutivas da passividade da sala de
aula e da falsa ideia de liberdade para empreender a vida, atinge o outro na
sua suprema verdade e em si mesmo a partir da autoexploração do sempre
mais.
Ser mais, não é condição de simples rompimento do oprimido dos lugares
calcificados de explorador e explorado, mas é afirmação da vida em todo seu
molde.
A dialógica não é sociedade positivada. É a negatividade que permite que o
outro chegue até mim e eu chegue até ele. Amor, empatia e libertação da
dicotomia da exploração de si e do outro é a possibilidade de um emergir do
contato com a potência de ser alguém.
Ser alguém, é ser ator. Ser ator, é ser inspectador. Ser inspectador, é ser
aquele que vive o fenômeno sob o palco da vida.

“Mais uma vez os homens, desafiados pela dramaticidade da hora atual,


se propõem a si mesmos como problema. Descobrem que pouco sabem
de si, de seu ‘posto no cosmos’, e se inquietam por saber mais. Estará,
aliás, no reconhecimento de seu pouco saber de si uma das razões desta
procura.”
-Paulo Freire

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