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Diferenças Entre Anfotericinas
Diferenças Entre Anfotericinas
RESUMO
A incidência de infecções fúngicas invasivas tem aumentado, como consequência Clin Biomed Res. 2015;35(2):65-82
do contingente cada vez maior de pacientes com imunossupressão. O tratamento 1 Serviço de Infectologia, Hospital de
de infecções fúngicas com anfotericina B (AmB) está associado a efeitos adversos Clínicas. Porto Alegre, RS, Brasil.
importantes, como nefrotoxicidade e toxicidade hematológica. Nesta revisão
buscou‑se abordar os estudos sobre AmB nas diferentes formulações, focando em 2 Departamento de Clínica Médica,
suas características farmacológicas e toxicidade. Formulações lipídicas de AmB estão Universidade Federal de Ciências da
associadas a um risco menor de nefrotoxicidade, entretanto ainda há controvérsia Saúde de Porto Alegre (UFCSPA). Porto
sobre diferenças entre as duas formulações lipídicas de AmB disponíveis. Diferenças Alegre, RS, Brasil.
ABSTRACT
fungos raros, como Trichosporon spp., Aspergillus a administração de d-AmB22,23. Outro efeito adverso
terreus, Scedosporium spp. e Malassezia furfur são importante da AmB é a nefrotoxicidade. O mecanismo
intrinsecamente resistentes a AmB6, mas ela ainda pelo qual a AmB causa nefrotoxicidade é mediado
é o pilar fundamental na terapia da criptococose principalmente em nível celular pela apoptose24, e
disseminada, a doença fúngica com maior impacto será aprofundado mais adiante nesta revisão.
em mortalidade no mundo, causando mais de
600,000 mortes por ano8. Além de ser indispensável FORMULAÇÕES LIPÍDICAS DE
para o tratamento das infecções fúngicas, é também ANFOTERICINA B
um antimicrobiano importante para o tratamento da
Com o objetivo de reduzir principalmente a
leishmaniose visceral e cutânea7.
O mecanismo de ação da AmB ainda não está nefrotoxicidade, buscou-se o desenvolvimento de
completamente elucidado, mas pode ser dividido formulações farmacêuticas inovadoras de AmB.
entre efeitos diretos sobre a membrana celular Para alcançar somente os tecidos-alvo com máxima
e efeitos intracelulares de indução de estresse concentração e seletividade, a concentração sérica
oxidativo22. O efeito na membrana baseia-se na sua da droga livre deve ser mantida baixa. O interesse
interação com o ergosterol, um esteroide essencial tecnológico está focado no desenvolvimento de
da membrana celular dos organismos fúngicos, sistemas “carreadores”, coloidais ou através de
e de alguns protozoários (gênero Leishmania e partículas como lipossomos ou nanopartículas.
amebas)7. A estrutura poliênica da molécula forma Essas novas formulações de AmB combinadas
complexos com o ergosterol, causando a formação a esses sistemas carreadores são coletivamente
de poros na membrana que resultam em perda denominadas formulações lipídicas de anfotericina7.
de sua integridade e rápido extravasamento de Existem, hoje, três formulações lipídicas disponíveis
potássio e outros íons, ocasionando a morte celular7. no mercado: Ambisome é a anfotericina B lipossomal
O sequestro do ergosterol pelas moléculas de AmB (L-AmB); Abelcet é o complexo lipídico de anfotericina
também resulta em efeito tóxico para as células do B (ABLC); Amphotec ou Amphocil é a dispersão
patógeno, visto que o ergosterol é essencial para coloidal de anfotericina B (ABCD). As duas primeiras
múltiplos processos celulares, como endocitose, (L-AmB e ABLC) são as mais utilizadas na prática
fusão de vacúolos e estabilização de proteínas da clínica e disponíveis no mercado brasileiro, e serão
membrana22. A indução do estresse oxidativo é outro abordadas nesta revisão.
mecanismo de ação importante da AmB e também
responsável pelo seu efeito antimicrobiano. Evidências ANFOTERICINA B LIPOSSOMAL
iniciais já mostravam que o efeito sobre a membrana
L-AmB é o nome da formulação na qual a
não parecia ser o único mecanismo pelo qual a
anfotericina B está integrada a lipossomos unilamelares.
molécula exercia suas propriedades farmacológicas.
Em conjunto com a molécula de AmB, a L-AmB é
Tem sido cada vez mais demonstrado que a AmB
composta por fosfatidilcolina de soja hidrogenada,
induz o estresse oxidativo celular e o aumento na
distearoil fosfatidilglicerol e colesterol. Os componentes
formação de radicais livres, evidenciado também
pela expressão dos genes de estresse celular, por são fornecidos liofilizados como um pó e devem ser
mecanismos ainda não completamente conhecidos22. reconstituídos em água imediatamente antes do uso,
As anfotericinas apresentam também potente produzindo lipossomos com um diâmetro médio de
efeito imunomodulador, porém distinto entre as 60-70 nm. A estabilidade dos lipossomos depende
diferentes formulações. A d-AmB é um medicamento fundamentalmente da natureza dos fosfolipídios
com ação pró-inflamatória23. Já as formulações utilizados para a sua formação. Os componentes
lipídicas apresentam um efeito distinto e serão utilizados para a formação de L-AmB (fosfatidilcolina
abordadas posteriormente. A d-AmB estimula a de soja hidrogenada, distearoil fosfatidilglicerol) têm
produção de citocinas inflamatórias através do elevada temperatura de transição e foram utilizados
toll-like receptor (TLR)-2, promovendo a resposta por terem estabilidade a 37 °C. O colesterol foi
imunitária do tipo T helper-1 (Th1). Isto leva a ativação adicionado para proporcionar mais estabilidade na
de macrófagos e produção de superóxidos e óxido formulação e para manter a AmB dentro da bicamada
nítrico, melhorando a resposta do hospedeiro à do lipossomo, já que a AmB liga-se ao colesterol25.
infecção fúngica – entretanto, em um hospedeiro não Quando os lipossomos contendo AmB entram em
imunossuprimido, isso pode levar a uma exacerbação contato com células fúngicas, a matriz lipossômica
da resposta e piora no quadro clínico. Ainda, essa é degradada, e a AmB é liberada para ligar-se
cascata inflamatória também é responsável pelas preferencialmente ao ergosterol na membrana celular
reações agudas infusionais, comumente vistas após fúngica, levando a sua desintegração7.
A nefrotoxicidade reduzida apresentada por L-AmB da droga em razão de efeitos adversos ou falta de
pode estar relacionada a diversos mecanismos. eficácia, os resultados também foram similares nos
L-AmB, como outras formulações lipídicas, tem dois grupos. Houve menos infecções fúngicas de
afinidade maior por lipoproteínas de alta densidade escape (infecção na vigência do antifúngico) entre
(HDL) do que lipoproteínas de baixa densidade os pacientes que receberam L-AmB (3,2%) do que
(LDL)26. A ligação às moléculas de HDL promove a nos pacientes que receberam a d-AmB (7,9%).
captação pelo sistema reticuloendotelial, que tem Houve diferença significativa quando analisadas as
elevada expressão de receptores HDL (diferente reações infusionais agudas, com o grupo que recebeu
do tecido renal, com expressão aumentada de L-AmB apresentando menor incidência. Quanto à
receptores LDL). A captação preferencial de L-AmB frequência de nefrotoxicidade, definida como um
pelos macrófagos hepáticos e esplênicos do sistema aumento da creatinina sérica de duas vezes o valor
reticuloendotelial e concentração renal baixa contribui da normalidade, também se observou diferença
para a redução da nefrotoxicidade e para a melhora significativa: apresentaram nefrotoxicidade 19% dos
do índice terapêutico de L-AmB, em comparação à pacientes tratados com L-AmB, em comparação com
d-AmB26,27. Um outro potencial mecanismo para a 34% dos pacientes tratados com d-AmB (p<0,001)18.
redução de nefrotoxicidade é a difusão seletiva da Os pacientes que receberam L-AmB apresentaram
AmB para as células fúngicas versus as células do melhor sustentabilidade da função glomerular e
hospedeiro26,27. A liberação da AmB do veículo lipídico tubular do que aqueles que receberam d-AmB, como
carreador, mediada pelas fosfolipases fúngicas na evidenciado pelos índices menores de azotemia e
membrana celular fúngica, aumenta ainda mais a hipocalemia.
especificidade hospedeiro-patógeno das formulações Esse importante ensaio clínico randomizado
lipídicas de AmB26. demonstrou similaridade entre os desfechos clínicos
As reações agudas infusionais ocorrem em dos dois grupos de tratamento, L-AmB e d-AmB.
menor frequência do que com d-AmB e não têm Entretanto, a L-AmB foi mais efetiva em reduzir
seu mecanismo fisiopatológico completamente a frequência de infecções fúngicas de escape,
elucidado. Diferentemente de d-AmB, que apresenta reações infusionais agudas e nefrotoxicidade.
reações agudas infusionais mediadas por fator de O estudo estabeleceu claramente que a L-AmB
necrose tumoral alfa (TNF-α) e interleucina-6 (IL-6), apresenta menor toxicidade do que a d-AmB; o poder
a L-AmB tem uma síndrome distinta, idiossincrásica, estatístico dessas observações é embasado pelo
aparentemente mediada por histamina e possivelmente monitoramento, prospectivo e duplo-cego, à beira
a fração C5a do complemento26. do leito, de mais de 7 mil infusões. Os benefícios
Estudos pré-clínicos e clínicos (fase I e II) de redução das reações agudas infusionais podem
indicaram que L-AmB foi bem tolerada e apresenta ser particularmente importantes para pacientes
nefrotoxicidade reduzida em comparação à d-AmB28-31. criticamente enfermos, que têm uma tolerância
Outras condições clínicas foram avaliadas, nos menor aos eventos cardiorrespiratórios que podem
estudos iniciais com esta formulação, com eficácia ocorrer nessas reações18,41.
comparável à d-AmB32-36. A L-AmB despontou A imunomodulação característica das anfotericinas
como uma alternativa com um índice terapêutico ocorre de forma diferente nas formulações lipídicas
muito mais favorável do que d-AmB, o que a tornou e particularmente com L-AmB, tendo esta um efeito
particularmente promissora para o tratamento de anti-inflamatório. L-AmB provoca down-regulation
condições graves, como a aspergilose invasiva, na expressão gênica de citocinas inflamatórias nos
histoplasmose disseminada e também a leishmaniose macrófagos, além de interagir com os receptores
visceral, em que concentrações maiores de anfotericina TLR-4 nos neutrófilos (diferentemente de d-AmB,
B são necessárias para o controle infeccioso37-40. que se liga primariamente aos TLR-2 com efeito
Neste contexto, Walsh et al. conduziram um pró‑inflamatório)22,23. Com essa mudança na sinalização
ensaio clínico randomizado, multicêntrico, duplo-cego, de TLR-2 para TLR-4, L-AmB potencialmente estaria
comparando L-AmB e d-AmB, no tratamento empírico associada com um menor grau de inflamação durante
de infecções fúngicas invasivas, em pacientes com a infecção fúngica, uma propriedade importante nos
neutropenia e febre persistente. Foram estudados pacientes expostos a corticosteroides. A diferença
702 pacientes; destes, 343 receberam L-AmB e no padrão de produção de citocinas pode explicar a
344 receberam d-AmB. Os desfechos clínicos de chance menor de reações agudas infusionais com
sucesso do tratamento foram similares entre os dois L-AmB. O efeito anti-inflamatório dessa formulação
grupos (50 e 49%, respectivamente). Em relação à deve-se, pelo menos parcialmente, ao carreador
mortalidade, resolução da febre e descontinuação (lipossomo)23.
ABLC, conforme a dose utilizada47. A influência da AmB é metabolizada no fígado e excretada com a
dose de ABLC foi enfatizada em um outro trabalho, bile nas fezes. Cerca de 2-5% da AmB encontrada
que avaliou a utilização de 1 mg/kg/dia, e encontrou na urina não foi metabolizada e permanece
apenas 8% de nefrotoxicidade, comparado a 32% biologicamente ativa7. Bekersky e colaboradores
com d-AmB48. Ressalta-se, no entanto, que este (2002) constataram que até dois terços de d-AmB
estudo, além de envolver um número pequeno de são excretados inalterados na urina (20,6%) e fezes
pacientes, arrolou pacientes com neutropenia febril (42,5%), sugerindo que não há uma metabolização
e sem infecção fúngica comprovada, o que pode extensa do medicamento54.
levantar questionamentos sobre a eficácia desse Os estudos existentes classificam os polienos
regime de dosagem. Por outro lado, em um trabalho – AmB – como compostos concentração-dependentes55.
de farmacovigilância, que incluiu 93 pacientes, não Entretanto há resultados conflitantes nesses estudos,
foi encontrada qualquer correlação entre a dose como por exemplo a observação de ação antifúngica
utilizada (seja a dose diária prescrita ou a dose similar às primeiras horas e persistente após 24 horas
cumulativa recebida pelos pacientes) e a incidência de administração, o que pode refletir in vivo a difusão
de nefrotoxicidade49. lenta nos tecidos desses compostos. Embora esteja
Em uma revisão sistemática dos estudos que estabelecido que a AmB claramente tem atividade
avaliaram ABLC, conclui-se que este agente, na concentração-dependente55, existe provavelmente
dose de 5 mg/kg/dia, é tão eficaz quanto d-AmB e um efeito de teto da fração livre (bioativa) da droga,
menos tóxico. Uma incidência elevada de reações baseado na ligação às proteínas plasmáticas e
agudas infusionais é mencionada, mas diminuída em solubilidade, o que poderia variar de acordo com o
importância em razão de seu fácil manejo e baixa sítio da infecção em órgãos como os rins, pulmões,
morbidade50. Embora esteja bem documentado que fígado e cérebro52.
L-AmB tenha uma incidência claramente menor de O objetivo farmacocinético de qualquer tratamento
reações agudas infusionais do que d-AmB, o mesmo antifúngico é atingir concentrações terapêuticas no
não foi demonstrado de forma inequívoca com ABLC, sítio da infecção. Desta forma, devemos considerar,
que parece estar no mesmo patamar do que d-AmB, além do medicamento, qual o fungo que está
em relação a esse aspecto46,51. causando a infecção e aonde está localizada
ou compartimentalizada. A maioria dos fungos
FARMACOCINÉTICA E FARMACODINÂMICA patogênicos encontra-se no meio extracelular; logo
a concentração sérica seria um marcador confiável
A absorção gastrintestinal de AmB e, para terapêutica adequada. Entretanto, em infecções
consequentemente, sua biodisponibilidade são compartimentalizadas como as do sistema nervoso
mínimas. Alguns dados detalhados do metabolismo central, tais como a meningoencefalite criptocócica,
da AmB ainda não são totalmente conhecidos. Mesmo a concentração no parênquima cerebral pode ser
após 40 anos de uso clínico, o regime posológico mais importante. Estudos em animais demonstraram
de d-AmB ainda não está completamente definido, a penetração equiparável no parênquima cerebral de
sendo indicado pelo fabricante a infusão diária de d-AmB em relação às outras formulações de AmB55,56.
2 a 6 horas. Quando a d-AmB é administrada e entra De fato, os tratamentos com d-AmB (1 mg/kg/dia)
na corrente sanguínea, o deoxicolato separa-se e L-AmB (5 mg/kg/dia) proporcionaram as maiores
prontamente da AmB. As moléculas de AmB, então, concentrações de pico plasmático (CMax) e área
ligam-se às lipoproteínas plasmáticas (acima de sob a curva (AUC), em comparação as outras
95%)52, divididas entre HDL e LDL. Inicialmente, uma formulações de AmB (ABCD e ABLC). A d-AmB
proporção liga-se à HDL, com uma subsequente e a L-AmB também apresentaram maior eficácia
compensação para a LDL através da ação da antifúngica56.
proteína de transferência de colesterol esterificado Estudos de farmacodinâmica mostraram que
ou proteína de transferência lipídica44. d-AmB exibe atividade espécie-específica e
A maior parte do fármaco deixa a circulação concentração‑dependente, com concentrações 50%
sistêmica e é deslocada para o fígado e outros órgãos. efetivas (EC50) variando de 0,10 a 0,12 µg/ml para
As concentrações de AmB em áreas inflamadas, A. fumigatus; 0,36 a 0,53 µg/ml para A. terreus;
tais como peritônio, pleura e articulações são 0,27 a ≥ 32 µg/ml para F. solani; 0,41 a 0,55 µg/ml para
aproximadamente dois terços do nível sérico. A AmB F. oxysporum; e 0,97 e 0,65 µg/ml para S. apiospermum
penetra pouco nas meninges em seu estado normal e S. prolificans, respectivamente57,58. Em relação
ou com inflamação, como também no cérebro, saliva, à Candida albicans, atividade otimizada similar
secreções brônquicas, humor vítreo, líquido amniótico, de AmB pode ser atingida maximizando a relação
músculos e ossos53. Aproximadamente 20-30% da concentração de pico sobre concentração inibitória
mínima (CMax/MIC). A d-AmB também demonstrou relacionadas à administração de d-AmB têm ligação
atividade inibitória do crescimento prolongada, com a liberação de TNF-α e IL-6. Já foram descritos
dose‑dependente, mesmo quando seus níveis caíram casos de arritmias cardíacas graves durante a
abaixo do MIC59,60. administração de AmB7,15,63. Estão descritos ainda
As formulações lipídicas foram desenvolvidas outros efeitos adversos, como anemia, neutropenia,
com o intuito de aumentar o índice terapêutico plaquetopenia (a toxicidade hematológica será
da AmB, permitindo o uso de doses maiores para abordada nesta revisão), alterações de provas de
o tratamento das condições infecciosas. Essas função hepática e toxicidade cardíaca, essas últimas
formulações, estruturalmente diversas, diferem em bem menos comuns15,64.
termos de farmacocinética, assim como em relação à
concentração tecidual, efeito microbiológico e toxicidade. NEFROTOXICIDADE
Na Tabela 1 podemos observar, resumidamente,
as similaridades e diferenças entre as formulações A nefrotoxicidade é um evento adverso, bastante
de AmB, em relação a algumas características conhecido, da terapia com AmB. A perda de função
farmacocinéticas e farmacodinâmicas42. renal é uma complicação relativamente comum,
assim como outros eventos, como hipocalemia,
EFEITOS ADVERSOS hipomagnesemia, acidose metabólica devido a
A toxicidade da AmB pode ser dividida em efeitos acidose tubular renal distal e poliúria devido a diabetes
agudos (reações agudas infusionais) e subagudos insipidus nefrogênico13,65,66.
(toxicidade renal, hematológica e hepática). Reações A incidência de nefrotoxicidade pode chegar a níveis
agudas infusionais são caracterizadas por sintomas entre 49 e 65%; podendo chegar à perda significativa
como calafrios, febre, náuseas e vômitos, cefaleia, da função renal, com necessidade de diálise. Fatores
hipotensão, taquicardia e dispneia, que ocorrem de risco para toxicidade por d-AmB incluem sexo
durante a administração de d-AmB. Tais reações masculino, dose elevada do medicamento (acima
frequentemente requerem atenção médica e uso de 35 mg/dia), uso concomitante de diuréticos ou
de medicamentos, tais como dexclorfeniramina drogas nefrotóxicas, peso corporal acima de 90 kg e
ou meperidina. As reações agudas infusionais função renal anormal no baseline13,15,65,67,68. A diálise
como consequência da perda de função renal foi entre a luz e o citoplasma das células tubulares,
claramente associada ao aumento na mortalidade16,17. prejudicando também a excreção de íons de hidrogênio
A fisiopatologia da nefrotoxicidade parece envolver e causando consequente acidose tubular distal.
dois mecanismos principais: vasoconstrição grave, A hipocalemia é uma complicação frequente da
diminuindo o fluxo sanguíneo renal e, consequentemente, terapia com d-AmB, que pode levar à necessidade de
o grau de filtração glomerular (GFR); e uma interação suplementação diária de potássio para a manutenção
direta da d-AmB com as membrana da células dos níveis séricos deste íon. A perda de magnésio
epitelial do rim, causando disfunção tubular. Esses e a hipomagnesemia também são ocasionadas por
dois mecanismos conjuntamente determinam a essa toxicidade tubular direta. O dano preferencial
perda de função renal13,15. Os dois mecanismos às células tubulares renais parece ser explicado
interagem em um feedback tubuloglomerular, no qual pela sua exposição ao baixo pH da urina, condição
a concentração baixa de sódio na mácula densa, na qual a citotoxicidade é maior e os mecanismos
causada pela disfunção tubular proximal, aumenta de reparação da membrana ficam comprometidos71.
a vasoconstrição aferente, reduzindo ainda mais o A maior afinidade da d-AmB pelas lipoproteínas
fluxo sanguíneo renal9,15. do tipo LDL pode explicar a maior nefrotoxicidade
Já foi demonstrado que a nefrotoxicidade causada observada com essa formulação, em comparação
pela AmB é mediada, em nível celular, pelo mecanismo às formulações lipídicas cuja afinidade maior é
da apoptose. Em um experimento realizado na com HDL26. Os receptores LDL têm uma expressão
Alemanha por Varlam e colaboradores, foi estudada maior nas células endoteliais do glomérulo renal e,
a apoptose e sua relação com a nefrotoxicidade pela consequentemente, a concentração de d-AmB nos
AmB, em culturas de células e modelos animais. rins é maior do que com as formulações lipídicas26.
As células do túbulo proximal e as do interstício da Para a detecção da nefrotoxicidade, é necessária
medula renal responderam com apoptose a partir de a vigilância clínica para seus sinais. Suas definições
doses terapêuticas de AmB. A aplicação concomitante podem variar bastante, mas um aumento de 25%
de fator de crescimento semelhante à insulina-1 na creatinina sérica já pode ser considerado como
recombinante humano (rhIGF-1) foi capaz de inibir nefrotoxicidade13. É importante salientar que o aumento
essa apoptose in vitro. No modelo animal (ratos isolado da creatinina, utilizado na quase totalidade
Sprague-Dawley) utilizado para verificação, quando dos estudos que avaliaram a nefrotoxicidade da
da aplicação isolada de AmB, os ratos apresentaram anfotericina, é uma definição de nefrotoxicidade não
desidratação (evidenciada por gravidade específica padronizada e nem validada. Fatores extrarrenais,
mais baixa da urina) e hipocalemia, diferentemente como massa muscular, volume de distribuição da
de controles. Na aplicação de AmB em conjunto com creatinina, produção endógena da creatinina e
rhIGF-1, não houve desidratação e hipocalemia nos função hepática, podem alterar significativamente a
animais, da mesma forma que em controles não tratados. creatinina sérica em pacientes gravemente enfermos,
Em resumo, o estudo provém evidência de que a e, desta forma, muita cautela deve ser empregada
apoptose está envolvida diretamente com o processo na interpretação de valores isolados de creatinina
de nefrotoxicidade associada ao tratamento com AmB, sérica como um marcador de lesão renal aguda72.
de forma dose-dependente, e que a incidência da Dispõe-se, na atualidade, de critérios objetivos
apoptose está correlacionada aos sinais e sintomas para a definição de nefrotoxicidade, elaborados por
de nefrotoxicidade24. Entretanto, em outro estudo mais grupos de especialidades que estudaram a lesão
recente, no qual foi comparada a nefrotoxicidade de renal aguda72,73. O critério Rifle (Risk, injury, failure,
AmB e caspofungina utilizando também ensaios in loss of function, endstage renal disease) é a definição
vitro, não se observou efeito apoptótico com AmB, mais precisa de nefrotoxicidade na literatura74. É um
muito embora tenha sido evidenciado dano celular critério já validado para a determinação da incidência
significativo (e mais pronunciado que caspofungina), de insuficiência renal aguda e de sua estratificação
causado pela AmB69. prognóstica em diversas situações clínicas, estando
Em uma parcela significativa dos pacientes, d-AmB correlacionado com desfechos clínicos duros, como
induz outras alterações: hipocalemia, hipomagnesemia, mortalidade. Já o critério Akin (Acute kidney injury
acidose tubular renal e poliúria devido a diabetes network) é uma variação do critério Rifle, e compartilha
insipidus nefrogênico. Esses efeitos tóxicos devem‑se de muitas de suas vantagens e limitações73. A utilização
tanto à molécula de AmB em si, mediados pela desses critérios nos estudos clínicos é recente,
formação de poros nas células da membrana, como mas tem sido crescente em vários trabalhos nos
também pelo deoxicolato70. A hipocalemia decorre quais é mensurada incidência de lesão renal aguda,
desse aumento da permeabilidade da membrana associada ou não a alguma intervenção terapêutica
e acaba por alterar o gradiente de íons existente ou diagnóstica.
estudos de hibridização detectaram o ácido ribonucleico submetidos à transfusão sanguínea (59% versus
mensageiro (mRNA) da EPO nas células fibroblásticas 18%, p<0,05) do que os pacientes que receberam
do interstício celular próximo aos túbulos proximais ABLC47. Em um estudo não comparativo de d-AmB
do rim. O mRNA da EPO também foi encontrado em infusão contínua para o tratamento de meningite
nas células epiteliais dos túbulos renais proximais81. criptocócica, observou-se uma queda significativa
O mecanismo exato da supressão da produção nos níveis médios de hemoglobina (de 11,49 g/dL
de EPO pela AmB ainda não foi completamente para 7,92 g/dL), sendo que metade dos pacientes
esclarecido. Foi investigada a possibilidade de apresentou diminuições superiores a 3 g/dL77.
que AmB possa ter um efeito inibidor sobre o fator Shigemi et al. realizaram uma análise de
induzível por hipóxia (HIF-1), um conhecido fator segurança de L-AmB, observando também parâmetros
de transcrição chave e regulador da produção de hematológicos em uma pequena coorte retrospectiva.
EPO. Neste experimento, AmB inativou a atividade Anemia pós-tratamento foi evidenciada em 10/21
de transcrição de HIF-1, promovendo a interação (47,6%) pacientes. Já a trombocitopenia foi detectada
do domínio C-terminal de transativação (CAD) de em 11/19 (57,9%) dos pacientes. Neste estudo foi
HIF-1α e o fator inibidor de HIF-1(FIH), bloqueando possível considerar a dose de L-AmB como um preditor
o recrutamento do coativador p300 pelo CAD – de anemia (OR 3,56; p<0,05) e trombocitopenia
resultando em uma forte inibição da transcrição do (OR 10,01; p<0,05), chamando-se a atenção para
gene da EPO. Os níveis de mRNA de EPO foram esses eventos quando do uso de doses acima de
marcadamente diminuídos pelo tratamento com AmB, 3,3 mg/kg/dia e 3 mg/kg/dia, respectivamente79.
tanto em cultura de células quanto em rins de ratos.
Da mesma forma que nos estudos anteriores, não se ESTUDOS COMPARATIVOS ENTRE AS
confirmou que a nefrotoxicidade estava associada FORMULAÇÕES LIPÍDICAS
à diminuição na produção de EPO, tendo sido
demonstrada a sua supressão mesmo em rins sem Poucos trabalhos efetuaram uma comparação
alterações microscópicas ou apoptose. O acúmulo da direta, quanto a eficácia e segurança, entre as duas
AmB nos rins e, principalmente, sua reabsorção pelos formulações lipídicas mais comumente utilizadas
túbulos proximais por sua característica hidrofóbica (L-AmB e ABLC). O primeiro estudo realizado com
corroboram o racional de que esse efeito tóxico este fim, de Wingard e colaboradores, comparou o
ocorra em nível molecular nas células produtoras perfil de segurança entre essas duas formulações,
de EPO, impedindo a expressão de mRNA de EPO especialmente no que concerne a reações infusionais
em resposta à hipóxia81. agudas e nefrotoxicidade. Foram avaliados
Em relação à série branca, foi demonstrado que 244 pacientes com neutropenia febril, arrolados em
AmB é tóxica aos neutrófilos in vitro; essa toxicidade três grupos: dois com L-AmB, nas doses de 3 mg/kg
é revertida pela presença de colesterol LDL12. Esta e 5 mg/kg, e outro com ABLC, na dose de 5 mg/kg.
constatação pode ser explicada pela afinidade maior Foi definido como nefrotoxicidade um aumento da
da AmB pelo ergosterol, componente da membrana creatinina de ao menos 100%, em comparação com
celular fúngica, do que pelo colesterol. Permanece os valores basais. A exposição média à droga foi de
obscuro o mecanismo pelo qual a droga possa 7,5-8,5 dias; uma parcela significativa de pacientes
causar trombocitopenia. também recebia outras drogas nefrotóxicas. O uso de
Alguns estudos clínicos documentaram a anemia infusão salina foi permitido, mas não foi controlado.
provocada pela terapia com AmB em diferentes A frequência de reações infusionais agudas foi
cenários. Joly et al., em um estudo de 1996, quando significativamente maior no grupo com ABLC do que
da avaliação do Intralipid – uma combinação de nos outros dois grupos recebendo L-AmB, inclusive
AmB com lipídios em desuso atualmente, chamou a com maior uso de pré-medicação. Foi observada
atenção para a ocorrência de anemia. Houve quedas menor nefrotoxicidade nos pacientes utilizando
significativas da hemoglobina tanto no grupo do L-AmB, com diferença significativa (14,1% versus
Intralipid quando no grupo deoxicolato, embora esse 14,8% versus 42,3%; p<0,001). Também foi observada
decréscimo tenha sido maior (p=0,033) no grupo uma frequência menor de descontinuação da droga
do Intralipid (11,2 g/dL no dia 0 para 7,9 g/dL no dia por toxicidade nos grupos que utilizavam L-AmB
42)82. Sharkey descreveu, em uma comparação de (32% versus 13%; p=0,01). É importante ressaltar
ABLC com d-AmB para o tratamento de meningite que o protocolo do estudo não previa diminuição ou
criptocócica em pacientes com Aids, maior frequência interrupção de dose; todos os pacientes nos quais,
de anemia em sujeitos que receberam a formulação por algum motivo, as drogas em investigação não
com deoxicolato (p<0,05). Da mesma forma, pacientes puderam ser administradas em dose plena foram
que utilizaram d-AmB foram significativamente mais considerados como tendo abandonado a terapia
por toxicidade; isto diferiu de outros trabalhos, onde uma amostra de pacientes em terapia de resgate do
a dose do medicamento poderia ser suspensa, ou estudo de Hachem et al., além de um subgrupo de
mesmo reduzida83. pacientes do trabalho de Saliba et al. que recebeu
A maioria dos estudos comparando as formulações tratamento por ao menos 10 dias, ABLC manteve-se
lipídicas foram observacionais e retrospectivos. mais nefrotóxico que L-AmB, com discreta diminuição
O único ensaio clínico randomizado, além do estudo do OR e do RR. Novamente, os testes estatísticos
de Wingard citado acima, foi conduzido por Fleming mostraram falta de homogeneidade, sugerindo que os
e colaboradores, no MD Anderson Cancer Center resultados deveriam ser interpretados com cautela20.
(EUA). Esse trabalho, que envolveu um número Procederam-se, então, novas análises, desta vez
bastante inferior de pacientes, todos com leucemia excluindo um estudo a cada vez. Foi observado que,
(n=82; 43 pacientes com ABLC e 39 com L-AmB), excluindo o trabalho de Wingard et al., a probabilidade
definiu nefrotoxicidade como um aumento de 50% de nefrotoxicidade era similar entre os pacientes
na creatinina. Foi encontrada uma frequência de tratados com ABLC (n=510) versus aqueles tratados
nefrotoxicidade numericamente maior com ABLC com L-AmB (n=406); os sete estudos incluídos nessa
do que com L-AmB (40% versus 28%), entretanto subanálise ainda não apresentavam homogeneidade
sem significância estatística (p=0,26). A quase pelo teste de Breslow-Day. Utilizando-se a população
totalidade dos pacientes nesse estudo estava em uso de pacientes em tratamento de resgate do estudo de
de outros medicamentos nefrotóxicos84. Os outros Hachem et al., permanecia a ausência de diferença
trabalhos, observacionais, apresentaram resultados em relação à nefrotoxicidade, com ligeiro aumento
conflitantes ou sem significância estatística. Cannon85 na homogeneidade entre os estudos20. Uma análise
e Mattiuzzi86 demonstraram taxas maiores, porém posterior, ainda excluindo o estudo de Wingard et al.,
não significativas, de nefrotoxicidade com L-AmB. adicionando a população de pacientes tratados
Salienta-se que nesse último estudo foi utilizada por dez dias no trabalho de Saliba, continuou
uma definição distinta de nefrotoxicidade (aumento demonstrando a ausência de diferença em relação à
de 50% na creatinina sérica). Outros dois estudos nefrotoxicidade entre as duas formulações, embora
retrospectivos evidenciaram maior nefrotoxicidade ainda com ausência de homogeneidade entre
com ABLC, também sem significância estatística20,87. os estudos. A mesma análise, realizada com os
Saliba e colaboradores, em um estudo prospectivo pacientes do estudo de Saliba e com a população
e observacional, com um número pequeno de de pacientes em resgate do trabalho de Hachem,
pacientes, mas que envolveu também pacientes também não demonstrou diferença significativa
em terapia de resgate para aspergilose (ou seja, na probabilidade de nefrotoxicidade entre as duas
pacientes previamente expostos a outros agentes formulações (n=807; OR 1,02; RR 1,02) – desta vez,
antifúngicos), demonstrou uma tendência a maior com presença de homogeneidade entre os estudos
nefrotoxicidade com ABLC (23,3% com ABLC (teste de heterogeneidade: p=0,143)20. O estudo,
versus 7,1% com L-AmB; p=0,067)20. Por fim, uma com sua metodologia passível de crítica, termina
comparação retrospectiva entre as duas formulações, por concluir que ABLC e L-AmB são comparáveis
que incluiu 158 pacientes, também demonstrou uma em termos de eficácia e segurança, reaquecendo
taxa maior de nefrotoxicidade entre os pacientes que a importância do tema na literatura.
receberam ABLC, em comparação à L-AmB (21,2% Uma comparação mais recente entre as duas
versus 2,8%; p<0,001)88. formulações partiu da análise de dados de uma rede
Safdar e colaboradores publicaram recentemente de 150 hospitais, gerando dados sobre 327 pacientes
uma metanálise que procurou avaliar especificamente (105 com L-AmB e 222 com ABLC). A nefrotoxicidade
a nefrotoxicidade de duas formulações lipídicas de (definida como um aumento de 100% do valor da
anfotericina B, ABLC e L-AmB. Foram incluídos creatinina basal) foi associada, independentemente,
oito trabalhos nesse estudo, que relata incialmente com o uso de ABLC (OR 3,48; CI 95%: 1,05–11,52)89.
em separado os resultados de cada trabalho que Está bem documentada na literatura a redução
comparou as duas formulações lipídicas de anfotericina na toxicidade com o uso das formulações lipídicas
B; após, busca analisá-los em conjunto, utilizando de anfotericina B, como já descrito anteriormente.
ferramentas estatísticas específicas. A análise de Diferenças entre elas, no âmbito da nefrotoxicidade,
todos os oito trabalhos (n=1160 pacientes) mostrou têm sido motivo de intenso debate na comunidade
uma probabilidade maior de disfunção renal no grupo científica. Na metanálise de Safdar, foi demonstrada
que recebeu ABLC: razão de chances (OR) 1,75 e a ausência de diferença entre as formulações;
risco relativo (RR) 1,55. No entanto, uma significativa salientamos a exclusão do estudo de Wingard, que
heterogeneidade foi observada entre os estudos. observou essa diferença de forma significativa.
Ao se realizar análises adicionais, que incluíram Não está claro o motivo da diferença observada
à d-AmB; e que ABCD está associada a um risco bastante entre diferentes hospitais e de uma forma
maior de reações agudas infusionais, também em ainda mais expressiva, entre diferentes países.
comparação à d-AmB. Ainda quanto à nefrotoxicidade, Cagnoni et al. demonstraram que L-AmB poderia
os autores dessa revisão sistemática fazem a ressalva ser mais custo-efetiva do que d-AmB, se o preço por
de que houve significativa heterogeneidade entre os ampola ficasse em torno de 100 dólares (cerca de
estudos (I2=59%)90. Pode-se observar também que 300 reais)102. Considerando os preços praticados no
a diferença pró-lipídicas vem fundamentalmente dos mercado americano, um outro estudo (que avaliou
estudos com ABCD, justamente a formulação com três cenários diferentes de preço) demonstrou que
risco consistentemente maior para reações agudas ABLC seria mais custo-efetiva do que L-AmB103.
infusionais. Ainda, na maioria dos estudos não foi Alguns cenários específicos (de população em
controlada a ingesta de sódio, um fator que pode tratamento ou síndrome clínica tratada) podem estar
influenciar no risco para nefrotoxicidade, como já associados a um perfil de custo-efetividade mais
referido94. favorável de determinado medicamento. Na aspergilose
Dessa forma, não há consenso em relação ao invasiva, voriconazol foi mais custo-efetivo do que
benefício das formulações lipídicas (particularmente, L-AmB em pelo menos dois estudos diferentes de
L-AmB e ABLC) em pacientes pediátricos. farmacoeconomia104,105, e mais custo-efetivo do que
Não existem dados de farmacoeconomia suficientes d-AmB em outro106. Já no tratamento da neutropenia
para justificar ou não, de uma forma generalizada, febril, os resultados são contraditórios em relação à
essas intervenções em crianças. Ainda, não há uma comparação entre voriconazol e L-AmB107-109, mas
comparação ideal entre o uso de uma formulação o uso de uma equinocandina foi superior à L-AmB
lipídica e d-AmB em um ambiente de suplementação em todas as avaliações de farmacoeconomia até o
de sódio controlado e definições padronizadas de momento110-112.
lesão renal aguda. Isso tudo leva para uma decisão
caso a caso, onde fatores de risco, como nefropatia CONCLUSÕES
prévia, uso de outros medicamentos nefrotóxicos e A anfotericina B é um antifúngico que possui
idade (não neonato x neonato), são decisivos para características que a tornam indispensável dentro
a escolha da formulação de AmB a ser utilizada no do arsenal terapêutico, destacando-se o seu largo
tratamento de infecções fúngicas invasivas. espectro antimicrobiano. O conhecimento sobre o
seu mecanismo de ação tem avançado: além da
FARMACOECONOMIA
formação de poros na membrana celular fúngica, a
Existe uma diferença expressiva no custo de indução do estresse oxidativo parece ter um papel
aquisição entre as diferentes formulações de muito importante em seu efeito antimicrobiano.
anfotericina B. Enquanto 1 ampola de 50 mg de As novas formulações lipídicas têm características
anfotericina B deoxicolato custa aproximadamente farmacológicas distintas da anfotericina B deoxicolato
15 reais, as formulações lipídicas têm um custo e, por consequência, um perfil de segurança mais
consideravelmente mais elevado, no patamar de favorável. Embora ainda seja motivo de discussão a
1.000 a 1.500 reais por 1 ampola de 50 mg de existência de diferenças entre as duas formulações
anfotericina B complexo lipídico ou anfotericina B lipídicas atualmente disponíveis (L-AmB e ABLC),
lipossomal. É importante salientar, entretanto, que as evidências apontam para uma incidência menor
o custo de aquisição dos fármacos é apenas uma de efeitos adversos, notadamente nefrotoxicidade,
fração dos custos hospitalares gerais, em que serão com L-AmB. Outras toxicidades são infrequentes,
adicionados o custo de uma hospitalização mais entretanto a toxicidade hematológica parece ser um
prolongada, cuidados, exames e procedimentos fenômeno pouco estudado e com potencial importante
adicionais que podem vir a ser necessários na para morbidade, considerando a população em que
ocorrência de toxicidade. tratamentos com anfotericina B são empregados.
Desde o início do uso clínico das formulações Crianças toleram melhor os tratamentos com anfotericina;
lipídicas de AmB já existe uma preocupação em na pediatria, e particularmente em neonatos, não
relação ao custo das formulações, a despeito de há consenso sobre o benefício da utilização de
suas vantagens em relação à d-AmB100,101. Análises formulações lipídicas de AmB. Levando em conta
farmacoeconômicas já foram desenvolvidas no o alto custo associado à aquisição de formulações
sentido de avaliar a custo-efetividade das formulações lipídicas de AmB, são necessários mais estudos de
de AmB. Evidentemente todos esses trabalhos farmacoeconomia avaliando seu uso em situações
baseiam‑se no custo do medicamento e custos específicas, e considerando custos hospitalares
adicionais da hospitalização, o que pode variar totais, ajustados ao contexto local.
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Recebido: 29/05/2015
Aceito: 29/06/2015