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Arte em Portugal Sec XX
Arte em Portugal Sec XX
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Por Sérgio Lira, Professor Auxiliar da Universidade Fernando Pessoa – Porto – Portugal; PhD University of Leicester
(U.K.)
2
Acerca da história portuguesa deste século é de interesse a consulta de: MATTOSO, José (dir.) - História de Portugal,
Lisboa, Ed. Estampa, vols. 7-8.
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Já tivemos oportunidade de nos referir a este aspecto, especificamente no que se refere aos museus portugueses, em
LIRA, Sérgio - "Linhas de força da legislação portuguesa relativa a museus para os meados do século XX: os museus e o discurso
político" in Actas do V Colóquio Galego de Museus, Consello Galego de Museus, Melide, 1998 e em LIRA, Sérgio - "Portuguese
legislation on museums during the Estado Novo: from the First Republic inheritance to the changes of the sixties." in Museological
Review, Leicester, Museum Studies Department, vol. 6, 1999, p. 73-87.
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corresponderam novas iniciativas legislativas que, ao longo da 1ª República,
foram enquadrando o esforço desenvolvido no sentido de uma nova e mais
eficiente preservação do património4. Se na letra da lei essas iniciativas
legislativas parecem coerentes e dotadas dos mecanismos necessários à sua
boa execução, já na prática o esforço da 1ª República se saldou muitas vezes
por uma incapacidade operacional evidente e por uma fracasso pragmático
difícil de admitir. De qualquer forma, os princípios evocados pela legislação
deste período podem ser resumidos nas seguintes intenções principais:
promover a salvaguarda do património nacional (especialmente no que respeita
ao património histórico, artístico e arqueológico), evitar a exportação de bens
culturais, suportar a reorganização e modernização dos museus nacionais e
implementar a fundação de museus regionais.
4
A última peça legislativa de importância considerável neste domínio, e que reflecte o espírito da legislação anterior, é a
lei nº 1700 de 18 de Dezembro de 1924.
5
É exemplo desta viragem o decreto nº 20985, datado de 7 de Março de 1932.
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Veja-se o que afirma o texto legislativo do decreto nº 15216 de 22 de Março de 1928 que se intitula "Reorganização dos
serviços artísticos e arqueológicos". No prólogo afirma que a legislação portuguesa existente sobre a matéria havia sido "Vazada
nos moldes das mais perfeitas organizações similares estrangeiras (...)" e tinha já dado boas provas. A título de exemplo aponta a
constituição de museus regionais (que desempenharam um papel fundamental na salvaguarda dos valores artísticos e arqueológicos)
e a organização do Museu Nacional de Arte Antiga "(...) que, de um armazém mal arrumado, se transformou num dos bons museus
da Europa.". Neste contexto o Governo optou, não por preparar legislação completamente nova com "(...) os riscos de tudo o que é
novo e imprevisto, mas sim modificar e melhorar a antiga.".
7
António de Oliveira Salazar foi Professor na área da economia na Universidade de Coimbra; presidiu aos destinos
políticos de Portugal durante largos anos; iniciou a sua carreira política como ministro das finanças durante a Ditadura Militar e
assumiu mais tarde o cargo de Presidente do Conselho (Primeiro Ministro) para não mais o abandonar. Acerca da sua biografia ver
NOGUEIRA, Franco - Salazar, Porto, Livraria Civilização, 1977/81. Para algumas análises da vida e obra de Salazar ver: BRITO,
José M. Brandão de - "Sobre as ideias Económicas de Salazar", in SILVA, Duarte et all. - Salazar e o Salazarismo, Lisboa, Pub. D.
Quixote, 1989; FERRO, António - Salazar - O homem e a sua obra, Lisboa, Emprensa Nacional de Publicidade, 1933; GOMES, F.
Matos - Salazar. Professor e educador de um povo, Porto, Edições Além, 1953; LIMA, Fernando Castro Pires de - Salazar no
vértice de oito séculos de história, Porto, Domingos Barreira Editor, 1940; ROSAS, Fernando - "Salazar e o Salazarismo: Um caso
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legislação e lançou as bases daquilo que viria a ser, sem posteriores alterações
de monta, o edifício normativo respeitante ao património até aos anos
cinquenta. Do mesmo modo procedeu em relação a testemunhos históricos e
artísticos (monumentos, edifícios, peças de arte móvel, textos literários, entre
outros). O Estado Novo, firmado no referendo que aprovou a Constituição de
1933, continuou essa linha de actuação, reforçando-a.
de longevidade política", in SILVA, Duarte et all. - Salazar e o Salazarismo, Lisboa, Pub. D. Quixote, 1989, p. 13-31; SILVA,
Duarte et all. - Salazar e o Salazarismo, Lisboa, Pub. D. Quixote, 1989. No que se refere à história de Portugal sob a sua égide, ver
MATTOSO, José (dir.) - História de Portugal, Lisboa, Ed. Estampa, vols. 7-8; ver também SERRÃO, Joel e MARQUES, A. H. de
Oliveira (dir.) - Nova História de Portugal, Lisboa, Ed. Presença, vols. XI-XII. Para uma visão não portuguesa de Salazar,
consultar: KAY, Hug - Salazar and Modern Portugal, London, Eyre and Spottiswoode, 1970; EGERTON, F. C. C. - Salazar,
Rebuilder of Portugal, London, Hoddar and Stoughton Ltd., 1943; GALLAGHER, Tom - Portugal, A Twentieth-century
interpretation, Manchester, Manchester University Press, 1983; GRAHAM, L. S. and MAKLER, H. M. (eds.) - Contemporary
Portugal, The revolution and its antecedents, Austin and London, University of Texas Press.
8
A afirmação de Salazar a este respeito é exemplar: SALAZAR, António de Oliveira - Discursos e notas Políticas,
Coimbra Editora, 2ª ed., vol. II, Coimbra, 1946, p. 130 a 135: "Não discutimos Deus; não discutimos a Pátria; não discutimos a
Autoridade; não discutimos a Família; não discutimos o Trabalho."
3
A Nação era, no entendimento de alguma historiografia nacionalista do
Estado Novo, anterior ao Estado9. À volta de Afonso Henriques ter-se-iam
conglomerado as vontades das gentes, num espírito de independência bem
anterior à sistematização das instituições e à formação do reino independente.
Esse último passo, diluído entre 1143 e 117910, marcou a formação da
independência política mais antiga e estável da Europa, resistente a todos os
ataques e que se manteve nessa condição de independência até à actualidade.
O Estado Novo sempre enfatizou a idade da independência nacional e a idade
das fronteiras estáveis11 como um dos argumentos mais apologéticos da
valorização da Nação. Em 1947 as comemorações da tomada de Lisboa foram
um momento particularmente interessante no que respeita à divulgação desta
forma de entender o nacionalismo. O culto do herói Afonso Henriques e a sua
missão de dilatar a fé cristã foram temas centrais das comemorações. Esta
última era, aliás, outra das importantes funções acometidas à nação
portuguesa, segundo a óptica do Estado Novo: a propagação da fé e,
consequentemente, da civilização.
9
Veja-se, a título de exemplo, as tentativas exercidas na historiografia dedicada às crianças (HISTÓRIA de Portugal -
Verbo Juvenil, Lisboa, 1966) ou em obras declaradamente nacionalistas (como AMEAL, João - História de Portugal das origens
até 1940, Porto, Livraria Tavares Martins, 7ª ed., 1974) de fundar em épocas remotas o impulso independentista. Tal era caminho
contrário ao que havia defendido Alexandre Herculano na sua História de Portugal, onde a tese do sucesso político explicava a
emergência de um novo país.
10
Datas, respectivamente, do tratado de Zamora e da Bula Manifestis Probatum, usadas pela historiografia portuguesa
para determinar o início da independência, em função da atribuição a Afonso Henriques do título de rex.
11
Veja-se, a título de exemplo, as afirmações de Salazar a tal respeito em SALAZAR, op. cit., p 132: "... para nós
portugueses que somos hoje velhos de oito séculos (...) não há (...) pedaço de soberania ou de terra que nos pese e estejamos
dispostos a alijar de cansados ou de cépticos ...".
12
Cf. o Acto Colonial; veja-se ainda o que Salazar a firmou repetidamente a este respeito, em particular quando foram
lançadas suspeitas de que Portugal estaria na eminência de "alugar" Angola à Alemanha nas vésperas da II Grande Guerra (29 de
Janeiro de 1937): SALAZAR, op. cit., p 264: "Alheios a todos os conluios, não vendemos, não cedemos, não arrendamos, não
partilhamos as nossas Colónias com reserva ou sem ela de qualquer parcela de soberania nominal para satisfação dos nossos brios
patrióticos. Não no-lo permitem as nossas leis constitucionais; e, na ausência desses textos, não no-lo permitiria a consciência
nacional.".
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e existente porque unido - procurou o Estado Novo ministrar a ideia de que o
todo português era também colonial13 e que não poderia deixar de o ser, sob
pena de perecer a própria existência nacional. Aqui entronca a ideia de
identidade: para o regime, Portugal era multi-continental não por capricho de
momento ou, sequer, apenas por vontade ou desígnio político: Portugal era
multi-continental por constrangimento histórico14 e a sua própria existência
dependia da manutenção dessa característica identitária. De forma clara, o
regime definia que esse "ser" colonial era um projecto a longo prazo, onde a
presença das colónias não poderia ser entendida como simples acidente de
percurso, mas sim como solução histórica. Tal era visto desta forma não
apenas de uma óptica política ou institucional mas também sob um ângulo
estritamente económico. As colónias deviam ser parte do todo económico
nacional que corresponderia ao todo político15. Esta visão do Império era de tal
forma arreigada que o regime não hesitava em afirmar de maneira
absolutamente peremptória a sua inabalável decisão de o manter. Fundava tal
decisão especialmente em dois factores: por um lado a base constitucional do
próprio Estado Novo consignava – com o Acto Colonial – as possessões
ultramarinas como territórios portugueses; por outro, o espírito nacionalista era
avesso a qualquer possibilidade de alienação de parcelas territoriais16. Assim,
este território - europeu na origem, atlântico por vocação geográfica e multi-
continental por desígnio histórico e civilizacional - era uno por vontade política e
indivisível por necessidade identitária. Portugal era, assim, um país, uma nação
13
SALAZAR, António de Oliveira - Discursos e Notas Políticas, Coimbra Editora, 2ª ed., vol. II, Coimbra, 1959, p 79 e
80: "Somos sobretudo uma potência atlântica, presos pela natureza à Espanha, política e economicamente debruçados sobre o mar
e as colónias, antigas descobertas e conquistas. Nem sempre a nossa política se fez de Lisboa ou da parte continental, mas de
outros pontos, tal a ideia de que a colónias não o foram à maneira corrente mas partes integrantes do mesmo todo nacional.".
14
SALAZAR, António de Oliveira - Discursos e Notas Políticas, Coimbra Editora, 2ª ed., vol. II, Coimbra, 1959,p 83: "
Portugal constitue com as suas colónias um todo, em virtude de um pensamento político que se fez pelos tempos fora realidade
política.".
15
SALAZAR, António de Oliveira - Discursos e Notas Políticas, Coimbra Editora, 2ª ed., vol. II, Coimbra, 1959, p 155:
"Para alguns espíritos as Colónias deveriam constituir uma espécie de quaintas de luxo, a que demais não faltaria a vegetação
luxuriante de plantas exóticas (...) Para outros seriam (...) campos ou indústrias de renda que permitissem ao absentista vagamente
interessado a vida ociosa (...). [As economias da Metrópole e das Colónias] hão-de considerar-se complementares na formação do
todo económico correspondente ao todo político nacional.".
16
SALAZAR, António de Oliveira - Discursos e Notas Políticas, Coimbra Editora, 2ª ed., vol. II, Coimbra, 1959, p 264:
"Alheios a todos os conluios, não vendemos, não cedemos, não arrendamos, não partilhamos as nossas Colónias com reserva ou
5
e um estado, espalhado por variados territórios em todos os continentes. A
unidade de partes tão diversas era explicada pela complementaridade que
cada uma exercia relativamente às outras: no território Europeu cada província
era uma parte de uma manta de retalhos que só fazia sentido quando
associada às outras; este mesmo argumento era usado para explicar a unidade
(tida por inevitável) de todo o império ultramarino. Do ponto de vista territorial
Portugal era, desta forma, um grande país. Grande em termos territoriais,
grande também em termos de efectivos demográficos e de influência
internacional.
sem ela de qualquer parcela de soberania nominal para satisfação dos nossos brios patrióticos. Não no-lo permitem as nossas leis
constitucionais; e, na ausência desses textos, não no-lo permitiria a consciência nacional."
6
surgia como natural: refazer a glória pátria (pisoteada pela "balbúrdia"17 do
regime republicano), seguindo as pisadas dos portugueses de antanho, era
tarefa que se poderia alcançar se se atentasse nos exemplos de que a História
era pródiga. Olhar para trás, de forma obsequiosa, era pois atitude do regime,
defendida como instrumento indispensável à realização de um dos seus
escopos maiores: reafirmar uma respeitável portugalidade. As lições da História
mostravam o que era ser verdadeiramente português, e nos exemplos dos
heróis mitificados deveria ser encontrada inspiração para reerguer o orgulho de
se ser português18. Esta utilização da história como argumento ideológico
resultou na elevação à qualidade de herói do líder do Estado Novo: Salazar era
o homem que havia sido capaz de resolver o mais grave dos problemas
nacionais (o descalabro económico e financeiro) e de devolver à nação o
sentimento de dignidade19. Em várias ocasiões este sucesso de Salazar foi
exaltado em exposições nacionais e internacionais; nos finais da década de 30
fazia-se ressaltar o facto de Portugal ser um país de finanças equilibradas.
Sobre este aspecto da actuação governativa de Salazar repousou uma parte
importante da propaganda do regime. c) finalmente, e em terceiro lugar, a
tradição foi usada na sua acepção popular, na exaltação da verdade nacional
encerrada no mais vernáculo da cultura popular. Se alguns homens do
passado haviam sido elevados à qualidade de heróis, e dessa forma
glorificados, o regime encontrou um outro herói que trabalhou ideologicamente
de forma consequente: um herói colectivo, o povo. Não o povo classe social de
um marxismo temido e execrado20, mas o povo/nação, moldado
ideologicamente por uma historiografia construída à luz de uma interpretação
que dava aos condutores de multidões uma aura de santidade e às multidões,
17
O termo é empregue de forma pejorativa por AMEAL, João - História de Portugal das origens até 1940, Porto, Livraria
Tavares Martins, 1940, na designação do capítulo relativo à Primeira República: "Balbúrdia Sanguinolenta".
18
Veja-se, a título de exemplo, alguns dos textos de Galvão in GALVÃO, Henrique - Álbum Comemorativo da Primeira
Exposição Colonial Portuguesa, Porto, Litografia Nacional, 1934.
19
Veja-se a este respeito FERRO, António - Salazar - O homem e a sua obra, Emprensa Nacional de Publicidade, Lisboa,
1933.
7
ainda que eventualmente brutas e ignaras, um sentido de heroicidade
nacionalista insuperável. Os exemplos históricos eram claros: quando Afonso
Henriques funda o reino tem com ele o povo que luta bravamente contra o
Castelhano e contra o Infiel; quando em 1383/85 o Mestre pugna pela
manutenção da independência tem com ele o povo que odeia o estrangeiro e
quer manter Portugal independente; quando o Infante D. Henrique lança
Portugal no mar tem com ele um povo de marinheiros capaz das mais
audaciosas viagens pela glória da pátria; quando em 1640 um grupo de nobres
defenestra o lacaio espanhol tem com ele o povo que urge pela retoma da
independência; enfim, quando em 1926 o país é salvo da República e Salazar
assume a tarefa hercúlea de refazer a honra pátria, tem com ele o povo
saturado de golpes e contra-golpes, de fome e de miséria, de ignomínia
nacional, que o aplaude e apoia e que nele deposita uma fé sebastiânica
inabalável...
20
SALAZAR, António de Oliveira - Discursos e notas Políticas, Coimbra Editora, 2ª ed., vols. II, 1946, p 282: "(...) uma
violenta luta está desenhada [na Europa] (...) entre as forças da ordem e as da desordem, entre a nação e o internacionalismo, entre
o comunismo e a civilização.".
8
indomitamente vocacionado para manter a Nação e o Território. Como
explicar? Simplesmente: Portugal encontrou na diversidade interna a razão e a
força da sua unidade nacional. Complementaridade. O que falta num lado está
no outro, o que míngua aqui sobeja ali. E não apenas de um ponto de vista
material, de produtos agrícolas ou de recursos naturais: também de um ponto
de vista das tradições populares, na gastronomia, na poesia, nas danças e
cantares, nas lendas... enfim em tudo o que fazia de Portugal, Portugal21.
21
Note-se que esta ideia foi divulgada de forma gráfica em mais que uma circunstância. A título de exemplo, o poster do
SPN usado no pavilhão de Portugal na Exposição Internacional de Paris em 1937.
9
Era pois necessário fazer o encómio da cultura material do povo, ao lado
da cultura material das elites. Ao lado verdadeiramente, não: eventualmente
com a mesma dignidade, mas em locais diferenciados. No Museu de Arte
Antiga cultura de elite, no Museu de Arte Popular cultura popular22. O mesmo
nas exposições temporárias criadas para aclamar o regime, onde as secções
dedicadas ao vernáculo foram parte substancial das áreas expositivas23. Desta
forma, até ao eclodir da 2ª Grande Guerra o regime chamou a si a tarefa de
assumir a arte e a cultura popular como um dos traços caracterizadores do seu
nacionalismo. O conflito mundial veio perturbar os planos que Salazar tinha
para a década seguinte24. Em vez de dez anos de "engrandecimento" houve
que enfrentar as dificuldades inerentes à guerra e às alterações da situação
internacional. E findo o conflito o regime não vê terminadas as dificuldades: o
mundo que sai de 1945 é essencialmente diferente do da primeira metade do
século e o regime português encontra acrescidas dificuldades em se manter fiel
ao que havia edificado desde a década de 20. E no entanto tenta-o. Ao longo
dos anos que se seguem à guerra, o Estado Novo continua a afirmar os
mesmos princípios ideológicos que haviam sido as bases da sua construção
inicial. Entre eles o nacionalismo. Entre eles a mitologia da arte e da cultura
popular. Nacionalismo serôdio, mitologia deslocada. Mas operantes, um e
outra, ao longo das décadas de agonia do Estado Novo. À medida que o
regime previa cada vez mais claramente o seu fim, parece ter enveredado por
um uso extremo dos instrumentos de propaganda que lhe haviam granjeado,
em tempos, prestígio e aclamação. Entre eles podemos colocar os museus,
mas talvez de forma mais notória as exposições temporárias. Quantas delas
aparentemente sem nada de político ou de ideológico... Se bem que as artes
22
Analisámos estas duas instituições em LIRA, Sérgio – Museums and Temporary Exhibitions as Means of Propaganda:
The Portuguese Case during the Estado Novo, tese de PhD apresentada ao Department of Museum Studies, Universidade de
Leicester, 2002, policopiado.
23
Dedicámos já atenção a esta temática em: "Exposições temporárias no Portugal do Estado Novo: Alguns exemplos de
usos políticos e ideológicos", comunicação que apresentámos a 26 de Novembro de 1999 ao Colóquio Nacional da APOM,
"Balanço do Século", Museu da Farmácia, Lisboa.
24
Salazar, ao inaugurar a Exposição comemorativa dos 10 anos de revolução, profere um discurso intitulado "Era de
Restauração, Era de Engrandecimento", onde defende que após a década de recuperação que havia passado, uma década de
engrandecimento haveria de se seguir.
10
ao serviço da nação seja um título deveras sugestivo para uma exposição
temporária de arte (Lisboa, 1966)25. Quantas exposições se realizaram, nos
anos finais do regime, numa tentativa extremada de mostrar a pujança cultural
do país26. O silogismo pretendido era óbvio: o país está culturalmente activo e
prenhe; um país tão rico artisticamente não pode ser o cenário de um regime
decadente; se o regime não está decadente não há razão para temer pelo
futuro.
25
Veja-se o catálogo: As Artes ao Serviço da Nação, Liaboa, SNI, Comissão executiva das comemorações do 40º
aniversário da Revolução Nacional, 1966.
26
Vejam-se, por exemplo, os catálogos das exposições organizadas pelo SNI. Disponíveis no arquivo do Museu do
Chiado, Lisboa.
27
Esta análise, como qualquer análise do tipo, é certamente uma imposição de um esquema a uma realidade que o não
anuncia explicitamente; trata-se, assim, de uma comodidade de exposição que facilita o entendimento do fenómeno, e não algo
inerente e explícito no fenómeno. Deste esquema estão excluídas muitas exposições temporárias que, apesar de algum vinco
ideológico ou propagandístico não tinham nesses objectivos o seu foco. Tais eventos são, no entanto, e para o presente texto, de
suma importância. Estão neste caso exposições relativas ao trabalho de artistas nacionais, retrospectivas e exposições de artes
decorativas que, corroboravam o patrocínio do regime às artes.
11
finais de 1955 e inícios de 1956 a exposição Portuguese Art 800 - 1800; em
1966 a exposição As Artes ao serviço da Nação.
28
Secretariado Nacional da Informação, Cultura Popular e Turismo
29
Na qualidade de exemplos, atentemos em duas legendas de partes da exposição: numa afirmava-se que "Os prémios
literários do SNI constituíram já uma antologia riquíssima da literatura portuguesa actual."; sob a legenda estava uma vitrine onde
se mostravam vários livros e outras publicações, exemplificativas do afirmado na frase. Uma outra legenda do mesmo tipo afirmava
que "Com as missões culturais e as bibliotecas ambulantes o SNI leva o seu programa de divulgação cultural a todo o país."; em
relação com a legenda estava organizada uma pequena mostra fotográfica dos meios utilizados para levar as bibliotecas ambulantes
"a todo do país". Há várias fotografias relativas a esta exposição incluídas no arquivo da Fundação Gulbenkian, Lisboa, que foram
feitas pelo fotógrafo Mário Novais e que merecem consulta
12
um período odioso de trevas republicanas, reencontrava finalmente, pela mão
do Estado Novo, o seu "espírito".
30
Consulte-se As Artes ao Serviço da Nação, Liaboa, SNI, Comissão executiva das comemorações do 40º aniversário da
Revolução Nacional, 1966.
13
fotografia como temas principais. O Estado Novo apresentava-se orgulhoso da
obra feita no campo artístico.
31
Lei nº 1700, de 18 de Dezembro de 1924. Por uma questão de simplificação do trabalho de quem pretender consultar a
legislação que citamos, indicamos sempre neste texto as datas de publicação no Diário oficial.
32
Decreto nº 11445, de 13 de Fevereiro de 1926.
14
constitua dano grave para o património histórico, arqueológico ou artístico do
país"33. As preocupações desta Lei são, aliás, mais voltadas para as limitações
a exportação e para as garantias dadas ao Estado de ter preferência na
aquisição das peças postas à venda34, do que na determinação rigorosa do
que fica abrangido pelo determinado na própria Lei. O Decreto nº 11445, que
acima já referimos, vem tentar colmatar esta lacuna: no seu artigo 47º
especifica que "Para efeitos gerais da lei consideram-se obras de arte ou
objectos arqueológicos: as esculturas, pinturas, gravuras, desenhos, móveis,
peças de porcelana, de faiança e de ourivesaria, vidros esmaltes tapetes,
tapeçarias, rendas, jóias, bordados, tecidos, trajos, armas, peças de ferro
forjado, bronzes, leques, medalhas e moedas, inscrições, instrumentos
músicos, manuscritos iluminados e de um modo geral todos os objectos que
possam constituir modelo de arte ou representar valiosos ensinamentos para
os artistas, ou pelo seu mérito sejam dignos de figurar em museus públicos de
arte, e ainda todos aqueles que mereçam o qualificativo de históricos". Sendo
notória a convivência de elementos de uma estrema especificação com outros
de uma abrangência total, este texto confirma as dificuldades, que podemos
adivinhar, eram sentidas pelo legislador em matéria tão difícil. Se algumas
peças passam a património artístico ou arqueológico sem qualquer margem
para dúvidas, as formas vagas com que finaliza o artigo permitem a inclusão
em tal conceito de praticamente tudo o que for considerado "histórico"... sem
que tal termo seja definido. Por outro lado, em número considerável de artigos,
o presente Decreto reitera a preocupação da Lei que acima referimos no que
respeita à limitação da possibilidade de exportação de património artístico ou
arqueológico e reafirma as prerrogativas do Estado no caso de venda pública,
indo mais longe e passando a considerar que a simples colocação "para venda
em leilão público de objectos artísticos, arqueológicos e históricos colocá-los
33
A semelhança de princípios com o sistema do Reino Unido, introduzido em 1952 e geralmente conhecido como
"Waverlay Criteria", é digna de nota. Ver MAURICE, C. and TURNOR, R. - "The Export Licensing Roules in the United Kingdom
and the Waverlay Criteria" in International Journal of Cultural Propety , nº 2, vol. 3, 1994, pp. 273-293; ver ainda FAHY, Anne
(ed. by) - Collections Management, Routledge, Londres, 1995.
34
Vejam-se os artigos 38º a 43º da citada Lei nº 1700.
15
há, para todos os efeitos, nas condições dos inscritos no catálogo" desde que
tal seja declarado por um representante do Estado35.
35
Ver artigo 56º do Decreto nº 11445.
36
A única alteração evidente de política prende-se com o princípio da gratuitidade completa das entradas nos museus:
neste Decreto consagra-se o princípio de que essas entradas devem ser pagas, com algumas excepções, para, apenas em 1931,
através do Decreto nº 19414 de 5 de Março, se regulamentar o pagamento e colocar em prática o princípio.
37
Decreto nº 20586, de 4 de Dezembro de 1931.
38
Decreto nº 20977, de 5 de Março de 1932.
39
Decreto nº 20985, de 7 de Março de 1932.
16
arqueológicos, porque duvidando da eficácia da legislação anterior40 lhe não
reconhecia capacidade para ser mantida em vigor, praticamente não altera o
que temos vindo a observar no que respeita ao conceito de património. Uma
vez mais, quando o legislador pretende estabelecer o conceito refere os móveis
"que sejam de subido aprêço, reconhecido valor histórico, arqueológico ou
artístico e cuja exportação do território nacional constitua prejuízo grave para o
património histórico, arqueológico ou artístico do País.". Por outro lado, quanto
às competências do recém criado Conselho Superior de Belas Artes e no que
respeita às aquisições para os museus, uma vez mais se referem apenas
"obras de arte e peças arqueológicas", como únicas aquisições dignas de
menção legislativa. Mais à frente, no artigo 14º, ainda no que respeita às
competências do dito Conselho, surge-nos a menção à necessária supervisão
dos trabalhos de "recuperação de quadros, esculturas ou quaisquer outros
objectos artísticos ou arqueológicos", mantendo-se assim, também a este
respeito, o vago conceito enunciado antes. Outro aspecto a ter em conta e que
pode contribuir para apreender o conceito de peça arte ou peça de património
para o período que vimos analisando, prende-se com a formação exigida ao
pessoal profissional dos museus nacionais. Conforme determinava o Decreto
nº 2211041 para o acesso ao estágio dos conservadores tirocinantes, a
funcionar no Museu Nacional de Arte Antiga, tomava-se como habilitação de
preferência "o diploma de curso superior ou especial em que seja professado o
ensino da história de arte". Tal facto parece significativo se se tiver em conta
que tal estágio era motivo de preferência para o desempenho de funções de
conservador ajudante nos museus regionais, independentemente das
características das suas colecções. Em 195342 este regime de estágio é
totalmente remodelado. Mantém-se, ainda assim, uma acentuada tónica nas
questões de arte. Senão, vejamos: a habilitação de acesso é alargada para
40
Veja-se o próprio texto do prólogo: "Produziu os seus frutos a organização que ora se substitue, devido talvez mais ao
desenvolvimento da cultura estética em geral do que à excelência do complexo sistema administrativo então criado.".
41
Decreto nº 22110, de 12 de Janeiro de 1933.
42
Decreto nº 39116, de 27 de Fevereiro de 1953.
17
qualquer curso superior ou da escola de belas-artes, mas exige-se um exame
de aptidão aos candidatos. Tal exame constava de duas partes, uma teórica e
uma prática, ambas sobre temas de arte (a primeira versando um "assunto", a
segunda sobre uma "obra"). Ao longo do estágio era exigido aos candidatos a
frequência de várias cadeiras universitárias, todas versando questões de
História e História d'Arte43.
43
História Geral da Civilização, Epigrafia, Numismática, Esfragística, Paleografia e Diplomática, História de Arte e
Arqueologia.
44
Decreto nº 46758, de 18 de Dezembro de 1965, normalmente referido como Regulamento Geral dos Museus de Arte,
História e Arqueologia.
18
encerrava um qualquer valor histórico ou ainda o que provinha de escavações
arqueológicas45.
2. As artes e os artistas46
45
O desenvolvimento desta temática foi feito por nós em LIRA, Sérgio - "Os Museus e o conceito de Património: a peça
de museu no Portugal do Estado Novo", in Actas do Congresso Histórico de Amarante, Câmara Municipal de Amarante, Amarante,
2001.
46
Para esta parte do texto optámos por reduzir de forma significativa as notas, retirando peso ao aparato crítico para
melhor centrar o texto principal. Assim, ao invés de colocarmos em rodapé notas biográficas sobre cada artista referido, decidimos
arrumar por ordem alfabética de artistas uma série de fichas biográficas, no final do texto. Dos mais significativos artista referido ao
longo desta parte, encontrará o leitor, no final, a respectiva ficha.
19
"arte livre" que no mês de Março desse ano teve lugar. De facto, o início do
século ficou marcado pelo diluir do que havia sido iniciado no último quartel do
século XIX, o naturalismo. Nesse delir se encontram as primeiras
manifestações da corrente moderna nacional, com expressões futuristas, em
especial nas artes plásticas. Este dealbar do modernismo em Portugal
sedimentou-se ao longo das duas décadas iniciais do século, para ceder lugar
a uma segunda corrente, consentânea com as alterações políticas emergentes:
nos anos 30 e 40, a par do o desenvolvimento dos programas artísticos iniciado
nas décadas anteriores, assiste-se em Portugal à presença neo-naturalista,
correspondente à pressão do Estado Novo e encimada pela presença de
António Ferro à frente do projecto cultural português de Estado. O
neo-realismo, o surrealismo e o abstraccionismo farão a sua aparição ainda na
década de 40 e por meados do século e desenvolver-se-ão nas duas
seguintes. Ainda na década de 60, e de par com expressões nacionalistas
serôdias, surgem as primeiras manifestações pop. Os anos 70 serão marcados
especialmente pelas alterações políticas de meados da década com uma
abertura a diversas manifestações artísticas e recurso a experimentação mais
livre. As décadas finais do século ficaram marcadas por uma certa euforia
característica dos anos 80, com larga multiplicidade de tendências e uma
situação favorável no mercado da arte, e pela contracção desse mercado, nos
anos 90, o que não impediu alguma interessante diversidade de explorações
por campos artísticos de suportes menos tradicionais.
Artes plásticas
47
FRANÇA, José Augusto – A Arte em Portugal no século XX, 3ª ed., Venda Nova, Bertrand ed., 1991, p. 11.
20
produzir de forma significativa nas primeiras décadas do século48, haveria de
marcar tanto algumas permanências como as tentativas de contraponto. Por
outro lado, e também marcando a viragem do século, o simbolismo esteve
presente na pintura portuguesa com alguns exemplos significativos49.
48
Veja-se o exemplo de algumas obras de José Malhoa (Clara – 1903; Retrato de minha mulher – 1914; Praia das Maçâs
– 1918) ou de Sousa Pinto (Efeito de Sol ao fim da tarde – 1913; Efeito de tarde – 1915). Publicados em MUSEU do Chiado. Arte
Portuguesa 1850-1950, Lisboa, IPM, Museu do Chiado, 1994, pp. 90-93 e 100-101. Outro exemplo significativo será a obra de
Bordalo Pinheiro, também no vértice cronológico e de "escola".
49
Estarão neste caso obras de Adriano Sousa Lopes, António Carneiro, Aurélia de Sousa, José Veloso Salgado e Luciano
Freire.
50
Veja-se SANTOS, David – Desenho e Modernismo nas Colecções do Museu do Chiado. 1900-1940, s.l., IPM, Museu
de Francisco Tavares Proença Júnior, 2001
21
António Soares, Stuart Carvalhais e Bernardo Marques, este último com
trabalho que se alonga de forma significativa até aos anos 30.
22
Teixeira ou de João da Silva – se bem que marcada por actualização. Avultam
neste período os trabalhos de António Azevedo, Salvador Barata Feyo, Ernesto
Canto da Maya, Diogo de Macedo, Francisco Franco e Leopoldo de Almeida. A
maior presença política do estado na vida nacional a partir do início dos anos
30, com o Estado Novo a impor-se de forma iniludível, veio marcar a produção
escultórica por encomendas públicas de carácter marcadamente nacionalista.
51
Vejam-se as fichas biográficas no final do texto.
52
Aquilino Ribeiro, numa crónica datada de 1912, dava conta da repercussão do movimento nos meios artísticos
europeus.
23
resultante do golpe de 1926, depois) era cenário promissor de mais forte
enquadramento das artes. Os princípios dos anos 20, pela mão literata de
Almada Negreiros, confessavam já um nítido declínio do apogeu vanguardista
da década anterior, e as expressões cada vez mais tímidas do futurismo ou do
modernismo tinham menos ênfase e menos eco. Desinteresse dos poderes
públicos, desinteresse dos periódicos e da crítica, desinteresse dos públicos,
um Museu de Arte Contemporânea que recusava os mais contemporâneos dos
artistas: as artes plásticas em Portugal nos anos 20 eram um marasmo quase
completo. Nem o II e III Salões dos Humoristas vieram realmente alterar esse
estado de coisas. De notar, no entanto, algumas exposições individuais53, mas
que de forma alguma lograram animar verdadeiramente o ambiente. Ainda
assim, Diogo de Macedo escrevia e desenhava de Paris alguma novidade
nesta década relativamente estagnada, não fosse, fundamentalmente, a
actividade de Almada Negreiros. De referir ainda a obra de Eduardo Viana que
ao longo da década contribuiu com pinturas como A Pousada de Ciganos
(1923), Nu e Sintra (ambas de 1925).
53
Veja-se FRANÇA, José Augusto – A Arte em Portugal no século XX, 3ª ed., Venda Nova, Bertrand ed., 1991, p. 101
24
SPN/SNI. A orientação política, ideológica e doutrinaria do Estado Novo
exercerá de forma eficiente a sua influência sobre as artes, e será um
acontecimento exógeno a Portugal, a II Grande Guerra, que virá interromper o
ciclo.
Dos anos 20 para os anos 30, pela mão de Bernardo Marques e nos seus
desenhos (que aliás expôs em 1930 no I Salão dos Independentes) entrou em
Portugal algo do ambiente de uma Europa mais a Leste que Paris; foi uma
névoa de Berlim, visitada pelo artista em 1929, que perpassou a sua produção,
libertada em parte do humorismo e carregada com as formas de uma
consciência social e cultural mais forte. Nos seus desenhos desta época fica
registada uma Lisboa vista de um ângulo particular e único. Também presente
no I Salão dos Independentes, Mário Eloy produziu nesta época alguns
desenhos marcantes, que assinalavam já o percurso que o artista iria tomar,
povoado de fantasmas, pesadelos e morte e que terminaria na sua morte nos
meados do século.
25
de costas voltadas para a tendência oficial de António Ferro e de um SPN já
dominante foi, em 1936, a exposição de Artistas Modernos Independentes,
onde se evocaram Amadeo, Santa-Rita, Sá-Carneiro e Pessoa. Mas mesmo
essa manifestação evidenciava o império da orientação de Estado.
26
notável. No entanto, alguma crítica era ouvida: por exemplo Diogo de Macedo
afivelava nos inícios da décda de 40 um texto sério e claramente desconfiado,
expressando que os artistas produziam para os prémios, que não pela arte.
Eventualmente mais que a pintura, a face visível das artes plásticas sob o
Estado Novo, nesta primeira fase, foi a estatuária, e em particular a estatuária
monumental. Francisco Franco, Canto da Maia e Leopoldo de Almeida são dos
nomes que avultam nesta fase. O marco normalmente apontado como início
deste período é a estátua de Gonçalves Zarco de Franco. No mesmo tom,
produziu Canto da Maia o conjunto de D. Manuel, Vasco da Gama e Álvares
Cabral; e à frente do Pavilhão do Portugueses no Mundo estava a imponente
Soberania de Leopoldo de Almeida. Todas estátuas que chamavam os
portugueses a clamar a importância e o esplendor do Portugal de antanho, da
época gloriosa das Descobertas, da Idade de Ouro nacional. Vértice dessa
produção, o Padrão dos Descobrimentos, obra conjunta de Cottineli Telmo e de
Leopoldo de Almeida, assinalava o local que foi o epicentro de toda esta
54
Já nos referimos a este tema, de forma alongada em LIRA, Sérgio - Museums and Temporary Exhibitions as means of
propaganda: the Portuguese case during the Estado Novo, tese de PhD em Museum Studies, Leicester, 2002. Ver também o que
afirma FRANÇA, José Augusto – op. cit., páginas 220 a 225.
27
produção: a Grande Exposição do Mundo Português, de 1940. Tal programa
acertava naturalmente com a linha política do Estado Novo e com o tom
nacionalista das manifestações historiográficas da época. Mas para além desse
grandes portugueses de um passado algo longínquo, o Estado Novo celebrava
também vultos mais recentes: pela mão de Barata Feyo, Bartolomeu Dias, mas
também Almeida Garrett, Antero de Quental e Alexandre Herculano povoaram
os jardins e locais públicos do país.
28
com um galo morto de 1948, ou os desenhos com que ilustrou a Guerra e Paz,
datados de meados da década seguinte). Numa síntese interessante do
surrealismo e do abstraccionismo geométrico topamos com Nadir Afonso, que
numa primeira fase nos meados dos anos 40 trabalha numa senda surrealista
para, uma década volvida, o encontrarmos dedicado a expressões
abstraccionistas geométricas que parecem evocar espaços urbanos, nas suas
cores primárias e evidentes, como em Espacilimité, datado de 1957. Já na
escultura, o final da década de 40 e a década de 50 marcam, em alguns
sectores, um rompimento com a estatuária monumental e nacionalista que
registámos acima. Logo em 1948, Jorge Vieira realizou uma exposição
individual que incluiu obras de traços surrealistas. A versatilidade de diversos
materiais tornaram a sua obra uma referência para esta época (a título de
exemplo os seus Mulher e Homem de 1952, as Duas cabeças, do mesmo ano,
ou ainda a Figura Feminina, esta de 1960). No panorama da escultura não
passam também em branco os nomes de João Cutileiro, com trabalho ainda na
década de 50 final, mas mais evidente a partir do anos 60 (Anjo de 1960).
Manuel Cargaleiro, por seu lado, representa a faceta ceramista das artes
plásticas portuguesa desta época, e já nos anos 40 finais expôs no I Salão de
Cerâmica Moderna do SNI (1949).
29
evidenciar o clima de Lisboa, veio a naturalizar-se francesa em 195655,
produzindo essencialmente em contexto não-português. Ainda assim, uma
referência breve parece acertada, em função da sua vasta obra que se inicia
nos anos 30 (ver por exemplo A Árvore Prisioneira de 1932) e se alonga até
aos finais da década de 80, quando pinta (O Retorno de Orfeu, 1982-86) e se
dedica também à obra da estação da Cidade Universitária do metropolitano de
Lisboa, onde colaborou com Cargaleiro.
Muitos dos artistas acima referidos, e que iniciaram a sua actividade nas
décadas de 40 e 50, mantiveram o trabalho pelas décadas seguintes, tendo
atravessado toda ou boa parte da segunda metade do século. Uns, na senda
do que haviam iniciado, outros procurando caminhos mais arrojados ou
vanguardistas. José Augusto França considerava, nos princípios da década de
90, que não havia ainda perspectiva suficientemente afastada sobre essa
segunda metade da centúria para que uma síntese crítica das suas produções
artísticas fosse sequer tentada. Naturalmente que é possível observar as
tentativas de enquadramento que o Estado Novo teimou em realizar, por
exemplo com a organização constante de exposições temporárias, quer
temáticas quer de autor56. Mas a actividade do país escapava de forma cada
vez mais evidente ao regime e em 1974 inicia-se, claramente, outro ciclo. A
abertura permitida pela ausência de censura, mesclada com a crise económica,
marcaram o mercado e a produção artística em Portugal na segunda metade
dessa década. Na seguinte, uma certa euforia motivada pela recuperação e
pela chegada a Portugal de influências diversas de formas de expressão
plástica não nacionais, animaram o panorama artístico português com
novidades constantes. No entanto, Vieira na pintura e Cutileiro na escultura
continuaram a marcar um lugar de destaque. Houve, ao longo dos anos 80,
uma nova geração de artistas pintores que afirmaram seiva nova nas artes
portuguesas; tal tendência em parte foi mantida nos anos 90. Mas falta de
55
José Augusto França, na obra acima citada, página 13, considera mesmo que a situação de Vieira da Silva é de tal forma
à parte, que a sua obra não pode nem deve ser analisada enquadrada numa lição sobre as arte em Portugal no século XX.
30
facto, neste capítulo como noutros da arte portuguesa contemporânea, tempo
para maturar uma análise crítica consequente.
Literatura
56
Consulte-se, por exemplo, a rica colecção de catálogos disponível no arquivo do Museu do Chiado – Lisboa.
31
folclóricos e pitorescos, de que se cita normalmente António Nobre como
exemplo significativo, apesar de este autor se encontrar também ligado ao
simbolismo e ao decadentismo.
Orpheu e Presença
Neo-realismo e surrealismo
33
de Castro com os seus Emigrantes, em 1928, assumindo o tema dos menos
bafejados, dos miseráveis. Outros autores, já plenamente militantes no
movimento, foram Soeiro Pereira Gomes e Alves Redol, que usaram o
romance como meio, por excelência, de exposição dos conflitos sociais
emergentes ou ingentes. Fernando Namora embarcou também na corrente
neo-realista evoluindo depois por outras tendências, bem como Vergílio
Ferreira. O neo-realismo em Portugal teve na revista Vértice, o seu orgão por
excelência. Na década de 40 alguns movimentos de vanguarda, por exemplo
na poesia, foram-se afirmando, por vezes de maneira efémera; estiveram
associados a revistas de duração breve, que muitas vezes ultrapassavam os
obstáculo censórios exactamente pelo facto de serem de curta duração. Jorge
de Sena e Eugénio de Andrade devem ser referidos entre os autores que
marcaram estes movimentos.
Pós-guerra
34
fez sentir, com a presença evocada do teatro de Brecht, o que expôs autores,
peças e companhias a uma actuação da censura com fins políticos
perfeitamente evidente. O Estado Novo pretendia manter o status quo, e para
tal julgava necessário coarctar certas expressões literárias que, de forma óbvia,
pretendiam mudar o mundo, ou, ao menos, despertar consciências.
Música Erudita
35
afirmação de uma geração de compositores portugueses de elevado nível
técnico. Desde cedo, Luís de Freitas Branco avançou a determinação de não
seguir o trabalho de outros compositores coevos, excepto para se enquadrar
nos movimentos musicais do seu tempo, uma vez que tinha plena consciência
das características específicas da sua composição, em face da sua
meridionalidade portuguesa. No entanto, pesembora uma fase de associação
ideológica ao Integralismo Lusitano, neste início de século turbado em Portugal
por alterações políticas de monta, o seu percurso musical e ideológico – que
acaba por classificar certas vias então em voga como de nacionalismo
romântico e provinciano – vai aproximar-se do pensamento da Seara Nova,
para o que muito contribuiu António Sérgio. No início dos anos 20, com Viana
da Mota dirigindo o Conservatório, Luís de Freitas Branco assumiu a
sub-direcção e participou na sua fecunda remodelação; mais tarde, por meados
da década, deixado o Conservatório, dirigiu o Teatro S. Carlos: estava assim, à
frente do ensino e da execução da música erudita em Portugal uma orientação
que claramente pretendia conhecer e estudar as linhas europeias sem fazer
fenecer identidade própria.
36
No panorama da composição musical portuguesa dos anos 40, a figura
que avulta é a de Joly Braga Santos, nesta fase (como acima referimos) ainda
muito próximo das lições neo-clásicas de Freitas Branco. Na viragem para os
anos 60, o estilo de Braga Santos assume renovadas direcções, sem no
entanto delir de forma absoluta as raízes estilísticas com que se iniciara. Por
outro lado, e como foi também observável em outros compositores
contemporâneos, a inspiração dos temas populares e folclóricos está também
presente na obra de Braga Santos (por exemplo na sua 4ª sinfonia). Esta
faceta esteve também em evidência em Frederico de Freitas, não apenas no
que respeita aos aspectos melódicos mas também no estudo das danças de
raiz folclórica. Nesta senda esteve também Lopes Graça, um dos vultos da
música erudita contemporânea portuguesa que mais se destacou pelo
inconformismo relativamente ao peso político exercido pelo Estado Novo sobre
as artes. Tal posicionamento granjeou-lhe, desde cedo, dissabores vários e
estadas na prisão. A sua opção pela recolha e estudo das raízes musicais
populares não deve ser vista sem essa tonalidade política que lhe era própria;
a recolha etnográfica e a utilização dessa recolha na sua obra criadora não
eram politicamente ingénuas, nem pretendiam passar por tal. Uma referência
ainda a Jorge Peixinho, eventualmente o único compositor português
verdadeira e indubitavelmente vanguardista da segunda metade do século, que
conheceu as realidades europeias da composição musical mercê de bolsas de
estudo que lhe permitiram viajar intensamente. As suas composições foram
acolhidas nos meios eruditos portugueses com uma mescla de estranheza e
apreço, pelo arrojo de que se revestiam num Portugal ainda, e apesar do
trabalho dos compositores acima citados e do clima político essencialmente
alterado, pouco decidido à novidade radical.
37
Suggia (violoncelistas), Anabela Chaves (violetista) e Olga Pratts e Gerardo
Ribeiro (violinistas).
Cinema
39
outros proibidos mais ou menos recentes, era consumida de forma clandestina,
em salas semi-públicas ou em casas particulares, num desafio constante e
algumas vezes quase provocatório à ordem estabelecida pelo Estado Novo .
40
Veneza conquistado por João César Monteiro com Recordações da Casa
Amarela, em 1990, e o reconhecimento, no mesmo festival, da obra de Manoel
de Oliveira. A crescente presença de filmes portugueses nos vários prémios
internacionais, a par de um aumento de notoriedade interna dos seus
realizadores, veio trazer maior destaque e maior presença do cinema
português nas salas nacionais. Ainda assim, no final do século, a produção
nacional é ainda olhada com alguma desconfiança por parte de um público que
não superou o apodo erudito (ou pseudo-erudito) que o período dos anos 70
trouxe ao cinema nacional.
Arquitectura
Ainda assim, no que respeita a projectos, houve nas duas décadas iniciais
do século alguma inovação, senão em termos de estética, pelo menos em
termos de planeamento e de projecto. No Porto, Marques da Silva projectou
duas obras de grandes dimensões (a estação de S. Bento e o Teatro de S.
João) e deixou o seu cunho nos projectos que realizou para várias moradias na
cidade. A Avenida dos Aliados deve-lhe também algum do espaço que
adquiriu. Já em Lisboa, se nota de forma mais evidente, ainda que tímida, a
presença de uma arquitectura modernista. Nos finais da década de 20
iniciou-se um esforço de modernização da cidade, de que se não conheciam
levantamentos desde o início da década anterior. A cidade necessitava, de
forma cada vez mais evidente, de intervenções de fundo, mas essas só
apareceriam, em termos de grandes obras públicas, com o Estado Novo e na
41
década seguinte. Algumas experiências isoladas foram realizadas pelos jovens
arquitectos de 20, nas exposições internacionais em que Portugal participou
(Cottineli e Ramos no Rio de Janeiro, logo em 22, por exemplo).
42
outros de sua mão, avança também com opções estéticas e volumétricas
arrojadas, tanto no que respeita à planificação urbana, quanto no que concerne
aos interiores.
57
As intervenções de Veiga de Oliveira, Benjamim Pereira e Fernando Galhano são de outra natureza, apesar de terem
também contribuído para a construção teórica desse conceito. Ver OLIVEIRA, E. V. de e GALHANO, F. - Arquitectura
43
ostensiva e nas casas populares os traços de uma etnicidade afirmada e
defendida.
Tradicional Portuguesa, Lisboa, Pub. D. Quixote, 1992 e OLIVEIRA, E.V. de, GALHANO, F. e PEREIRA, B. - Construções
Primitivas em Portugal, Lisboa, Pub. D. Quixote, 1988.
44
registar, para o ano de 1940, a execução do projecto de Paulino Montez para o
Museu José Malhoa nas Caldas da Rainha. Tal projecto e respectiva execução
marcam na história da arquitectura portuguesa um momento importante, uma
vez que se havia projectado e realizado de raiz um edifício especialmente
destinado a uma colecção museológica de arte. O edifício seguia a lição do
projecto teórico do museu de Dresden de Algarotti, e, apesar de ter vindo a ser
ritmadamente alterado e aumentado, permite ainda perceber o projecto original.
A sua construção deveu-se, antes de mais, a um momento político especial,
1940, com o Estado Novo a desembolsar verbas consideráveis na preparação
do país para as comemorações nacionalistas.
45
ensino da arquitectura e de uma perspectiva urbanista entendida como
necessária. Deste Congresso saiu ainda uma outra ideia, que se executaria
apenas no voltar da década seguinte: um Inquérito à Arquitectura Tradicional
Portuguesa, que desmistificasse a visão romântica e nacionalista até então
empregue.
Ainda nos anos 50, Álvaro Siza Vieira, inicialmente no atlier de Távora,
começa a sua actividade projectista, que o viria a tornar conhecido
mundialmente. Este é um arquitecto singular, mas a sua actividade é símbolo
daquilo a que se começou a convencionar chamar a "escola do Porto", de onde
saíram arquitectos significativos no plano nacional e internacional. Uma última,
46
e breve, referência para a entrada do pós-modernismo na arquitectura
portuguesa, pela mão de Tomás Taveira. Tendo estagiado nos EUA, Taveira
trouxe as formas e as cores do pós-modernismo para o ambiente
revolucionário mas intrinsecamente conservador dos anos 70 em Portugal, e
criou com isso uma polémica estética de forte pendor emocional. O seu edifício
das Amoreiras, em Lisboa, e outros que se seguiram, atraíram ódios e amores
que trouxeram para a discussão não-erudita as opções da arquitectura e do
urbanismo.
47
Listagem de artistas referidos no texto, per ordem alfabética:
48
Amaral, Francisco Keil do (1910-1975). Arquitecto português, natural de
Lisboa. Formou-se em arquitectura na Escola Nacional de Belas-Artes de
Lisboa. Dedicou-se à criação e recuperação de jardins públicos e parques de
Lisboa, enquanto arquitecto da Câmara Municipal. São da sua autoria alguns
edifícios do Parque de Monsanto (como o restaurante de Montes Claros) e do
aeroporto de Lisboa. Recebeu a medalha de ouro da Exposição Internacional
de Paris, de 1937, com o seu Pavilhão de Portugal.
49
Soares e José Cardoso Pires. Entre 1971 e 1974, foi assessor para a cultura
do ministro Veiga Simão. Dirigiu os jornais O Dia e Edição Especial. Ligado ao
movimento personalista francês e ao espiritualismo de raiz cristã, a sua obra
reflecte preocupações centradas na relação do homem com o mundo. É
membro da Academia Internacional da Cultura Portuguesa. É autor de ensaios,
memórias, crónicas e ficção.
50
o Prémio da Crítica do Centro Português da Associação Internacional de
Críticos Literários (1992), ambos pelo conjunto da sua obra.
51
partiu para o estrangeiro, onde estudou durante cinco anos. Iniciou uma
carreira como professor no Conservatório Nacional de Lisboa em 1916. Foi
fundador e director da revista Arte Musical e director da Gazeta Musical, tendo
ainda dirigido a Academia dos Amadores de Música. Compôs música coral
sinfónica, para orquestra de câmara e para piano e órgão. A suas masi antigas
e principais influências estilísticas foram o impressionismo e expressionismo,
tendo depois desenvolvido tendências neoclássicas.
52
Belas-Artes de Lisboa, viajando por Itália e França, onde efectuou estágios em
cerâmica. Iniciou a sua actividade artística, sob a orientação de Jorge
Barradas, como ceramista, estreando-se no primeiro salão de cerâmica
moderna (1949). Galardoado com o prémio nacional de cerâmica (1954)
efectuou painéis cerâmicos para edifícios públicos e ilustrou livros de poesia,
Entre 1954 e 1957, foi professor de cerâmica na Escola António Arroio
(Lisboa). Instalou-se em Paris (1957) com uma bolsa da Fundação Gulbenkian,
passando a dedicar-se quase exclusivamente à pintura. Recebeu o Diplôme
d’Honneur de l’Académie Internationale de la Céramique (Cannes, 1955) e o
primeiro prémio do concurso de cerâmica para a Cidade Universitária; foi
agraciado com a ordem da Cruz de Sant’Iago de Espada (1982) e com o grau
de Officier des Arts et des Lettres (França, 1984).
54
Coelho, Ruy (1892-1986). Compositor português, natural de Alcácer do
Sal. Fez os seus estudos no Conservatório Nacional de Lisboa e em Berlim
(1909-1914) trabalhando com Humperdinck, Max Bende e Schönberg. Iniciou o
bailado português com A Princesa dos Sapatos de Ferro (1918), com
argumento de António Ferro. Obteve o 1º Prémio do Concurso Nacional de
Madrid, com a ópera Belkiss (1924). Foi autor de uma longa obra de música
dramática, sinfónica, coral-sinfónica, vocal e de piano e surge associado à
ópera de características acentuadamente portuguesas. Compositor de grandes
recursos no plano melódico, exerceu crítica musical e foi, também, maestro.
55
Cruz, Ivo (1901-1985). Maestro e compositor português, de origem
brasileira. Estudou direito na Universidade de Lisboa (1924), e fez cinco anos
de estudos musicais na Alemanha. Em 1931, já em Portugal, fundou a
sociedade coral Duarte Lobo e, posteriormente, a Orquestra de Câmara de
Lisboa e a Orquestra Filarmónica de Lisboa. Deu grande impulso ao estudo e
divulgação da música antiga portuguesa, e à execução de obras corais-
sinfónicas, como a Paixão Segundo São Mateus e a Paixão Segundo São
João, de J. S. Bach. Foi nomeado director do Conservatório Nacional em 1938.
Compôs diversas obras para orquestra e para piano.
56
Eloy, Mário (1900-1951) Natural de Lisboa. Estudou em Lisboa, na
Escola Superior de Belas-Artes, em Madrid (1920), em Paris (1924-1927) e em
Berlim, onde permaneceu até 1932. Foi significativa a sua presença na
segunda geração de modernistas portugueses. Foi influenciado pelo
expressionismo alemão, numa fase posterior à sua passagem por Paris e pelo
período neoclássico de Picasso. Obteve o Prémio Sousa Cardoso em 1935. O
seu temperamento desequilibrado levou ao internamento na Casa de Saúde do
Telhal em 1945.
57
Ferro, António Joaquim Tavares (1895-1956). Jornalista e político
português. Foi editor da revista Orpheu (1915). Dirigiu a Ilustração Portuguesa
e fundou a Panorama. Foi nomeado (1933) director do Secretariado da
Propaganda Nacional (Secretariado Nacional de Informação, Cultura Popular e
Turismo a partir de 1944). Foi comissário-geral das exposições internacionais
de Paris (1935) e de Nova Iorque (1938), fundador do Museu de Arte Popular,
do Grupo de Bailado Verde Gaio e presidente da Emissora Nacional (1941). A
partir de 1950, foi ministro de Portugal na Suíça e em Itália. As entrevistas que
fez a Salazar, publicadas em 1933, e que o catapultaram para o primeiro plano
da vida política nacional, foram a sua obra de maior êxito.
58
Franco, Francisco (1885-1955) Natural do Funchal e irmão do pintor
Henrique Franco. Fez os seus estudos na Academia de Belas-Artes de Lisboa
(1900-1909), em Paris (1909-1914 e 1919-1922) e em Roma (1925). Foi um
artista que marcou a sua época e introduziu alguns valores do modernismo na
escultura portuguesa. Conseguiu, com o Monumento a Gonçalves Zarco
(1928), impor-se no meio artístico. Foi solicitado constantemente por
encomendas oficiais. A estátua Salazar, da Exposição Universal de Paris
(1937) projectou-o internacionalmente.
59
Gomes, Dórdio (1890-1976) Natural de Arraiolos. Formado em pintura
histórica na Escola de Belas-Artes de Lisboa, partiu para Paris, prosseguindo
estudos na École des Beaux-Arts. Em 1921, voltou a Paris para um período de
cinco anos de estudos. Durante essa época executou os trabalhos que enviou
à Sociedade Nacional de Belas-Artes para a Exposição dos Cinco
Independentes (1923). Estas obras, tal como Cavalos (Arraiolos, 1929), pela
sua grande intensidade de composição, com o uso da cor a estruturar os
planos, estavam muito próximas de um geometrismo volumétrico, onde era
particularmente notória a influência de Cézanne. Regresso definitivamente a
Portugal (1926), para Arraiolos. As telas executadas para a Câmara Municipal
de Arraiolos (1932) marcam, tal como o Zarco do escultor Francisco Franco, o
início do monumentalismo patente na arte portuguesa de características
públicas. Em 1933, com residência no Porto, ocupando o seu tempo como
professor da Escola de Belas-Artes, desenvolveu a sua última fase criativa,
fortemente inspirada na paisagem do Douro não se aventurando na inovação
estética num esforço de conciliação entre o modernismo e um tradicionalismo
decorativista. Foi galardoado com o Prémio Columbano (1938), o Prémio
António Carneiro (1944), o Prémio Nacional de Arte (1962) e o primeiro Prémio
de Pintura da Fundação Gulbenkian (1967).
61
decadência nacional, que veio a influenciar grandemente o movimento
designado por Renascença Portuguesa.
62
modernismo em Portugal. Voltou a Paris (1921-1926) e foi criando uma obra de
estatuária, cuja orientação estética hesitante está patente em Torso de Mulher
com que participou na Exposição dos Cinco Independentes, na Sociedade
Nacional de Belas-Artes (1923). Regressado a Lisboa (1944), foi nomeado
director do Museu Nacional de Arte Contemporânea, abandonando a prática da
escultura e iniciando uma tentativa de reestruturação do museu, através da
inclusão de obras de artistas jovens, o que lhe foi negado. Dedicar-se-ia
também, entretanto, à historiografia, desenvolvendo uma obra de cerca de 50
títulos sobre várias temáticas. Entre 1938 e 1958, colaborou na revista O
Ocidente, onde deixou uma série de interessantes crónicas com o título geral
de «Notas de arte».
64
gráfico das revistas Panorama (1941-1950), Litoral (1944-45) e Colóquio
(desde o primeiro número até à sua morte).
65
Motta, José Vianna da (1868-1948). Natural de São Tomé. Estreou-se
publicamente, em 1881, num concerto apresentado no Salão da Trindade, em
Lisboa. Após ter concluído o curso do Conservatório Nacional, partiu para a
Alemanha (1882) onde viveu durante 32 anos. Ingressou no Conservatório de
Scharwenka, em Berlim. Três anos mais tarde, tornou-se aluno de Liszt em
Weimar e, em 1887, seguiu os cursos de Hans Von Büllow. Em 1917,
regressou a Lisboa. A partir de 1918, assumiu a direcção do Conservatório
Nacional, cargo que ocupou durante 20 anos, levando a cabo importantes
alterações. Em esteve em Viena, para participar nas comemorações de
Beethoven. O seu trabalho instrumental está marcado pela forte inspiração
folclórica. A sua obra de música vocal para uma voz e piano distribui-se ao
longo de 37 canções, sendo elas 25 lieder e 12 canções de câmara
portuguesas.
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(1912-1917). Marcado ainda pelo século XIX, por uma forte carga romântica e
metafísica, Teixeira de Pascoaes foi, simultaneamente, poeta e pensador.
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fielmente representa a corrente modernista da música europeia, marcando a
sua obra por um vanguardismo evidente.
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da mensagem neo-realista; em busca de uma autonomia de pesquisa plástica,
caracteristicamente exposta em manchas pictóricas assentes num
neofigurativismo lírico, as séries subsequentes abrangeriam temáticas como a
tauromaquia (1962/63) ou os tigres (1979). Em 1960, trabalhou as suas
primeiras esculturas em ferro, numa representação evocativa de D. Quixote.
Partiu para Paris em 1963, onde se instalou até 1985. Entre 1968 e 1971
trabalhou essencialmente sobre os acontecimentos parisienses de Maio de 68
A partir de 1976, passou a uma nova abordagem artística trabalhando por
assemblage de telas, texturadas através de técnica mista, previamente
coloridas e recortadas. Foi galardoado com o 1º Prémio de Pintura da
Fundação Calouste Gulbenkian (1961).
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literatura portuguesa. Recebeu postumamente, em 1970, o Prémio Nacional de
Poesia, pelo conjunto da sua obra poética.
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um dos realizadores mais eficientes no que diz respeito à comédia portuguesa
(O Pai Tirano, 1941; A Vizinha do Lado, 1945). Produziu a primeira longa
metragem de Manoel de Oliveira, Aniki-Bóbó (1942) e Camões (1946), de
Leitão de Barros.
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Salgado, José Veloso (1864 - 1945) Natural de Lisboa. Foi professor na
Escola de Belas Artes de Lisboa. A sua obra está marcada especialmente na
pintura. Merecem especial destaque Amor e Psique, os painéis decorativos do
Palácio da Bolsa e a Alegoria às Cortes de 1820, no Palácio de S. Bento. De
sua autoria são igualmente o pano de boca e decoração do Teatro Politeama,
em Lisboa.
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Santos, Joly Braga (1924-1988). Compositor e maestro português,
natural de Lisboa. Seguiu estudos no Conservatório Nacional até 1945. Partiu
para Milão, onde veio a concluir estudos de direcção de orquestra e,
posteriormente, viajou até Roma para completar a sua formação em
composição e ciências musicais. Em 1964 passou a professor de composição
no Conservatório Nacional. Exerceu o cargo de director da Orquestra Sinfónica
do Porto. Escreveu sinfonias, óperas, aberturas sinfónicas, peças para
orquestra e para coro e orquestra, entre outras. Recebeu em 1987 o Prémio de
Composição Musical, atribuído pelo Conselho Português de Música.
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Silva, José Marques da (1869-1947). Natural do Porto. Formou-se na
Academia Portuense de Belas-Artes. Estagiou em Paris, regressando a
Portugal para ser nomeado professor de Arquitectura da Escola de Belas-Artes
do Porto (1907-1939), passando a director da escola em 1913. Os seus
trabalhos foram premiados na Exposição de Paris (1900) e no Rio de Janeiro
(1908). A sua obra arquitectónica encontrou-se sobretudo concentrada na
cidade do Porto, sendo da sua autoria várias moradias e grandes construções
como a estação de São Bento e o Teatro de São João (Porto) e a sede da
Sociedade Martins Sarmento (Guimarães). Combinando estilos clássicos com
um certo gosto contemporâneo, contribuiu para a modernização da cidade do
Porto, nomeadamente da Avenida dos Aliados, para a qual projectou e
executou alterações que permitiram a abertura de espaços e tornaram
funcionais as vias de circulação.
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Taveira, Tomás (1938-). Arquitecto português, natural de Lisboa. Tendo
concluído a sua formação em arquitectura na Escola Superior de Belas–Artes
de Lisboa, aí passou seguidamente a leccionar as cadeiras de arquitectura e
teoria da arquitectura. Em 1977 fez um estágio nos Estados Unidos da
América. A sua obra na área de arquitectura foi orientada pela liberdade
estética do pós–modernismo. É disso exemplo o seu projecto para as Torres e
Shopping das Amoreiras em Lisboa.
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Portugal em 1925, concluiu o ensino liceal e frequentou em Coimbra o curso de
Medicina, que terminou em 1933. Em 1936, lançou outra revista, Manifesto, de
breve duração. Várias vezes premiado, nacional e internacionalmente, foram-
lhe atribuídos, entre outros, o prémio Diário de Notícias (1969), o prémio
Internacional de Poesia (1977), o prémio Montaigne (1981), o prémio Camões
(1989), o prémio Vida Literária da APE (1992) e o prémio da Crítica (1993).
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Almada Negreiros, Santa-Rita Pintor e Amadeo de Souza Cardoso, conseguiu
com o seu naturalismo modernizado impor-se à geração seguinte. O momento
mais relevante da sua evolução ocorreu em 1925, com os nus pintados para o
Bristol Clube e as paisagens para a Brasileira do Chiado.
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Cronologia abreviada:
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1902 Freitas, Frederico de; Feyo, Salvador Carvão
de Eça Barata
1906 Graça, Fernando Lopes Ditadura de João Franco
1907 Torga, Miguel
1908 Oliveira, Manoel de; Silva, Maria Helena Vieira Assassínio de D. Carlos
da; Ribeiro, António Lopes
1909 Gomes, Joaquim Soeiro Pereira; Pedro,
António
1910 Fraga, Augusto; Amaral, Francisco Keil do; Proclamação da República
Canto, Jorge Brum do
1911 Redol, António Alves; Ribeirinho Constituição Republicana; Exposição Livre
1912 I Exposição do Humoristas
1913 II Exposição do Humoristas
1914 António Dacosta
1915 I Exposição dos Humoristas e Modernistas
1916 Queiroga, José Manuel Nobre Perdigão; Faria, Entrada de Portugal na I Grande Guerra; II
Manuel Ferreira de; Ferreira, Vergílio Exposição dos Modernistas
1917 Resende, Júlio Júlio Martins da Silva Dias) Ditadura de Sidónio Pais; Portugal Futurista
1918 Assassínio de Sidónio Pais
1919 Sena, Jorge de III Exposição dos Modernistas
1920 Afonso, Nadir III Exposição dos Humoristas
1922 Bessa-Luís, Agustina; Saramago, José;
Branco, João de Freitas
1923 Andrade, Eugénio; Lanhas, Fernando; Távora,
Fernando
1924 Santareno, Bernardo; Santos, Joly Braga IV Exposição dos Humoristas
1926 Abelaira, Augusto José de Freitas; Pomar, Golpe militar do 28 de Maio e início da
Júlio Artur da Silva; Monteiro, Luís de Sttau Ditadura Militar; IV Exposição dos
Modernistas
1927 Baptista, António Alçada; Cargaleiro, Manuel
Alves; Mourão-Ferreira, David
1928 Salazar Ministro das Finanças
1930 Acto Colonial; I Salão dos Independentes
1931 II Salão dos Independentes
1932 António Ferro entrevista Salazar; Exposição
da Indústria Portuguesa
1933 Costa, José Fonseca e; Vieira, Siza Início formal do Estado Novo, com o
referendo da Constituição
1934 I Exposição Colonial Portuguesa
1935 Rocha, Paulo I Exposição de Arte Moderna do SPN
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1936 II Exposição de Arte Moderna do SPN,
Exposição de Arte GentílicaI; Exposição do
Ano X da Revolução
1937 Cutileiro, João Exposição Internacional de Paris, com
participação portuguesa
1938 Taveira, Tomás Duarte Pacheco Ministro das Obras Públicas
1939 Monteiro, João César; Tropa, Alfredo;
Vasconcelos, António-Pedro de
1940 Peixinho, Jorge Grande Exposição do Mundo Português
1941 Cláudio, Mário
1942 António, Lauro
1944 Diogo de Macedo director do Museu de Arte
Contemporânea
1946 Jorge, Lídia
1947 Cineclube do Poro
1948 Exposição 14 Anos de Política do Espírito; I
Congresso Nacional de Arquitectura
1949 Campanha de Norton de Matos; I Exposição
de Os Surrealistas; Exposição de Arte Negra
1950 II Exposição de Os Surrealistas
1951 Exposição de Arte Sacra Missionária
1953 Exposição 25 Anos do Governo da Nação
1955 Inquérito à Arquitectura Popular (até 1961)
1958 Campanha de Humberto Delgado
1961 Início da Guerra Colonial
1966 Exposição As Artes ao Serviço da Nação
1968 Governo de Marcello Caetano
1970 Morte de Salazar
1974 Golpe do 25 de Abril
1986 Entrada na CEE
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