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Pe. Maurício Meschler, S. J.

SÃO JOSÉ
Na Vida de Cristo e da Igreja

Nihil obstat

Rio, 17 de Fev. de 1943.

P- J. Bat. de Siqueira.

IMPRIMATUR.

Rio, 17-2-1943.

Mons. A. Costa Rêgo

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INTRODUÇÃO

Dá-se com os santos o que se dá com os homens e as paisagens. Qual a fisionomia tal o ponto
de vista que revelam. Alguns ao primeiro lance dos olhos manifestam o que têm de belo e de
grande e arrancam-nos imediatamente admiração ou simpatia. Outros pelo contrário só
patenteiam seu valor após estudos sérios. Deve-se descobrir o seu mérito pela observação. Só
então se nos antolha o seu valor, sua beleza e sua magnificência. Pode mesmo acontecer que o
seu encanto consista primordialmente nessa singeleza essa espécie de mistério que os envolve.
Precisamente isto notamos nos santos. Como os astros do firmamento assim diferem os bem-
aventurados em brilho e beleza: os que atraem menos os nossos olhares podem ser os maiores.
São José pertence ao número dos últimos. Um mestre na vida espiritual chama-o, não sem
razão, “o mais oculto dos santos". A expressão é justíssima se pensarmos dum lado na
incomparável missão e na extraordinária santidade do glorioso patriarca e, doutro lado no silêncio
e na obscuridade que foram apanágio seu. Só muito tarde, muito mais tarde do que outros
santos surgiu ele no firmamento do céu da Igreja e recebeu as honras de um culto especial; e,
apesar do incremento que este culto pode tomar no correr dos tempos, nem por isto permanece
São José menos ignorado. De alguma maneira poder-se-á dizer que nesta sua obscuridade
consiste a sua grandeza.
Sem dúvida, numerosos escritores ascéticos e teólogos, animados de uma terna devoção ao
nosso Santo, consagraram-lhe seu talento e descobriram, graças à agudeza do engenho e a uma
admiração operosa, grandezas e maravilhas em S. José: falavam de sua santificação desde o seio
materno; do privilégio de uma ressurreição antecipada; de graças extraordinárias que haviam sido
seu quinhão. Bem certo é que Deus outorgou a São José tudo quanto estava em relação com sua
missão extraordinária. Não o contestamos. Mas temos as indicações da Escritura que valem mais
do que todas as revelações privadas e todas as opiniões dos sábios, por mais piedosas que sejam
e por mais verossimilhantes que pareçam. O que ela nos diz de São José é a verdade, a verdade
indiscutível. Uma só palavra, simples e despretensiosa, da Escritura encerra, a miúde, incrível
plenitude de sentido. Mas se faz mister sondar a profundeza dessa palavra, dessa expressão. Um
lago cristalino situado em alturas montanhosas encanta-nos não só pela superfície diáfana na qual
se reverbera o azul do céu, mas também pela transparência das águas de cujo seio brota
maravilhosa vegetação, revelada pelas ninfeáceas que balanceiam a cabecinha verde na superfície
serena da água. Sucede o mesmo com a Sagrada Escritura. A Verdade, na singeleza da forma,
permite-nos olhares para profundezas misteriosas. No que concerne a São José encerra o
Evangelho verdadeiros tesouros. Devemos trazê-los à tona e explorá-los para a glória do nosso
Santo.
Por isto terá o presente opúsculo duas partes. Na primeira, de Evangelho na mão, contaremos
a vida de São José nas suas contínuas relações com a vida de Cristo. Esta é que vem a ser a
verdadeira vida de São José e a base de tudo o mais. Embora bastante conhecida ela nos aparece
sempre bela sempre amável, sempre própria para nos animar e edificar. Na segunda parte
mostraremos a vida de São José na Igreja. Falaremos do culto que os fiéis lhe prestam e das
graças múltiplas que decorrem das suas virtudes, e, dos diversos aspectos sobre os quais lhe
podemos meditar a vida. Em palavras singelas procuraremos traçar o perfil do modesto e humilde
patriarca de Nazaré.
Permita Deus, que estas linhas despretensiosas, granjeiem novos devotos para o Pai nutrício
de Jesus.

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PRIMEIRA PARTE
SÃO JOSÉ NA VIDA DE CRISTO

1. A PÁTRIA E A FAMÍLIA DE SÃO JOSÉ

São José teve por pátria a Terra prometida, a Terra Santa. Partindo do
Hermon, cujos píncaros alcandorados se revestem de neve, e dividida
longitudinalmente em duas partes pelo curso do Jordão, estende-se a Terra Santa
entre o Mediterrâneo e o deserto, apresentando alternativamente montanhas e
planícies, pastos viçosos e vales sombrios, formando como que uma linda
península, de norte a sul.
A Galileia, com seu lago encantador e suas colinas arborizadas, onde está
engastada Nazaré, era a joia da Palestina, enquanto a Judéia, com o seu solo
pedregoso e suas gargantas escancaradas, mostrava um caráter mais austero. Em
compensação, trazia ela, no seu planalto central, o Templo, santuário, onde Deus
se revelava, centro da vida religiosa e política da nação. Não longe dali, numa
graciosa colina, estava situada Belém, a povoação real.
Em verdade, a Palestina era a magnífica herança de Deus destinada ao seu
povo escolhido. Merecia ser a mansão do Homem-Deus. Suas três cidades mais
santas — Nazaré, Jerusalém, Belém — foram precisamente o teatro da vida de
São José.
Naquela região tão bela e gloriosa, José nada mais era que um desconhecido.
Pertencia à raça de Davi e Salomão, cujos reinados levaram o povo judeu às
culminâncias da sua grandeza, e de cuja posteridade sairia o Messias, esperança
de Israel e Salvador do mundo. Eis o privilégio mais belo da nação escolhida e,
mais particularmente, da família de Davi, — privilégio historicamente atestado
pela dupla genealogia de Jesus, conforme no-la dão os evangelistas: São Mateus,
derivando-a de Abraão e descendo pela família de Salomão; São Lucas, subindo,
pela família de Natan, até Davi, até Abraão, até Adão.
No que concerne a São José, à sua missão, ao seu mérito e à sua grandeza,
essa genealogia é importantíssima. Primeiro, temos nela incontestavelmente a
genealogia do próprio São José: aí ele nos é apresentado como descendente de
Davi; achamo-lo intimamente associado ao Messias prometido, ao Homem-
Deus de quem ele é o pai legal. Assim se cumpriu a promessa de que o Messias
sairia da raça de Davi. Assim resulta que o Salvador é realmente filho de Davi e
que Ele, através de São José, reúne em si todas as glórias dessa ilustre família.
Com efeito, diz-nos São Mateus que o pai de José foi Jacó; São Lucas nos diz
que foi Helí. Só se explica esta divergência em virtude da lei de levirato,
segundo a qual aquele, cujo irmão morresse sem deixar filho, devia esposar a
viúva desse irmão afim de lhe assegurar a posteridade. Assim, Jacó teria sido o
pai corporal de José, e Helí apenas o pai legal. Destarte, em José — e parece que

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tal fora outrora o caso em relação a Zorobabel — reúnem-se os dois ramos da
família de Davi, e é ele quem transmite ao Salvador as glórias dessa dupla
linhagem.
Se considerarmos Jesus como Deus, parecerá insignificante essa descendência
real. Mas, se encararmos o Homem-Deus, ela terá a sua importância. Por ela, o
Salvador conta dezenove reis entre os seus antepassados; e essa honra deve-a ele
a São José. Por isso, dirigindo-se a José pela primeira vez, o anjo chama-o “filho
de Davi”. Trata-se de uma mensagem messiânica, e o anjo afirma que a
grandiosa promessa feita à família de Davi se realiza agora em São José e por
São José. Assim, quando mais tarde a multidão, arroubada de admiração, saúda
o Salvador com o nome de Filho de Davi, e dele implora, a esse título, o alívio
de todos os males; quando o próprio Jesus, para demonstrar que é o Messias,
reivindica esse nome e essa honra em face dos seus adversários (Lc 20,41), a
multidão e o Salvador não fazem mais do que proclamar um título de que Jesus
é devedor a São José.
Se o evangelista São Lucas faz remontar até Adão a genealogia do Salvador é
para nos mostrar que Jesus é bem da nossa raça, Senhor e Chefe do gênero
humano em peso, primogênito da criação. Não caracteriza isso, ao mesmo
tempo, o lugar que São José, na sua qualidade de patriarca, ocupa na Igreja, e
sua relação com as gerações vindouras? Num sonho misterioso, Jacó viu uma
escada que se elevava da terra até o céu; os anjos subiam-lhe e desciam-lhe
pelos degraus. No topo estava o próprio Deus. Na árvore genealógica do
Salvador, Deus, na pessoa de Jesus, revela-se no topo realmente, e não apenas
em sentido figurativo; e isso graças a São “José, esposo de Maria, da qual
nasceu Jesus que é chamado Cristo” (Mt. 1,16).
Mas, dir-se-á talvez, que restava de toda a glória da família de Davi no
momento do advento do Senhor? A oficina do carpinteiro José relembrava,
porventura, o esplendor do grande rei? E podia o nosso santo oferecer a Jesus
Cristo, nosso Senhor e Mestre, outra coisa a não ser a honra duvidosa de uma
família certamente ilustre, mas decaída, e cujas condições de vida já não
destoavam das dos mais humildes israelitas?
Sim, essa pobreza e essas humilhações eram o quinhão de São José; mas eram
também uma das características do Messias. Eis por que o Salvador devia
recebê-las por São José. A pobreza e a humilhação entravam no plano divino da
Redenção; tinham a sua razão de ser na missão do Homem-Deus. Quando os
judeus foram levados para o cativeiro da Babilônia sob o rei Jeconias, o cetro
afastou-se de Judá e a coroa real da família de Davi. Zorobabel reconduziu o
povo à sua pátria; mas “a casa de Davi caía cada vez mais em ruína” (Amós
9,11) e, a partir de Abiud e de Resa, filhos de Zorobabel, até José, a lista
genealógica não apresenta senão nomes desconhecidos. No tempo dos
Macabeus, enquanto se esperava a vinda do Messias prometido, outra família
subiu ao trono de Israel. Após a sua sanguinolenta extinção, o terrível edomita
Herodes, semi-judeu e semi-bárbaro, usurpou a coroa (38 a. C.). Para subtrair-se

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ao ciúme e à crueldade desse príncipe, os descendentes de Davi tiveram de fugir,
ou pelo menos de mergulhar na obscuridade e viver penosamente, na Galileia ou
em Belém, da lavoura ou da mão de obra. Nada restava das riquezas de Davi
nem da glória de Salomão. Do próprio São José uma só coisa sabemos: era
carpinteiro. Ignoramos se morava em Belém ou em Nazaré. Portanto, do ponto
de vista temporal, José não tinha para oferecer ao Redentor mais que as suas
mãos calejadas e seu coração de uma fidelidade e de um amor a toda prova. Em
lugar de grandezas e brilho do mundo, havia obscuridade e pobreza.
Eis aí precisamente o que o Salvador queria e, para achá-lo, desceu do céu à
terra. Eis por que dispusera os acontecimentos de maneira a que a família de
Davi resvalasse gradativamente para a pobreza. Deus, — não carecia de
riquezas, nem de honras, nem de meios naturais. Homem-Deus, — fundador de
uma religião que ensina a humildade e a pobreza. Redentor da humanidade
pecadora, — a indigência e a obscuridade lhe serviriam de instrumentos para a
realização dessa obra. Longo tempo atrás, os profetas tinham visto nele um ramo
peco, despregado do cedro real, brotando em terra árida (Is. 53,2). A humilhação
da família de Davi, a que ele pertencia, sobre ser o castigo das faltas cometidas
pelos descendentes do rei-profeta, significaria para o Salvador um dos sinais do
seu advento, um meio de efetuar a nossa redenção, um laço que o uniria a outra
família muito mais extensa — o gênero humano todo, pobre, necessitado, sujeito
à lei do trabalho cotidiano. Assim, pois, é que José seria, para o Salvador, o
homem segundo o seu coração, o pai escolhido dentre mil.
Nobreza de origem e pobreza: tal era a herança temporal que São José
transmitia ao Redentor. Mas, nem o sangue real nem a pobreza, em si mesmos,
valem aos olhos de Deus. Perante o Senhor, só tem valor a virtude e a santidade.
Ora, São José era homem de elevada virtude e de uma santidade extraordinária.
Bastaria, para prová-lo, a missão para a qual, desde toda a eternidade, Deus o
escolhera. As obras de Deus são perfeitas, e seus conselhos sempre cheios de
sabedoria. Quanto mais uma criatura se aproxima Dele, mais Ele a faz participar
da sua própria santidade. São José era o chefe da sagrada Família, o pai legal de
Jesus, o esposo da Mãe de Deus. Achava-se, por isso mesmo, unido a Jesus e a
Maria pelos laços mais íntimos.
Daí devemos concluir, que a alma de São José foi um prodígio de graça e de
santidade. Missão alguma é comparável à sua; nenhuma santidade — exceto a
de Maria — assemelha- se à sua santidade. Ele sobrepuja a todos os santos da lei
antiga. É o último rebento do Antigo Testamento; toca imediatamente na pessoa
do Messias. Por conseguinte, nele deve ter atingido o apogeu aquela santidade
dos antepassados que, nos desígnios divinos, também deveria servir aos planos
da Encarnação. Como Abraão, São José era um homem de fé e de obediência;
era paciente como Jacó; puro e casto como José do Egito; era segundo o coração
de Deus, como Davi, e sábio como Salomão.
O Novo Testamento nos leva a uma conclusão semelhante. Aí também é
única a situação de São José. Quando aparece pela primeira vez no Evangelho, o

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texto sagrado faz notar que ele é “um homem justo” (Mt 1,19), isto é, no dizer
dos Padres e dos comentadores, um homem santo, perfeito, porque o termo
“justiça” significa “perfeição e santidade”. Sob esse duplo aspecto, ele só era
inferior a Maria. É verdade que, de acordo com a sua missão providencial, a sua
santidade nada tem que dê na vista. É preciso, por assim dizer, adivinhar a
grandeza e excelência da sua virtude: é um tesouro oculto de que só Deus pode
apreciar todo o valor, como, só o olhar da Sabedoria encarnada, podia, aqui na
terra, contemplar toda a sua riqueza.
Eis aí São José, descendente de uma família eminentemente nobre, conforme
o atesta sua magnífica genealogia; — glorioso até na pobreza e na humilhação,
porquanto é pobre por amor a Cristo; — admirável pela virtude e santidade; —
em suma, era ele o homem de quem o Salvador precisava para realizar seus
desígnios redentores.

2. ESPOSO DE MARIA

“Homem da dextra de Deus”, São José não se perturbava nem preocupava


com planos e projetos relativos ao futuro. De antemão, estava resolvido a
observar a lei divina, a cumprir fielmente todos os seus deveres. Aguardava,
confiante, as indicações da Providência. Eis a melhor maneira de se preparar
para uma vocação verdadeiramente divina. De fato, chegado o momento, a
Providência não hesitou em pronunciar-se.
São José tornou-se o esposo da Virgem Maria. Ignoramos as circunstâncias
precisas.

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Os desposórios de S. José
Nossas informações cingem-se a algumas palavras da Sagrada Escritura, aos
textos de alguns Padres, às conjecturas dos teólogos, a lendas, graciosas sem
dúvida, mas muito incertas. Diz-nos simplesmente a Escritura que José era o
esposo de Maria, de quem nasceu Jesus, chamado Cristo (Mt 1,16); que o anjo o
animou a tomar Maria por sua mulher (Mt 1,20); que ele desposara a Virgem
Maria antes do dia da Anunciação (Lc 1,27). À míngua de outras fontes e
testemunhos, podemos, no que concerne a Maria, estabelecer, com relativa
certeza, três pontos que nos informam mais exatamente sobre esse matrimônio.
Primeiramente, Maria, como José, descendia da família de Davi. Isso consta
da tradição e do próprio texto sagrado (Lc 1,32). Ela pertencia, sem a menor
dúvida, a um dos dois ramos dessa família de que São Mateus e São Lucas dão a
genealogia.
Em segundo lugar. Maria era a herdeira de um dos ramos da família de Davi.
Em parte alguma se fala de que ela teve irmãos; pelo contrário, aliás, São José
não a teria levado consigo para- Belém; mas é que, na sua qualidade de herdeira,
ela teve de se fazer inscrever para o censo. Finalmente, no Calvário, o Salvador
confiou Maria ao discípulo bem-amado, prova de que, ao menos naquele
momento, Maria não tinha irmãos.
Em terceiro lugar, Maria fizera voto condicional ou incondicional de guardar
perpétua virgindade. Outro sentido não pode ter a sua resposta à mensagem do
anjo anunciando-lhe que ela seria a mãe do Messias (Lc. 1,34).Ora, essa resposta
é evidentemente posterior ao seu noivado com São José (Lc. 1,27).
As profecias haviam anunciado que o Messias nasceria de uma virgem (Is
7,14), porquanto o nascimento virginal era o único digno do Filho de Deus.
Como foi que, nessas circunstâncias, Maria esposou São José? Segundo certos
autores, os pais de Maria, e sobretudo os sacerdotes, cujo dever era velar pela
observância da lei e, mais particularmente, pela conservação das antigas
famílias, teriam imposto à descendente de Davi a obrigação de escolher um
marido na sua parentela. Vendo nessa ordem a vontade do próprio Deus, Maria
obedeceu. Outros autores resolvem a questão dum ponto de vista mais elevado.
Segundo eles — e parece que a Igreja é deste parecer, visto falar no Ofício dos
Desposórios de Maria e José de uma admirável intervenção da Providência —
esse casamento foi muito especialmente propiciado pela Divina Providência que,
na sua sabedoria e no seu poder, e em vista da Encarnação do Filho de Deus,
achou meios de unir aquelas duas santas almas pelos laços do matrimônio,
embora José, tal como Maria, tivesse resolvido viver em perpétua virgindade.
Deus lhes revelou que, nas disposições em que ambos estavam, o matrimônio
contraído não seria obstáculo ao voto; que a sua vontade era vê-los concluir essa
união para guardarem nela santamente a promessa que haviam feito.
Numerosos Padres e teólogos eminentes sustentaram essa opinião.
Efetivamente, corresponde ela à Providência, que sabe fazer concorrerem para

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os seus intuitos os próprios obstáculos. O intuito, no presente caso, era a
Encarnação do Verbo. Deus escolhera uma Virgem para ser sua Mãe; não podia
dar a essa Virgem senão um esposo virginal. Ouçamos Santo Agostinho: Justo
era o esposo ,justa era a esposa; o Espírito Santo, que se comprazia na justiça
de ambos, deu-lhes um Filho”. — A virgindade é justiça em sentido mais
elevado, visto ser simplesmente de conselho.
Realizaram-se os esponsais ou em Jerusalém, onde a família de Maria possuía
uma casa, ou em Nazaré. Segundo o costume, quando era aceito o pedido para
casamento apresentado por um intermediário, o noivo, em presença da família e
dos pais, dava ao pai ou ao tutor da moça um ramo ou alguma joia, como penhor
da sua promessa, ou então os dois noivos exprimiam por algumas palavras o seu
consentimento recíproco. É muito possível que José e Maria tenham observado
esse uso.
A Virgem contaria então cerca de quinze anos. Possuía como dote a graça e a
beleza, um espírito cultivado pela educação recebida no Templo. Sua alma —
sabemo-lo pela fé — possuía dons maravilhosos e virtudes de uma excelência
incomparável. Quanto a São José, ignoramos qual a sua idade. Mas Deus faz
tudo com sabedoria e medida. Assim sendo, podemos admitir que José era mais
idoso que Maria e estava talvez na madureza da idade, mas não era nenhum
velho. Em seus quadros, os mais antigos mestres representam-no sem barba.
Pelas razões que acabamos de lembrar, ele certamente era de um exterior cheio
de nobreza e notavelmente dotado de qualidades excelentes de espírito e de
coração. Sob todos os pontos de vista, deveria ele ser o chefe da Sagrada
Família, seu arrimo e seu conselho nas dificuldades e provações.
Consoante expressiva lenda conservada por um documento antigo, os
sacerdotes, obedecendo a uma revelação especial, teriam decidido que, pela
mesma maneira como Aarão fora outrora escolhido para exercer as funções de
sumo sacerdote, todos os moços da família de Davi depositariam no limiar do
Santo dos Santos um ramo ou uma haste. Aquele cujo ramo florisse, e sobre o
qual o Espírito Santo descesse visivelmente, seria chamado à honra de tornar-se
esposo da Virgem Maria. Só São José, ou por humildade, ou por amor à
virgindade, não trouxe ramo algum; por isso, Deus não manifestou a sua
vontade. Os sacerdotes interrogaram então o Senhor: este respondeu que um
homem da casa de Davi faltara ao apelo. José teve de obedecer: e eis que o ramo
por ele trazido cobriu-se de flores, o Espírito Santo veio pousar nele, e São José
se tornou-se o feliz esposo de Maria! Por isso, nos quadros dos antigos mestres,
ele é representado segurando uma haste coroada de flores, sobre a qual repousa
o Espírito Santo.
O sentido simbólico desse casamento encerra um caráter superior,
verdadeiramente sacerdotal: o próprio Deus, o Espírito Santo, manifesta a sua
escolha, e só o amor à virgindade une para a vida inteira aqueles dois corações
tão nobres e tão puros — Maria e José. Aos olhos de Maria, a virgindade era o
penhor precioso que José lhe oferecia para lhe obter a mão. Foi pois, a

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virgindade que selou essa união. É o que significa o ramo de lis que a arte cristã
dá a São José como um de seus atributos característicos.
Segundo a lei judaica, os esponsais constituíam o vínculo conjugal. A
introdução da noiva na morada do esposo, ou os desposórios, não passava de
uma simples confirmação, mais solene, do primeiro contrato.
Essa solenidade, porém, efetuar-se-ia mais tarde e não passaria sem uma
dolorosa provação para José e Maria. O noivado foi seguido do grande e santo
mistério da Encarnação, mistério de importância decisiva para ambos. José
ignorava-o e Maria nada lhe disse.
Logo após a Anunciação, a Virgem, por ordem do anjo, foi a Ain Kariin
visitar sua prima Isabel, a primeira a ser instruída sobre o mistério da
Encarnação, como foi a primeira a retirar dele os frutos da graça. Sem dúvida
alguma, não estava presente São José, do contrário teria chegado, por força das
circunstâncias, a saber do mistério. Cerca de três meses mais tarde, Maria voltou
a Nazaré e, pouco a pouco, sinais exteriores começaram a revelar a maravilha
que se realizava nela. José não pode deixar de percebê-lo. Que dolorosa
surpresa! Entretanto, apesar de tudo, apesar da provação sofrida pela sua
confiança, ele tinha sobeja estima a sua noiva. Estava convencido da sua
santidade e perfeita virgindade, para duvidar seriamente da sua inocência.
Guardava, pois, silêncio. Por seu lado,Maria nada dizia.
Da parte da Mãe do Salvador, esse silêncio só se podia explicar por um
sentimento de delicado pudor, de humildade, de heróica confiança em Deus, a
quem ela entregara o cuidado de todas as coisas. E São José se calava por um
sentimento de nobreza, por deferência para com Maria, cuja virtude conhecia.
Antes de conceber a menor dúvida sobre a pureza de sua noiva, quis ver em tudo
aquilo uma maravilha cuja solução lhe escapava.
Contudo, urgia tomar uma decisão. Podia citar Maria perante os tribunais.
Podia,perante algumas testemunhas, fazer-se desligar da sua palavra sem
apresentar motivo. Mas, em ambos os casos, era isso comprometer mais ou
menos a honra de Maria, e seu coração recusava-se a isso. Pareceu-lhe de
melhor alvitre, apesar da dor que ele com isso sentiria, deixar secretamente sua
noiva e abandonar toda a questão à Divina Providência. Firmou-se nesta
decisão, preferindo ver-se ele próprio acusado de faltar à sua promessa, a deixar
a sombra de uma suspeita empanar a honra de Maria.
É nessas circunstâncias; que José nos aparece pela primeira vez no
Evangelho. Semelhante aos anjos, ele é inacessível aos baixos sentimentos da
ira, ia ciúme e da vingança, paixões tão facilmente inflamáveis entre os
orientais. Permanece plenamente senhor de si. Dá prova de uma sabedoria e de
uma prudência celestiais e, sobretudo, é excelentemente “justo”.
A despeito de todas as aparências, não se abalança a julgar desfavoravelmente
o próximo. É, pois, com toda a razão que o Evangelho lhe confere aqui o nome
de “justo” (Mt 1,19). Já o dissemos: Deus escolhera bem. São José era digno de

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ser esposo de Maria, pai legal de Jesus, chefe da Sagrada Família. Seu
procedimento nessa circunstância já nos revela que nele existia um grau
extraordinário de perfeição e santidade.
Nessa altura, o próprio Deus interveio. Ele prova os seus, mas não abandona
os que nele confiam. Num sonho profético que oferecia a certeza de uma
aparição visível, enviou um anjo a São José, revelando-lhe por essa mensagem
três coisas: primeiro, o anjo tranquiliza José a respeito de sua noiva: ela é
irrepreensível e santa; o que nela se efetuou é obra de Deus e do Espírito Santo.
Segundo, o anjo faz saber a José que o Menino dado à Maria, não é outro senão
o Messias, o Filho de Deus, que remirá o seu povo do pecado; na sua qualidade
de pai, José dar-lhe-á o nome de Jesus. Terceiro, o anjo exorta-o a não hesitar e
a aceitar Maria como esposa. Tal foi a celeste mensagem.
Que consolador despertar para José, e quem nos descreveria a doçura da sua
conversação com Maria após esse sonho revelador? Que mudança acaba de
operar-se! Qual não é, doravante, aos olhos de José, a dignidade de Maria! Já
não é somente uma santa: é a Mãe do Messias, a Virgem de quem nascerá o
Emanuel anunciado pelos profetas. E ele, José, será o esposo dessa Virgem
admirável!
Doutro lado, qual não é a gratidão de Maria para com o esposo, cujo coração
se mostrou tão magnânimo! A provação serviu para unir mais estreitamente
essas duas almas. Era exatamente o que Deus visava: revelar mutuamente, a
Maria e a José, a virtude e santidade de ambos, fundir-lhes os corações numa
recíproca estima, num amor inabalável. O casamento deve ser antes de tudo a
união das almas e a fusão dos corações.
Não havia mais que adiar as solenidades do casamento. De ordinário, ao cair
da noite, o noivo, acompanhado de músicos, escoltado pelos amigos, dirigia-se à
casa da noiva que, coberta de véu, se juntava então ao cortejo com suas
companheiras. Alumiado por tochas, o préstito demandava a casa do esposo. A
noiva era introduzida, lavrava-se o contrato, e os esposos recebiam a benção
nupcial. Vinham em seguida o festim de bodas, folguedos e danças que se
estendiam, às vezes, por vários dias. Tal o costume dos israelitas. Sem dúvida,
as coisas passaram-se pouco mais ou menos assim no caso de Maria e José. Mas
ignoramos se isto se deu em Nazaré ou em Jerusalém.
O casamento de São José com a SS. Virgem, e os incidentes habituais, neste
passo da vida, é um assunto que muitas vezes tentou o pincel ou o cinzel dos
artistas cristãos. Eis alguns traços típicos. Para indicar a dúvida de São José, o
mestre que esculpiu os admiráveis assentos do coro de Amiens representa o
nosso santo na iminência de deixar a casa da noiva: José fez seus preparativos de
partida; alguns embrulhos e o manto jazem-lhe aos pés; apesar da sua angústia,
ele acaba por adormecer, enquanto (segundo um quadro de Luini, Milão) Maria,
cheia de confiança em Deus, se ocupa tranquilamente em trabalhos de agulha.
Esclarecido pela mensagem do anjo, José cai de joelhos; pede perdão a Maria

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por ter pensado em abandoná-la. Maria perdoa-lhe com bondade, estende-lhe
uma das mãos, conservando a outra apoiada na Sagrada Escritura, pois estava
meditando. Já anteriormente, no momento do noivado, recebendo das mãos do
sacerdote o ramo florido, José lançara-se aos pés de Maria, reconhecendo-se
indigno da honra que lhe era feita (Amiens). São Joaquim figura entre as
testemunhas do noivado e abraça ternamente José (Luini). Os noivos deixam o
lugar onde receberam a benção do sacerdote: Maria lê atentamente um livro;
José anda-lhe ao lado felicíssimo dos nobres sentimentos de sua noiva (Missal
antigo). Gaddi (Florença) e Rafael reproduziram maravilhosamente a calma, o
recolhimento, a gravidade de José, a graça, a confiante e alegre simplicidade de
Maria. E todos os mestres — os antigos como os modernos — concordam em
colocar a cena dos desposórios no Templo de Jerusalém, ou pelo menos nas
imediações do Templo, que forma então um fundo majestoso. Efetivamente, era
esse um matrimônio contraído “diante de Deus”, tão alta era a virtude, tão belas
as disposições dos dois esposos! O próprio Espírito Santo fazia a alegria daquela
solenidade.
O casamento de Maria com José, repitamo-lo, foi obra da Providência que
assim conduzia todas as coisas para um fim admirável. No testemunho da Igreja
e dos Santos Padres, a união assim contraída foi um verdadeiro matrimônio:
José tornava-se na realidade, o esposo de Maria e o pai legal de Jesus. A
genealogia de José coincidia com a do Salvador. O casamento de José com
Maria estabeleceu legalmente que Jesus era descendente de Davi.
Essa união é, ao mesmo tempo, a última preparação, a preparação imediata
para o advento do Salvador neste mundo. A casa de Davi é restabelecida; o
herdeiro de todas as promessas pode vir. O mistério da Encarnação, que Deus na
sua sabedoria ainda não quer revelar, oculta-se sob o véu do matrimônio, a que
confere uma dignidade singular e graças preciosas. Por essa união e pelas
próprias circunstâncias que a acompanharam, Maria acha em José uma
testemunha irrecusável da sua virgindade, um arrimo dedicado, um conselheiro
cheio de sabedoria, um consolador na sua difícil missão. Os esposos e as virgens
terão doravante, em Maria e José, um modelo admirável e poderosos protetores.
A partir desse instante, os trabalhos dos dois esposos, suas solicitudes, suas
provações cotidianas são, de alguma sorte, patrimônio do reino de Deus, uma
cooperação com a vida do Homem-Deus, com a sua obra redentora.
Quanto a São José, que vantagens lhe resultavam desse casamento? Para ele,
era a inefável felicidade de viver na intimidade de Maria e de Jesus; o privilégio
de recolher o amor e a gratidão da Sagrada Família, de quem era o chefe. Jesus e
Maria eram-lhe submissos! Haveria em Israel felicidade maior, dignidade
comparável à sua?
Finalmente, esse casamento ensina a todos nós que o estado conjugal é uma
vocação santa, estabelecida por Deus; que as uniões contraídas com as
disposições requeridas são escritas no céu e podem ser uma fonte de bênçãos
para a sociedade e para a Igreja. Vemos também como a Providência guia todas

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as coisas com força e suavidade, não raro mesmo apesar dos obstáculos
aparentemente insuperáveis, e que não podemos fazer coisa melhor do que nos
abandonar com confiança, ao amor de Nosso Pai celeste.

3. EM BELÉM

Aproximava-se o momento em que a Virgem daria ao mundo o Salvador. Por


esse mesmo tempo foi publicado um edito de César Augusto exigindo que, em
todos os reinos submetidos a Roma — e a Judéia era desse número, — todos os
habitantes se fizessem inscrever. O recenseamento ordenado por Sulpício
Quirino, governador da província romana da Síria, efetuou-o Herodes e,
conforme o antigo uso, por tribos e famílias.

O nascimento de Jesus

Para fazer-se inscrever, todo chefe de família devia dirigir-se à cidade ou


povoação donde procedia a família. Essa medida descontentou o povo. Mas José
e Maria submeteram-se pacientemente, sabendo que tudo vem de Deus e que o
Salvador nasceria em Belém. José pôs-se, então, a caminho com Maria, que, na
qualidade de herdeira, devia fazer-se inscrever também nos registros do censo.
Estava-se em pleno inverno, no mês de dezembro, quando, geralmente, na
Palestina o vento sopra com violência, as chuvas são abundantes e, nas alturas, o
frio chega a ser rigoroso. Maria e José viajavam a pequenas jornadas, modestos
e recolhidos, suportando com doçura as intempéries do clima e a indiferença dos
homens.

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A viagem durou cerca de quatro dias e meio, e fez-se provavelmente pela
planície de Esdrelon e pelos vales da Samaria. Depois, de Jerusalém em diante,
continuaram pelo planalto de Refaim, por onde outrora seguia Salomão para ir
aos seus jardins de Etan, cercado de uma multidão de servos e em meio a uma
pompa que contrastava singularmente com a modéstia e a pobreza da Sagrada
Família. Em frente ao planalto, dominando vinhas e jardins escalonados em
terraços, cercado de vales verdejantes onde pastavam rebanhos, sobressaía o
povoado real de Belém. As habitações cobriam o vértice e as encostas ocidentais
da altura, ao passo que a vertente oriental, volvida para Jerusalém, era deserta.
Onde se vê agora a igreja da Natividade abria-se uma gruta.
Pelo pôr do sol, José e Maria galgavam as encostas da colina para ganhar a
hospedaria (khan), vasto pátio fechado por muros, onde os viajores acham
abrigo e água.Quanto ao mais, deve cada um providenciar por si mesmo. Os
forasteiros eram então numerosos em Belém. A hospedaria, estava repleta. Os
dois viajantes tiveram de prosseguir seu caminho, batendo talvez a muitas
portas, mas só recebiam negativas.
Fora da cidade, ao oriente, numa colina árida, descobriram uma espécie de
gruta, destinada a servir de refúgio aos animais. Talvez José já a conhecesse.
Talvez lhe tivesse indicado algum transeunte caridoso. Pernoitar numa gruta
desse gênero, ou mesmo estacionar nela algum tempo, ninguém o estranha no
oriente. Mas nas presentes circunstâncias, tamanho desamparo, era de tocar o
coração! Maria e José descendiam da mais ilustre família de Belém. Tinham por
si a santidade, a glória de serem os pais do Messias. E eis que o Messias, que
vinha salvar Israel e o mundo, tinha que nascer desconhecido e irreconhecido,
num retiro ignorado, como um estranho entre os seus!
Entretanto, veio a noite. E, nas sombras dessa noite augusta, aquele que é a
Luz eterna fez a sua entrada neste mundo. Maria, cujo coração transbordava de
desejo e amor, deu à luz seu filho primogênito, seu filho único. Arroubada de
admiração, contemplava aquela pobre e frágil criança; adorava-a; envolvia-a em
panos e depositava-a docemente na palha do presépio.
Após se desempenhar desses desvelos maternos, chamou José, que se havia
retirado. Este, então, contemplou pela primeira vez o semblante daquele, cuja
visão constitui a bem- aventurança dos espíritos celestes. A luz sobrenatural
revelou-lhe naquele Menino a beleza e a excelência da sua natureza humana e
divina. Com Maria, ele se prostrou de joelhos e, antes de mandar como pai,
adorou o seu Deus com toda a fé e todo o amor de que transbordava seu coração.
Sua alma, por assim dizer, se desmanchava em alegria e gratidão para com
Deus. Todo sofrimento estava esquecido quando ele tomou nos braços o
Menino-Deus, de quem deveria ser, neste mundo, o pai e a providência. Que
gratidão para com Deus, para com Maria, que lhe davam essa ventura! E essa
ventura lhe aumentava ainda mais a veneração e o amor para com aquela de
quem ele era o esposo.

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Um único pensamento fazia-o sofrer: a pobreza da gruta, onde seu Deus
acabava de entrar neste mundo, e o fato de nada lhe poder oferecer além do seu
amor e do seu coração. A indigência da família real de Davi atingira o ínfimo
grau. José compreendeu, nesse momento, toda a grandeza da sua missão junto
àquele Menino, e imolou-se-lhe sem reserva. Seria o auxiliar de Maria nos
cuidados de que ela cercaria a infância e a juventude de Jesus. Mais tarde, outro
José (de Arimatéia) estava junto de Maria, ao despregar-se da cruz o corpo
exânime do Redentor ao ser depositado no túmulo. Os panos e o presépio já
prenunciavam o sudário e o sepulcro.
Jesus via e conhecia os sentimentos de seu pai nutrício. Abençoava-o, vertia-
lhe na alma a plenitude das graça que lhe permitiam cumprir a sua missão. O
primeiro olhar, a primeira carícia do Menino-Deus revestiram José de uma
maravilhosa santidade, de uma admirável pureza de coração.
Essa noite ditosa trouxe outra surpresa e alegria a Maria e José. Apenas
prestaram ao Salvador a homenagem da sua fé e do seu amor, vozes fizeram-se
ouvir à entrada da gruta. Eram os pastores, chamados pelos anjos a contemplar e
adorar o Menino. Eles contaram a José como, enquanto velavam pelos rebanhos,
lhes haviam aparecido anjos do céu, anunciando o nascimento do Salvador.
Introduzidos para junto do Menino e de sua mãe, reconheceram a verdade das
palavras dos mensageiros celestes. Depois de adorarem o Messias, “voltaram
glorificando e louvando a Deus por todas as coisas que tinham ouvido e visto,
conforme lhes fora dito” (Lc 2,20), e publicando por toda a parte o advento do
Redentor.
Para José era essa visita dos pastores, acompanhada de tantas circunstâncias
maravilhosas, fonte de grande alegria. Era uma homenagem prestada ao
Menino-Deus e a Maria. Ele via a sua fé confirmada por esse testemunho
inesperado. Para ele, os pastores eram mensageiros de Deus. Um raio da glória
do Verbo encarnado havia-os iluminado. Eles tinham tido a honra e o consolo de
ouvir as palavras e o canto dos anjos.
Os artistas cristãos não deixaram de reproduzir as diversas cenas da noite de
Natal e os sentimentos que animaram o coração de São José. Fiel às tradições
que faziam buscar a objetividade e a calma clássicas, a arte antiga contenta-se
com mostrar José ao lado de Maria ou junto ao presépio: o santo tem na mão o
bordão de viajor, ou o machado de carpinteiro. Isso equivale, de alguma sorte, a
designá-lo oficialmente como protetor e pai nutrício daquele Menino-Deus que
quis nascer na pobreza. Na Idade Média, como que para frisar que José não é o
pai natural do Menino, representam-no imerso na oração ou na leitura, ou
retirado, à parte e dormindo (Urna de Aix-la-Chapelle). No fim do século XII, e
sobretudo nos séculos XIV e XV, o papel do santo patriarca junto de Maria e de
Jesus torna-se maisnítido: José mostra aos pastores o Menino que eles adoram
(Saint-Benoit-sur-Loire); apoiado num bordão, em pé junto do presépio, Ele
contempla Jesus com amor e no recolhimento da fé; ou então, revelando pelos
atos a sua solicitude paterna, ajoelha-se com Maria diante do presépio, adora o

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Menino-Deus e toma-o ternamente nos braços. A escola moderna, em geral,
permaneceu fiel à esta última ideia. Poder-se-ia mesmo dizer que a arte soube
tanto melhor traduzir os sentimentos do coração de São José quanto mais bem
conhecido e mais honrado, passou a ser o próprio santo.
É possível que, depois do nascimento do Salvador, São José tenha procurado
em Belém uma habitação mais conveniente, e que a Sagrada Família a ela se
haja retirado. Oito dias mais tarde, São José foi chamado a uma nova honra e
recebeu, então, misteriosos ensinamentos. O Menino teve de ser circuncidado
(Lc 2,21). A circuncisão era uma lei ritual do Antigo Testamento. Por ela, a
criança era incorporada à religião judaica, contraía a obrigação de submeter-se
às leis desta, partilhava das promessas que a ela estavam ligadas.
Simultaneamente, recebia um nome. Tornava- se membro da sociedade religiosa
e civil. Enquanto a circuncisão podia ser feita ou pelo próprio pai ou por um
sacerdote, só ao pai competia impor um nome ao filho.
Embora a tal não estivesse obrigado, o Salvador quis submeter-se a essa lei,
para confirmá-la, aperfeiçoá-la e tomar sobre si as penas que merecemos
transgredindo a lei divina. É o que significa o sangue do Redentor derramado
pela primeira vez nesse dia: era o penhor de que, mais tarde, na cruz, Ele
derramaria pela salvação do mundo até a última gota desse sangue precioso.
Quais não devem ter sido então os sentimentos de Maria e José! Sem dúvida,
Eles viram nisso a aurora ameaçadora, prelúdio das tempestades que se
abateriam sobre a vida mortal do Redentor.
O santo nome de Jesus significa: Deus e Salvador. Designa, pois, não somente
a pessoa do Homem-Deus, sua natureza divina e humana, mas ainda a sua
missão e os efeitos dessa missão sobre as nossas almas. É um novo penhor da
nossa redenção, do perdão dos nossos pecados; da promessa de que nossas
preces serão atendidas, de que temos um mediador de quem nos vêm toda graça,
em quem acharemos sempre força e consolação na vida e na morte. Para o
próprio Salvador, esse nome é o penhor da sua futura glorificação, o prenúncio
de que a esse nome todo joelho se dobrará no céu e na terra (Fil 2,10). Tudo o
que Jesus é para nós, sê-lo-á se invocarmos esse Nome com fé e amor. Pois bem,
esse Nome bendito foi São José quem, por ordem do Pai Celeste, o deu ao
Salvador com toda a autoridade paterna (Mt 1,21). Não é de justiça lembrarmo-
nos disto e testemunharmos a São José a nossa gratidão e o nosso amor por
haver imposto esse nome a Jesus e nos ter aberto, assim essa fonte de salvação?

4. NO TEMPLO DE JERUSALÉM

Decorridos quarenta dias do nascimento de Jesus em Belém, chegou o


momento em que o Menino devia ser apresentado ao Senhor no templo e Maria
sua mãe devia oferecer um sacrifício para a sua própria purificação.

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Em testemunho dos seus direitos sobre o povo escolhido, ou como autor de
toda paternidade, ou por haver libertado Israel da servidão do Egito, Deus queria
não somente que os levitas lhe fossem especialmente consagrados, mas ainda
que todo primogênito dos hebreus lhe fosse apresentado e resgatado ao preço de
cinco siclos. A apresentação devia fazê-la o pai, trinta dias — ou mais tarde —
após o nascimento do menino. Quanto à mãe, quarenta dias depois de haver
dado à luz um filho, devia ela purificar-se da impureza legal contraída,
oferecendo em sacrifício um cordeiro ou, se fosse pobre, duas rolas.
São José partiu de Belém, grato para com todos os que tinham podido
testemunhar-lhe qualquer bondade, grato sobretudo para com Deus por todas as
alegrias que lhe trouxera o nascimento de Jesus, a adoração pelos pastores, a
revelação maravilhosa e a circuncisão.
Atravessou de novo o planalto de Refaim, que a primavera começava a
embelezar com os seus primeiros adornos.
Outrora, Abraão seguira aquele mesmo caminho quando ia imolar seu filho
Isaac nomonte Moria. Das alturas que coroam o vale de Hinon, a Sagrada
Família avistou Jerusalém, com suas muralhas ameiadas, a poderosa cidade de
Davi, o Templo e, no fundo, o Montedas Oliveiras.

A profecia de Simeão

José, com o Menino e sua mãe, pernoitou na cidade ou num dos subúrbios.
No dia seguinte, à hora do sacrifício matutino, a Sagrada Família dirigiu-se ao
Templo e, pela primeira vez, o Salvador contemplou com seus olhos mortais o
santuário de Deus entre seu povo, os pórticos, as pontes, as muralhas, o recinto,
o átrio dos Gentios pelo qual se chegava, por degraus, à grande porta de
Nicanor.

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Aí se achava um ancião de aspecto venerando, que parecia esperá-los.
Avançando ao encontro deles, inclinou-se respeitosamente e abriu os braços
como que para receber o Menino-Deus. Era Simeão, que o impulso do Espírito
Santo conduzira ao templo para saudar o Salvador. Maria confiou-lhe o Menino.
Fra Angélico representa-nos o arroubo do santo ancião: Simeão segura Jesus
nos braços e contempla-o como se contempla um semblante querido, conhecido
e amado desde muito. À vista da beleza eternamente jovem do seu Deus, Simeão
sentiu o coração rejuvenescer-se, seus lábios se entreabriram e ele entoou aquele
cântico de ação de graças que a Igreja repete cada noite para agradecer ao
Senhor. Dir-se-ia os olhos de Jesus lhe haviam proporcionado grandiosa visão, a
visão de todos os mistérios do Homem-Deus até o desfecho sangrento do
Calvário. No seu cântico, o ancião rendia graças ao Senhor por haver chegado a
sua hora e ter podido ver a Salvação do mundo. Agora, ele morreria em paz, pois
a vida não tinha nada de mais belo a lhe oferecer. Aquele Menino — a Luz
verdadeira — que suas mãos trêmulas elevavam agora no templo, ele a via
espalhar-se não somente sobre Israel, mas até nas ilhas mais remotas e sobre as
nações pagãs. Mas, com tristeza e dor, previa também que aquela Luz seria um
juízo; que aquele Menino se tornaria uma pedra de escândalo e um sinal de
contradições para muitos, através de todos os tempos, não só entre os pagãos,
mas no próprio seio de Israel. Profundamente comovido, devolveu o Menino à
mãe, a quem predisse misteriosos sofrimentos sob a imagem de um gládio que
traspassaria o coração e a alma de Maria.
Nesse ínterim, sobreveio Ana. Era "uma viúva muito avançada em idade; não
saia do templo, servindo a Deus com jejuns e orações dia e noite” (Lc 2,37). Por
sua vez, reconheceu ela em Jesus o Salvador, o Messias. Nas suas faces pálidas
e emagrecidas, no seu olhar apagado pelos anos, viu-se o reflexo de uma alegria
celestial. E “ela pôs-se a louvar o Senhor e a falar dele a todos os que
esperavam a redenção de Israel” (Lc. 2,38).
Maria e José admiravam em seu coração como, por testemunhos tão diversos,
no céu e na terra, Deus revelava sempre mais a glória do Menino e os futuros
acontecimentos da sua vida mortal.
Essa última revelação assumia uma importância singular, por suceder no
próprio templo, por ser feita mediante personagens de santidade notória e em
presença de grande número de testemunhas, por predizer, enfim,destinos
excepcionais. Mas, profetizando assim o futuro do Menino, Simeão abrira nos
corações de Maria e de José uma ferida que não mais se fecharia.
— “Que será deste Menino bem-amado?” — ter-se-á perguntado José, muitas
vezes, apertando Jesus de encontro ao coração, vendo-o crescer incessantemente
em graça e sabedoria. Não terá derramado lágrimas, lágrimas a um tempo de
amor e de dor? Talvez, antes de deixar esta terra, Deus o tenha feito ver
entreabrir-se o véu misterioso, permitindo aos seus olhos devassarem claramente
o futuro...

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Transpondo a balaustrada de pedra que separava o átrio dos Gentios do
templo propriamente dito, Maria e José galgaram os degraus que conduziam à
grandiosa porta de Nicanor. Perto dali, à direita, procedia-se aos ritos da
purificação para as mulheres após o nascimento de um filho. Deviam elas
apresentar-se ao sacerdote, que recitava sobre elas alguma oração e uma fórmula
de bênção, franqueando-lhes novamente o acesso ao átrio das mulheres. Ali
também se viam mealheiros destinados a receber as ofertas para os diversos
sacrifícios. Conforme a quantia recolhida, imolava-se, após o sacrifício público
da manhã, número maior ou menor de cordeiros e de rolas.
Maria submeteu-se à cerimônia da purificação, como seu filho se submetera à
lei ritual da circuncisão. Na intenção do legislador, porém, e consoante o espírito
da própria lei, ela a isso absolutamente não estava obrigada.
A partir do século XIII, a arte religiosa não deixa de nos mostrar São José
presente à cerimônia da purificação. Ele traz numa cesta ou gaiolinha as rolas do
sacrifício.
Após essa cerimônia — ou mesmo enquanto ela se efetuava — o pai oferecia
seu filho primogênito ao Senhor e resgatava-o a preço de dinheiro. Segundo o
rito prescrito, São José, na qualidade de pai, entregou o Menino a um sacerdote
que, elevando-o nos braços e volvendo-se para o Santo dos Santos, o ofereceu
ao Senhor e, após o pagamento dos cinco siclos, o restituiu ao pai, pronunciando
uma bênção.
Dignou-se o Salvador submeter-se à cerimônia da apresentação no templo. De
certo, Ele não precisava ser consagrado ao Senhor, nem ser santificado. A união
da sua humanidade santa com a Segunda Pessoa da Divindade santificava-o e
unia-o a Deus melhor do que o podia fazer um sacramento ou um rito qualquer.
Nunca, no Antigo Testamento, fora oferecido sacrifício mais excelente no
templo. A grandeza, beleza e glória desse sacrifício iluminavam o templo, a
terra inteira, a universalidade dos séculos e, pelo seu contraste, faziam ressaltar a
insignificância e insuficiência do antigo culto.
Naquele dia, porque o Messias acabava de entrar nele, o templo brilhava no
esplendor em que o profeta (Ag 2,10) o contemplara. Esse sacrifício reunia em
si só todos os sacrifícios da lei antiga; por ele, o sacerdócio antigo atingia o
apogeu da sua glória. O próprio Deus acolheu a oferta ainda mais
misericordiosamente do que no dia solene em que Salomão celebrou a dedicação
do templo.
Ali mesmo, no monte Moria, o patriarca Abraão, oferecera ao Senhor seu
filho primogênito. Agora, eis que outro Abraão, incomparavelmente mais justo
que o primeiro; incomparavelmente mais caro a Deus, renova o sacrifício. É São
José. E Deus faz do esposo de Maria o patriarca da nova lei. Se Maria, Simeão e
Ana acompanharam José nessa cerimônia, glorificando o Senhor e repetindo as
palavras do salmista: — “Deus é bom, eterna é a sua misericórdia: no meio de
vosso templo sentimos a vossa misericórdia”, não era isso de alguma sorte a

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primeira procissão da Candelária, essa “festa de luzes” que sempre esteve e
sempre estará em honra na Igreja?

5. OS SANTOS REIS MAGOS

Após a apresentação de Jesus no templo, José voltou a Nazaré com Maria e o


Menino (Lc 2,39). Mas logo, sem dúvida, a Sagrada Família tornou a Belém
para ali se estabelecer de vez. Na realidade, Belém era a pátria de Jesus, o lugar
do seu nascimento. Belém ficava próxima de Jerusalém e, a mais de um título,
essa proximidade oferecia vantagens. Sabe-se que, posteriormente, na volta do
Egito, José cogitou de fixar-se em Belém.
Podia haver um ano que a Sagrada Família residia em Belém quando,
subitamente, uns Magos vindos do oriente chegaram a Jerusalém.
— “Onde está o rei dos judeus que acaba de nascer?” — perguntaram. —
“Vimos a sua estrela no oriente e viemos adorá-lo” (Mt 2,2).
Essa pergunta, feita abertamente, perturbou Herodes e alvoroçou toda a
cidade. Embaraçado, mas fingido, Herodes não achou nada melhor do que
informar-se, junto aos príncipes dos sacerdotes e aos escribas, do lugar, onde
devia nascer o Messias. Disseram- lhe que era em Belém. Herodes transmitiu a
resposta aos Magos, recomendando-lhes informarem-se exatamente acerca do
Menino e fazerem-no saber quando o achassem, dizendo: “afim de que eu
também vá adorá-lo” (Mt 2,8). Guiados pela estrela que, para sua grande
alegria, lhes apareceu de novo ao saírem da cidade, os Magos chegaram a
Belém.
Os Magos vinham de uma região situada ao oriente da Judeia. Eram
personagens nobres, sábios, talvez príncipes de sangue real. Ao que parece,
conheciam os Livros Sagrados. Uma inspiração do alto lhes fizera saber que, ao
aparecimento de uma estrela extraordinária no céu eles deveriam procurar o Rei-
Messias para adorá-lo.
Essa estrela apareceu na hora do nascimento ou um pouco mais tarde e, desde
então, eles o tomaram como um dever seguir essa indicação. É o que podemos
inferir do seu aparecimento junto ao presépio do Salvador. Vieram, pois, a
Belém e acharam a morada do Menino-Deus. Sem dúvida, pararam no khan da
cidadezinha, com seu séquito, e mandaram perguntar à Sagrada Família se
podiam apresentar-se, acrescentando que pela indicação de uma estrela, tinham
vindo para adorar o Menino. São José recebeu os enviados com a sua cortesia
habitual.
Por seu turno os Reis Magos apareceram com seus servos trazendo, em cestas
e caixinhas, preciosas dádivas, pois no oriente ninguém se aproxima de um
príncipe sem lhe oferecer algum rico presente.

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Maria acolheu os nobres visitantes com graciosa simplicidade. Jesus
repousava-lhe nos braços. A mista dele, eles se lhe prostraram aos pés,
peneirados de fé viva e profunda humildade. Adoraram-no com amor,
ofereceram-se-lhe sem reserva. Em verdade, Eles eram sábios e eram reis! A
sabedoria do seu espírito, a real grandeza do seu coração não se escandalizaram
ao verificar que o Menino-Deus era desconhecido em Jerusalém. Não os
desconcertaram a simplicidade e a pobreza da habitação de Belém. Sem julgar
pelas aparências, eles seguiram as inspirações do seu coração e creram no que,
Deus lhes revelava.

Adoração dos Reis Magos

Tomando então dos presentes que os servos carregavam envoltos em tapetes


preciosos, ofereceram a Jesus ouro, incenso e mirra —dádivas misteriosas a
simbolizarem os sentimentos do seu coração, — a fé, o amor, a adoração —
assim como a divindade, a realeza e a missão redentora do Menino.
Jesus aceitou essa homenagem, cuja significação conhecia. Em retribuição,
derramou na alma dos Santos Reis a abundância de suas graças. Abençoou neles
as primícias e os precursores dos gentios. Sem dúvida, conversaram os reais
peregrinos em seguida com Maria e José, que, com nobre simplicidade,
relatavam as circunstâncias do advento do Salvador. Pela primeira vez, Maria
instruiu representantes do mundo pagão e José tomou parte nesse apostolado:
tornados cristãos, os Magos levaram a fé para o seio do seu povo.
Todavia, não passaram por Jerusalém. “Recebendo, em sono, um aviso do céu
para que não fossem ter com Herodes”, que resolvera perder o Menino, “Eles
voltaram para a sua terra por outro caminho” (Mt 2,12) — o caminho que, ao
sul, vai atravessar o Jordão.

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A maravilhosa visita dos Magos foi uma alegria imensa para Maria e José. O
nosso santo folgou de encontrar-se com aqueles piedosos personagens cujos
sentimentos tinham mais de uma analogia com os seus. Mas sobretudo se
alegrou pela grande honra feita a Maria e a Jesus. A sabedoria do oriente viera
prestar homenagem à Divina Sabedoria daquele humilde Menino. Que
magnífica revelação da realeza do Salvador! Apenas nascido, começa Ele a
reinar. É pobre, e depositam-lhe aos pés o ouro e as riquezas. Das regiões
longínquas, Ele chama a si servos e adoradores. O céu e a terra lhe obedecem.
Seus inimigos tremem ao simples anúncio do seu advento.
O mistério da adoração dos Magos é, por assim dizer, o Tabor da santa
infância de Jesus. Na sua alegria, José podia ter antecipado as palavras de São
Pedro: — “É bom estar aqui; levantemos aqui três tendas”. Finalmente, como
não ver nesse mistério da vocação dos gentios um prenúncio do papel de São
José em relação às Missões entre os infiéis? Um dia, com efeito, a Igreja
proclamá-lo-ia Padroeiro das Missões.
Um antigo mosaico de Notre-Dame de Paris (século XIII) indica otimamente
a parte tomada por São José nesse mistério e o lugar importante que ele aí
ocupa: o santo está debaixo de um baldaquim; apoia-se no seu bordão; observa,
e parece esperar a homenagem dos reis visitantes. Mais tarde, Fra Angélico
mostra-nos São José conversando com um dos Reis Magos, cuja fé, sem dúvida,
ele esclarece; ou então abrindo uma caixinha que encerra um dos ricos presentes
trazidos, afim de oferecê-lo ao Menino-Deus em nome dos gentios. Não é já o
Padroeiro das Missões?

6. FUGA PARA O EGITO

A paz, entretanto, não tardaria a ser perturbada. Na mesma noite, “um anjo do
Senhor apareceu, em sonho, a José e lhe disse: Levanta-te; toma o menino e sua
mãe, foge para o Egito, e fica lá até que eu te avise, porque Herodes vai
procurar o menino para o matar” (Mt 2,13).
Cada palavra dessa mensagem pedia um sacrifício e criava uma dificuldade.
Quantas idas e vindas para São José desde que o Salvador está com ele! O
repouso nunca virá, pois! Fugir é sempre doloroso e difícil, mormente com uma
mulher e um menino. Retirar-se para o Egito, para tão longe, para entre povos
pagãos! E por quanto tempo? Quando se tratara de defender seu povo contra o
Faraó ou contra Senaquerib, Deus realizara milagres e enviara anjos, ao passo
que, nesta hora tão penosa, aparentemente nada empreendia a favor de seu Filho.
Que fará São José? O Evangelho no-lo diz:“Levantando-se, José tomou o
menino e sua mãe durante a noite, e retirou-se para o Egito” (Mt 2,14). Nem
uma só queixa! Nem uma só objeção! Nem um sinal de inquietação! Tal é São
José, o homem da obediência, da confiança em Deus, o homem segundo o
coração de Deus.

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Calmamente, ele acordou Maria e o menino. Um olhar sobre Jesus
adormecido diz- lhe o bastante. Se Deus, feito homem, se esse Deus tornado por
nós uma débil criança já permite ser odiado e perseguido, se consente em fugir
ante suas criaturas, se quer ser protegido por José, tudo isso não é mais do que
suficiente para ele aceitar tudo, para se submeter sem reserva?

A Sagrada Família

Em breve os preparativos estavam concluídos. O próprio José encarregou-se


de uma parte das modestas bagagens. A humilde cavalgadura levou o resto. E
enquanto os homens repousavam em paz em suas moradas, a Sagrada Família
deixou Belém e dirigiu-se, ao sul, para a cidade de Hebron, sem
descontentamento, sem precipitação, mas abandonando-se a Deus. É assim que
um baixo relevo do século XIII (Notre-Dame de Paris) nos representa essa
partida. São José conduz a cavalgadura pela brida. Seus olhares estão fitos em
Maria e em Jesus. Fra Angélico mostra-no-lo caminhando atrás, carregado de
algumas bagagens; seu olhar, cheio de confiança, dirige-se para a frente; ele só
pensa em ir aonde Deus o chama.
Hebron, o sítio da sepultura de Abraão, Isaac e Jacó, ficava num vale fértil, a
cerca de seis léguas para o sul. A estrada atravessa as montanhas de Judá,
outrora arborizadas de robustos carvalhos. De Hebron a Bersabée, o trajeto
comporta cinco horas de marcha. Depois, o viajor ruma para o mar através das
planícies que o patriarca Abraão percorreu outrora com seus rebanhos. Pode-se
admitir também que a Sagrada Família tenha escolhido a estrada direta que,
passando por Eleuterópolis, conduz a Gaza e que exige cerca de dez horas. A
partir de Gaza, o caminho a beira- mar. A verdura rareia cada vez mais, e então,
no “Córrego do Egito”, começa uma estrada longa, deserta, triste, que leva em

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nove dias às margens do Nilo, através do pequeno deserto de Arábia com suas
dunas de areia.
Como se vê, é uma viagem de cerca de cento e cinquenta léguas, a ser feita
em trinta a quarenta dias. Aos israelitas errantes no deserto Deus havia dado
milagrosamente a água e o maná. A Escritura não nos diz que semelhantes
favores tenham sido concedidos à Sagrada Família. O certo é que os santos
viajores tiveram de sofrer fadiga, o calor do dia, a frescura da noite, os mil
incômodos de uma hospedagem tão sumária como a dos “khans”, aliás
raríssimos, que encontravam ao longo do trajeto. Suportavam tudo com alegria.
Tratava-se de salvar o Menino; e, afinal de contas, todos esses males passavam,
como passam todas as coisas deste mundo, tanto os sofrimentos como as
alegrias.
Alcançando o primeiro braço do Nilo, a terra do Egito abriu-se-lhes qual
paraíso de beleza e fertilidade maravilhosas. Estavam na terra de Gosen,
habitada outrora pelos israelitas. A Sagrada Família parece ter ido até
Heliópolis, nas proximidades da atual cidade do Cairo.
Entrementes, no palácio de Davi, em vão aguardava Herodes a volta dos
Magos. “Reconheceu que fora enganado pelos magos. Encheu-se de grande ira
e mandou matar em Belém e nos arredores todos os meninos de dois anos para
baixo... Cumpriu-se então a palavra do profeta Jeremias que diz: Em Roma se
ouvem clamores, grande pranto e lamentações; Raquel chora seus filhos e não
quer aceitar consolação, porque eles já não existem” (Mt 2, 16-18).
Decorrera um ano apenas desde que a Sagrada Família, atravessando o
planalto de Refaim entre Belém e Jerusalém, chegara ao sítio onde, com a
tristeza no coração, Jacó sepultara Raquel; ignorava ela que tão cedo se
cumpririam as palavras proféticas e que naquelas paragens,tão cheias de paz,
ecoariam gritos de dor justamente por causa do Menino que Maria trazia nos
braços e por quem José velava com tanta solicitude. Escapou precisamente
aquele que levou Herodes a ordenar a matança cruel dos santos Inocentes: estava
no Egito, em segurança a guarda paternal de José.
A vida dos exules foi, como bem se pode imaginar, uma vida de trabalhos e
de sofrimentos, mas também de alegrias. Dizem que São José se fixou em
Babilônia, um subúrbio da moderna cidade do Cairo, talvez nalguma viela
estreita, sombria, dominada por casas altas. Venera-se lá, ainda hoje, uma
habitação que teria sido a da Sagrada Família. Outrora, José, filho de Jacó —
figura do nosso santo patriarca — mandara no Egito: poderoso, honrado por
todos, alimentara o povo de Deus abrindo-lhe os celeiros. Mas o Salvador quis
ser pobre. Por isso, José e Maria também amavam a pobreza. À custa de
numerosas privações, naquela terra estranha, eles sustentaram com o trabalho de
suas mãos Aquele de quem toda criatura recebe o ser e a subsistência. José
exercia o ofício de carpinteiro; Maria cosia e fiava.

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Terá sido especialmente doloroso, para a Sagrada Família, o espetáculo da
idolatria daquele povo, aliás tão gabado pela sua sabedoria, e que adorava tudo...
crocodilos, cebolas, gatos! A própria terra — afora as margens mais ou menos
imediatas do Nilo, onde é maravilhoso a fertilidade — de aspecto monótono
como o deserto, em nada lembrava as graças tranquilas da encantadora Galileia.
Mas, como dissemos, não faltavam também certas alegrias. Para os israelitas
fiéis, o Egito era uma terra sagrada, rica em recordações preciosas, lembrando-
lhes Abraão, Jacó, José, Moisés e o povo de Deus que se formara e crescera à
sombra das pirâmides. Sabia-o a Sagrada Família e aí hauria motivos de consolo
e edificação. Ainda naquela época, numerosas famílias de judeus habitavam o
Egito. Tinham mesmo um templo magnífico, elevado pelo sumo sacerdote Onias
IV. José e Maria puderam entrar em relações com essas famílias. Seu principal
consolo, porém, residia no seu espírito de fé, no seu abandono à vontade divina.
O próprio Menino-Deus era-lhes a sua maior e mais doce alegria. Se o exílio se
prolongou, então foi no Egito que Jesus aprendeu a dar os primeiros passinhos,
balbuciou as primeiras palavras e, um dia, — que encanto! — chamou José pelo
nome de “pai” e Maria pelo nome de “mãe”.
Via, assim, o Egito realizar-se a promessa feita pelo profeta e colhia as
bênçãos anunciadas (Is 19,19). Talvez tenha sido a essa presença da Sagrada
Família que o Egito deveu a posterior e maravilhosa expansão da fé cristã que,
povoando o deserto de uma multidão de eremitas e religiosos, transformou
aquela terra desolada num foco de vida mística.
Ignora-se quanto tempo a Sagrada Família permaneceu no Egito, se alguns
meses ou alguns anos. As opiniões se dividem. Sempre é certo que o exílio
findou com o reinado de Herodes. O tirano que fizera perecer tantas vítimas
inocentes, morreu de uma doença horrorosa que o acometeu em Jericó. Seus
filhos repartiram o reino entre si. Arquelau, o mais velho, tão cruel e dissoluto
quanto o pai, teve em partilha a Judeia.
Então “um anjo do Senhor apareceu, em sonho, a José, no Egito, e lhe disse:
Levanta- te; toma o menino e sua mãe e vai para a terra de Israel; porque
morreram os que procuravam matar o menino” (Mt 2,19). José acolheu essa
mensagem com serena e respeitosa alegria. Deu graças a Deus e, cheio de
gratidão para com todos os que se haviam mostrado benevolentes para com ele,
pôs-se em viagem com Jesus e Maria. Deixando as ruas sombrias e as abóbadas
penumbrosas dos bazares da cidade egípcia, a Sagrada Família encaminhou-se
para o mar e seguiu o rumo tomado ao vir de Belém. Que alegria ao avistar de
novo as colinas e montanhas da Terra Santa!
José tencionava fixar-se em Belém. Mas o caráter sobejamente conhecido de
Arquelau fê-lo hesitar. Receava a violência do príncipe. Nessa dúvida, “avisado
em sonho, retirou-se para as regiões da Galileia. Estabeleceu-se em Nazaré”
(Mt 2, 22). A Sagrada Família prosseguiu, pois, o seu caminho por Jopé,
margeando o Carmelo e atravessando a planície de Esdrelon até às colinas e às

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montanhas que protegem Nazaré. Assim devia suceder “para que se cumprisse a
palavra dos profetas: Ele será chamado Nazareno” (Mt 2,23), isto é, um
“separado”, um “rebento”, uma “flor”. Destarte, floresceu em Nazaré a infância
de Jesus, e José tinha a missão de velar por essa flor do céu.

7. À PROCURA DE JESUS EM JERUSALÉM

Depois da tormenta da perseguição, depois das tristezas do exílio, eis que


principiou a vida oculta do Salvador, período de calma, de tranquila doçura, de
felicidade doméstica para a família de São José. Uma única vezes a paz foi
perturbada por um sofrimento pungente — quando Jesus atingiu os seus doze
anos.
Era o tempo da Páscoa. Nos vértices de todas as montanhas circundantes,
durante a noite, acendiam-se fogos para anunciar a festa da lua nova do mês de
Nizan. As estradas estavam apinhadas de peregrinos que se dirigiam a Jerusalém
para a grande solenidade da Páscoa. Nos povoados e aldeias, as pessoas se
reuniam em caravanas, formando os homens um grupo e as mulheres outro. Nos
vales ecoava o canto dos salmos.
Contava Jesus doze anos. Tornado “filho da lei”, devia daí em diante observar
os jejuns prescritos e ir a Jerusalém na época das três grandes festas do povo
judeu. Era, pois, a sua primeira peregrinação legal à cidade santa. Os campos
haviam-se revestido dos seus adornos primaveris. Grande foi a alegria de todos,
mormente quando, por trás dos antigos santuários de Silo e Betel, apareceu ao
longo Jerusalém, coroando as alturas, com seus muros, suas torres, seus
palácios, suas cúpulas e seu templo. Dir-se-ia uma visão do céu.
Os peregrinos recebiam hospedagem em casa dos parentes ou amigos, ou
então com pouca despesa achavam abrigo para os dias de festa. A Sagrada
Família conformou-se ao uso. No dia 14 de Nizan, à noite, comia-se o cordeiro
pascal. A 15, celebrava-se no templo o sacrifício solene, e todos os homens
deviam comparecer. À noite desse mesmo dia, em presença do povo, o primeiro
feixe de espigas de cevada era levado ao templo, oferecido no dia seguinte em
sacrifício, e depois consumido pelo fogo. Essa oblação das primícias marcava o
começo da ceifa. Os peregrinos então, podiam regressar para casa.
Reunidos a galileus e a habitantes de Nazaré, José e Maria deixaram
Jerusalém. À noite, na primeira parada, — provavelmente em Beroth, — Jesus
não se achou com eles. Pensando que estivesse com parentes ou amigos, a
princípio eles não se inquietavam. Mas, que dolorosa surpresa quando, apesar da
espera e das procuras entre os diversos grupos, não o descobriram e nem sequer
puderam colher qualquer informação! A preocupação não lhes permitiu conciliar
o sono.

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O dia seguinte ainda foi um dia de tristeza. Eles retomaram a estrada de
Jerusalém, interrogando a quem encontravam, percorrendo as ruas da cidade.
Mas, ai, sem resultado!
A angústia tornava-se cada vez mais pungente. Que era feito do Menino?
Quantos motivos para temer, motivos de ordem natural e de ordem sobrenatural,
a experiência do passado, o receio pelo futuro, sem falar da sua fé e do seu
amor! Onde estava então Jesus? Seria já o gládio predito por Simeão, e
começaria a realizar-se a temível profecia? Quem dirá qual a dor de José e
Maria, os seus suspiros, as suas lágrimas? Por ocasião da fuga para o Egito, eles
haviam sofrido, sem dúvida; mas, ao menos, possuíam Jesus. Jesus então estava
com eles. Apesar de tudo, entretanto, permaneceram submissos a Deus, na
paciência e na humildade. Talvez fosse a sua própria indignidade que os privava
dessa presença bendita! Acabaram agradecendo a Deus a honra e a ventura com
que até ali tinham sido contemplados. Este próprio pensamento e o pesar que
sentiam estimulava-lhes o zelo em procurar o Salvador. Como terminou
tristemente aquela festa da Páscoa, com tanta alegria começada!
Assim se passaram aquele dia, a noite e uma parte do dia seguinte.
Finalmente, desolados, esgotados todos os expedientes, chegaram ao templo.
Enquanto Maria e José o procuravam, Jesus, obedecendo a seu Pai Celeste,
deixara seus pais. Pôde fazê-lo tanto mais despercebido quanto, no templo e
durante a peregrinação, os homens e as mulheres formavam grupos separados.
Talvez ele tivesse passado a noite no Monte das Oliveiras, ou nalguma
hospedaria pública, e houvesse mendigado um pedacinho de pão. Após a partida
de Maria e José ou no dia seguinte, Ele foi ao templo. Entrou no terraço ou na
sala, onde doutores da lei, nacionais e estrangeiros, ensinavam e respondiam às
interrogações dos ouvintes.

O Menino Jesus no Templo

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Jesus sentou-se entre os discípulos e, ou porque aparecia reiteradamente, ou
porque o encanto da sua pessoa e a sabedoria das suas perguntas e respostas
impressionaram todos os espectadores, atraiu ele a atenção dos próprios
doutores. No terceiro dia, ainda lá estava, "e todos os que o ouviam estavam
cheios de admiração” (Lc 2,47).
Deixando o lugar de honra que ocupavam, os mestres da lei aproximaram-se
dele, e tinham evidente prazer em interrogá-lo. Ou então para melhor ouvi-lo,
talvez o tivessem feito assentar a seus lados. Em todo caso, de acordo com o
relato evangélico (Lc 2,46), tratava-se de um fato insólito, de uma atenção que
não estava nos hábitos dos doutores. Qual fosse o assunto da discussão, apenas
podemos conjecturar. Talvez se tratasse do advento do Messias. Seja como for,
naquele santuário da ciência isso era uma espécie de revolução: os doutores
recebendo lições de um menino e testemunhando-lhe uma deferência respeitosa!
Não havia nisso uma profecia de acontecimentos futuros?
Foi nesse momento que Maria e José entraram. “Ficaram cheios de
admiração” diante do espetáculo (Lc 2, 48). Ainda angustiada pela dor, mas
feliz ao mesmo tempo por encontrar seu Filho bem-amado, Maria lhe disse:
— “Filho, por que nos fizeste isto. Eis que teu pai e eu andávamos à tua
procura cheios de aflição”.
Jesus, levantou-se e respondeu solene e majestosamente — “Porque me
procuráveis? Não sabíeis que tenho de estar na casa de meu Pai?” (Lc 2,49).
Havia em Jesus tal majestade, havia tal gravidade nas suas palavras, que
Maria e José se encerraram no silêncio, cheios de admiração e penetrados de
respeito. Depois, Jesus “desceu com Eles e veio para Nazaré” (Lc 2,51).
Era bem natural que na requintada sensibilidade do seu coração, Maria
manifestasse a sua dor pelas palavras dirigidas a Jesus. José, que observava
sempre todas as coisas com solicitude paternal, parece ter guardado silêncio. Ele
meditava, no recolhimento, o mistério que acabava de passar-se. Mistério, com
efeito: mistério profundo! Jesus abandona seus pais, causa-lhes essa dor cruel,
lança-os na angústia quando até então lhes testemunhara tanta obediência!
Revela-se em público e no templo atrai sobre si todos os olhares, enquanto até
então vivera na humildade, no silêncio e na obscuridade. Esse mistério é o
prelúdio e o anúncio da sua missão messiânica, da sua vida pública, da
manifestação da sua divindade com circunstâncias particulares de pobreza e de
renúncia absolutas; e mesmo, no dizer dos santos Padres, é o prelúdio do
anúncio de sua morte e da sua permanência de três dias no túmulo.
Mas, ao mesmo tempo, esse mistério nos indica o papel especial de São José,
suas relações com a vocação messiânica de Jesus. Ele aparece aqui com seu
título de pai legal do Salvador: Maria dá-lhe esse nome de pai;menciona-o antes
de si mesma. Todavia, Ele é apenas o pai legal, e, na sua resposta, Jesus fala de
outro Pai; e a obediência a este Pai é o seu primeiro dever, a sua missão toda.

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Vemos igualmente José associado à missão messiânica do Salvador na dor e
no sofrimento 3. Aqui, todos — Maria, José, o próprio Jesus — já são, nesse
mistério, vítimas dessa vocação. O gládio de Simeão, que no Calvário devia
traspassar a alma de Maria, nesse dia fere também o coração de José.
Finalmente, o santo patriarca é associado às alegrias e à honra. Esse mistério
constitui uma revelação do Salvador, revelação gloriosa, revelação
singularmente graciosa,porque pela primeira vez o próprio Jesus se manifesta,
deixando transparecer algo da sua sabedoria divina, alguns traços da sua beleza.
E é tal o encanto que, apesar do orgulho da sua ciência e da obstinação do seu
espírito, os doutores da lei se inclinam perante o Salvador, no seu templo. Que
alegria, que honra para São José ser o pai daquele Menino, ser junto a ele o
representante do Pai Celeste.

8. A VIDA FELIZ E TRANQUILA E FELIZ DE SÃO JOSÉ

Depois dessa Páscoa inolvidável, a vida de São José transcorreu na calma, na


paz e na felicidade. É a “vida oculta em Nazaré”. O que o Evangelho nos diz do
divino Salvador entende-se igualmente de José. Recolhamos esses episódios e
tentemos representar-nos o santo patriarca durante esse período da sua vida.
Estamos em Nazaré. O gracioso povoado abriga-se num valezinho, por entre
as colinas que ao norte fecham a planície de Esdrelon. Suas casas escalonam-se
pitorescamente sobre um contraforte de colinas de onde a vista se estende sobre
a planície, sobre o monte Carmelo e sobre o mar, ao passo que,para o norte, se
descobrem os cimos nevosos do Hermon. Da própria Nazaré, o horizonte é
menos vasto, não oferece nem picos rendilhados, nem florestas de encanto
poético: é o recolhimento na solidão e na paz — a moldura que convém à “vida
oculta”.
A casa oriental, ordinariamente, é quadrada, construída de pedras e de terra
argilosa, e caiada de branco. No rés do chão, alguns quartos servem de
habitação. Por cima há um terraço ao qual se sobe, por meio de degraus, do pátio
exterior onde habitualmente se veem um forno, uma vinha ou uma figueira. O
próprio pátio é fechado por um muro ou uma cerca.
Tal devia ser, mais ou menos, a habitação da Sagrada Família. Uma parte da
casa, ao que parece, era talhada na rocha; a parte anterior, construída de pedras.
Primeiramente, nos diz o Evangelho que os pais de Jesus “iam todos os anos
a Jerusalém, à festa da Páscoa” (Lc 2,41). Por aí vemos que a vida de São José
e da Sagrada Família era uma vida de piedade e de oração. Entre os judeus, a
vida de família era eminentemente religiosa. Logo à entrada da casa via-se um
cofrezinho de madeira que encerrava os textos da lei escritos em tiras de
pergaminho. Saindo da casa e entrando nela, tocava-se respeitosamente com a

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mão aquele cofrezinho, mais ou menos como se faz com a água benta em nossas
famílias cristãs.
Havia, ainda, o serviço religioso na sinagoga. Cada aldeia possuía uma
sinagoga, onde, numa espécie de coro elevado um pouco acima do espaço
destinado ao povo havia um nicho coberto por um véu que continha a Sagrada
Escritura. Os doutores da lei ocupavam lugarejos de honra. Era ali que se liam e
explicavam as Escrituras. Era ali que se rezava em comum e se implorava o
advento do Messias.
Nos dias ordinários, a família não deixava de fazer suas práticas religiosas.
Cada noite, as pessoas reuniam-se para rezar juntas sob a presidência do pai de
família, e temos toda razão para representar-nos São José, uma vez terminado
seu dia de labuta, a tomar Jesus sobre os joelhos, a rezar e recitar com ele
passagens da Escritura, a erguê-lo nos braços para lhe permitir tocar e beijar o
cofrezinho que continha as sentenças da Lei, ou então a conduzi-lo à sinagoga
para cantar com ele os salmos.
Mais tarde, chegado à adolescência, talvez nessas reuniões da noite, em
família, o próprio Jesus se encarregasse de explicar, com profunda sabedoria e
com amável modéstia, os textos da Escritura que se haviam lido na sinagoga.
Em Maria e em José encontravam suas palavras um terreno admiravelmente
preparado que produzia ao cêntuplo. — Eis aí o que dizia respeito a vida de
piedade.
Além disso, o Evangelho nos repete várias vezes que José era carpinteiro (Mt
1:55; Mc 6,3). A vida oculta em Nazaré foi pois, uma vida de trabalho.
Enquanto Marta cuidava das ocupações caseiras, enquanto cosia ou fiava,
enquanto saía para fazer as pequenas compras necessárias, ou para tirar, de
manhã e à tarde, água, na fonte que ainda se vê hoje,São José trabalhava na
oficina. A indolência e a ociosidade, bastante comuns entre os asiáticos, eram
coisas desconhecidas da Sagrara Família. Aqui, o pão que se comia era ganho
pelo labor.
Assim que a idade e as forças lhe permitiram, Jesus quis ajudar seu pai
nutrício. Ditosos anos para São José esses anos de aprendizagem em que ele teve
de formar no trabalho o Salvador, visto que o trabalho entrava no plano do
Homem-Deus! Que encanto o trabalhar ao lado do divino aprendiz, guiá-lo,
instruí-lo! Ele conduzia a mão de Jesus dirigia-lhe os primeiros esforços,
estudava-lhe os ensaios. Não terá seu coração transbordado de sentimentos de
adoração, de respeito, de alegria e amor, quando sua mão calejada repousava
sobre a mão delicada do Menino, mas nada lhe traía exteriormente a emoção.
Ele conservava a paz e o recolhimento. Agia em tudo com perfeita simplicidade.
Dir-se-ia que, de toda eternidade, ele tinha o hábito de mandar a um Deus e de
instruí-lo. O zelo, a coragem, a aplicação do seu divino aluno, cuja mão se
endurecia no labor eram, para ele próprio, um estimulante para uma tarefa que
assim se tornava, de algum modo, uma participação na obra redentora.

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As horas de trabalho eram interrompidas pela refeição feita era comum e José
devia achar um doce consolo no pensamento de que Jesus vivia dos frutos do
seu trabalho. Depois de assistir ao serviço religioso na sinagoga, aos sábados,
sem dúvida José fazia com o Menino alguma tranquila excursão pelas alturas de
Nazaré. Mostrara-lhe ao norte o majestoso Hermon, ao pé do qual se achava
Cesária de Filipe. Depois, para além, a região do lago gracioso Genesará, com
Cafarnaum, Betsaida e Magdala. Enfim, a planície de Esdrelon com Naim e do
lado do Carmelo, o mar mediterrâneo. Ouvindo esses nomes, Jesus pensava nas
almas que o esperavam naqueles lugares. Pensava nas grandes coisas que ali
realizaria um dia.
Mas essas maravilhas ainda estavam ocultas aos olhos de São José.
Falando da santa infância do Salvador, o Evangelho nos diz — e este traço é
de suma importância — que Jesus ‘'era submisso” a seus pais (Lc 2,15).
Vejamo-lo, pois, obedecendo de tão bom grado, com tanta presteza e alegria,
apressando-se tanto para antecipar aos seus menores desejos que,
evidentemente, não se lhe podia dar maior alegria do que mandando-lhe ou
manifestando-lhe um desejo. Sendo, embora, a própria Sabedoria e a Santidade
personificada, Jesus queria progredir insensivelmente, revelar aos poucos a sua
sabedoria e santidade, passar da infância à adolescência, da adolescência à idade
adulta. Por aí podemos inferir quais foram a sabedoria, a doçura, a calma, a
autoridade de São José no seio daquela augusta família de que era chefe.
Raramente ele mandava. Numa família bem ordenada, manda-se pouco. A
ordem estabelecida faz às vezes de direção. Quanto ao mais, lê-se nos olhos dos
pais a sua vontade ou o seu desejo.
José mandava com humildade. Alguém já fez este reparo:Para os homens
virtuosos, mandar é colocar-se na escola da humildade. Que diremos então de
São José?Ele era chamado a dar ordens a um Deus e à Mãe de Deus! Por outro
lado, ninguém sabe mandar melhor do que quem melhor sabe obedecer. E José é
o homem de uma obediência perfeita, de uma submissão sem reserva a toda
autoridade de Deus. Suas ordens, quando as dava, eram antes um pedido. Servia
mais do que era servido. Por isso, no seu pequeno domínio, como num
verdadeiro céu, reinava a paz, a alegria, a calma, o contentamento, a união, a
caridade mais terna, graças à prudência, à humildade e ao amor do chefe da
família.
Enfim, por duas vezes o Evangelho observa: — “O menino foi crescendo e se
robustecendo, cheio de sabedoria, e pousava sobre ele a complacência de Deus
... Jesus crescia em sabedoria, idade e graça diante de Deus e dos homens” (Lc
2,40 e 52). Essas poucas palavras permitem-nos entrever o que foi a vida interior
de São José, a vida de sua alma. Podemos ajuizar dela pelos frutos que seu
coração deve ter colhido da contínua e íntima sociedade com o Salvador.
A presença de Maria, a conversação com ela, as relações cotidianas com a
mais santa das criaturas, de quem um só olhar, uma só palavra, a menor ação

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eram outras tantas revelações da virtude mais perfeita — isso tudo já era o
bastante para santificar uma alma, era uma fonte de graças, uma lição constante.
Contudo, Maria era apenas a mãe de Jesus, a mãe de Deus, é verdade. Mas só
Jesus era Deus. E esse Deus revelava-se a José sob as formas mais amáveis e
mais tocantes — sob a forma de um menino a quem ele fazia às vezes de pai, na
confiança e na intimidade mais doce.
Velar por aquele menino, cercá-lo de todos os cuidados que um pai
prodigaliza ao filho, vê-lo crescer, reparar-lhe na transformação das feições,
observar as manifestações da sua sabedoria e os seus progressos na infância,
depois na adolescência e na juventude — que privilégio para o santo patriarca!
Esse semblante de Jesus, espelho sem mácula da beleza, da sabedoria e dos
mistérios de Deus, a José era dado contemplá-la cada dia, a cada hora do dia,
admirar-lhea expressão nos diversos acontecimentos da vida, na inocência e na
inconsciência do sono. Era-lhe dado ler nesse semblante a alegria, a caridade, o
reflexo do eterno amor, os ardores da adoração, os êxtases da contemplação.
Assim como os anjos, num arroubo que nunca cessa contemplam a face de
Deus, se abismam na adoração e acham para o seu amor um perpétuo alimento,
assim também José concentrava todos os seus pensamentos e todos os afetos do
seu coração naquele foco de toda beleza que era o semblante do Verbo
encarnado.
De Maria é dito: — “Ela conservava todas essas coisas, meditando-as no seu
coração” (Lc 2,19). Era essa toda a sua vida. Outro tanto se pode dizer de São
José. Ele referia tudo a Jesus. Jesus era tudo para ele. O Salvador, seu filho, seu
Deus, seu bem soberano, seu único amor — eis aí todo o seu pensamento, toda a
sua ocupação, todo o seu repouso, toda a sua missão, toda a sua felicidade.
Repitamo-lo: eis aí toda a sua vida, consistindo na honra inefável de viver na
intimidade de Jesus, de ter o nome de pai Jesus, de cumprir junto a Jesus os
deveres de um pai! Sem dúvida, a julgar pelo exterior, a vida de São José, a vida
da Sagrada Família é simplíssima, comuníssima; é mesmo, se se quiser, uma
vida exteriormente monótona e pobre. Mas, no fundo, que tesouro de alegria e
de paz! Naquele reino de Nazaré, ninguém quer mandar. Cada um obedece na
humildade e no amor. Onde está o amor, aí, e só aí, se acham a paz e a alegria.

9.A MORTE DE SÃO JOSÉ

A tranquila ventura dessa vida em Nazaré foi interrompida pelo falecimento


de São José. Nada sabemos de certo sobre as circunstâncias dessa morte. Parece
que José já deixara esta terra quando o Salvador, na idade de cerca de trinta
anos, principiou a sua vida pública. Não o achamos entre os convidados das
bodas de Caná. É que provavelmente já havia morrido, do contrário seria

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mencionado com Jesus e Maria. Não está também entre os que, no Calvário,
rodeiam o Salvador crucificado; do contrário, não teria Jesus confiado Maria aos
cuidados de São João. Pode-se admitir que José morreu quando o Homem-Deus,
chegado à idade adulta, ficou em condições de cuidar de si mesmo e de sua Mãe.
Não foi, por conseguinte, o Santo testemunha das maravilhas da vida pública
de Jesus. Apenas pôde imaginá-la de acordo com as profecias ou, talvez,
também, através das revelações que o Salvador foi servido fazer-lhe.
Assim como outrora Moisés, na montanha, saudou de longe a Terra
Prometida sem nela poder entrar, assim também José entreviu no futuro as
glórias de Jesus. Tal como, em breve, São João Batista, o precursor, deveria
desaparecer diante do Messias, assim também José, no plano de Deus, devia
retirar-se depois de cumprida a sua missão de pai de criação do Salvador, de
protetor da santa infância. Por outro lado, após as glórias do apostolado do seu
bem-amado Jesus, quanto não teria sofrido o coração de José com as
perseguições suscitadas pelos judeus, com o ódio dos fariseus, com a cruenta
tragédia do Calvário!
Ignoramos tanto a época como o lugar da morte de São José, e as
circunstâncias que o acompanharam. Teve ele, como Jesus e Maria, o privilégio
de ser isento dos incômodos da doença, de estar sujeito somente aos males da
natureza humana tomados em geral, como a fadiga, a morte, etc.? Quem o dirá?
Geralmente se admite que sua morte causa da pela doença, mas sobretudo pelo
ardor do seu amor a Jesus, a seu Deus.
Como vimos, os laços que uniam José ao Verbo Encarnado eram de natureza
especial. A intimidade que deles resultava permitia àquele coração inocente,
generoso e fiel compreender lições que Ele aproveitava tão bem para progredir
maravilhosamente em todas as virtudes e, particularmente, na caridade.
Para nos servirmos de comparações empregadas pela Sagrada Escritura, São
José era em verdade a palmeira plantada nos átrios do Senhor, o cipreste que
cresce no monte Sião, a árvore que cresce à beira das águas da vida eterna e
haure a vida na própria fonte divina.
Aliás, Deus é grato. Se o Salvador recompensou magnificamente os pastores,
os Reis Magos, Simeão, Ana e outros mais, por terem sabido honrá-lo quando,
por alguns instantes rapidíssimos, os favoreceu com a sua presença, como não
recompensaria São José que, durante tantos anos, viveu na sua intimidade?
Quando o Senhor considera como feita a si mesmo a menor das coisas que
empreendemos por um sentimento de caridade para com o próximo, se dá o céu
por um copo d’água, que fará com São José que, em toda verdade, deu asilo ao
Salvador, que o alimentou, vestiu e consolou, que pôs ao seu serviço todas as
suas forças físicas e toda a dedicação do seu coração, que lhe sacrificou seu
repouso e, no meio das dificuldades e à custa de tantas privações, lhe
testemunhou um amor incomparável?

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Deus contraiu com São José uma dívida por assim dizer pessoal, e destarte
compreende-se que a tenha pago concedendo ao santo graças sempre maiores, e
sobretudo um progresso contínuo na caridade, que é o melhor e o mais perfeito
dos seus dons. Crescendo incessantemente no coração de São José, essa
caridade, pelo seu ardor, quebrou as amarras de um corpo mortal, impotente
para lhe conter as aspirações. O amor daquele Menino, de seu Deus, consumiu-
lhe a vida. À medida que a gravidade e a majestade do homem sucediam em
Jesus às graças encantadoras do menino, o terno amor de José se recolhia, por
assim dizer, ao mais profundo do seu coração, absorvendo-lhe as forças, até que
enfim a alma, rompendo-lhe os últimos laços, se exalou num supremo surto de
caridade.
O amor e a gratidão de um filho tão ternamente amado deviam, por certo,
mostrar-se magnificamente nessa hora derradeira, e fazer da morte de São José a
morte mais bela, mais edificante, mais consoladora.
E assim foi. O Senhor da vida, Aquele que tem nas mãos nosso corpo e nossa
alma, Aquele que pela unção de sua graça sabe fazer das ânsias da morte e da
própria morte uma alegria e um consolo — Jesus, ao lado de Maria, que é a
“esperança e a doçura” de todos os filhos de Adão, assistiu José moribundo. A
única coisa de que o nosso santo podia ter saudades em deixando este mundo era
da presença pessoal de Jesus. Mas, ao pesar da separação sucederia, em breve, a
alegria de se reverem na glória, no dia da ressurreição. O aresto que marcou o
termo da sua vida foi um novo testemunho do amor e da gratidão do Salvador.
No ósculo desse amor foi que José expirou. — “Servo bom e fiel, entra na
alegria do teu Senhor!” “Ainda hoje estarás comigo no paraíso!” Esta palavra
do Senhor a todos os servos fiéis, essa promessa que, na cruz, o Salvador faria
ao ladrão penitente — não terá sido idêntica promessa que José, o pai de Jesus,
ouviu então da boca de seu filho?
A alma do santo patriarca desceu ao limbo. E, para os patriarcas e profetas,
para todos os justos que ali aguardavam que o céu se abrisse, foi como que a
aurora de um belo dia, visto que era o anúncio do advento do Salvador.
Ignora-se onde foi sepultado o corpo de São José, se em Nazaré, se em
Jerusalém,naquela mesma cidade onde, mais tarde, Jesus e, consoante a tradição,
também Maria, acharam seu túmulo. Nesta última hipótese, esses três corações
que se haviam tão santamente amado nesta terra, ainda teriam sido aproximados
até na sepultura.

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SEGUNDA PARTE
A VIDA DE SÃO JOSÉ NA IGREJA

A vida de São José na terra estava terminada. Era o fim do seu ministério
junto à pessoa divina do Verbo Encarnado. Mas o santo patriarca sobreviveu a si
mesmo até neste mundo. Na Igreja, que é o corpo místico de Jesus Cristo, seu
papel prossegue através das honras que o cercam, das virtudes de que ele nos
deu o exemplo, da eficácia da sua intercessão, do poder do seu patrocínio.
Hánisso, para as almas, uma força, uma lição, um consolo. Para os fiéis,são
esses outros tantos motivos de honrar o nosso santo e de trabalhar para lhe imitar
as virtudes.
A glória de São José, no céu, é certamente grande. Está em relação com a sua
dignidade e merecimentos, como com a gratidão e a liberalidade do Salvador.
Nesta terra, ele deu sem medida, pois inspirava-o a caridade mais ardente; e o
Senhor, por sua vez, dá-lhe na glória “uma boa medida”, calcada e acogulada
(Lc6,38). Para recompensar esse servo bom e fiel, estabeleceu-o “sobre todos os
seus bens” (Mt 24, 47). Colocou o trono de seu pai nutrício junto ao trono de sua
Mãe puríssima. Tanta glória excede a nossa compreensão. Um dia, na
eternidade, ela fará a nossa alegria. Mas, já neste mundo, nos é dado
contemplar-lhe de alguma sorte o reflexo na Igreja, no reino terrestre de Jesus
Cristo.
Estudemos essa ação de São José na Igreja. Vejamos por que tributo de honra
e de gratidão os fiéis se esforçam afim de parar a sua dívida para com ele. A
ordem a seguir está indicada: estudemos primeiro as honras e os privilégios
fundados nos laços que unem São José à pessoa do Salvador, porquanto eles
projetam uma viva luz sobre a excelência das suas virtudes, lhe asseguram a
homenagem e a veneração dos fiéis e estimulam as almas à imitação das suas
virtudes.

1. A SOMBRA DO PAI CELESTE

Sombra do Pai celeste! É um nome que os autores espirituais gostam de dar


ao nosso santo. A imagem é belíssima, e não menos exata. Ela resume muito
bem a missão e a grandeza de São José. Antes de tudo, não e ele o pai do
Salvador? O Pai Celeste é o exemplar e o princípio de toda paternidade no céu e
na terra (Ef 3,15). Um pai, seja qual for, é sempre o representante dessa
paternidade augusta. Mas não pertence esta glória muito especialmente a São
José? Ela é a sua glória sob um tríplice ponto de vista.

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Primeiramente, São José é o representante do Pai Celeste sob o prisma da
autoridade — autoridade que por sua vez é o primeiro atributo de um pai. A
autoridade é o poder de dirigir e demandar, a título de princípio, na ordem da
vida ou em razão de uma situação superior — o que, aliás, de alguma sorte, vem
a dar no mesmo, visto como nenhuma sociedade pode existir ou manter-se sem
chefe. Esses dois gêneros de autoridade têm igualmente seu tipo e sua origem no
Pai Celeste que, no seio da divindade, representa o princípio gerador,
determinante,conservador e diretor.
A paternidade é o atributo característico da primeira pessoa da SS. Trindade.
Ora,esse atributo, o Pai Celeste confere-o a São José. A essa glória ele associa o
nosso santo numa medida que a homem algum foi dado jamais compartilhar.
Sem dúvida, São José não é o pai natural do Salvador. Mas, em consequência do
matrimônio contraído com Maria, ele é o chefe da Sagrada Família, cujos
membros, por esse motivo, lhe são todos sujeitos de pleno direito. Em
consequência da sua geração do Pai, o Salvador diz: “Meu Pai é maior do que
eu” (Jo 14,28).
A superioridade de São José provém unicamente do fato de ser ele o chefe da
Sagrada Família. Assiste-lhe o poder de mandar, e lhe é confiada a autoridade
do Pai Celeste. Jesus é filho de José segundo a lei.
E essa autoridade de José, o Pai Celeste reconhece-a efetivamente. José impõe
ao Menino o nome de Jesus. É ele quem apresenta Jesus no templo, é a ele que o
Pai Celeste dirige as mensagens e comunica suas ordens para a direção da
Sagrada Família. Tanto quanto Maria, o Salvador vê em José o representante
visível, o depositário da autoridade do Pai Celeste. Daí o respeito, a obediência
pontual e alegre, a perfeita submissão de que ele não cessa de dar provas, quer
em criança, quer quando já adulto. Em José reconhece ele a sombra de seu Pai
no céu. Nas ordens ou nas indicações de José, descobre a vontade do Pai e,
obedecendo a José, pode dizer: “Faço sempre o que agrada a meu Pai” (Jo
8,29). De certo, essa obediência prolongada e perfeita a José vem a ser uma
glorificação da sua paternidade como jamais houve outra idêntica. Quanto mais
o Salvador se inclina diante de José e quanto mais se prolonga a sua submissão,
tanto mais honrado é o santo patriarca.
Comparando a paternidade de São José à do Pai Celeste, descobrimos um
segundo caráter que a circunda de uma glória nova. O Pai Celeste gera seu Filho
desde toda a eternidade, na santidade e na pureza infinitas. Haverá algo mais
puro, mais espiritual do que a geração do pensamento em nossa inteligência? É
assim, mais ou menos, porém de maneira infinitamente mais pura e mais
admirável, que o Pai Celeste gera eternamente seu Unigênito. Ele se conhece e,
conhecendo-se a si mesmo,produz a imagem viva, o Verbo consubstancial com
a sua natureza divina. E essa imagem viva do esplendor da sua glória é seu
Filho.

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Ora, esse caráter de pureza, reencontramo-lo na paternidade de São José. A
paternidade natural apresenta ao mesmo tempo uma vantagem e um detrimento
A vantagem está em ser ela uma comunicação da natureza humana e da vida do
filho; o detrimento é a perda da virgindade. A natureza divina do Pai Celeste e
do Filho e os oráculos dos profetas queriam que o Salvador não tivesse, neste
mundo, pai segundo a natureza; mas devia ter mãe. Eis aí porque, como a fé no-
lo ensina, São José é o pai legal do Salvador e não o pai natural. Nele, a
paternidade — sem se tornar por isso um simples título, um nome vazio de
sentido — está, portanto, unida a uma pureza virginal e reveste um novo traço
de semelhança com a paternidade do Pai Celeste, que dá à paternidade de José
tudo o que é compatível com a integridade da pureza.
Além disso, como o Pai celeste, José tem só um filho, o Unigênito, tanto
assim que ambos têm o mesmo filho. Que glória e que grandeza nessas
analogias! É para lembrar essa paternidade virginal que, frequentemente, se
representa segurando nas mãos um lírio.
O terceiro caráter da paternidade de São José — outra analogia com a
paternidade do Pai Celeste — é o amor. Não foi a natureza e, sim, o amor que
fez de José o pai do Salvador. Nós amamos os pensamentos e projetos da nossa
inteligência como propriedade nossa. Amamo-la, por assim dizer, como a nós
mesmos, porque efetivamente nada nos pertence tanto quanto o nosso
pensamento. Assim também, a seu Filho único, imagem consubstanciai e
infinitamente perfeita da sua natureza e substância, o Pai Celeste tem um amor
infinito. Gera-o, de alguma sorte, a cada instante, e lhe diz: “És meu filho, hoje
te gerei” (Sl 2, 7). De fato, cada vez que os céus se entreabrem sobre o Salvador
e que a voz do Pai Celeste se faz ouvir (Mt 3,17; Lc 9,35; 1 Pd 1.17) ele lhe
chama seu “filho bem-amado”. José é apenas a sombra do Pai Celeste; contudo,
a voz do amor do Pai Celeste, que fala a Jesus pelo seu representante na terra,
não é um eco inanimado: sai de um coração vivo e de um coração humano, e é
um amor tal como jamais nenhum pai poderá experimentar por seu filho.
Pensemos em que, querendo o Pai Celeste dar a seu Filho um pai terrestre,
deve ter posto no coração desse pai o amor mais verdadeiro, mais profundo e
mais sincero. Escolhendo São José para tamanha missão, comunicou-lhe, pois,
não somente a sua autoridade paterna, mas ainda o seu próprio amor ao Filho
único, e inspirou-lhe tanto mais amor visto que José não devia participar da
paternidade natural. Assim como, dando seu Filho a Maria, ele pôs no coração
da Virgem o seu amor, assim também, guardadas as proporções, fez o mesmo
em relação a São José. O nosso Santo manifestou claramente a grandeza,
profundeza e poder desse seu amor; manifestou-se não só em palavras e
sentimentos, mas testemunhou-o pelas obras e sacrifícios de toda espécie. A
pureza virginal da sua paternidade em nada diminuiu o seu amor. Longe disso:
se há coração capaz de amar é o coração puro, que não admite partilha alguma e
que não é detido por nenhum obstáculo no seu surto para Deus, o sumo Bem.

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Aí está como São José é a imagem sublime e fiel do Pai Celeste. Essa
paternidade é, sem dúvida, um dos mais belos pensamentos que possam enlevar
o nosso coração, e uma das mais tocantes comunicações de Deus ao homem. O
Menino, repousando nos braços do santo patriarca, é qual revelação viva do
Unigênito neste mundo.
Em Maria, é a maternidade divina simultaneamente o princípio e o fim de
todas as suas graças e privilégios. Segundo Santo Tomás, essa maternidade é
uma das três coisas e possibilidades em que se esgota a onipotência divina.
Dessa augusta maternidade de Maria nada se aproxima mais do que a
paternidade de São José, à qual um Deus e a Mãe de um Deus estão sujeitos.
Tamanha honra é privilégio de São José. Só a ele o Pai Celeste conferiu tamanha
dignidade: — “Eu sou o Senhor. Não dou minha glória a nenhum outro” (Is
42,8).
É aqui o lugar mais indicado para falar do caráter do nosso santo. São José é o
representante do Pai Celeste. Primeiramente e antes de mais nada, é pai. Para o
Salvador, ele é pai. Não é ele também um pai para a própria Virgem Maria?
Esse traço, em que ele vem retratado, indica-nos que qualidades devemos
esperar encontrar no Santo: a calma, a reflexão, a abnegação, a fidelidade, o
amor inexaurível. E é bem assim que o vemos no Evangelho: paz inalterável nas
conjunturas mais angustiosas, domínio de si mesmo nos acontecimentos menos
previstos, doçura e paciência nas provações mais penosas, simplicidade e retidão
diante dos favores sobrenaturais com que é honrado, amor dedicado e coragem
inabalável no cumprimento do dever. Ainda sob este ponto de vista, é São José a
imagem do Pai Celeste que, no seio da Trindade bem-aventurada, representa a
Providência, agindo incessantemente, abrangendo todas as coisas de uma
extremidade à outra, na força, na doçura e na paz.

2. O SANTO DA INFÂNCIA DE JESUS

Depois do Pai Celeste, contemplamos seu Divino Filho, que Ele enviou ao
mundo, reachamo-nos em presença do grande mistério da Encarnação, em
presença do Homem-Deus. Quais são as relações de São José com esse
mistério? Para compreendê-las, examinaremos duas coisas: em que e como
contribuiu S. José para esse mistério?
De três maneiras concorreu ele para o mistério da Encarnação.
Primeiramente, teve o seu papel na própria realização da Encarnação. Como
já dissemos, Ele não é o pai de Jesus na ordem da natureza. Sob este aspecto, o
seu papel neste mistério não é um papel imediato. Só Maria foi associada à
Encarnação de maneira direta: Ela deu seu consentimento à mensagem do anjo,
e do sangue de Maria formou o Espírito Santo a santa humanidade de Jesus.

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Quanto a São José, a sua missão consistia em realizar uma condição que
dependia dele e que era requerida para a Encarnação: ele seria o guarda da
virgindade de Maria. A conceição e o nascimento do Salvador deviam ser
virginais. Esta condição, José a cumpriu: depois como antes do seu casamento, a
virgindade de Maria foi sagrada para ele. Só alguns desprezadores desta nobre
virtude ou uns blasfemadores pretenderam negá-la, contra a fé universal. Para
isso queriam ver-se autorizados por certas expressões do Evangelho (Mt 1, 25;
12, 46). Mas, quando a Sagrada Escritura diz que uma coisa não teve lugar até
tal ou tal época, não se segue daí que essa coisa tenha acontecido depois. Do
mesmo modo, com o nome de “irmãos” designa ela geralmente os primos. Por
conseguinte, quando se fala dos “irmãos de Jesus” (Mt 12, 47), esta expressão
não tem nada que possa surpreender, porquanto pode referir-se igualmente a
sobrinhos de São José. E, se o Salvador é chamado “primogênito” de Maria, isso
absolutamente não quer dizer que Ele não seja seu filho “único”. Nós, católicos,
cremos sem hesitação que Maria ficou sempre virgem: declarou-o a Igreja.
José foi, pois, à sua missão. Ao seu casamento com Maria ele trouxe os
sentimentos e as disposições necessárias ao plano da Encarnação. Efetivamente,
esse casamento era a última preparação para o advento do Salvador, e São José o
tomou possível.
Repitamo-lo: essa era, não uma condição qualquer da Encarnação, mas uma
condição que Deus estabelecera de toda a eternidade. A virgindade do santo
patriarca entrava no plano Divino da Encarnação como causa coeficiente. Vimos
como uma providência especial conduziu todas as coisas para que essa união
fosse contraída. Tinha ela por fito tanto salvaguardar a virgindade de Maria
como a dignidade do próprio Jesus que devia nascer de Maria. Podemos pois,
repetir com Santo Agostinho: — "José é tanto pai quanto mais virginal”; ou
antes, José é pai em razão mesmo da sua virgindade.
Em segundo lugar, o nosso santo teve um papel mais direto e excelente com
relação à santa humanidade do Salvador: o de velar por Jesus, de educá-lo e
defendê-lo. O menino tinha no céu um Pai infinitamente sábio, infinitamente
rico,infinitamente poderoso. Mas esse Pai testemunhou a sua sabedoria e seu
amor a seu Filho dando-lhe, neste mundo, um pai legal que fosse o seu nutrício e
o seu protetor, e a que, para lhe permitir corresponder à sua missão, Ele
inspiraria o amor mais terno e mais devotado. Esse pai era um homem mortal
que, na sua pobreza, não tinha outros recursos senão o trabalho de suas mãos. E
foi pelo trabalho de suas mãos que ele teve de prover às necessidades desse
Deus, entregue ao mundo. E quando Herodes procurava o Menino para o
trucidar, sem dúvida o Pai Celeste enviou um anjo, mas unicamente para
transmitir a José a ordem de fugir, deixando tudo à sua responsabilidade.
O amor paternal de José era pois, a única defesa do Menino. Foi esse amor
que conduziu o Salvador do deserto à terra dos Faraós, e ali velou por ele até
que todos os inimigos desapareceram. Foi esse amor paternal de José que
conduziu Jesus a Nazaré para lhe prodigalizar, durante longos anos, a sua

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dedicação à custa do mais rude labor. Esse amor, essa dedicação, esses labores,
a Escritura contenta-se com evocá-los numa palavra, mas na realidade eles
encheram dias, semanas, anos! Tudo o que um filho deve a seu pai nessa ordem
de coisas, Jesus o deve a São José.
Há, enfim, um terceiro modo como São José foi associado ao grande mistério
da Encarnação: seu papel na dispensação das graças de que a Encarnação é a
fonte. Trata-se da sua solicitude pelo corpo místico de Jesus Cristo. Esse corpo
místico somos nós. Se Jesus revestiu a natureza humana, não foi senão para
fazer de nós o seu corpo místico e para nos unir a si como ao nosso chefe, na
graça e pela graça.
Esse corpo místico é, por assim dizer, uma extensão de Jesus Cristo feito
homem, desse mesmo Jesus que São José nesta terra cercou de tanto amor e de
tantos desvelos, que fez crescer, que educou à custa de tanta dedicação. O
objetivo final dessa educação éramos nós. O anjo indicou-o suficientemente a
José quando lhe disse: — “Por-lhe-ás o nome de Jesus, porque Ele salvará o
seu povo dos seus pecados” (Mt 1, 21); porque o salvará praticamente e em
definitivo pela graça, cuja fonte é precisamente o grande mistério da
Encarnação.
Sob este ponto de vista prossegue a missão do nosso Santo, transmitindo-nos
as gradas do Salvador teremos ocasião de dizer mais adiante. “Quatro coisas,
uma árvore, uma serpente; quatro coisas repararam a humanidade: Maria,
Cristo, a cruz, José”. E São Remígio: — Pelo mesmo caminho que nos trouxe a
morte, veio — nossa vida: isto é, por uma mulher virginal e um homem
obediente".
Ora, todos esses serviços José prestava-os à santa humanidade do Salvador
com o amor mais profundo. Era como que uma espécie de compensação: sendo
o simples pai legal de Jesus, queria ao menos corresponder à sua missão com
uma caridade mais intensa. Deus proveu a isso. Quando a Providência incumbe
alguém de uma missão, dá-lhe todas as qualidades e meios necessários para a
desempenhar bem. É Deus quem cria os corações e pode mudá-los a seu gesto.
Assim como, mais tarde, a palavra dirigida a São João: — “Eis aí tua Mãe”, deu
ao apóstolo um coração de filho para com Maria, assim também Deus pôs no
coração de José o amor mais verdadeiramente paternal para com Jesus Menino
— amor sobrenatural, amor celeste, muito mais profundo, muito mais poderoso
do que qualquer outro amor paterno.
Além disso, São José serviu a santa humanidade do Salvador com a
abnegação mais completa, sem retorno egoísta, à custa de todos os sacrifícios.
Ele não trabalha para si mesmo. Parece ser um mero instrumento que se
emprega segundo a necessidade, e que se põe de lado, e quase se esquece, desde
que já não é útil. De fato, no Evangelho, ele só nos aparece com Jesus enquanto
Menino, e desaparece com a santa infância do Salvador.

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Dos grandes e gloriosos mistérios — não falamos dos mistérios da vida
pública e da ressurreição, mas dos da própria infância de Jesus, daqueles que ele
testemunhou e que o honram tanto — mal um raio de luz se projeta sobre ele. A
sua missão especial, ao contrário, é atenuar o brilho divino dos mistérios, e
subtrair-se a si mesmo de qualquer glória que daí lhe possa advir. Ele é a sombra
do Pai Celeste, não só no sentido de representar a autoridade do Pai junto de seu
Filho, mas ainda no sentido de que, olhando por todos como o pai do Salvador,
segundo a ordem natural, deve ele servir para ocultar, até o momento marcado, a
divindade de Jesus. Aquele Menino tão belo, tão amável, que José carrega nos
braços, tem só um Pai: o Deus do céu, e Ele próprio é Deus.
Eis aí uma luz, cujo brilho, uma vez revelado, projetará sobre esse Menino o
esplendor da divindade. Mas a hora dessa revelação ainda não chegou. Por isso
Deus interpõe entre si e o Menino qual uma sombra, a paternidade legal de São
José. É a sombra que atenua a lar. Apesar de alguns poucos raios que dele se
escapam, o mistério divino permanece velado.
Tais são as relações de São José com a santa humanidade do Salvador, — tão
íntimas, tão importantes, que só a Mãe de Jesus pode oferecer iguais.
Ora, o mistério da Encarnação é de importância fundamental para a Igreja,
para o cristianismo todo; e a vida do nosso santo está imediatamente consagrada
a esse mistério. José é em verdade o anjo do grande conselho, o santo da
infância de Jesus, o seu protetor, o seu educador — poder-se-ia dizer: a
Providência viva que vela sobre ele. É o que constitui a grandeza, a beleza
singular da sua vocação, e lhe assegura uma categoria à parte entre os santos do
reino de Deus.
Com efeito, entre as diversas hierarquias do mundo, quer natural quer
sobrenatural, como nos múltiplos graus das comunicações que Deus faz de si
mesmo às suas criaturas, há uma ordem que, no domínio da natureza e da graça,
excede todas as outras em glória e em excelência: é a ordem chamada
“hipostática”, a que tem por centro a santa humanidade de Jesus, unida,
pessoalmente, com a segunda pessoa da Divindade. Em torno desse astro central
agrupam-se, como outras tantas estrelas, os santos que, associados à realização
do mistério da Encarnação, têm destarte uma relação especial com o Homem-
Deus e mais se aproxima da sua pessoa. Os outros santos, por maiores que
sejam, têm relação apenas com a obra de Jesus Cristo, ao passo que os santos da
ordem hipostática estão em relação com a sua própria pessoa. A essa ordem
pertence a ilustre família de que Nosso Senhor quis nascer segundo o sangue:
portanto, também e sobretudo São José, não só por ser o mais próximo e último
rebento de Davi, mas ainda por ser o esposo de Maria e o pai legal do Salvador.
Sob este prisma, ele não cede a Maria, a augusta Mãe de Jesus.
Tal a posição de São José no reino de Deus. Tais a sua dignidade e honra
superiores às de todos os anjos! Qual foi o anjo a quem Deus jamais disse: —

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“És meu pai!”? Aí estão outros tantos títulos à gratidão, ao amor, às homenagens
de todos os súditos do reino de Jesus Cristo.
São José não é apenas grande e poderoso nesse reino, mas e também o
benfeitor de toda a cristandade, da humanidade inteira. Se José do Egito,
ministro de Faraó, bem mereceu de sua família e de seu povo, muito mais ainda
deve a cristandade a São José. Foi na habitação do santo patriarca, foi sob os
seus cuidados que a redenção se preparou. Tudo o que ele fez fê-lo por nós.

3. O ESPOSO DE MARIA

A Sagrada Escritura insiste neste ponto: São José é o esposo de Maria. “E


Jacó gerou José, o esposo de Maria, da qual nasceu Jesus que é chamado
Cristo” (Mt 1,16). E tem razão. Daí procedem, para José, consequências
extremamente importantes; dentre elas, em primeiro lugar, a tríplice relação que
o une a Maria.
Primeiramente, São José é o esposo de Maria em razão do vínculo conjugal
com ela contraído. A Escritura é formal a este respeito (Mt 1,16; Lc 1,27; 2,48).
Nessa união, os Padres e os teólogos são unânime sem reconhecer um
matrimônio verdadeiro;indicam-no as expressões de que se serve o Evangelho.
Demais, todas as condições requeridas para o matrimônio estão aí reunidas: o
consentimento e dom que os esposos se fazem reciprocamente de si mesmo para
a finalidade do matrimônio, a significação espiritual da união conjugal, símbolo
da união de Jesus Cristo com a Igreja (Ef 5,32), e enfim o filho.
Para José, essa união foi uma grande ventura, uma honra incomparável, o
princípio de inestimáveis vantagens. O matrimônio é a união mais íntima que os
homens, na terra, podem contrair. Ele não é somente uma união material, mas
produz a unidade dos corações, dos espíritos, dos sentimentos e dos afetos. É,
entre os esposos, a comunicação mútua dos bens, das honras, das dignidades,
sobre o fundamento da amizade e da igualdade.
Diz o Apóstolo: — “O homem é a cabeça da mulher” (1 Cr 11,3). Maria
pertencia pois, a José com tudo o que possuía. José teve todo o seu respeito, toda
a sua submissão, todo o seu amor. Esse matrimônio não assegurava a José
apenas o privilégio da convivência diária com Maria, a mais pura e a mais santa
das criaturas, mas o fazia continuamente a testemunha das suas admiráveis
virtudes, associava-o de alguma sorte aos seus bens espirituais: dava-lhe
também a honra e a felicidade de ser, em verdade, o pai do Salvador. Essa
paternidade, que é a missão providencial de São José, a sua missão oficial no
reino de Deus, tem o seu verdadeiro fundamento precisamente no matrimônio
contraído com Maria. Não fosse esse matrimônio, a paternidade de José não
passaria de uma paternidade adotiva, ao passo que, graças a ele, em toda a

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realidade, José é diante de Deus e diante dos homens o pai de Jesus, e pai legal
de Jesus, porque, em virtude do vínculo conjugal, se faz entre os esposos uma
permuta de todos os bens, uma doação mútua, inteira, jurídica. O que Maria
possuía, pertencia de direito a José em razão da comunhão dos bens: pertencia-
lhe, portanto também o filho de Maria. Por mais milagrosa que fosse essa
maternidade, Jesus pertencia a José, seu pai legal. Pode-se mesmo ir mais longe
e dizer que, não fora esse matrimônio, então, nem a paternidade de José teria
sido tão verdadeira e tão real, nem tão pouco, ao menos na ordem atual das
coisas, Maria se teria tornado a Mãe de Deus. Com efeito, de acordo com o
plano divino, o matrimônio entre José e Maria era o meio escolhido para
introduzir o Salvador neste mundo. Esta união conjugal é, pois, um mistério
verdadeiramente divino, através do qual nos deviam advir todos os bens.
Em segundo lugar, José não é só o esposo de Maria: é também o guarda e a
testemunha da sua virgindade. Já o vimos: a virgindade desses dois esposos,
tanto quanto a união por eles contraída, entrava essencialmente no plano divino
da Encarnação. Mister se fazia, pois, que José fosse conjuntamente o esposo de
Maria e o guarda da sua virgindade, como na realidade o foi. Era neste sentido
que Bossuet escrevia: — “A fidelidade desse matrimônio consiste em guardar
um ao outro a perfeita integridade que se prometeram. Eis aí as promessas que
os reúnem, eis aí o pacto que os liga. Duas virgindades se unem, para se
conservarem ambas”. (Obras, III).
Esse matrimônio, na intenção de Deus, visava a conceição e o nascimento de
Jesus. Por isso, José devia esposar a Mãe de Deus, que, por essa razão, e
segundo os oráculos, devia permanecer eternamente virgem. Isto era preciso,
afim de que, não tendo o Filho de Deus pai neste mundo, o seu nascimento no
tempo fosse uma imagem sublime e prodigiosa do seu nascimento eterno, em
que ele não tem mãe, visto como só o Pai o gera no seio da Divindade. Maria e
José são dois astros que unem os seus raios mais puros para brilharem com mais
fulgor diante de Deus, correspondendo, assim, a especialíssimos planos divinos.
Melhor do que qualquer outro, esse matrimônio, pela própria natureza, torna-se
a imagem da união de Jesus Cristo com a humanidade e com a Igreja.
São José não foi só o respeitoso da Virgem. Foi uma testemunha insuspeita,
em razão mesmo da união contraída com Maria. Se ele hesitou em tomá-la por
esposa, foi unicamente, porque não sabia como conciliar em Maria a virgindade
com a maternidade. Uma intervenção celeste tirou-o dessa perplexidade: um
anjo apareceu a José, tranquilizou-o, e tudo se explicou. Por essa revelação
divina, o nosso próprio santo tornou-se a testemunha irrecusável da virgindade
de Maria. Era o que Deus queria, permitindo uma dúvida tão cruciante. Para
defender a Virgem e vingá-la das calúnias dos hereges, os Padres apelam sempre
para o testemunho de José. Assim como o querubim com seu gládio de fogo
defendia o paraíso terreal, José defende a honra da Virgem. E é esse, para Maria,
um novo motivo de amar seu virginal esposo, de se mostrar grata para com ele.
Maria é, por excelência, a “esposa do Espírito Santo”, não somente por causa da

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graça santificante que ela possui em tal plenitude, mas ainda porque, nela e por
ela, o Espírito Santo operou o mistério da Encarnação. Neste sentido mais
elevado, o Espírito Santo é, de maneira especial, o Esposo de Maria, e São José,
sem nada perder do seu título, é o “amigo do Esposo”.
Notemo-lo: onde quer que se prepare uma obra importante, encontramos a
pureza e a virgindade. Sem elas, nada de grande se realiza na ordem
sobrenatural. Sem elas, Deus não se quis tornar homem. O Menino é, por assim
dizer, a flor e o fruto da virgindade. A pureza virginal é, pois, uma coisa bela e
gloriosa! Ela vem de Deus, inclina Deus até nós. Por ela é que a divindade se
une à humanidade. Consoante os santos Padres, a virgindade é a
incorruptibilidade numa carne naturalmente miserável. Faz- nos assemelhar aos
espíritos celestes. Ela é, no homem, o reflexo da eterna beleza. Quando Deus a
descobre em nós, esquece o nosso nada. Eis aí porque Ele escolheu para si um
pai e uma mãe que são virgens, e faz consistir suas delícias em habitar com eles
(Can 2, 16).
Em terceiro lugar — e esta nova relação que une José a Maria é uma
consequência da honra que lhe pertence por ser esposo da Virgem bendita —
sendo o filho a finalidade do matrimônio — essa finalidade, como vimos,
realizou-se quanto a José, de maneira admirável e superior, pela conceição
virginal de Jesus. Mas a união conjugal também tem outro fim: a comunidade da
vida, o apoio mútuo, uma solicitude recíproca de todos os instantes. São José foi
o companheiro fiel da Mãe de Deus, o seu sustentáculo afetuoso, o seu
consolador dedicado. A vida de Maria devia ser a vida da Mãe de um Deus que
não viera a este mundo para saborear alegrias e desfrutar honras, mas para nos
remir pelos trabalhos, pelos sofrimentos, pela cruz. Quer dizer que, associada a
essa missão, Maria devia achar em José um socorro e um arrimo. E, de fato,
vemos a Sagrada Família, senão na indigência absoluta, pelo menos numa
pobreza tal que Maria e José, descendentes de uma raça real, devem trabalhar
com suas mãos para assegurar ao Menino o pão de cada dia. Vemo-la, por causa
deste Menino, fugir de poderosos perseguidores e, à custa de mil fadigas, exila-
se numa terra estrangeira.
Evidentemente, nessas conjunturas era preciso decisão e energia. Era preciso
auxílio e proteção. Maria, a doce e terna Mãe, achou esse socorro em José, que
foi seu guia, o seu sustentáculo, a sua defesa. Assim como outrora Israel viajara
pelo deserto, guiado e protegido pela misteriosa coluna de nuvens, assim
também a Sagrada Família, sob a guarda vigilante de José, vai de Nazaré a
Belém, a Jerusalém, ao Egito. Eis porque os mosaicos antigos nos representam
sempre São José com um bordão: é o emblema do protetor de Jesus e de Maria.
E na humilde morada de Nazaré, que doçura, que paz, que encantadora
intimidade sob a conduta paternal do nosso santo! Tudo se impregna da
profunda veneração de que José cerca a Mãe do Salvador. Temos uma prova
evidente desses sentimentos de respeito na penosa provação de que falamos e
que só fez estreitar os laços de afeto entre os dois esposos. No testemunho de um

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escritor eclesiástico, antes de admitir a menor suspeita com relação a Maria, São
José teria crido num milagre. Quanto não devem ainda ter crescido o seu
respeito e a sua veneração ao reconhecer nela a Mãe Santíssima de Deus!
O amor nascia dessa mútua estima. A natureza e a graça reuniam-se para
aumentar esse amor: a graça e a santidade de Maria, a delicadeza do coração de
José, a consciência de cumprir um dever e de se conformar com a vontade de
Deus. Depois de Deus e do Menino, José não tinha nada de mais caro do que
Maria. O próprio Espírito Santo era o vínculo que unia os corações.
Dessa compreensão e desse amor sempre nascem a alegria e a paz. Nada
perturbava a calma do santuário de Nazaré. Toda provação, todo sofrimento
vindo de fora parava, de alguma sorte, no limiar daquele lar bendito, sem
perturbar a paz daqueles corações que, em tudo só viam e só queriam o
beneplácito de Deus. A própria Maria e mesmo Jesus podiam edificar-se
admirando a virtude tão calma, tão humilde de José, a sua pureza, a sua
santidade.
Na intimidade de Jesus Menino e de seu santo esposo, Maria já não devia ter
saudades do templo de Jerusalém, onde os seus primeiros anos haviam decorrido
em ardentes aspirações a Deus, ao Deus do seu coração. Ela possuía agora coisa
melhor do que a arca da aliança, coisa melhor do que o sumo sacerdote!
O que demonstra eloquentemente a conformidade com os desígnios de Deus
com que São José cumpria todos os seus deveres para com a sagrada Família a
que ponto encantavam a sua sabedoria, a sua pureza e a sua santidade o coração
de Maria, é o fato de que essa Virgem bendita, que sobrepuja em excelência
todas as criaturas, se confiava espontaneamente, sem reserva, com o abandono
de uma criança, à conduta de José. Como a noiva do Cântico, ela podia dizer: —
“Sentei-me à sombra daquele que eu desejara” (Cant 2,3). Assim como outrora,
nos dias felizes de Salomão, o israelita vivia em toda segurança à sombra da sua
figueira e da sua vinha, assim viviam Jesus e Maria, sem receio, sob a afetuosa
proteção de São José.
Estas poucas reflexões pretendem apenas transmitir-nos uma pálida ideia do
que encerra a simples palavra do texto evangélico: — “E Jacó gerou a José, o
esposo de Maria, da qual nasceu Jesus, que é chamado Cristo”.

4. O HOMEM SEGUNDO O CORAÇÃO DE DEUS

Há um outro título que damos a São José: chamamo-lo “o homem segundo o


coração de Deus”, “o homem da dextra de Deus”, isto é, o homem da
Providência divina. E estes títulos convidam a estudar com mais minúcia as
relações de São José com o Espírito Santo.

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Com efeito, o Espírito Santo, que procede do Pai e do Filho mediante a
vontade ou o amor, representa, na Divindade, o amor ou o coração, símbolo do
amor. E como não há nada mais ativo que o amor, o Espírito Santo representa
também o princípio de todo movimento ordenado ao fim. Numa palavra, ele é o
princípio diretor a que todas as criaturas devem obedecer para atingirem o seu
destino eterno. O Espírito Santo, “O dedo de Deus”, que criou todas as coisas
pela sua sabedoria, conduz todas as criaturas ao seu fim pela sua Providência,
designando-lhes a sua vocação e tornando-as capazes de cumprir essa vocação.
Na sua qualidade de pai legal de Jesus e de chefe da Sagrada Família, São
José teve uma vocação de grandeza e importância excepcionais: preparar o
advento do Redentor neste mundo, preparar a redenção velando sobre a infância
e juventude do Homem-Deus. Sob este aspecto, Ele era o instrumento do
Espírito Santo. O Espírito Santo guiava, José obedecia e realizava o plano divino
pela obediência. É instrutivo e edificante ver de que maneira José seguia a
direção do Espírito Santo. Sob este ponto de vista achamos, na vida do santo
patriarca, duas espécies de circunstâncias em que a sua conduta nos pode servir
de modelo.
Primeira circunstância: — Deus quer alguma coisa de nós, chama-nos para
fazermos uma escolha; mas não nos manifesta expressamente a sua vontade,
guarda silêncio. São José achou-se neste caso provavelmente no momento do
seu noivado com Maria, e depois quando teve de sofrer sob a dúvida cruel de
que falamos, e enfim na época do regresso do Egito, quando se tratou de fixar
em Belém ou em Nazaré a residência da Sagrada Família. Em semelhante
conjuntura não há outro recurso senão tomar o conselho de outrem, ou inspirar-
se na sua própria prudência, na própria consciência, ou enfim orientar-se pelos
conhecimentos que podem levar a conhecer a vontade de Deus.
Assim, para o noivado com Maria, São José ter-se-ia resolvido em razão da
declaração dos sacerdotes e dos chefes de família. Na dúvida relativa à
virgindade de Maria, ele consultou sua consciência e a lealdade do seu próprio
coração, sem se deixar influenciar pela voz da paixão, até que Deus revelasse a
Sua vontade pela mensagem do anjo. Finalmente, para fixar em Nazaré a
residência da Sagrada Família, ele se decidiu pelos conselhos da prudência,
porque Arquelau era para temer tanto quanto seu pai Herodes; e, aí ainda, a
escolha de José recebeu a confirmação divina.
Segunda circunstância: — Deus nos pede uma coisa, manifesta claramente a
Sua vontade, mas nos deixa a escolha e a aplicação dos meios. Aqui, o que
temos a fazer é desprender-nos de todo apego, triunfar de todo temor, de toda
irresolução, para nos conformarmos sem reserva com a vontade de Deus. É o
caso de São José, recebendo do céu a ordem de fugir para o Egito com o
Menino. O fim estava claramente designado. Quanto aos meios, José teve de
prover-lhes por si mesmo; e vimos a sua coragem e constância em obedecer.
Que desapego de si mesmo, que docilidade em se conformar com uma ordem
que o atira para longe, para a terra do exílio! Não é Ele, por essa própria

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obediência, a nuvem leve sobre a qual o Senhor queria mostrar-se no Egito (Is
19,1)?
Destarte mostra-nos ele em São José o nosso padroeiro em todas as decisões
difíceis, e mais particularmente na escolha da vocação, escolha de tamanha
importância para todas as almas. Quando, às vezes, é coisa tão delicada uma
simples determinação a tomar no curso ordinário da vida, que dizer de uma
escolha de que dependerá a vida inteira? Portanto, sigamos o exemplo de São
José e imploremos-lhe o socorro. As reflexões seguintes poderão ajudar-nos em
negócio tão grave.
Primeiramente. devemo-nos compenetrar bem deste grande princípio: que,
numa decisão qualquer e, sobretudo,na escolha de uma vocação, não devemos
procurar outra coisa senão a vontade de Deus para a salvação eterna de nossa
alma, e não a nossa própria vontade ou as nossas preferências, a menos que elas
coincidam com a vontade de Deus. Procurar e querer outra coisa, seria subverter
a ordem; seria tentar dobrar a vontade de Deus à nossa própria vontade, e não
reduzir a nossa vontade à de Deus. Seria fazer do fim o meio, e do meio o fim.
Não seria querer ir a Deus, mas querer que viesse a nós. Tudo consiste, pois, em
procurar conhecer a vontade de Deus sobre nós. Ele é nosso Senhor e Mestre. A
nossa vida lhe pertence. A Ele é que compete dispor dela, é não a nós. A Ele é
que cabe determinar como devemos servi-lo. Não é o homem que faz a sua
vocação, é Deus quem lha dá.
Em segundo lugar, segue-se que devemos examinar o que pode ou não pode
ser objeto de uma escolha. Evidentemente, nada de pecaminoso, nada de
contrário à lei divina poderia ser posto em deliberação. Não teríamos aí nem a
vontade de Deus nem um meio de chegar ao nosso fim. A escolha não pode
versar senão sobre coisa moralmente boa, ou pelo menos sobre coisa indiferente
em si mesma, mas podendo, na circunstância, tornar-se boa; sobre coisa, enfim,
admitida na Igreja ou por ela tolerada. Não é, pois, necessário que o objeto da
escolha seja uma coisa que se refira por si mesma à perfeição, por exemplo o
sacerdócio ou o estado religioso. Deus tem caminhos para cada alma em
particular e, todos os caminhos, contanto que não sejam maus, podem conduzir
ao fim. Foi por isso que Ele estabeleceu na Igreja vocações diversas, e em cada
uma dessas vocações pode-se, com o socorro de Deus, atingir a perfeição,
porque a perfeição consiste essencialmente em amar a Deus acima de todas as
coisas, em ser e em fazer o que Deus pede de nós. São José nos ensina pelo seu
exemplo: Deus lhe pedia um modelo de perfeição mesmo no estado do
matrimônio.
Estabelecidos estes princípios, trata-se, em terceiro lugar, de saber como
podemos achar e reconhecer a vontade de Deus sobre nós, relativamente à nossa
vocação ou à maneira por que devemos servi-lo e alcançar a nossa salvação.
Sobre este ponto, há vários meios de chegar a uma certeza moral. O próprio
Deus pode revelar-nos a sua vontade, como o fez muitas vezes com os santos, e
em diversas circunstâncias com São José, enviando-lhe um anjo. A luz também

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nos pode ser dada pelas inspirações interiores e pelos movimentos da graça na
oração, pelas inclinações naturais ou pelas qualidades que Deus nos deu e que
correspondem a esta ou aquela vocação.
Enfim, podemos examinar seriamente e pesar com reflexão as vantagens e os
inconvenientes que acharemos para a salvação de nossa alma nos diferentes
caminhos que se abrem diante de nós. O que então nos parecer o melhor, quando
todas as coisas forem assim discutidas sem nos deixarmos influenciar pelo nosso
gosto natural, muito verossimilmente é a vontade de Deus e a vocação a que Ele
nos chama. Podemos pois, tomar a nossa decisão definitiva. A escolha está,
assim, terminada, e Deus não deixará de nos abençoar. Fervorosas orações, os
conselhos de pessoas prudentes e tementes a Deus, uma séria introspecção em
nós mesmos perguntando-nos o que aconselharíamos a um amigo em
semelhante circunstância e o que nós mesmos queríamos ter feito, quando viesse
o momento da morte — são outras tantas indicações utilíssimas para uma boa
escolha.
Por conseguinte, quando tivermos de fazer uma escolha importante, vamos a
São José:é um santo, é um pai, é o nosso conselheiro, é o nosso amigo. Dele,
melhor ainda do que do ministro do Faraó, podemos dizer: — “Acharemos um
homem que, como esse, seja cheio do espírito de Deus? Acharemos um sábio
que lhe seja comparável?” (Gn 41,38). Não menos que o José que salvou o
Egito e seu povo, São José é favorecido pelas luzes sobrenaturais e pelas
comunicações divinas.Ele absolutamente não precisa de uma taça ou de um
espelho (Gn 44,5) para reconhecer a vontade do céu e descortinar o futuro. Ele
reina agora junto Daquele que foi seu filho na terra; lê no espelho da divina
Sabedoria o que Deus quer e o que é bom para as almas. Lembremos-lhe as
angústias que acompanharam a escolha da sua vocação. Lembremos-lhe aqueles
três dias de cruel ansiedade, quando Jesus, na idade de doze anos, ficou em
Jerusalém. Foi por causa de uma vocação que seu coração sofreu tanto. Tratava-
se de revelar e de reparar a vocação do Homem-Deus, Daquele que era seu filho.
E temos também aí um exemplo das tristezas de que muitíssimas vezes a
vocação dos filhos é ocasião para os pais. São José conhece as alternativas de
sofrimentos e de alegrias que acompanham uma vocação. Alguém disse: aqueles
a quem a vontade de Deus chama ao estado do matrimônio, melhor não
poderiam fazer do que recomendar-se a São José na escolha de um esposo ou de
uma esposa. Ele encontrou Maria! Que graça e que fonte de bênçãos! “A mulher
virtuosa é uma sorte feliz!” (Ecl 26,3); “A mulher santa e pudica é uma graça
inestimável” (Ecl 26,19).

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5. O HOMEM DA VIDA OCULTA E DA VIDA INTERIOR

Como tivemos ensejo de observar, São José é um santo oculto. Sua vida
exterior passa-se na sombra e no silêncio. A sua vida interior — aquela em que
ele é particularmente admirável — também é sombra e obscuridade. Nele, a
sombra atrai a sombra.
A vida do nosso santo não oferece aos olhares nada de extraordinário, nada
que provoque atenção. Dos seus primeiros anos nada sabemos. Ele só nos
aparece no momento do advento do Salvador. Descende da família de Davi,
decaída do seu antigo esplendor. Os seus dias, na maioria, transcorrem na
pequena povoação de Nazaré, que motivou a pergunta: — "De Nazaré pode sair
alguma coisa boa?” (Jo 1,46) e ele não parece haver exercido ali qualquer
função oficial. Conhecem-no simplesmente como um carpinteiro — profissão
que não tem nada de glorioso. Quanto à sua missão especial e pessoal de pai
legal de Jesus, por mais bela e mais sublime que seja em si mesma, ela
precisamente requeria a sombra e o silêncio. Os profetas, os apóstolos e os
mártires proclamaram a divindade de Jesus e, por isso mesmo, adquiriram a
glória. Ao contrário, a missão de São José, durante a sua vida inteira, foi
encobrir essa divindade.
Já o vimos: ele foi a sombra do Pai Celeste não só representando o Pai junto
de Jesus, mas ainda subtraindo aos olhos do mundo a divindade do Salvador,
visto como aos olhos de todos ele era o pai do Menino. Ora, a sombra não é só o
silêncio. Ela cobre com mistério tudo o que lhe entra na esfera. Velando a
divindade de Jesus, São José velava também o milagre realizado em Maria: a
virgindade e a maternidade divina.
Essa missão especial, José aceita e cumpre-a de todo o coração, sem
desmenti-la uma só vez durante a vida inteira.Ele quer ser oculto, quer
permanecer oculto. Mas isso não bastava. Que maravilhas poderia ter ele
revelado falando da Virgem admirável, objeto de profecias tão numerosas e
luminosas, esperança do povo de Deus! Ele abriga sob o seu teto o Messias
esperado com tanta impaciência e não trai com uma só palavra o seu segredo!
Leva-o consigo para o túmulo.
Quando vêm os dias em que o Salvador realiza seus milagres, quando a glória
da Ressurreição transforma em triunfo os sofrimentos e as humilhações da
Paixão, José já não é deste mundo. Mesmo quando o cristianismo alarga as suas
conquistas, o nosso santo ainda permanece na sombra até que venha a hora de se
lhe prestar um culto bem merecido.
Tal foi a prodigiosa vocação de José: ser a sombra, projetar a sombra sobre si
mesmo e sobre tudo o que entra na sua esfera, sobre o próprio Deus.
A sua vida exterior foi, pois, uma vida oculta. Mas isso não bastava. Era
mister que essa vida oculta fosse igualmente uma vida interior. Assim o pedia a

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missão do santo patriarca. Ser o guarda e o protetor da vida oculta de Jesus era a
vocação de São José. Ora, essa vida oculta do Salvador era essencialmente uma
vida interior. Para velar por essa vida, mister se fazia uma alma, um santo que
amasse e praticasse a vida interior.
Que vem a ser essa vida interior? É o lado espiritual, o lado melhor da vida
humana. É a vida que confere ao homem uma grandeza e um valor muito acima
das aparências da vida exterior. Ela consiste na parte que a alma, o espírito do
homem, pelo seu lado superior e sobrenatural, toma nos atos exteriores. É o
homem vivendo para Deus, de Deus e em Deus. Assim sendo, para frisá-la em
alguns traços, a vida interior consiste sobretudo na pureza do coração, na fuga
de tudo o que pode desagradar a Deus e tornar-nos menos agradável a seus
olhos, por conseguinte na fuga de toda falta voluntária e ainda na vigência sobre
o nosso interior. Consiste, além disso, em nos esforçarmos por transformar todos
os nossos atos exteriores em outros tantos atos de virtude — de uma virtude
sobrenatural; transformá-los em outros tantos méritos perante Deus, dando-lhes
uma intenção reta e sobrenatural. Consiste enfim, em conversarmos diretamente
com Deus pela oração e em correspondermos fielmente às suas inspirações.
Eis aí, praticamente, a vida interior. Tal deve ter sido a de São José. Mas
quem nos fará compreender-lhe a perfeição? Pensemos na missão gloriosa de
José, pensemos nas graças que Deus lhe concedeu dessa missão! Se desde o
primeiro instante de sua existência Maria recebeu uma plenitude transbordante
de dons celestes,porque devia ser a mãe do Salvador, José, cuja missão tem mais
de uma analogia com a de Maria, deve ter por sua vez recebido as graças
correspondentes à sua alta vocação. Esse capital de graças não pôde senão
multiplicar-se pela prática da vida interior, e frutificar tanto mais quanto a vida
exterior do nosso santo era mais humilde e, de alguma sorte, mais vulgar. Além
disso, uma contínua intimidade com o Salvador e com Maria favorecia
singularmente o progresso da vida interior.
Que pureza nos pensamentos de José, suas intenções, porquanto, fruindo da
sociedade de Jesus, ele estava incessantemente, como os anjos, em presença do
Deus três vezes santo! Que recolhimento em suas ações, desde que a sua vida
toda se achava, por isso mesmo, diretamente consagrada ao serviço de Deus, à
execução dos conselhos divinos! Que fervor na caridade, pois tudo em torno
dele, tudo o que ele via, tudo o que ouvia, eram outras tantas revelações do amor
de Deus, outras tantas inexauríveis fontes de graças, outras tantas manifestações
da sabedoria e da beleza divinas! José estava imerso em Deus. A luz de Deus
banhava-lhe a vida interior, como a luz do astro das noites transparece através da
nuvem que a vela por um instante.
São José é pois, o melhor modelo da vida interior. Sem dúvida, ele não era a
luz que impõe a atenção e fere todos os olhares. Compará-lo-íamos antes a um
perfume cujo aroma respiramos sem reconhecer sempre donde se exala. O nosso
santo é, pois, ainda agora, na Igreja, o padroeiro da vida interior. Essa vida
interior faz a sua grandeza. Ela lhe é necessária. Sem ela, ele não teria passado

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de uma sombra vã diante dos homens e diante de Deus. Ter-se-ia assemelhado a
esses ricos e a esses grandes do mundo de quem a Escritura diz, que “no seu
despertar, nada acharam nas suas mãos” (Sl 76,6). Com ela e por ela, José foi
rico diante de Deus. Foi grande da grandeza do próprio Deus. Por ser Deus, e
por ser infinitamente feliz em Si mesmo, Deus nos é oculto, silencioso, invisível.
E é a vida interior que nos associa a essa grandeza de Deus, porque ela consiste
essencialmente em viver para Deus e em Deus.
A vida interior é pureza, porque é uma frequente conversa com Deus, espelho
de toda pureza. É riqueza, porque tudo o que fazemos, fazemo-lo para Deus e o
transformamos numa recompensa eterna. É força porque, pela união com Deus,
ela nos atrai a graça de vencermos os perigos e as dificuldades da vida exterior.
Coloquemo-nos, pois, sob a proteção de São José e, confiantes no seu socorro,
trilhemos os caminhos da vida interior, pela vigilância sobre nós mesmos, pela
pureza de intenção em todas as coisas, pela prática da oração, pela docilidade às
inspirações da graça. Sem estes exercícios da vida interior, a própria vida mais
oculta ficaria sem mérito diante de Deus, sem valor para a eternidade. E, para
entrar nessa Terra prometida da vida interior, não há guia melhor nem mais
seguro do que São José: é uma das recompensas concedidas aos serviços que ele
prestou à santa infância do Salvador.

6. O HOMEM DA VIDA EXTERIOR

A vida do homem não é nem exclusivamente interior, nem exclusivamente


exterior. Composto de corpo e alma, o homem é chamado a exercer a sua
atividade numa dupla esfera. Além disto ele não vive isolado, mas em
sociedade, entrando forçosamente em relações com seus semelhantes. A sua
vida é, pois, mista, isto é conjuntamente exterior e interior.
São José conheceu essa lei da nossa natureza. Por isso, deparamos nele,
simultaneamente, a vida interior e exterior. Não foi um ermitão. Não foi um
daqueles essênios, tão numerosos então na Judeia. Vivia na sociedade de seus
semelhantes e,antes de tudo,na da Sagrada Família, de que era chefe,
sustentáculo e protetor.
Demais, estava em relações, mesmo frequentes, com seus concidadãos e
exercia uma profissão que necessariamente, o punha em contato com as pessoas
de fora. Teve de viajar repetidas vezes. Cada ano, no mínimo, Ele ia a Jerusalém
para as grandes solenidades. Constrangido a fugir por ordem de Deus, foi até o
Egito e ali permaneceu certo tempo. Se a arte cristã o representa com um bordão
é, entre outros significados, para lembrar essas viagens.
Finalmente, São José exerceu uma profissão, uma profissão bem vulgar e
material, porque pelo seu trabalho devia assegurar à Sagrada Família o pão

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cotidiano. Eis porque nas pinturas ou mosaicos dos primeiros séculos, vemos um
serrote ou um machado junto do presépio: é a ferramenta do carpinteiro.
Mas essa vida exterior do nosso santo foi uma vida admiravelmente ordenada
e perfeita. Pelas razões seguintes: primeiramente, por causa dos motivos que o
faziam cumprir seus deveres de estado, assim como pela sua obediência à
vontade de Deus, pelo seu amor a Jesus e a Maria, que formavam sua família,
muitíssimas vezes também por caridade para com o próximo e pelo nobre desejo
de lhe ir em auxílio. Se ele se misturava aos seus concidadãos, nunca era por um
sentimento de tédio ou de cansaço no seu labor, por desocupação, por capricho,
unicamente para seu prazer, à cata de novidades ou de consolações. É bem certo
que suas viagens a Nazaré e ao Egito não foram viagens de recreio. De acordo
com os princípios da perfeição e com as máximas dos santos, a vida exterior
deve de alguma sorte decorrer da plenitude do espírito interior, deve ser uma
efusão do nosso amor a Deus e ao próximo.
Em segundo lugar, a vida exterior de São José foi uma vida admiravelmente
ordenada e perfeita, pela maneira como se comportava nela. Entregava-se a ela
sem que nada tivessem a sofrer o cuidado pela sua vida interior, a vigilância
sobre sua alma e a sua união com Deus. Sua vida exterior era como que o
desabrochar de sua alma. O pensamento de Deus, o amor de Deus inspiravam,
acompanhavam e enobreciam cada um de seus atos, e transformavam-nos em
outros tantos atos de virtude. Longe de ser comprometida pela vida exterior, a
vida interior enriquecia-se continuamente com todas as dificuldades e
contrariedades, com todos os sacrifícios que se apresentavam. A caridade divina
ia também crescendo incessantemente e o santo desfrutava, além disso, a
consolação de ter sido útil aos seus semelhantes.
São José dá-nos assim uma grande lição. Todos nós temos que levar uma vida
exterior. Mas é preciso ordená-la. Todos nós temos que trabalhar. Mas é preciso
trabalhar devidamente. E aqui há dois escolhos a evitar: a falta e o excesso.
A falta. Muitas vezes trabalhamos de menos: é a ociosidade, o desperdício de
tempo, a falta de seriedade, a negligência em consagrar a nossa vida, as nossas
forças e os nossos talentos à glória de Deus e ao bem do próximo. Outras vezes,
também, o mal não consiste em não fazermos nada, em não nos darmos a
nenhuma ocupação, mas em nos gastarmos numa multidão de negócios inúteis,
em nos ocuparmos de coisas que não pertencem à nossa vocação, nem ao;
nossos deveres de estado, que não têm nenhuma utilidade real nem para nós
mesmos, nem para nossos semelhantes. Agir e trabalhar assim não é agir nem
trabalhar: é remexer-se, agitar-se, seguir o próprio capricho. É assim que
trabalham certas aves que passam seu tempo a alisar a plumagem, a saltitar de
um barrote a outro da gaiola, a ensaiar um trinado, a comer e a beber. Acaso é
trabalhar ir de visita a visita, de uma conversa a outra conversa, de um
passatempo a outro passatempo e ter, para isso, todo o tempo à disposição? O
trabalho, no verdadeiro sentido do termo, é o trabalho pedido pelos nossos
deveres de estado, o trabalho útil, o trabalho em relação com a nossa vocação.

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Tudo o mais não passa de um meio de fugir ao tédio, de escapar à monotonia
mortal. Examinemos seriamente, perante Deus e perante nossa consciência, de
que maneira empregamos nossa vida, nossas forças e nossos talentos. Um dia
Deus nos pedirá conta não só do mau emprego, mas ainda do desperdício do
tempo. Um homem de coração deveria envergonhar-se de comer sem ter
merecido a sua comida, e de ficar tranquilamente de braços cruzados, quando
tão grande número de seus semelhantes tem de submeter-se a um duro labor,
quando o Salvador, Sua Santa Mãe e São José tiveram de ganhar penosamente o
pão quotidiano. O pão que não se ganhou é um pão roubado, ao menos diante de
Deus, pois está escrito: — “Quem não quiser trabalhar, também não há de
comer” (2Tes 3,10). E, além disso, vejamos se, cumpridos os nossos deveres de
estado, não nos resta nada a fazer para auxiliarmos nosso próximo, para
cumprirmos a nossa missão social, para correspondermos às necessidades da
nossa época tomando parte ativa nas obras de caridade. Não é de todos os
instantes a prática do grande preceito do amor de Deus e do próximo? Ponha-se
cada um a trabalhar pelo bem de todos, e em breve estarão resolvidas as
questões sociais. Todos nós podemos muito, se quisermos. Façamos ao menos o
que pudermos. Isto basta.
Em segundo lugar, o excesso. Podemos trabalhar demais. Trabalha-se demais,
quando o trabalho exterior se faz em detrimento do interior, em detrimento da
nossa consciência e de Deus; quando, absorvidos pelo exterior, descuramos o
propor-nos uma intenção mais alta e sobrenatural; quando nos damos a essas
ocupações sem pormos nossa confiança em Deus; quando nos apegamos a elas
servilmente, sem pensar na eternidade. Tomado no sentido verdadeiro do termo
e com a sua significação cristã, o trabalho exercido para Deus e para a salvação
de nossa alma é uma obrigação e uma honra para o homem. É a condição do seu
progresso, e da sua felicidade no tempo e na eternidade. No céu, a nossa parte
será, na realidade, a que nos tivermos granjeado pelo nosso trabalho.
Compreendido diversamente, o trabalho perde toda a sua significação; torna-se
uma divindade cruel, um Moloc que devora o corpo e a alma do homem. Enfim
— e é a isto que cumpre chegar sempre — o trabalho é para o homem e o
homem é para Deus.
Não é, pois, um fim, mas um meio... Destarte, afim de não trilharmos
caminho falso em nosso trabalho, propiciemo-nos cada dia alguns instantes para
nos recolhermos e orarmos.
Como se vê, São José é o modelo indicado para o nosso século, em que se faz
do trabalho um ídolo. Pela justa medida que ele soube guardar, pela sabedoria
com que uniu a vida interior à exterior, Ele é o padroeiro tanto da classe operária
como dos homens apostólicos. Digamos melhor: é o modelo de todos os
homens. Peçamos-lhe a graça de imitá-lo neste ponto: essa graça é uma das que
entram nas suas atribuições.

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7. O PADROEIRO DA FAMÍLIA

Quando nós representamos São José, vêmo-lo sempre em companhia de Jesus


e de Maria. Vemo-lo fundando a Sagrada Família, dirigindo-a, velando por ela.
Efetivamente, foi ela o cenário da sua missão, do seu trabalho e da sua morte.

A Sagrada Família
É aliás lei geral: o homem é chamado para viver e agir na sociedade. A vida
humana tem o seu coroamento na vida social. Deus, que criou o homem à sua
imagem, quis também que a sociedade humana fosse uma imagem dessa
sociedade divina que é a SS.Trindade. Na unidade da natureza É na pluralidade
das pessoas, na perfeita igualdade de poder e na distinção das processões
divinas, a SS. Trindade é o modelo sublime das múltiplas sociedades que,
nascendo uma da outra, representam, em graus diferentes, a diversidade numa
soberana unidade.
A humanidade toda forma um conjunto de agrupamentos sociais, quer na
ordem natural quer na ordem sobrenatural. Desde que inferiores se reúnem sob
um superior, há sociedade. A família dá nascimento à comuna, a comuna dá
nascimento ao Estado. Do mesmo modo, na ordem sobrenatural, achamos as
diversas sociedades religiosas e a Igreja. Todos os graus dessa dupla hierarquia
têm em São José um padroeiro e um protetor celeste.
Em primeiro lugar, a família. Para a ordem e prosperidade da família, é
preciso primeiro a autoridade que funda e governa a sociedade doméstica. É
preciso a piedade que mantêm a família nas relações requeridas com Deus e lhe
assegura as bênçãos celestes. É preciso o trabalho que proporciona a

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subsistência e cria os recursos materiais. É preciso o amor que traz consigo a paz
e a alegria.
Já estudamos São José sob todos esses pontos de vista. A sua vocação foi
essencialmente a de ser chefe da Sagrada Família. Essa Família, ele a fundou
pela sua aliança com Maria. Que dignidade e que graça na sua autoridade, visto
que ele representa o Pai Celeste, de quem é a imagem pela pureza, pela
sabedoria, pela fidelidade! Ele nos é um admirável modelo na sua piedade, no
seu trabalho que executa para se conformar ao beneplácito divino, com zelo,
confiando na Providência.
Sabemos, enfim, o que foi o seu amor. Por isso, de que alegria e de que
segurança não gozava a Sagrada Família sob esse governo paternal, mesmo no
meio das provações e contrariedades que são neste mundo o quinhão de toda
família e que não faltaram à de Nazaré! Em todas as circunstâncias foi São José
o protetor, o conselheiro, o consolador dos seus.Ele é pois, com toda razão, o
padroeiro da família e é honrado como tal em todo lar cristão. Houve jamais
uma família que, melhor que a Sagrada Família, fosse a imagem da augusta
Trindade? Jesus, Maria, José — eis a trindade terrestre.
A comuna, primeiro, depois o Estado, eis a extensão da sociedade doméstica
pelo agrupamento de várias famílias sob um chefe comum, mirando — é pelo
menos o fim próximo — assegurar o bem-estar temporal. Em si mesmo, o
Estado cristão faz parte do plano divino para a salvação do homem, para a
proteção da família, para a economia da Providência no governo do mundo. O
Egito oferece-nos um exemplo dessas intenções misericordiosas de Deus: sob a
direção de José, filho de Jacó e figura do nosso santo, ele foi um meio de
salvação para o povo escolhido e, por ele, um meio de salvação para o mundo.
São José, é verdade, não foi um chefe de Estado. Mas, muito melhor ainda do
que o ministro do Faraó, ele foi “o pai do rei” (Gn 45,8), do soberano Rei, do
Rei dos reis.
E, para ser o chefe da Sagrada Família, era preciso uma virtude mais alta e
uma santidade mais excelente do que o pedia o governo do Egito. São José não
salvou apenas um só povo e um só país da morte pela fome, mas transmitiu a
toda a humanidade o pão da vida eterna.
Pelas suas virtudes, que são bem as virtudes de um chefe de Estado — pela
sua sabedoria, pela sua bondade obsequiosa, pela sua política toda celeste —
São José é um maravilhoso modelo para todos os que exercem poder, como é
um modelo para os súditos, pela sua obediência, pelo seu respeito à autoridade.
Só sabe mandar bem quem sabe obedecer bem. Eis porque, outrora, monarcas e
chefes de casas poderosas escolhiam a São José para protetor da sua família e do
seu país. E José não lhes traiu a confiança. Mas vieram outros tempos, outras
máximas presidem hoje ao governo dos Estados: “Não se pensa mais em José”
(Ex 1,8). As coisas vão porventura melhor para os príncipes e para os povos?
Quem ousaria afirmá-lo?

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Em terceiro lugar, temos a Igreja, a grande sociedade sobrenatural, a família
de Deus neste mundo. Como em toda sociedade, na Igreja faz-se mister um
governo. É a hierarquia do sacerdócio com os seus graus. Ora, o poder
sacerdotal estende-se primeiramente ao verdadeiro corpo de Jesus Cristo, real e
substancialmente presente na Eucaristia que continua a viver entre nós. Desse
poder dimana a autoridade do sacerdócio eclesiástico sobre o corpo místico do
Salvador, isto é, sobre os fiéis, para instruí-los, guiá-los, reconciliá-los com
Deus, alcançar-lhes e dispensar-lhes as graças e orar por eles.
A Igreja tem o seu modelo na Sagrada Família. Ora, em Nazaré, São José era
o chefe, o pai, o protetor, o guia. Por todos esses títulos, ele pertence de maneira
especial à Igreja, que era a finalidade, e, por assim dizer, é a extensão e a
continuação da Sagrada Família.
Por outro lado, são os sacerdotes, na Igreja, os membros principais. Dessarte,
entre São José e o sacerdócio, há uma relação toda particular, sob um duplo
ponto de vista. Primeiramente, sob o ponto de vista da função. Como vimos,
José teve um grandíssimo poder sobre a pessoa do Salvador. De certa maneira,
ele nos transmite Jesus. Foi José quem o educou, quem o sustentou, quem velou
por ele. A sua missão consagrava-o muito especialmente à pessoa de Jesus
Cristo. Sua vida, seus atos foram a vida e os atos de um sacerdote, visto como o
sacerdócio visa primordialmente a administração do sacramento do altar. Se lhe
não devemos o Salvador de maneira imediata como o devemos ao sacerdote, que
pronuncia as palavras da consagração, as funções que o ligavam a Jesus, os
desvelos de que o cercava, tinham entretanto uma importância maior, e o
punham com o Senhor numa relação mais imediata do que todos os ministros do
altar.
Em segundo lugar, sob o ponto de vista das virtudes, as de São José foram
virtudes eminentemente sacerdotais: espírito de fé, pureza, humildade, zelo das
almas. Não tornaremos a este assunto, de que já falamos. Como se vê, São José
é o mais belo modelo do sacerdote.
Mas, na Igreja de Deus, há uma outra família que pode reclamar a proteção de
São José de maneira especial: a família religiosa, a comunidade das almas cuja
vocação é o estado religioso. A vida religiosa é excelentemente a escola da
perfeição, já que, por dever de estado, o religioso é obrigado a tender à
perfeição. Para essa vocação, como para qualquer outra aliás, a perfeição
consiste essencialmente no amor de Deus. Mas o que distingue o estado
religioso são os meios empregados para alcançar o fim. No mundo, para chegar
ao amor de Deus e praticá-lo, as pessoas se contentam com o meio
essencialmente necessário — a observância dos preceitos — ao passo que, na
vocação religiosa, se recorre aos meios de supererrogação — conselhos
evangélicos, votos, que, sem serem em si mesmos obrigatórios para ninguém,
constituem os melhores meios de perfeição, porque contribuem muito
energicamente para afastar os obstáculos do amor de Deus. Ao apego aos bens
exteriores, eles opõem a pobreza; ao atrativo dos prazeres sensíveis, a castidade;

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aos perigos da vontade própria e da independência, a obediência. A esses meios
gerais, comuns a todos os que vivem em religião, cada Ordem acrescenta certos
meios particulares para atingir a perfeição da amor divino, pela prática da vida
contemplativa ou da vida ativa, conforme se trata de trabalhar unicamente na
santificação pessoal ou de consagrar-se ao mesmo tempo à salvação das almas.
É assim que se distinguem as Ordens contemplativas e as Ordens ativas.
Mas, de uma parte e de outra, existem relações estreitas entre São José e a
vocação religiosa, existem poderosos motivos para invocar a proteção do Santo
patriarca. Acaso se propôs ele, neste mundo, outro fim senão a perfeição no
amor de Deus? Não praticou, em toda verdade, a obediência, a pobreza, a
castidade? Até onde não levou ele a perfeição da caridade? Não uniu
admiravelmente a vida contemplativa à vida ativa, a vida interior à vida
exterior? Não oferece ele o mais belo modelo das diversas formas de perfeição
que as diferentes Ordens religiosas se podem propor? Quem, pois,mais do que
ele se aproxima do soberano modelo, Jesus Cristo Nosso Senhor, na união
desses dois gêneros de vida? Eis porque todas as Ordens religiosas — quer se
deem à vida contemplativa, quer à vida ativa, ou quer professem a vida mista —
veem em São José o padroeiro da sua vocação e se comprazem em ter nele o seu
protetor especial. Eis porque lhes consagraram particularmente as suas missões
entre os infiéis. Não foi junto a ele que os Reis Magos, primícias dos gentios,
acharam o Salvador? Não foi ele quem primeiro levou Jesus a uma região
idólatra, ao Egito?
Não há, pois, na Igreja um só grupo importante, uma só sociedade d’almas na
qual São José não pertença, por assim dizer, à família; em que não deva —
permitam-nos a expressão — considerar-se como estando em sua casa. Cada
uma das diversas formas que a vida de família reveste é para nós, como para ele,
uma cara lembrança e uma doce imagem da vida, das alegrias e dos sofrimentos
que foram os seus junto do divino Salvador e de Maria. Ele se santificou na
família. Pelo seu admirável exemplo, santificou a vida de família. Foi por isso
que, nesta ordem de coisas, Deus lhe deu de ser um poderoso protetor. A
família, a sociedade doméstica, seja qual for a forma que revista — família
propriamente dita, Estado, Igreja, Ordem religiosa — é uma grandiosa e bela
criação de Deus. E por ser uma criação de Deus, por ser de extrema importância
para a glória de Deus e para a salvação do mundo, é cara a São José, tanto mais
cara quanto mormente hoje em dia, o demônio procura profanar a família,
arruiná-la, fazer dela um instrumento de maldição, um inferno na terra. Cumpre,
pois, que São José intervenha, que o chefe da Sagrada Família se oponha ao
inimigo, que ele, uma vez mais, salve “o Filho e sua Mãe”.
Terminemos por uma reflexão que nos explicará a razão de um título muitas
vezes dado a São José. Já que o nosso Santo é o protetor natural de todas as
associações ou famílias que se agrupam na Igreja, Pio IX deu-o por padroeiro à
Igreja universal. São José, portanto, faz jus, com toda razão, ao nome glorioso
de patriarca. Os patriarcas eram os pais e chefes das tribos de Israel,do povo de

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Deus. Tinham a honra e o privilégio de preparar o nascimento de Jesus Cristo.
Muito mais: esposo de Maria, da Mãe de Deus, ele foi o pai legal do Salvador.
Ele marca, pois, o apogeu do Testamento antigo e o ponto de partida do novo
que — consoante a palavra de Leão XIII numa das suas encíclicas — começou
quando a Sagrada Família foi fundada. Na sua qualidade de patriarca, São José
pertence, assim, tanto à Lei antiga quanto à nova. É, por conseguinte, o patriarca
dos patriarcas. É o patriarca no sentido mais elevado do termo, porque a Aliança
nova sobreleva infinitamente ao Testamento antigo sob todos os portes de vista.
Com uma das mãos, ele abençoa o antigo, e com a outra o novo Testamento.
Quem lhe pode ser comparado?

8. O PADROEIRO DAS ALMAS ATRIBULADAS

Tudo neste mundo está sujeito à lei do sofrimento. Não há ninguém que não
tenha de sofrer. A dor prendeu-se ao homem; segue-o por toda parte. No fundo,
a história da humanidade não passa de uma grande tragédia em que o
sofrimento, sob mil formas diversas, representa o papel principal. O sofrimento
começou com o pecado; só termina com a morte. Cumpre, pois, que assim seja:
Deus, infinitamente bom e infinitamente sábio, viu um bem na provação. Pelo
sofrimento é que fomos remidos; é pelo sofrimento que colhemos os frutos da
Redenção. Muitos homens são levados à compreensão e salvos, só mesmo pelo
sofrimento. A cruz é, pois, a partilha de todas as almas. Os santos não escapam a
essa lei.
São José conheceu, pois, o sofrimento. Conheceu-o tanto mais quanto estava
mais estreitamente unido ao Salvador. Todos os mistérios da vida de Jesus são
mais ou menos mistérios dolorosos. Mesmo Nazaré e Belém tiveram sua cruz.
Por toda parte, onde o Salvador repousa a cabeça, deixa os vestígios da sua
coroa de espinhos. São José viveu longos anos com Jesus. Muitíssimas vezes
segurou-o nos braços, estreitou-o ao coração; — não podia, pois, deixar de
encontrar a cruz!
Carregou continuamente a cruz do trabalho. A pobreza era-lhe uma cruz,
menos para ele mesmo do que em atenção ao Salvador e a Maria, cuja penúria
lhe era um sofrimento. Nem sempre ele achou um abrigo para si e para a
Sagrada Família. Homens de coração insensível recusaram-lhe asilo, cruéis
perseguidores ameaçaram-no naquilo que ele tinha de mais caro. As próprias
cruzes domésticas não lhe foram poupadas. Testemunha isso a sua angústia
numa circunstância penosa; testemunha isso a sua dor quando Jesus ficou no
templo. Será mister, além disso, lembrar a circuncisão do Salvador, a imposição
do nome de Jesus que pressagiava tantos sofrimentos, a profecia do velho
Simeão, a fuga para o Egito? Esses mistérios e outros mais foram, de alguma
sorte, o Calvário de São José.

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Juntemos a isso os sofrimentos que não deixavam de causar ao seu coração os
pecados, a ignorância e a ingratidão de seu povo. Se bem que essas dores
estejam longe de igualar o inenarrável martírio de Maria ao pé da cruz, foram no
entanto infinitamente amargas para S. José porque se referiam a Jesus, a seu
Deus, e porque ele amava esse Deus com o amor mais profundo.
Os sofrimentos de José são, pois, nobres e belos em razão da sua causa — já
que essa causa está nos sofrimentos do próprio Salvador — e em razão da
maneira como ele suportou essas provações. O supremo triunfo da arte, dizem, é
representar o sofrimento de maneira a mostrá-lo belo e sublime. Bem mais
difícil ainda é suportá-lo cristãmente. José oferece-nos, aqui, um exemplo
admirável. Nem uma só queixa, nem uma só palavra de impaciência lhe escapa.
É um grande silencioso. Dele, o Evangelho não nos conservou nenhuma palavra.
Ele se fecha na sua fé, na sua humildade, na sua inalterável confiança, na sua
ardente caridade, e suporta tudo com alegria, em companhia de Jesus e de Maria,
contente de poder sofrer com eles.
Por seu lado, Deus nunca o abandona na provação. Está sempre lá, dirigindo
todas as coisas. E os sofrimentos passam, deixando após si a consolação. Está
José perturbado a respeito de Maria? Uma mensagem do céu tranquiliza-o e lhe
restitui a felicidade. As provações de Belém são consoladas pelo nascimento do
Salvador, pela adoração dos pastores e dos Magos. À fuga para o Egito sucede a
alegria do regresso. Jesus desaparece e, durante três dias, o coração de José é
cruelmente angustiado. Mas Jesus é achado no templo, e seguem-no então os
tranquilos anos da vida em Nazaré.
Parece que, pelo exemplo do Santo, Deus quis ensinar-nos de maneira
palpável que a vida neste mundo é continuamente de dias bons e dias maus, e
que, portanto, é de mister achar em uns consolação para os outros.
Ordinariamente, os dias de alegria e de paz sobrepujam. Acaso o óleo não
sobrenada na água? Não esqueçamos isto, e aceitemos com gratidão tudo o que
Deus nos envia. Suportemos os dias maus por gratidão pelos dias felizes que nos
foram concedidos e, na felicidade, preparemo-nos para o sofrimento. Grande
arte é saber aceitar, como convém, a alegria e o sofrimento. Sem esta ciência, a
provação lançar-nos-á na impaciência, na dúvida ou no desespero. A alegria e a
prosperidade acarretarão a presunção e a dissipação; expor-nos-ão ao temível
perigo de nos esquecermos de Deus. A exemplo de São José, permaneçamos
sempre os mesmos na ventura e no sofrimento. Deus não nos leva a mal que a
ventura nos dê alegria e que a cruz nos cause dor. Tal é a nossa natureza. Mas
tomemos tudo em espírito de fé, com sentimentos de confiança e gratidão para
com Deus. Na eternidade bem-aventurada nada nos dará mais alegria do que os
sofrimentos que tivermos suportado neste mundo, a exemplo de São José, com
paciência e por amor a Jesus e Maria.

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9. O PADROEIRO DA BOA MORTE

Numerosos são os males, múltiplos os sofrimentos do homem neste mundo.


Entre esses sofrimentos, um há a que ninguém escapa: todos nós devemos
morrer, porque todos nós pecamos. A morte é o estipêndio do pecado.

A morte de S. José
A morte é um sofrimento duro e amargo para a nossa pobre natureza. É, antes
de mais nada, o termo da nossa vida física. A íntima união do corpo e da alma,
união que constitui a vida, é quebrada pela morte. A separação é dolorosa. O
corpo vai reduzir-se a pó. A alma é forçada a abandonar essa caduca morada. A
separação (é humilhante porque é o castigo do pecado, uma espécie de execução
que separa um do outro, o corpo e a alma, como dois réus e cúmplices, para
entregar a alma à eternidade e o corpo à terra, onde ele se dissolve aos poucos
para se tornar o que já não tem nome em língua alguma.
Mas a morte não é só o termo da nossa vida terrena. É também o começo da
nossa vida no além, a entrada na eternidade, a hora que nos fixa para sempre
uma recompensa ou um castigo cuja grandeza excede todo pensamento. Enfim,
a morte põe-nos em presença de Deus. Faz-nos comparecer perante Ele para
sermos julgados, punidos ou recompensados, com justiça e irrevogavelmente.
Numa palavra: a morte é a solidão, o abandono, a dor, a angústia. Então
ninguém nos pode vir em auxílio. A luta suprema trava-se dentro de nós
mesmos. O homem é impotente. Só do céu pode vir o socorro.
Importa, pois, nessa hora decisiva, termos um bom padroeiro para nos assistir
e consolar; para nos ajudar a ter uma boa morte, calma, suave e edificante. Que
padroeiro melhor do que São José, já que morte nenhuma foi mais bela que a
sua? Tudo se reuniu para tornar feliz e consolado na hora do trânsito. No
passado, ele vê uma vida inocente e pura, consagrada à prática das mais nobres
virtudes; vê serviços sem número prestados a Jesus, a Maria, à Igreja, à

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humanidade toda; uma vida de trabalhos e sofrimentos aceitos com paciência,
em espírito de fé e caridade. O passado nada lhe deixa, pois, a lamentar, nada a
temer; só lhe oferece motivos de esperança.
O presente? Já vimos como São José deixou esta vida. Aqui ainda, tudo
concorre para lhe tornar a morte não somente boa, mas consoladora e doce. Ele
expira nos braços de Jesus, seu Filho e seu Deus, e nos braços de Maria. E Jesus
e Maria, nessa hora suprema, recompensam por graças especialíssimas tudo o
que devem ao amor de José. Amparam-no e consolam-no; confortam-lhe e
alegram-lhe o coração pelas graças mais doces. O Espírito Santo verte-lhe na
alma a paz e a alegria.
O futuro? Para José, após uma curta espera no Limbo, onde os santos da Lei
repousam em paz, é a alegria de tornar a ver Jesus ressuscitado, é o reino da
felicidade eterna, onde o Pai Celeste o acolherá para estabelecê-lo sobre todos os
seus bens (Lc 12,37), aquele que tão dignamente o representou junto ao
Salvador e que se mostrou um servo bom e fiel. A morte de São José tem a
beleza, a calma e a majestade de um tranquilo ocaso. Na verdade, a morte de um
santo é obra-prima da graça, um doce perfume diante do Senhor! (Sl 115,15).
A morte de São José foi, pois, maravilhosamente bela e desejável. Ele pode
ajudar-nos a alcançar morte semelhante. Pode-ode uma tríplice maneira.
Primeiramente, seu exemplo incentiva-nos a não temer a morte em Jesus Cristo
e com Jesus Cristo, em sentimentos de fé, de confiança e de caridade. As graças
celestes que o assistiram e consolaram na sua hora derradeira, a Igreja põe- nas à
nossa disposição, e oferece-nos, mui particularmente, o próprio Salvador no
Santo Viático. Jesus está lá para nos sustentar na luta suprema. Unamos ao seu
sacrifício o nosso sacrifício derradeiro. Ele o acolherá com misericórdia.
Em segundo lugar, São José ajuda-nos pelo exemplo da sua bela vida, que nos
ensina a melhor maneira de nos assegurarmos uma morte feliz. Como todas as
coisas em nossa vida, a morte deve ter a sua preparação. Não há nada mais certo
do que a nossa morte; e nada é mais importante, desde que a morte decide da
nossa eternidade. Cumpre, pois, fazermos da nossa vida uma preparação para
essa hora decisiva. A morte não é só o termo da vida; é o resultado e, por assim
dizer, o eco da vida. E não basta prepararmo-nos para morrer; devemo-nos
manter sempre prontos, porque a morte vem rápida e imprevista, e vem só uma
vez. E em que consiste essa preparação, vemo-lo pela vida de São José, pela sua
pureza, pela sua piedade, pela sua infatigável dedicação, pelo seu amor a Jesus e
Maria.
Em terceiro lugar, a devoção a São José é um excelente meio para nos
alcançar uma boa e santa morte. De maneira geral, as nossas devoções são uma
espécie de aliança, que durante a vida contraímos com os santos. Mas é
sobretudo na hora da morte que colhemos a recompensa. Portanto, frequente e
diariamente, recomendemos a São José a nossa hora derradeira. Ele não nos

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abandonará se nos tivermos colocado debaixo da sua proteção. Felizes seremos
nós se São José nos fechar os olhos!

10. JOSÉ, “FILHO QUE CRESCE”

Como vimos, são José está inseparavelmente unido à pessoa e a vida do


Salvador. Está, portanto ligado à própria origem, à base do cristianismo.
Destarte, ele não podia deixar de receber,na Igreja, honras e culto
correspondentes à sua dignidade. Esse culto tem suas raízesno relato do
Evangelho, e desenvolveu-se maravilhosamente: o grão de mostarda tornou-se
árvore magnífica. Essa lei de progresso lento, de crescimento apenas
perceptível, é uma lei do cristianismo. Se ela se aplica a todo cristão, e ao
próprio Salvador, então se verifica particularmente no que concerne ao pai
nutrício de Jesus. No culto de São José poderíamos distinguir, de alguma sorte,
diversas estações, como o fazemos com os meses do ano: poderíamos
reconhecer um período preparatório, uma primavera, um verão.
O primeiro período prolongou-se até o século XII. Enquanto o Salvador, sua
santa Mãe e grande número de mártires eram objeto de um culto público e de
solenidades religiosas, não se acham, no correr dos primeiros séculos, ao menos
exteriormente, senão vestígios relativamente pouco numerosos de uma
homenagem prestada a São José. As circunstâncias explicam que, nos primeiros
tempos, a memória dos mártires fosse honrada de preferência à dos outros
santos. Na origem do cristianismo, tratava-se de defender contra os ataques do
paganismo e da heresia a divindade de Jesus Cristo e o seu nascimento virginal,
muito mais do que afirmar a sua descendência da raça de Adão e a realidade da
sua humanidade. Sob este ponto de vista, ainda não era chegada a hora de
prestar um culto público a São José. É uma lei da Providência Divina o fixar a
toda criatura o círculo da sua ação, e pôr a vida e as diversas vicissitudes dessa
vida em harmonia constante com o fito designado. Do mesmo modo que nesta
terra, pela sua paternidade legal, São José velou por algum tempo a divindade do
Salvador, assim também, mais tarde, desaparecendo, ele mesmo devia, pelo
contrário, contribuir para focalizar ainda mais essa mesma divindade.
Todavia, os próprios séculos não deixaram de dar gloriosos testemunhos à
grandeza do nosso santo. Os Doutores e Padres da Igreja — Justino, Orígenes,
Efrém, Crisóstomo, Jerônimo, — nas suas homilias e comentários, comprazem-
se em prestar homenagem a São José. Mais tarde, na Igreja do Oriente e em
particular nos mosteiros e conventos, achamos duas festas instituídas em sua
honra. A arte cristã — como tivemos ensejo de observar — mostra-nos em São
José o chefe e o protetor da Sagrada Família. Temos disso um exemplo notável
nos mosaicos de Santa Maria Maior, que datam do século V.

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A primeira estação dessa devoção principia no século XII, ao menos para a
Igreja do Ocidente. Nessa época é o culto de São José um fato historicamente
atestado. Vozes possantes proclamam-lhe as grandezas: citemos São Bernardo,
Ruperto de Deutz, Hugo de São Vitor, Ludolfo de Saxe, sem falar de tantas
outras almas santas, como santa Margarida de Cortona, etc. A devoção de São
José era cara à Ordem dos Dominicanos e à dos Franciscanos, destacando-se os
eminentes mestres escolásticos Pedro Lombardo, Alberto Magno, Tomás de
Aquino, João Duns Scotts, Boaventura, Durando e outros.
Mas é sobretudo no século XV que ela se expande. No concílio de Constança
(1416), o douto Gerson, num discurso eloquente, pediu fosse instituída na Igreja
uma festa em honra do santo; e o mestre de Gerson, o célebre cardeal Pedro
d’Ailly, publicou o seu livro sobre as glórias e privilégios de São José. Em
diversos lugares já se celebrava uma festa de São José, e por quase toda a
Europa eram consagradas igrejas ao Patriarca. Esse movimento foi
poderosamente secundado pelas pregações de três religiosos franciscanos:
Bernardino de Sena (1418), Bernardino de Felto (1487) e Bernardino de Busto
(1500), assim como pelo famoso livro do dominicano Isolani, pelos escritos
teológicos do jesuíta Suarez (1617) e por Santa Teresa (1582), que colocou
quinze de suas fundações sob a proteção de São José.
A devoção ao nosso santo teve o seu verão a partir do século XVII. O jesuíta
Cotton (1626) introduzia-a na corte de França. Bossuet pronunciava o seu
célebre panegírico de São José com tal êxito, que o papa Urbano VIII ordenou
que a festa do santo fosse, na França, uma festa feriada. O imperador Leopoldo
I, em ação de graças pelo nascimento do herdeiro do trono (José I) e pela
libertação da cidade de Viena ameaçada pelos turcos, punha seus Estados sob a
proteção do glorioso Patriarca (1677) e, com autorização do Papa, prescrevia
que a festa dos Desposórios de José e de Maria fosse solenemente celebrada.
Clemente XI (1714) compunha o ofício santo e ordenava-lhe a recitação na
Igreja universal. Bento XIII (1726), por solicitação do imperador Carlos VI e de
várias Ordens religiosas, introduzia o nome de José nas ladainhas dos santos.
Finalmente o zelo dos séculos XV, XVI, XVII e XVIII pela glória de São José
teveo seu coroamento no século XIX. Realizando os desejos expressos, havia
muito, por fervorosos servos do Pai nutrício de Jesus, Pio IX (1847) quis que a
festa do Patrocínio de São José se estendesse a toda Igreja, que o mês de março
todo fosse consagrado ao santo, que enfim José fosse proclamado o Padroeiro da
Igreja universal. Isto em 1870.Por seu turno, a 15 de agosto de 1889, Leão XIII,
em eloquente encíclica, recomendava a devoção a São José.
Como se vê, nada faltava de então por diante à glória do nosso santo. Foi
quase desde a origem do cristianismo, no Oriente e, autenticamente pelo menos,
a partir do século XII no Ocidente, que essa devoção se espalhou entre os fiéis.
Ela foi sempre crescendo e se precisando. A Igreja secundou esse surto das
almas piedosas evidentemente inspirada pelo Espírito Santo. Aprovou essa
devoção, favoreceu-a. Cada século veio trazer sua contribuição ao monumento

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assim levantado em honra de São José. O povo, os artistas (desde o século XV,
sobretudo), os teólogos, os escritores ascéticos, as Ordens religiosas, os santos e
os sumos pontífices — todos trabalharam para a glória dele; e o trono em que o
colocaram só é inferior aos tronos de Maria e do Salvador. Assim verificou-se a
palavra do Senhor: — “Ele honra os que o honram”; “Aquele que foi o guarda
de seu amo será louvado”; “O servo fiel será estabelecido sobre todos os bens
de seu amo” (Prov 27,18).
Com que magnificência recompensou Jesus os fiéis serviços de seu pai
nutrício! Com que liberalidade indenizou-o de uma demora que era conforme às
disposições da Providência! Se a Igreja não prestou logo um culto público a São
José, invoca-o agora como seu Padroeiro especial: — “Em vossas mãos está a
nossa salvação”, diz-lhe ela; “Lançai sobre nós os vossos olhares, e com alegria
serviremos o Rei” (Gn 47,25).
José, filho de Jacó, o ministro do Faraó, foi, segundo a Sagrada Escritura, “um
filho que cresce”. Cada uma de suas provações trazia-lhe em definitivo um
acréscimo de glória e de autoridade, quer Ele ainda estivesse debaixo das tendas
do pai, quer na casa do sacerdote do sol, quer na prisão de onde saiu para se
tornar o senhor do Egito. Aqui ainda, São José é bem superior ao filho de Jacó.
É nele que se realizam as promessas feitas por Jacó a seu filho de predileção: —
“José, filho que cresce... O Todo-Poderoso abençoar-te-á com as bênçãos do
céu e com as bênçãos do abismo profundo. As bênçãos de teu pai são
fortalecidas pelas bênçãos de seus pais, até que venha o objeto do desejo das
colinas eternas: repousem elas sobre a cabeça de José, sobre a cabeça daquele
que é Nazareno entre seus irmãos”(Gn. 49,22).
As promessas de Deus cumprem-se devagar, mas com magnificência!

11. CONCLUSÃO

A Sagrada Escritura nos ensina que o povo de Deus, ao sair do Egito, levou
consigo os ossos de José, por gratidão para com aquele que seu benfeitor (Ex 13,
19). Devem os cristãos menos gratidão a São José? Por certo, lhe devemos
muito mais. Paguemos a nossa dívida por uma filial devoção ao nosso glorioso
benfeitor.
Vejamos como se pode praticar essa devoção. Os fiéis servos de São José não
deixam passar nenhum dia sem honrá-lo por um ato de piedade, sem invocá-lo e
sem se porém debaixo de sua proteção. Em cada semana, um dia, a quarta-feira,
lhe é especialmente consagrado. Este costume data de meados do século XVII;
nasceu num convento de beneditinos, em Châlons. — Com esse intuito pode-se
recitar o pequeno ofício das Alegrias e Dores de São José. Os Papas Pio VII,
Gregório XVI e Pio IX concederam indulgências a essa recitação.

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No curso do ano eclesiástico, temos três festas em honra do nosso santo: a
festa propriamente dita de São José a 19 de março, instituída pelo Papa Sixto IV,
no século XV; a festa dos Desposórios a 23 de janeiro, celebrada desde o século
XVI nos conventos dos franciscanos e dominicanos, e depois estendida à Igreja
inteira pelo Papa Inocêncio XI, desde o reinado do imperador Leopoldo I; por
fim, a festa do Patrocínio de São José, no terceiro domingo depois da Páscoa (*)
prescrita por Pio IX em 1847. Já dissemos que o mês de março foi consagrado a
São José pelos Papas Pio IX e Leão XIII. Além disso, cada uma das festas acima
lembradas pode ser precedida ou seguida de uma piedosa novena.
Na série das festas eclesiásticas, larga parte é, pois, dedicada à devoção de
que falamos e não temos senão que atender aos convites da Igreja. Mas, além
disso, as circunstâncias pessoais, as nossas necessidades, dificuldades e
provações de cada dia oferecem- nos continuamente ensejo de praticar essa
devoção, de recorrer à São José, de reclamar-lhe a assistência.
É ainda uma excelente prática o solicitar cada dia três graças por intercessão
dele: a graça de amar sempre mais a Jesus e a Maria; a graça de saber, a seu
exemplo seu, unira vida interior à exterior; e a graça preciosa de uma boa e santa
morte. Não é esse, aliás, o tríplice caráter da vida de São José? E parece que ele
tem juto a Deus um crédito especial para nos alcançar essas mesmas graças.
A guisa de conclusão resta-nos lembrar alguns dos motivos que nos devem
inspirar uma devoção confiante em São José. Primeiramente São José merece as
nossas homenagens pela sua eminente santidade. Ele nos toca de perto,
interessa-se por nós, e sabemos de que benefícios lhe somos devedores. Como
vimos,ele se liga às próprias origens do cristianismo, visto ser o pai legal do
Nosso Senhor Jesus Cristo. O Senhor reconheceu-lhe esse título, foi-lhe
submisso, quis depender dele, santificou-o pela sua presença durante longos
anos. Entre as santas relíquias consagradas pelo contato do Verbo Encarnado,
haverá uma só que tenha participação mais dessa consagração? Seus olhos
contemplaram tantas vezes o Salvador, suas mãos o tocaram, seus braços o
carregaram! Seu coração pulsou ao contato do Coração do Menino-Deus. O que
São José fez por Jesus, faz por nós. Provemos-lhe, pois, a nossa gratidão! Nunca
lhe testemunharemos tanta gratidão como ele merece efetivamente.
Em segundo lugar, São José tem direito às nossas homenagens em razão do
caráter todo amável da sua santidade. Ele é o esposo de Maria, seu protetor e
arrimo. É o anjo da guarda da santa infância de Jesus. Aparece com Jesus
Menino, e desaparece após a infância do Salvador. Por isso, o símbolo da sua
missão especial e do seu papel no plano divino não é outro senão o próprio
Jesus: representa-se São José segurando Jesus nos braços ou estreitando-o ao
coração.
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(*) Atualmente, na 4ª feira após o 3º domingo.

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Amáveis são também as virtudes do nosso santo: pureza, fidelidade,
abnegação, humildade, sabedoria, caridade; e cada uma dessas virtudes convida-
nos a escolhê-lo para o nosso conselheiro, protetor e pai; a dar-lhe por nossa vez
toda a confiança que Jesus e Maria lhe testemunharam.
Em terceiro lugar, São José merece as nossas homenagens e a nossa confiança
por ser — permita-nos a expressão — um santo “prático”, particularmente em
condições de nos auxiliar em todas as nossas necessidades. A sua vida passou
por todas as alternativas da existência humana. Conheceu as alegrias e as
provações desta. Como Leão XIII o faz notar numa encíclica, parece que Deus
quis assim dar-nos em São José um modelo em todas as circunstancias que
podem ser as nossas, um protetor tanto mais útil quanto maior a sua experiência.
São José sabe, porque o experimentou, o quanto pode ser pesada e difícil a
missão de um chefe de família, quando está a braços com a pobreza ou com a
perseguição. Conhece, por experiência, o que é mandar ou obedecer. Em toda
realidade, ele santificou por sua vida o estado conjugal e o estado da virgindade,
a vida no mundo e a vida religiosa, a vida ativa e a vida contemplativa. Coroou a
sua vida pela mais santa das mortes.
A sua experiência estende-se a tudo. A sua proteção não exclui nada. É em
particular nas circunstâncias cotidianas de existência, nas cruzes e nas provações
da vida ordinária, que ele parece aproximar-se ainda mais de nós e assegurar-nos
um socorro eficaz. Ele foi colocado sobre toda a casa do Senhor, é o Pai da
grande família do Salvador. A sua caridade, a sua autoridade tornam-no, pois,
acessível às necessidades de todos. Foi dito de José, filho de Jacó, que tudo lhe
prosperava nas mãos (Gn39,3). Apalavra aplica-se melhor ainda ao nosso santo
patriarca. Seu nome é invocado em toda parte. Seus clientes são inúmeros. Mas
o seu crédito e a sua caridade nunca se esgotam.
Enfim, São José não é só um santo “prático”, é um modelo singularmente
apropriado à nossa época. É um santo “moderno”. Toda época tem seus perigos
e suas necessidades particulares e, no seu amor e na sua infinita sabedoria, Deus
opõe a esses perigos e a essas necessidades o remédio de que necessitam. Desde
alguns anos, um novo poder firmou-se na nossa sociedade: o temível poder dos
trabalhadores, dos operários. Não falamos daqueles que trabalham como Deus
quer que se trabalhe, que trazem ao seu labor os sentimentos cristãos do dever
cumprido, da confiança guardada apesar de tudo. Desses, nada há a temer. O
trabalho assim compreendido é tão antigo como o mundo, é o apanágio de todos
os filhos de Adão, é uma honra para o homem. Esse trabalho, Deus o abençoou,
santificou, por assim dizer, o divinizou em Nosso Senhor Jesus Cristo. Falamos
do trabalho suportado sem trégua, sem resignação, sem o menor pensamento em
Deus, sem nenhum sentimento sobrenatural. É uma fonte de egoísmo, de
cupidez, que, em vez de apagar, acende a sede dos gozos. É um princípio de
orgulho, é o homem a divinizar-se a si mesmo. É a aspiração à independência. É
a loucura de querer criar por si mesmo e de, para chegar a esse fim, subverter a
antiga ordem das coisas, afim de, sobre as ruínas amontoadas, suscitar uma

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sociedade sem Deus e sem religião. No fundo, temos aí o materialismo, a
anarquia, o ódio das raças e das classes.
Onde está o remédio que Deus preparou para tantos males? Onde está o
homem novo? Onde a autoridade nova que tomará a defesa do direito, da honra
devida a Deus,do verdadeiro progresso da humanidade?Esse homem é aquele,
cuja vida foi uma vida de sacrifícios no dever, de obediência, de confiança em
Deus, de humildade, de trabalho. Esse homem é São José, o homem do silêncio,
nobre pelo nascimento, humilde por sua escolha. É aquele que, salvando a
Sagrada Família, já uma vez salvou a Igreja dos seus perseguidores. E
compreendemos como e porque, mormente desde o último século, Deus inspirou
à sua Igreja multiplicar as honras prestadas a São José. Compreendemos como e
porque, precisamente no momento em que a crise temível irrompia, São José foi
proclamado Padroeiro da Igreja universal. É a ele que estão confiados os
destinos da Igreja. Tenhamos confiança nele: ele sabe proteger-nos.
Terminemos por estas palavras de Santa Teresa (Livro da vida, cap. VI),
feitas para nos inspirarem, em todas as circunstâncias, a mais inteira confiança
em São José.
— “Tomei por advogado e senhor ao glorioso São José, e encomendei-me
muito a ele... Não me recordo de lhe haver, até esta hora, suplicado graça que
tenha deixado de alcançar. Coisa admirável são as grandes mercês que Deus
me há feito por intermédio desse grande santo, e os perigos de que me há
livrado, tanto corporais como espirituais. A outros santos parece ter dado o
Senhor graça para socorrerem numa determinada necessidade; quanto ao
glorioso São José, sei por experiência de que socorre em todas. Quer o Senhor
dar a entender que, como lhe foi sujeito na terra —- pois São José na qualidade
de pai, embora adotivo, podia mandar- lhe — assim no céu atende a todos os
seus pedidos. O mesmo, por experiência, viram outras pessoas a quem eu
aconselhava que se encomendassem a ele; e hoje há muitas que lhe são devotas
e que verificam cada dia esta verdade.
...De alguns anos para cá, parece-me que sempre, no dia de sua festa, lhe
peço alguma coisa e nunca deixei de a ver cumprida. Se o pedido não é muito
razoável, ele o endireita para o meu maior bem. Não conheço pessoa que
deveras dele seja devota e lhe renda particulares obséquios, que não medre na
virtude, porque muitíssimo ajuda ele às almas que se encomendam ao seu
patrocínio... Só peço, por amor de Deus, que o experimente quem não me crer;
e verá por experiência o grande bem que faz encomendar-se a este excelso
Patriarca e ter-lhe amor. Em particular as pessoas de oração sempre deveriam
ser-lhe afeiçoadas. Não sei verdadeiramente como se pode pensar na Rainha
dos Anjos, no tempo que passou com o Menino Jesus, sem dar graças a São
José pelo auxilio que lhes prestou. Quem não encontrar mestre que lhe ensine,
tome este glorioso santo por mestre,e não errará no caminho”.

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ÍNDICE

Introdução
PRIMEIRA PARTE
São José na vida de Cristo
1. A Pátria e a Família de S. José
2. Esposo de Maria
3. Em Belém
4. No templo de Jerusalém
5. Os santos Reis Magos
6. Fuga para o Egito
7. À procura de Jesus em Jerusalém
8. A vida tranquila e feliz de S. José
9. A morte de São José

SEGUNDA PARTE
A vida de São José na Igreja
1. A sombra do Pai Celeste
2. O santo da Infância de Jesus
3. O esposo de Maria
4. O homem segundo o coração de Deus
5. O homem da vida oculta e da vida interior
6. O homem da vida interior
7. O padroeiro da família
8. O padroeiro das almas atribuladas
9. O padroeiro da Boa Morte
10. José, “filho que cresce”
11. Conclusão

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