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Notas de Aula de Estruturas de Madeira - Francisco A. R.

Gesualdo FECIV - UFU 5

1 Generalidades

No Brasil a madeira é empregada para diversos fins, tais como, em construções de


igrejas, residências, depósitos em geral, cimbramentos, pontes (grande utilização do
Eucalipto), passarelas, linhas de transmissão de energia elétrica, na indústria moveleira,
construções rurais e, especialmente, em edificações em ambientes altamente corrosivos, como
à beira-mar, nas indústrias químicas, curtumes etc.
Atualmente, ainda existe no Brasil um grande preconceito em relação ao emprego da
madeira. Isto se deve ao desconhecimento do material e à falta de projetos específicos e bem
elaborados. As construções em madeira geralmente são idealizadas por carpinteiros que não
são preparados para projetar, mas apenas para executar. Conseqüentemente, as construções de
madeira são vulneráveis aos mais diversos tipos de problemas, o que gera uma mentalidade
equivocada sobre o material madeira. É comum se ouvir a frase absurda arraigada na
sociedade: "a madeira é um material fraco". Isto revela um alto grau de desconhecimento,
gerado pela própria sociedade. Em função disto, não se pode tomar como exemplo a maioria
das estruturas de madeira já construídas sem projeto, pois podem fazer parte do rol de
estruturas "contaminadas" pelo menosprezo à madeira ou procedentes de maus projetos.
Em geral, as universidades brasileiras não oferecem um preparo adequado ao
engenheiro civil na área da madeira. Este despreparo do engenheiro causa uma fuga à
elaboração de projetos de estruturas de madeira. Vãos significativos não recebem o
dimensionamento apropriado, ficando comprometido o funcionamento da estrutura. Assim, é
muito comum ver estruturas de madeira apresentando flechas excessivas, com empenamentos,
torções, instabilidades etc.
A madeira é um material extremamente flexível quanto à sua nobreza ou à sua
vulgaridade. Quando alguém quer desvalorizar este material, usa frases como esta: "conheço
um bairro da periferia muito pobre onde todas as casas são de madeira, que pobreza!". Ou
quando se quer realçar e valorizar o material diz-se: "conheço uma casa fantástica de um
cidadão muito rico (só pode ser professor!), linda, linda; as vigas, os pilares, o piso, o forro,
os rodapés tudo em madeira, um luxo!". Infelizmente estes contrastes fazem parte da nossa
cultura. Às vezes diz-se que construir em madeira é caro, outras vezes diz-se que é barato,
sempre dependendo dos objetivos do interessado. Especialmente em relação aos custos,
sempre será necessário fazer uma avaliação criteriosa, comparando-se orçamentos
provenientes de projetos bem feitos e racionais.
De fato, tudo depende da cultura e dos costumes. Por exemplo, o brasileiro não sente
nenhum mal-estar em estar sobre uma carroceria de caminhão feita de madeira, porque é algo
que a sociedade assimilou como convencional, acostumou-se e confia: carroceria de madeira
é parte da nossa cultura. Contudo, passear sobre uma montanha-russa de madeira pode
representar pânico para o leigo, depois de saber que está deslizando sobre uma estrutura de
madeira. Ninguém se amedronta na estrada em ficar atrás de um caminhão carregado com
muitas toneladas, por exemplo, de carvão empilhado sobre uma carroceria de madeira. É a
cultura, é a reação natural do ser humano. Observe que a carroceria é um caso de estrutura de
madeira com extremas condições e formas de solicitações.
Outro aspecto importante e desconhecido pela sociedade refere-se à questão
ecológica, ou seja, quando se pensa no uso da madeira é automático para o leigo imaginar
grande devastação de florestas. Consequentemente, o uso da madeira parece representar um
imenso desastre ecológico. No entanto, é esquecido que, em primeiro lugar, a madeira é um
material renovável e que durante a sua produção (crescimento) a árvore consome impurezas
da natureza, transformando-as em madeira. A não utilização da árvore depois de vencida sua
vida útil devolverá à natureza todas as impurezas nela armazenada. Em segundo lugar, não se
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deve esquecer jamais que a extração da árvore e o seu desdobro são um processo que envolve
baixíssimo consumo de energia (ver Tabela 1), além de ser praticamente não poluente.
Em contrapartida, o uso de materiais tais como concreto e aço sem qualquer
desmerecimento a estes, especialmente por serem insubstituíveis em alguns casos - exigem
um processo altamente poluente de produção, assim como também exige uma devastação
ambiental para retirada da matéria-prima. Deve ser observado que para se produzir aço e
concreto demanda-se um intenso processo industrial, que envolve um alto consumo de energia
e gera grande poluição ambiental. Estes processos industriais exigem fontes de energia, que
em geral é o carvão vegetal, que ardem voluptuosamente dentro de altos-fornos. A matéria
prima retirada da natureza jamais poderá ser reposta. É um processo irreversível, ao contrário
da madeira que pode ser plantada novamente. Além de todos estes aspectos, também deve-se
observar uma obra, especialmente em concreto, que utiliza grande quantidade de madeira para
fôrmas e escoramentos. Observe uma obra destas em fase final, e constate o grande
desperdício de madeira usada como auxiliar na construção; é um volume significativo!
Podem ser citadas algumas vantagens em relação ao uso da madeira. A madeira é
um material renovável e abundante no país. Mesmo com um grande desmatamento o material
pode ser reposto à natureza na forma de reflorestamento. É um material de fácil manuseio,
definição de formas e dimensões. A obtenção do material na forma de tora e o seu desdobro é
um processo relativamente simples, não requer tecnologia requintada, não exige
processamento industrial, pois o material já está pronto para uso. Demanda apenas
acabamento.
Em termos de manuseio, a madeira apresenta uma importante característica que é a
baixa densidade. Esta equivale a aproximadamente um oitavo da densidade do aço.
Um fato quase desconhecido pelos leigos refere-se a alta resistência mecânica da
madeira. As madeiras de uma forma geral são mais resistentes que o concreto convencional,
basta comparar os valores da resistência característica destes materiais. Concretos
convencionais de resistência significativa pertencem à classe de concretos CA18, enquanto a
classe de resistência de madeira começa com C20 e chega a C60.
Um dos fatores mais importantes refere-se à energia gasta para a produção de
madeira em comparação com a exigida na produção de outros materiais. A Tabela 1 mostra
uma comparação entre as energias gastas na produção de uma tonelada de madeira, de aço e
de concreto, conforme estudo realizado no Laboratório Nacional de Engenharia Civil de
Lisboa.

Tabela 1 - Consumo de energia na produção de alguns materiais


(FONTE: LNEC, 1976)
1 tonelada de madeira consome 2,4x103 kcal de energia
1 tonelada de concreto consome 780x103 kcal de energia
1 tonelada de aço consome 3000x103 kcal de energia

Além de todos os aspectos anteriormente citados, existe um bastante importante que


é a beleza arquitetônica. Talvez por ser um material natural, a madeira gera um visual atraente
e aconchegante, que agrada a maioria das pessoas.
Em termos de obtenção, a madeira pode ser proveniente de florestas naturais ou
induzidas. As florestas naturais, apesar da provável melhor qualidade da madeira, seu custo
pode ser elevado, pois estas florestas encontram-se em regiões distantes dos centros mais
povoados. Contudo, existe a possibilidade das florestas induzidas, os chamados
reflorestamentos. Isto permite o reaproveitamento de áreas desmatadas e garante o
atendimento de interesses pré-estabelecidos, geralmente vinculados a uma indústria, tais como
a de móveis, lápis, aglomerados, compensados, estruturas pré-fabricadas etc. Neste caso, a
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madeira passa a ser uma espécie de lavoura, tal como é o café, a laranja, a borracha etc., com
a vantagem de ter um custo de manutenção extremamente baixo, além de recompor
parcialmente o meio ambiente. Não se pode afirmar que um reflorestamento recompõe a
fauna e a flora, pois diversas espécies animais não se adaptam ao habitat gerado pelas
espécies normalmente usadas nos reflorestamento. De qualquer forma, é um ganho da
qualidade do ar.
Apesar dos aspectos positivos, podem ser citadas algumas desvantagens para a
utilização da madeira. Dentre elas podem ser citadas sua susceptibilidade ao ataque de fungos
e insetos, assim como também sua inflamabilidade. No entanto, estas desvantagens podem ser
facilmente contornadas através da utilização de preservativos, que representa uma exigência
indispensável para os projetos de estruturas de madeira expostas às condições favoráveis à
proliferação dos citados efeitos daninhos. O tratamento da madeira é especialmente
indispensável para peças em posições sujeitas a variações de umidade e de temperatura
propícias aos agentes citados.
Vale lembrar que a madeira tem a desvantagem da sua inflamabilidade. Contudo, ela
resiste a altas temperaturas e não perde resistência sob altas temperaturas como acontece
especialmente com o aço. Em algumas situações a madeira acaba comportando-se melhor que
o aço, pois apesar dela ser lentamente queimada e provocar chamas, a sua seção não queimada
continua resistente e suficiente para absorver os esforços atuantes. Ao contrário da madeira, o
aço não é inflamável, mas em compensação não resiste a altas temperaturas.

2 Fisiologia da árvore e a formação da madeira

A madeira tem um processo de formação que se inicia nas raízes. A partir delas é
recolhida a seiva bruta (água + sais minerais) que em movimento ascendente pelo alburno
atinge as folhas. Na presença de luz, calor e absorção de gás carbônico ocorre a fotossíntese
havendo a formação da seiva elaborada. Esta em movimento descendente (pela periferia) e
horizontal para o centro vai se depositando no lenho, tornando-o consistente como madeira -
Figura 1.
Como é sabido, a morte de uma árvore ocorrerá caso seja feita a extração da casca
envolvendo todo o perímetro a qualquer altura do tronco. Basta interromper o fluxo
ascendente ou descendente da seiva bruta ou elaborada. É como interromper o fluxo de
sangue para o coração em um ser humano.

Figura 1 Processo de formação da madeira

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