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TEORIA MARXISTA DA EDUCAÇÃO: CONTRIBUIÇÕES DE

BOGDAN SUCHODOLSKI

Suely Aparecida Martins1


Franciele Soares dos Santos2

Eixo Temático 3: Marxismo, Educação e Revolução

Resumo

Na sociedade capitalista a educação tem se constituído como um instrumento de


dominação da classe dominante que, de acordo com seus interesses, impõe aos
trabalhadores formas de educar. Isso sem dúvida expressa, a preocupação desta classe
em doutrinar permanentemente os trabalhadores para que estes estejam embebidos dos
valores da sociedade capitalista. No momento atual, isto é perceptível na retomada
desmedida do Estado neoliberal e nas suas ações materializadas, por exemplo, na
aprovação de medidas tais como a PEC 055 e a Reforma do Ensino Médio. Neste
contexto, impõe-se a necessidade de reafirmamos o projeto de sociedade e de educação
socialista como alternativa viável ao capital. Torna-se fundamental para isso
retomarmos a concepção marxista de educação e suas categorias de análise para que nos
ajudem a desvelar as contradições da sociedade de classes. Foram as críticas à sociedade
capitalista e à educação burguesa realizadas por Karl Marx e Friedrich Engels em seus
escritos que explicitam a necessidade da constituição de uma pedagogia contra-
hegemônica por meio do trabalho como princípio educativo, da formação humana
politécnica e omnilateral. Sem dúvida, eles elaboraram as bases para construção de uma
pedagogia revolucionária de inspiração socialista com vistas a corroborar com a
transformação social. De fato, os dois forjaram categorias imprescindíveis para a
compreensão da formação humana de caráter integral, isto é, a formação de homens e
mulheres como membros do gênero humano. Bogdan Suchodolski (1976), em Teoria
Marxista da Educação, apresenta categorias fundamentais para a compreensão da teoria
marxista da educação, entre elas alienação. Neste texto, nos propomos a dar destaque a
este conceito e sua importância numa proposta educativa que pretende se colocar contra

1
Doutora em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora do
curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná - Unioeste, campus de Francisco
Beltrão/PR. Email: martins_sue@hotmail.com
2
Doutora em Educação pela Universidade Federal de Pelotas - UFPel. Professora do curso de Pedagogia
da Universidade Estadual do Oeste do Paraná - Unioeste, campus de Francisco Beltrão/PR. Email:
sfrancielesoares@gmail.com

ANAIS DA XIV JORNADA DO HISTEDBR: Pedagogia Histórico-Crítica, Educação e Revolução: 100 anos da
Revolução Russa. UNIOESTE – FOZ DO IGUAÇU-PR. ISSN: 2177-8892
o processo de desumanização causado pela ordem social capitalista; denunciar o
primado do mundo das coisas sobre o mundo dos homens; contribuir para a construção
do socialismo. Suchodolski (1976) parte da crítica idealista deste conceito presente em
Hegel para demarcar como a alienação é constituída na materialidade das relações
sociais capitalistas, apontando como necessidade para o desenvolvimento do homem em
todas as suas potencialidades a luta pela transformação social e pela constituição de
novas relações sociais e com isso, também de um novo homem. Neste sentido, num
primeiro momento, nos detemos a compreensão deste conceito, para em seguida,
demarcar a formação humana e o ensino, na perspectiva marxista tendo em vistas as
reflexões de Suchodolski (1976), como denúncia e contraponto a alienação capitalista e
luta por uma nova sociedade.

Palavras-chave: Marxismo, Educação, Alienação, Bogdan Suchodolski.

Introdução

As críticas à sociedade capitalista e à educação burguesa realizadas por Karl


Marx e Friedrich Engels em seus escritos explicitam a necessidade da constituição de
uma pedagogia oposta a pedagogia burguesa por meio do trabalho como princípio
educativo, da formação humana politécnica e omnilateral. Sem dúvida, eles elaboraram
as bases para construção de uma pedagogia revolucionária de inspiração socialista com
vistas a corroborar com a transformação social. De fato, os dois forjaram categorias
imprescindíveis para a compreensão da formação humana de caráter integral, isto é, a
formação de homens e mulheres como membros do gênero humano.

Umas das questões apontadas por Marx e Engels em relação à formação humana
é que esta se realiza em condições históricas concretas. Neste sentido, seus escritos são
fundamentais para desvelar como a formação humana no modo de produção capitalista
é cindida pelos interesses de classes. Logo, uma formação marcada pela
unilaterialidade. Suchodolski (1976a, p. 09), na análise da teoria marxista da educação,
sublinha que a situação do homem sob o capitalismo é marcada por uma crescente
alienação que “impossibilita um desenvolvimento das massas trabalhadoras, destrói a
sua relação com o trabalho e a sociedade e deforma a sua consciência”. Neste sentido,

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no processo revolucionário, uma das tarefas educativas do proletariado é desvelar as
condições de exploração e alienação na qual os trabalhadores estão submetidos.

No presente trabalho a partir das reflexões de Suchodolski (1976) partimos do


entendimento da importância do conceito de alienação para a análise e para
compreensão da teoria marxista da educação. Num primeiro momento, nos detemos a
compreensão deste conceito, para em seguida, demarcar a formação humana e o ensino,
na perspectiva marxista, como denúncia e contraponto a alienação capitalista e luta por
uma nova sociedade e uma educação de novo tipo.

A importância do conceito de alienação na teoria marxista da educação

Suchodolski (1976), em Teoria Marxista da Educação, apresenta categorias


marxistas fundamentais para a educação e o ensino socialista, entre elas a alienação.
Sobre este conceito afirma: “a alienação denuncia a força natural do mundo dos objetos
como força alheia e não humana que penetra nos homens e os desumaniza”. (1976, p.
196). Mas quais os elementos fundamentais do conceito marxista de alienação? Qual o
seu significado educativo no contexto da teoria marxista da educação?

O autor apresenta quatro aspectos apontados por Marx, a saber: o trabalho


realizado pelo operário produz objetos que não lhe pertencem; o trabalho separa-se do
trabalhador, já não sendo algo que lhe é próprio e individual, mas cada vez mais alheio e
estranho a ele; o trabalho alienado deforma a relação do indivíduo com a própria
essência da humanidade; o processo crescente de alienação dos homens nas suas
relações mútuas. Aspectos que são explicitados por Marx nos Manuscritos Econômicos
e Filosóficos (1844).

No modo de produção capitalista, o trabalhador, ao relacionar-se com o produto


de seu trabalho, estabelece com ele uma relação de estranhamento. Ele encontra-se
separado tanto do objeto de seu trabalho quanto dos meios necessários à sua produção,

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por sua vez, depende da venda da sua força de trabalho, que se materializa em objetos,
para garantir sua sobrevivência. Ao alienar-se do objeto de trabalho o trabalhador
aliena-se de si mesmo. Sua atividade de trabalho torna-se para ele algo penoso, que lhe
causa sofrimento e lhe impede o desenvolvimento livre de suas energias mentais e
físicas. Destaca Marx, “seu trabalho não é voluntário, porém imposto, é trabalho
forçado. Ele não é a satisfação de uma necessidade, mas apenas um meio para satisfazer
outras necessidades”. (MARX, 1983, p. 93). No processo de produção o trabalhador
sente-se separado de si mesmo: o seu trabalho não lhe pertence, pertence a outro.

Ao se separar de sua atividade vital, o homem aliena-se também como ser


genérico. Marx diz que a vida genérica do homem é a vida produtiva: “é a vida criando
vida”. Essa característica liga os homens entre si como uma espécie diferenciada dos
outros animais, pois faz de sua atividade vital uma atividade livre e consciente: o animal
só produz o necessário para atender suas necessidades imediatas, o homem produz
universalmente; o animal produz sobre a dominação imposta pela necessidade física
imediata, o homem produz quando se encontra livre da necessidade física e produz,
verdadeiramente, livre de tal necessidade; o animal se produz a si, o homem reproduz
toda a natureza; o animal constrói a partir do padrão necessário à espécie que pertence,
“o homem sabe produzir de acordo com o padrão de todas as espécies e como aplicar o
padrão adequado ao objeto. Assim, o homem constrói também em conformidade com as
leis do belo”. (MARX, 1983, p. 96). Dessa maneira, é na atuação no mundo objetivo,
por meio do trabalho, que o homem manifesta-se como ser genérico e neste mundo
objetivado por meio de sua atividade ele percebe sua própria imagem. O trabalho
alienado tira essa possibilidade do homem; o trabalho torna-se para ele apenas um meio
para manter sua existência física, alterando a consciência que ele tem da espécie:

Uma característica do homem como gênero é viver para produzir, enquanto o


trabalho alienado ensina ao indivíduo humano precisamente o contrário, isto
é, que deve produzir para viver. Deste modo, o homem converte ‘a sua
essência num mero meio de sua existência’. (SUCHOLDOSKI, 1976a, p.
167).

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Separado de seu ser genérico, o homem separa-se também dos outros homens.
O fato de o trabalhador encontrar-se separado dos objetos de seu trabalho e dos meios
de produção indica que outro homem apropriou-se do seu trabalho e dos objetos criados
por ele; a sua atividade e os meios para realizá-la tornaram-se propriedade de outro: o
capitalista.

O processo de alienação descaracteriza a essência da humanidade produzida pelo


trabalho produtivo, consciente e livre; os laços humanos se desestabilizam, impera-se os
antagonismos entre os homens. Sucholdoski (1976), destaca a propriedade privada
como um elemento da alienação, que nega a “propriedade verdadeira e social” que
vincularia os homens entre si. Chama a atenção, assim como faz Marx nos Manuscritos,
sobre a força do dinheiro na sociedade capitalista de modo a ressaltar o caráter
desumano e alienante da propriedade privada.

O dinheiro, diz Marx (1983, p. 146-147), “é a força alienada da humanidade”,


por meio dele todos os atributos humanos e naturais são invertidos e confundidos:

O que existe para mim através da mediação do dinheiro, aquilo porque eu


possa pagar (i.e., que o dinheiro pode comprar), tudo isso sou eu, o possuidor
do dinheiro [...] O que eu sou e posso fazer, portanto, não é de todo
determinado pela minha individualidade.

Ou seja, as características e qualidades pessoais do indivíduo tornam-se


secundárias. É importante a contribuição de Mészáros (2006, p. 164), ao destacar que,
no processo de alienação, as necessidades e os sentidos genuinamente humanos são
substituídos por um único sentido: o ter, que encontra sua materialização no dinheiro. O
dinheiro interpõe-se entre o homem e o objeto. Nele está a virtude de tudo comprar e
por isso torna-se um objeto onipotente, universal. Conforme Sucholdoski (1976, p. 173)
“trata-se de um poder externo sob cuja influência se origina uma certa forma da nossa
existência que, tendo em conta as nossas capacidades, é ilusória e falsa; uma forma de
existência que, se temos dinheiro, é injustamente perfeita e, se não o possuímos, é
limitada e miserável”.

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Sucholdoski (1976), entretanto, considera que na análise efetuada por Marx em
O Capital, sobre o caráter fetichista da mercadoria, a alienação capitalista se apresenta
de forma mais rica e concreta. Marx ao revelar que na sociedade capitalista o valor de
troca se sobrepõe ao valor de uso, revela também o caráter fetichista da mercadoria que
se coloca na consciência dos homens como coisas dotadas de vida própria, como se
tivessem existência independente das relações de trabalho que as originaram. É
oportuna a observação de Belluzzo (1987), sobre a teoria do valor em Marx:

Marx, ao contrário dos clássicos, não toma o valor como a essência da


naturalidade da sociedade, mas sim como a expressão de uma sociedade em
que o indivíduo só existe enquanto produtor de valor de troca, o que implica
a negação absoluta de sua existência natural. Assim. a produção de valor de
troca já inclui em si a coerção ao indivíduo. A atividade particular de cada
produtor só adquire sentido quando sancionada pela forma geral do valor de
troca, isto é, pelo dinheiro. A mercadoria só se confirma como valor no
momento em que se transforma em mercadoria geral, em dinheiro. E o
trabalho concreto de cada um só é validado como trabalho social quando seu
produto é acolhido pelo dinheiro como representante do trabalho em geral.

É neste sentido, que o trabalhador só serve ao capitalista enquanto mercadoria,


ou seja, enquanto mercadoria necessária para produzir outras mercadorias. Se trabalha,
mas fora do processo de trabalho capitalista, se desocupado, desempregado, esfomeado
está fora das relações de trabalho; portanto, é desconhecido pela economia política, e,
poder-se-ia dizer, encontra-se marginalizado. O trabalhador relaciona-se com o
capitalista em troca de um salário que garanta a sua sobrevivência e relaciona-se com
outros trabalhadores como algo que lhe é imposto para garantir as exigências produtivas
do capitalista. Este por sua vez, deseja do trabalhador unicamente sua força-de-trabalho
e com os demais também estabelece relações mercantis: seja como comprador de meios
de produção seja criando condições para disponibilizar suas mercadorias no mercado.
Os homens relacionam-se entre si como coisas; as mercadorias, resultado do conjunto
do trabalho social abstrato necessário a sua produção, aparecem aos seus olhos como
tendo vida própria, algo que lhe é estranho.

Destaca-se, portanto, que, diferentemente da concepção idealista de Hegel, em


Marx a alienação somente pode ser compreendida como produto da materialidade

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social. Neste sentido, a luta contra o trabalho alienado não se dá no plano da
consciência, das ideais, mas trava-se no terreno concreto em que as relações sociais
capitalistas se constituem: ou seja, no processo de produção e reprodução social do
capital. É neste terreno contraditório que se produz a consciência humana: “O modo de
produção da vida material condiciona o processo de vida social, política e espiritual em
geral. Não é a consciência do homem que determina o seu ser, mas, pelo contrário, o seu
ser social é que determina a sua consciência”. (MARX, 1986, p. 301).

A partir daí, poderia deduzir-se que a alienação do trabalho capitalista produz


relações sociais alienadas, que se refletem na consciência social também de forma
alienada. Todavia, tal compreensão estaria reduzindo a capacidade de interferência
humana na história, bem como negaria a luta de classes, como o próprio método de
análise marxista. Destaca Ianni (1988, p. 23): “tanto as pessoas como os grupos e as
classes sociais apreendem as suas relações sociais reais de maneira diversa e antagônica,
quando não de forma incompleta, parcial, invertida ou fetichizada”. Acrescentaríamos
apreendem suas relações sociais reais no processo de luta de classes de que fazem parte.
Neste sentido, “[...] a classe operária não se constitui apenas porque o regime capitalista
se desenvolve; ela se forma na medida em que luta contra as relações de alienação em
que se acha inserida”. (IANNI, 1983, p. 29).

Tais entendimentos justificam a importância do conceito de alienação na


compreensão da teoria marxista da educação e na busca pela construção e efetivação de
uma educação numa perspectiva revolucionária.

Teoria marxista da educação: formação humana e ensino numa perspectiva


revolucionária

Como é sabido, na concepção marxista, a formação humana é concebida como


integral. Oposta àquela desenvolvida no contexto da forma histórica escolar capitalista,
que visa à formação do trabalhador mutilado e unilateral. De fato, a concepção marxista
de educação representa a contraposição à concepção capitalista de educação. Sendo

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assim, nos seus escritos Karl Marx e Friedrich Engels desenvolveram categorias
pedagógicas que estavam comprometidas com a formação integral e com a emancipação
humana, quais sejam: trabalho com princípio educativo, politecnia e omnilateralidade.
Nos escritos marxianos, o homem só existe na relação prática com a natureza,
uma relação ativa e produtiva. Essa é o objeto ou a matéria da atividade humana. A
natureza só existe para o homem à medida que ele a transforma e a humaniza com seu
trabalho. Se não tocada pelo homem, é nada para ele. A partir do momento que ela toma
um sentido, revela-se a prioridade ontológica. Portanto, o trabalho apresenta-se como
categoria central na hominização,3 ou seja, como fundante do gênero humano. Enquanto
valor de uso é condição constitutiva e indispensável à existência humana. Para entender
a dimensão educativa do trabalho, precisamos ter essas compreensões.
Dessa maneira, nos escritos de Marx e Engels a união entre trabalho educação é
apresentada como um elemento de superação e contraposição à forma que o trabalho
assume na sociedade capitalista. Devido a isso, o trabalho como princípio educativo em
seu caráter formativo é expressão do trabalho como “[...] ação humanizadora mediante o
desenvolvimento de todas as potencialidades do ser humano”. (FRIGOTTO;
CIAVATTA, 2012, p. 749).
É também a partir dessa compreensão que Marx apresenta ao longo dos seus
escritos a necessidade da formação e da educação politécnica. Isso porque a afirmação
do trabalho como princípio educativo está diretamente relacionada com a efetivação da
formação politécnica. A maneira pela qual Marx (1983) elabora o conceito de educação
politécnica expressa o reconhecimento da necessidade da combinação trabalho
produtivo e educação. Para ele, “[...] a formação politécnica elevará a classe operária
acima dos níveis das classes burguesa e aristocrática”. (MARX, 1983, p. 60).
Educar pela politecnia levaria os trabalhadores à cisão da alienação do processo
de trabalho e à ruptura com processos de expropriação dos conhecimentos dos
trabalhadores especialmente promovida pela escola moderna sob a égide do capital.

3
Em seu texto “Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em homem” (1876), Engels
2004, p. 13) afirma que o trabalho “[...] é condição básica e fundamental de toda vida humana. E em
tal grau que, até certo ponto, podemos afirmar que o trabalho criou o próprio homem”.

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Observa-se aqui o sentido político da proposta marxiana de educação, ou seja, seu
fundamento articula-se estritamente a luta dos trabalhadores contra o processo de
alienação do trabalho imposta pelo capitalismo.
Na análise de Frigotto (2012, p. 275), “a educação politécnica resulta, assim, no
plano contraditório da necessidade do desenvolvimento das forças produtivas das
relações capitalistas de produção e da luta consciente de necessidade de romper com
limites intrínsecos e insanáveis destas mesmas relações”. Seguindo esses pressupostos,
a educação politécnica comprometida com a formação integral dos trabalhadores institui
os meios para superação do trabalho abstrato, parcial e mutilado.
Logo, trabalho como princípio educativo e a politecnia são duas categorias que
estão imbricadas e que têm como horizonte a formação omnilateral. Haja vista, é
importante ter presente que a formação para o trabalho e a politecnia, mesmo na lógica
da forma histórica escolar capitalista, pode representar a possibilidade para engendrar
processos educativos que caminhem no sentido da formação omnilateral. (SOUZA
JUNIOR, 2008). Por sua vez, a omnilateralidade

[...] busca levar em conta todas as dimensões que constituem a especificidade


do ser humano e as condições objetivas e subjetivas reais para o pleno
desenvolvimento histórico. Essas dimensões envolvem sua vida corpórea
material e seu desenvolvimento intelectual, cultural, educacional,
psicossocial, afetivo, estético e lúdico. (FRIGOTTO, 2012, p. 265).

Da citação supracitada, é possível afirmar que a omnilateralidade significa o


desenvolvimento multilateral de todas as faculdades humanas com vistas à emancipação
de homens e mulheres. Na mesma direção, Manacorda (2010, p. 96) ressalta que “a
onilateralidade é, portanto, a chegada histórica do homem a uma totalidade de
capacidades produtivas e, ao mesmo tempo, a uma totalidade de capacidades de
consumo e prazeres, em que se deve considerar sobretudo o gozo daqueles bens
espirituais, além dos materiais”. Todavia, é indispensável considerar que

As possibilidades do desenvolvimento humano omnilateral e da educação


omnilateral inscrevem-se, por isso, na disputa de um novo projeto societário
– um projeto socialista – que liberte o trabalho, o conhecimento, a ciência, a

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tecnologia, a cultura e a relações humanas em seu conjunto dos grilhões da
sociedade capitalista. (FRIGOTTO, 2012, p. 267).

Cabe destacar ainda que a realização plena dessas categorias só será possível
com a superação do modo de produção capitalista. Para Suchodolski (1976, p. 146) nos
escritos de Marx e Engels é possível observar elementos essenciais de uma nova
pedagogia, dessa maneira

[...] a pedagogia vinculada aos princípios do materialismo dialéctico e


histórico e à luta revolucionária da classe trabalhadora pela sociedade
socialista representa uma pedagogia qualitativamente nova. [...] Expressa as
necessidades das massas oprimidas e liberta-as dos seus aspectos utópicos e
ilusórios. Dá a pedagogia a arma da filosofia materialista e apóia-se na
organização do proletariado em luta.

Marx e Engels conseguiram desmascarar os princípios educativos burgueses


(SUCHODOLSKI, 1976), pautados em valores individualistas, os quais visam
adaptação de homens e mulheres a sociedade capitalista. Dessa maneira, a teoria
marxista da educação cumpre o papel de demonstrar que o trabalho educativo necessita
articular-se a luta política de classe para assim conectar-se a “libertação do homem das
cadeias da opressão de classe” (SUCHODOLSKI, 1976a, p. 179), com vistas a
construção da formação humana e do ensino numa perspectiva revolucionária. Ou seja,
a teoria marxista da educação abre novas perspectivas pedagógicas ao

Desmascar os interesses de classe que favorecem os erros da vida cheia de


imaginação e representações; descobrir a contradição entre o que a vida
quotidiana é realmente e o que cada julga de si próprio – contradição que
reflecte os conflitos reais da sociedade burguesa -; mostrar aos homens uma
saída da opressão da ‘consciência errônea’ através da sua vinculação com a
corrente revolucionária e progressista da história. (SUCHODOLSKI, 1976, p.
92 - 93).

De fato, a perspectiva idealista de educação burguesa separa a consciência dos


indivíduos da sua vida real. Devido a isso, impõe a classe trabalhadora a tarefa
educativa de “destruir estas ilusões, devolver ao indivíduo a capacidade de reconhecer o
que é na realidade, e deve ajudar a rasgar o véu que o separa do mundo e da própria vida
real”. (SUCHODOLSKI, 1976, p. 92).

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As questões apontadas nas análises de Suchodolski sobre a teoria marxista da
educação são atuais. Pois, na sociedade capitalista a educação tem se constituído
historicamente como um instrumento de dominação da classe dominante que, de acordo
com seus interesses, impõe aos trabalhadores formas de educar. Isso sem dúvida
expressa, a preocupação desta classe em doutrinar permanentemente os trabalhadores
para que estes estejam embebidos dos valores da sociedade capitalista. Trata-se aqui,
certamente, de uma educação de caráter minimalista e unilateral, construída por meio da
subordinação a um quadro de valores ideológicos arraigados aos interesses dominantes,
que atuam por meio de mecanismos de interiorização4 a favor da legitimação da ordem
social estabelecida. Conforme destaca Suchodolski (1976a)

A educação é um instrumento nas mãos da classe dominante que determina o


seu caráter de acordo com os seus interesses de classe, assim como o âmbito
que engloba o ensino para sua própria classe e para a classe oprimida. [...] o
sistema de ensino e o sistema educativo, que na realidade são um instrumento
de seus interesses, embelezam-se com bonitas palavras acerca da liberdade e
das possibilidades de desenvolvimento. (p.10).

Este entendimento apresenta desafios cada vez mais grandiosos à classe


trabalhadora na disputa por um projeto educativo e por uma escola de novo tipo. Estes
desafios apontam para a direção da necessidade da compreensão de que a escola é, sim,
um campo estratégico imprescindível para as lutas da classe trabalhadora por carregar
em si as contradições inerentes à sociedade de classes.

Considerações Finais

4
Conforme Mészáros (2006, p. 264), “[...] o complexo sistema educacional da sociedade é também
responsável pela produção e reprodução da estrutura de valores no interior da qual os indivíduos
definem seus próprios objetivos e fins específicos. As relações sociais de produção reificadas sob o
capitalismo não se perpetuam automaticamente. Elas só o fazem porque os indivíduos particulares
interiorizam as pressões externas; eles adotam as perspectivas gerais da sociedade de mercadorias como
os limites inquestionáveis de suas próprias aspirações. É com isso que os indivíduos ‘contribuem para
manter uma concepção de mundo’ e para a manutenção de uma forma específica de intercâmbio social,
que corresponde àquela concepção de mundo”.

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A retomada do neoliberalismo5 no Brasil e na América Latina representa
retrocessos na luta política dos trabalhadores e nos coloca como desafio central a luta
pelo socialismo. Mais do que lutar pela garantia de direitos, impõe-se a tarefa de
retomarmos o projeto de mudança das relações sociais capitalistas e de anunciar e lutar
por uma nova sociedade. Acreditamos que a educação tem papel importante neste
processo à medida que, se vinculada aos interesses da classe trabalhadora, pode
contribuir para o desvelamento das relações capitalistas de produção e para anunciar as
possibilidades concretas de uma educação na qual o trabalho se constitua como
princípio educativo.

Neste sentido, entendemos que os apontamentos de Suchodolski sobre a teoria


marxista da educação são fundamentais para os dias de hoje. O autor ao retomar
categorias centrais de Marx e Engels na análise do capitalismo, reforça o conteúdo de
classe da educação. Demonstra como a alienação se constitui como um conceito
fundamental a ser apropriado pelos educadores na luta política, uma vez que ajuda a
desvelar o caráter fragmentado e unilateral que o trabalho e a educação tem assumido na
sociedade capitalista. Além disso, o autor demonstra que a alienação do trabalho no
capitalismo tem sua base no terreno das relações materiais de produção, assim somente
será superada quando houver a abolição de tais relações.
É importante também a crítica do autor a concepção idealista de educação como
renovação social tão presente na sociedade burguesa. Quando as relações capitalistas
apresentam-se inadequadas usa-se de ‘argumentos educativos’ para demonstrar “que são
inadequados, porque os homens não são bons e que estas relações melhorarão quando
os homens se tornarem melhores. Para ele “a educação deve converter-se numa garantia
da futura melhoria dos homens”. (SUCHODOLSKI, 1976, p. 179). Ou seja, a educação
converte-se no remédio dos problemas sociais, na redentora das almas que formará

5
No Brasil entendemos que a materialização da retomada do Neoliberalismo pode ser observada desde
o processo que levou ao impeachmeant da Presidente Dilma Roussef e colocou na presidência Michel
Temer, bem como na aprovação de medidas econômicas levadas a cabo por este governo, tais como a
aprovação da PEC 055, a reforma do Ensino Médio, a terceirização e outras ainda em curso, como a
reforma trabalhista e da previdência social. Tais reformas tem tido como justificativa a necessidade do
ajuste econômico.

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homens bons sob o capitalismo. Ora, é inegável que tal ‘argumento educativo’ (tão
presente nas pedagogias modernas) serve aos interesses da classe dominante ao negar
que as causas e as soluções dos problemas sociais estão nas relações sociais.

De fato a alienação do trabalho no capitalismo nega a possibilidade da


constituição do homem como ser genérico. Nesse cenário, a educação burguesa tem sido
um mecanismo para reforçar esta alienação, separando saber e fazer, servindo como
justificativa ideológica da burguesia e impondo a classe trabalhadora a interiorização de
um sistema de valores próprios ao capitalismo.

Neste sentido, coloca-se como tarefa política e educativa urgente produzir aquilo
que Mészáros (2006) definiu como contrainternalização e, ao mesmo tempo, forjar
possibilidades concretas de construção de uma proposta educativa que recupere o
princípio educativo do trabalho, tal qual colocou Marx e Engels e que, com os avanços
das forças produtivas, tem na politecnia a chave para uma educação voltada à formação
integral, pois, “[...] a ligação entre ensino e trabalho é, para Marx, também valiosa
porque supera a divisão entre trabalho físico e intelectual, que é originada pela divisão
do trabalho e acaba com o desenvolvimento prejudicial e unilateral do indivíduo
humano”. (SUCHODOLSKI, 1976, p. 23).

Cabe ainda, reconhecer a necessidade de assumirmos desafios e enfrentamentos que


culminem na construção de práticas educativas que objetivem a transformação social e a
superação do modo de produção capitalista, e no nosso entendimento que tenham como
eixo e fundamento orientador as proposições da teoria marxista da educação.

Referências bibliográficas

BELLUZZO, Luiz Gonzaga de Mello. Prefácio a edição brasileira. In.: RUBIN, Isaaak
Illich. A teoria marxista do valor. São Paulo: Polis, 1987.

CIAVATTA, Maria e LOBO, Roberto. Pedagogia Socialista. In: CALDART, Roseli S.,
PEREIRA, Isabel B., ALENTEJANO, Paulo, FRIGOTTO, Gaudêncio. Dicionário de
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ANAIS DA XIV JORNADA DO HISTEDBR: Pedagogia Histórico-Crítica, Educação e Revolução: 100 anos da
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