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DESCRIÇÃO

O reino Fungi e suas características morfofisiológicas e reprodutivas e suas classificações. A


relevância dos fungos no contexto econômico e ecológico como seres decompositores e no uso
alimentar e medicinal. Cogumelos venenosos e a ação de suas toxinas.

PROPÓSITO
Compreender os conceitos relacionados aos indivíduos do reino Fungi, algo importante para
diferenciá-los de outros microrganismos, como bactérias, algas e plantas, sua biologia e a vasta
importância em diversas áreas da economia e ecologia, inclusive no impacto na saúde individual e
coletiva.

OBJETIVOS
MÓDULO 1
Identificar a morfofisiologia e classificação dos fungos

MÓDULO 2
Reconhecer a importância dos fungos na ecologia e na economia

MÓDULO 3
Descrever as principais características dos fungos venenosos

INTRODUÇÃO
Hoje, conheceremos os fungos, esses organismos que têm características únicas e um reino próprio,
o reino Fungi. Ao longo das eras, os fungos se adaptaram para sobreviver a praticamente todos os
tipos de ambientes, desde os mais secos e inóspitos, como o deserto do Atacama, ao extremo
oposto, nas geleiras da Antártica.

Por serem ubíquos – logo podem ser encontrados em todos os ambientes –, estamos
constantemente em contato com os fungos, seja em alguma fruta esquecida na fruteira, seja em
alguma roupa de couro que mofou dentro do armário, seja quando vemos os cogumelos nas árvores
durante uma caminhada.

Embora se estime que existam mais de 100 mil espécies de fungos conhecidas, apenas cerca de 200
são consideradas patogênicas para os animais e os seres humanos.

Desde a Pré-História, os fungos são conhecidos tanto por seus benefícios como pelos malefícios, que
podem causar doenças em homens, animais e plantas. Eles podem ser comestíveis ou venenosos;
alguns também são alucinógenos e usados em rituais religiosos há séculos. Os romanos e os gregos
já escreviam sobre como diferenciar os cogumelos venenosos dos comestíveis.

Em 1969, quando Whittaker propôs uma divisão dos seres vivos em cinco reinos, com base nas
características morfológicas e nutricionais, os fungos ganharam um reino próprio: o reino Fungi.
Décadas depois, em 1990, Carl Woese propôs que esses reinos poderiam ser agrupados em três
domínios distintos: Eubacteria, Archaea e Eukaria (Figura 1.1).

Fonte: udaix/ShutterstockDivisão dos domínios e reinos de acordo com a classificação de Carl Woese
(Figura 1.1).

Os fungos, por serem eucariontes, foram alocados no domínio Eukaria, que compreende todos os
organismos com essa característica celular (Figura 1.2). Eles são estudados há muito tempo, e a
ciência que estuda sua biologia, taxonomia, morfologia, bioquímica e fisiologia é a Micologia.
Popularmente, esses microrganismos podem ser chamados de “mofo”, “bolor”, “leveduras”,
“cogumelos”, entre outros. Mais adiante, aprenderemos a diferença morfológica e reprodutiva de
cada forma.
Fonte: Aldona Griskeviciene/ShutterstockComparação entre as células eucariotas de plantas,
animais e fungos (Figura 1.2).

MICOLOGIA
Mykes, em grego, significa “cogumelo” e Logos, “estudo”.

Fonte: Yavdat/Shutterstock

MOFO
Parede mofada com fungo negro.

Fonte: Kalfa/Shutterstock

BOLOR
Laranja mofada com fungo filamentoso.
Fonte: Fascinadora/Shutterstock

LEVEDURA
Fermento de pão feito de leveduras.

Fonte: Krasula/Shutterstock

COGUMELOS
Cogumelo crescendo em solo rico em matéria orgânica.
MÓDULO 1

Identificar a morfofisiologia e classificação dos fungos

CARACTERÍSTICAS GERAIS DA MORFOLOGIA E NUTRIÇÃO DOS FUNGOS


Os fungos são organismos eucariontes pluricelulares (filamentosos, bolores, cogumelos)
multinucleados ou unicelulares (leveduras), com somente um núcleo, e são haploides. A
característica mais importante que difere os fungos das plantas é que eles são aclorofilados, o que
significa que adquirem seus nutrientes de modo diferente das plantas.

A maioria dos fungos é aeróbica obrigatória; eventualmente, alguns são anaeróbios facultativos. Os
fungos são mesófilos, o que significa que podem crescer em temperaturas entre 0 °C e 45 °C, mas o
ideal, para a maioria, é entre 20 °C e 30 °C, preferencialmente em locais úmidos.

HAPLOIDES
A célula haploide possui apenas um conjunto de cromossomos (n).

VOCÊ SABIA
A principal diferença entre os fungos e as plantas é a ausência de clorofila e pigmentos
fotossintéticos nos fungos, que obtêm sua energia por absorção de nutrientes.

Placa de Petri com


crescimento de diversos microrganismos
formando as colônias.

Os fungos microscópicos (leveduras e bolores), quando crescidos em substratos adequados, formam


estruturas denominadas “colônias”, que são visíveis a olho nu e apresentam características que os
diferenciam macroscopicamente. As colônias fúngicas são formadas por estruturas reprodutivas e
vegetativas que participam tanto do crescimento como do catabolismo.

CATABOLISMO
Parte do metabolismo em que acontece a degradação das macromoléculas para a liberação de
energia.

Os fungos pluricelulares (bolores ou filamentosos) são compostos por células de estruturas tubulares
denominadas de hifas. Essas estruturas semelhantes a “fios de cabelo” dão aos fungos aquela
aparência de pelos e tufos, comumente encontrados em pães mofados ou frutas estragadas, como
morangos e laranjas. O conjunto dessas células tubulares compõe o micélio, que é responsável pela
absorção de nutrientes e pela sustentação.

Microscopia de fungo filamentoso evidenciando as hifas como se fossem fios de cabelo.


Bolores crescendo em frutas estragadas parecendo tufos de pelo.

Pão de forma mofado, evidenciando coloração esbranquiçada e verde.


Morangos estragados com crescimento de fungos filamentosos.

Laranja estragada com crescimento de bolor com coloração verde e branca.


Micélio fúngico crescendo em meio a placa de Petri e destaque para a estrutura microscópica das
hifas.

Apesar de, em alguns casos, parecer que os fungos formam tecido verdadeiro, isso não acontece.
Inclusive, os cogumelos, na verdade, são um grande conjunto de hifas que, juntas, apresentam
aquele formato característico desse fungo macroscópico (Figura 1.3).
Estrutura interna dos
cogumelos com o micélio
embaixo da terra (Figura 1.3).

As hifas pigmentadas são chamadas de “demáceas” (Figura 1.4); o pigmento, na maioria dos fungos,
é composto por melanina, que dá uma coloração escura (marrom ou preta). Quando as hifas não
têm coloração, são chamadas de “hialinas” (Figura 1.5). Em relação à estrutura das hifas, elas podem
apresentar septos bem delimitados, sendo nomeadas “hifas septadas”, ou não ter esses septos
visualmente delimitados, sendo chamadas de “hifas cenocíticas” ou “hifas asseptadas” (Figura 1.6).

Imagem
microscópica das hifas demáceas mostrando a coloração escura (Figura 1.4). / Imagem microscópica
das hifas hialinas mostrando a ausência de coloração (Figura 1.5). / Classificação dos dois tipos de
hifas de acordo com a morfologia (Figura 1.6).
Os fungos filamentosos (bolores) apresentam amplo espectro de coloração e diversos tipos
morfológicos: algodonosos, pulverulentos, aveludados etc. Já as leveduras têm colônias com
aparência pastosa, brilhante, cerebriforme, tendendo à coloração creme, branca, preta ou rosa,
dependendo da espécie. A seguir, conheceremos, ponto a ponto, as estruturas que compõem a
célula fúngica, iniciando pela camada mais externa: a parede celular.

ALGODONOSOS
A aparência lembra algodão.

PULVERULENTOS
Os fungos parecem estar “empoeirados”.

AVELUDADOS
Semelhantes a um tecido de veludo.

CEREBRIFORME
A aparência lembra a morfologia de um cérebro.

PAREDE CELULAR
A parede celular fúngica (Figura 1.7) é a estrutura que promove a rigidez da célula, aumentando sua
proteção contra o estresse osmótico e ambiental. É composta essencialmente por camadas de
carboidratos associados a proteínas e lipídeos, que variam de acordo com a espécie do fungo, a
temperatura ambiente, o pH, a idade e a composição do substrato de crescimento.

Esquema geral da
estrutura da parede celular dos fungos (Figura 1.7).

A parede celular fúngica é diferente da bacteriana, principalmente por ser rica em quitina, enquanto
a parede das bactérias é composta por peptideoglicano. A quitina é o polissacarídeo mais presente
na parede fúngica, sendo composto por um polímero de unidades de N-acetilglicosamina.
Dependendo do grupo fúngico, pode haver a presença de celulose, ou a mescla dos dois (mais
raramente).

Outro componente da parede celular fúngica são as glucanas e as mananas, que são combinadas a
proteínas, formando as glicoproteínas, manoproteínas e glicomanoproteínas. Outros polissacarídeos
também estão presentes, e as β-glucanas são as mais importantes dentre eles. Cada uma dessas
estruturas está localizada em maior quantidade em uma camada distinta da parede celular: as β-1-3-
glucanas são mais internas, enquanto as camadas mais externas contêm β-1-6-glucanas.
Por apresentar características particulares, durante a infecção, a parede celular fúngica exibe
importantes propriedades biopatológicas e, por isso, torna-se importante alvo terapêutico, já que a
parede celular possui estruturas exclusivas desses organismos e é essencial para a sobrevivência e
resistência deles.

Β-GLUCANAS
Os β-glucanos são polissacarídeos de monômeros de D-glicose unidos por ligações glicosídicas β.

MEMBRANA CITOPLASMÁTICA
A membrana citoplasmática dos fungos, assim como de outros organismos, contém o citoplasma e
as organelas e é composta por esteróis e lipídeos complexos não encontrados nas membranas
plasmáticas procarióticas. Assim como nas células eucarióticas dos animais, ela é composta por duas
camadas de fosfolipídios (Figura 1.8) revestidas por proteínas e apresenta uma série de invaginações
que dão origem a um sistema de vacúolos ou vesículas, responsáveis pelo contato do meio externo e
o interior da célula.

As proteínas dessa membrana funcionam como enzimas, que apresentam diferentes


funcionalidades, na medida em que os lipídeos dão à membrana sua verdadeira propriedade
estrutural. Nos animais, os esteróis da membrana estão na forma de colesteróis, enquanto, nas
células fúngicas, são ergosteróis. Essa diferença é extremamente importante por ser um sítio de
ligação específico para os antifúngicos, aumentando a toxicidade seletiva desses fármacos.
CITOPLASMA
No citoplasma das células fúngicas (Figura 1.9), ocorrem o metabolismo energético e outras vias
metabólicas essenciais para a sobrevivência desse organismo. Nesse compartimento, são
encontrados o glicogênio, os vacúolos, as mitocôndrias, os ribossomos, o retículo endoplasmático e
tantas outras organelas e estruturas celulares, como:

Esquema geral da
estrutura celular fúngica com as organelas (Figura 1.9).

COMPLEXO DE GOLGI

Responsável pelos processos de síntese e secreção, diretamente ligados aos polissacarídeos.

VACÚOLO

Com diferentes tamanhos, podendo assumir inúmeras funções de armazenamento de glicogênio ou


digestivas. É o principal local de reserva energética da célula fúngica.

RETÍCULO ENDOPLASMÁTICO

É responsável pela síntese de proteínas e está ligado à membrana do núcleo.

MITOCÔNDRIAS

Elas têm ribossomos e DNA próprios, e é nessa organela que ocorre a fosforilação oxidativa. São
responsáveis pelo mecanismo energético celular.

NÚCLEO
Como já vimos, os fungos são organismos eucariotos e, como tal, o seu núcleo está contido por uma
membrana nuclear que o delimita dentro do citoplasma. Seu núcleo é a estrutura central da célula
recoberta por uma membrana nuclear (carioteca). Assim como acontece nas células animais, toda a
informação genética desse organismo está armazenada no núcleo.

Os cromossomos fúngicos são lineares, compostos de fita dupla de DNA em arranjo de hélice, e a
sua principal função é transmitir as informações genéticas. As células fúngicas necessitam de dois
mecanismos distintos para segregar cromossomos antes da divisão celular; são eles: a mitose e a
meiose.
Arranjo estrutural
de uma fita dupla de DNA.

NUTRIÇÃO FÚNGICA
Os fungos são seres heterotróficos, por isso dependem de uma fonte orgânica de carbono pré-
formada para obter seus nutrientes a fim de manter as funções energéticas e de constituição celular.
Como vimos antes, a parede celular dos fungos é rígida, então sua alimentação ocorre pelo
mecanismo de absorção de nutrientes solúveis simples.

Esses organismos também realizam a respiração celular ou fermentação para a obtenção de energia.
Mais à frente, entenderemos como essa fermentação é importante economicamente.

HETEROTRÓFICOS
Os seres heterotróficos são aqueles seres vivos que não têm a capacidade de produzir seu próprio
alimento. Exemplos: mamíferos, répteis, insetos e protozoários.

VOCÊ SABIA
Os fungos têm sua reserva energética majoritariamente sob a forma de glicogênio, enquanto, nas
plantas, a maior parte da energia é reservada em forma de celulose.

Como os fungos não são clorofilados, não necessitam de luz para sua sobrevivência, porém alguns
precisam de estímulo luminoso para produzir suas estruturas de reprodução; nesse caso, passam a
ser considerados “fototróficos”. Como não têm sua própria fonte nutricional, os fungos precisam
estar associados a substratos que sejam ricos em diversos elementos químicos, como: C, O, H, N, P,
K, Mg, S, B, Mn, Cu, Mo, Fe e Zn.
FOTOTRÓFICOS
Os seres fototróficos usam a energia da luz para realizar vários processos metabólicos celulares. É
um equívoco comum a ideia de que os fototróficos sejam obrigatoriamente fotossintéticos.

Nutrição fúngica a
partir da secreção de enzimas para quebrar
macromoléculas em micromoléculas (Figura 1.10).

Já que os fungos não produzem seu próprio alimento e tampouco têm estruturas para a ingestão de
alimentos e sistema digestórios, eles precisam lançar mão de mecanismos externos à suas células
para obter energia. Por isso, alimentam-se por meio da secreção de enzimas extracelulares que
digerem o substrato e quebram macromoléculas em micromoléculas que eles serão capazes de
absorver, como polissacarídeos ou proteínas quebrados em monômeros, que são fonte de energia e
carbono (Figura 1.10).

Você já observou como uma fruta mofada fica mole e “aguada”? Isso acontece porque as enzimas
fúngicas estão quebrando as macromoléculas que compõem a estrutura da fruta, a fim de que os
fungos possam obter seus nutrientes.
Tomate íntegro e
outro mofado, mostrando a perda de estrutura quando ocorre a ação as enzimas fúngicas.

Por causa dessas características nutricionais, os fungos são obrigados a viver sempre em algum
substrato que forneça a quantidade necessária de nutrientes indispensáveis a sua sobrevivência.
Essa característica também obriga esses organismos a viver em situações distintas de acordo com a
interação que têm com seus substratos:

SAPRÓFITAS OBRIGATÓRIOS

São os fungos que vivem exclusivamente em matéria orgânica morta e não apresentam risco de
parasitar outros seres vivos.

SAPRÓFITAS FACULTATIVOS OU PARASITOS FACULTATIVOS

Dependendo da situação, o fungo é capaz de viver em matéria orgânica em decomposição ou em


organismos vivos, causando doenças (animais, plantas, humanos).

PARASITOS OBRIGATÓRIOS

Aqueles fungos que vivem exclusivamente em organismos vivos, causando doenças em plantas e
animais.

SAIBA MAIS
Independentemente do substrato ao qual está ancorado, vivo ou morto, o fungo utiliza os mesmos
mecanismos de obtenção de nutrientes pela excreção de enzimas que causam danos aos tecidos
vivos de plantas ou animais, gerando uma resposta imunológica e a instalação de uma infecção.

REPRODUÇÃO DOS FUNGOS


No ciclo de vida dos fungos, duas fases são extremamente importantes: a fase somática e a
reprodutiva. A fase somática corresponde às atividades nutricionais e à manutenção da vida fúngica,
e o micélio vegetativo que está ancorado ao substrato desempenha esse papel. Já a fase reprodutiva
é responsável pela perpetuação da espécie e pela dispersão e pode ser assexuada e sexuada, com
estruturas próprias para esse propósito (Figura 1.11).
Cogumelo liberando
os esporos para a sua dispersão na natureza.

Esquema estrutural
da micromorfologia do micélio aéreo/reprodutivo
e do micélio vegetativo (Figura 1.11).

Em ambos os tipos reprodutivos, assexuado e sexuado, as estruturas podem ser únicas ou um


conjunto de células especializadas formando corpos de frutificação. Conforme o tipo de reprodução
que os fungos fazem, podem ser agrupados em três grupos:
HOLOMORFO

Aquele que realiza tanto a reprodução assexuada como a sexuada.

ANAMORFO

Aquele que somente realiza a reprodução assexuada, também conhecido como “fungo imperfeito”.

TELEOMORFO

Aquele que somente realiza a reprodução sexuada.

Conhecer as formas e estruturas de reprodução dos fungos é extremamente importante, pois, por
meio delas, conseguimos realizar a maioria das identificações relativas a gênero e, em alguns casos,
espécies, com base nas características morfológicas dessa reprodução.

Dentre os fungos já descritos, a maioria tem sua origem nos esporos (ou conídios), que apresentam
função parecida com as sementes das plantas, mas, mesmo tendo funções semelhantes, têm
morfologia completamente distinta.

Diferentemente dos cogumelos e bolores, as leveduras não têm estruturas especiais que se
diferenciam para a reprodução. Elas são arredondadas, ovais ou alongadas; então, sua reprodução
assexuada ocorre por simples divisão celular, seja por brotamentos (Figura 1.12), seja por
cissiparidade.

Reprodução das
leveduras por brotamento, gerando células-filhas que ficam aderidas
à célula-mãe, desprendendo-se apenas quando maduras (Figura 1.12).

CISSIPARIDADE
Cissiparidade ou fissão binária é a divisão de uma única célula em duas ou mais partes que se
regeneram depois para reconstituir duas células parecidas com a original.

ATENÇÃO
Nos bolores (fungos filamentosos), o micélio aéreo, que se projeta para fora da superfície do
substrato em determinado momento, diferencia-se para micélio reprodutivo (Figura 1.11), onde
serão formados os esporos (conídios), que podem apresentar inúmeros tamanhos e formas,
dependendo da espécie, podendo ser fusiformes, cilíndricos, elípticos, ovoides, piriformes e
baciliformes.

Micromorfologia dos
diferentes tipos de conídio.
Acima: demáceos e, abaixo, hialinos (Figura 1.13).

Eles também podem apresentar pigmentação e ser classificados como “demáceos”, ou então não ser
pigmentados e chamados de “hialinos”, ser septados ou não, lisos, verrucosos, ciliados, entre outras
características (Figura 1.13).

Na reprodução sexuada, mediada pela meiose, os esporos podem ser chamados de basidiósporos,
zigósporo e ascósporo de acordo com o cogumelo que os produz. Os basidiósporos são formados em
uma estrutura chamada basídio; os zigósporos têm paredes espessas e são individuais, e os
ascósporos são formados dentro de uma estrutura chamada asco.
Exemplo de cogumelo que produz basidiósporos. Mycena rosella
Exemplo de fungos que produzem zigósporos. Rhizopus spp.
Cogumelo que produz seus ascósporos na estrutura chamada asco. Sarcoscypha sp.

Para aprender ainda mais sobre a reprodução dos fungos, assista ao vídeo a seguir.

CLASSIFICAÇÃO TAXONÔMICA DOS FUNGOS


A classificação taxonômica do reino Fungi é tradicionalmente baseada nas características
morfológicas, reprodutivas e fisiológicas e, com base nisso, acredita-se que os fungos tiveram um
ancestral comum. Entretanto, novas classificações foram sugeridas a partir da análise molecular,
como prova de PCR, sequenciamento do DNA, cromatografia, espectrometria de massa, entre outras
técnicas mais modernas que as tradicionais avaliações de características morfológicas.

O reino Fungi, atualmente, é dividido em sete filos (Chytridiomycota, Glomeromycota,


Neocallimastigomycota, Microsporídia, Blastocladiomycota, Ascomycota e Basidiomycota) e um
grupo dos fungos anamórficos. Esse grupo não tem valor taxonômico, e seus membros são
relacionados aos filos Ascomycota e Basidiomycota.

FILO CHYTRIDIOMYCOTA
Os quitridiomicetos, ou quitrídios, podem ser encontrados em ambientes aquáticos, principalmente
em água doce e solos úmidos ao redor de todo o mundo. A principal característica que diferencia
esses organismos dos outros é que produzem esporos sexuados (zoósporos) flagelados que auxiliam
na motilidade dentro da água.
Os quitridiomicetos já foram responsáveis por mortandade de anfíbios ao redor do mundo. Um
exemplo desse filo é o Batrachochytrium dendrobatidis, comumente encontrado parasitando sapos,
causando a quitridiomicose (Figura 1.14).

O ciclo de infecção
dos anfíbios por fungos do filo Chytridiomycota (Figura 1.14).

FILO ASCOMYCOTA
Este é o filo com maior número de espécies do reino Fungi, concentrando cerca de 75% de todos os
fungos já descritos. Por serem cosmopolitas, comumente são encontrados parasitando plantas,
como saprófitos de solo, ou em associação com outras plantas (mutualismo).

A principal característica está relacionada às estruturas de reprodução sexuada, usualmente


chamadas de cogumelos, compostas pelo asco, onde estão os ascósporos. Porém, também é
possível verificar a reprodução assexuada. O ascocarpo é o corpo de frutificação que dá origem ao
asco e pode ter três formas principais (Figura 1.15): em forma de taça (apotécio), totalmente
fechado (cleistotécio) e em forma de balão (peritécio).
Cogumelo
Ascotremella faginea, exemplo de um
fungo do filo Ascomycota.

Os principais tipos
de ascos responsáveis pela reprodução sexuada dos ascomicetos (Figura 1.15).

Como este filo é o mais importante no reino Fungi, dentro dele é possível encontrar fungos
microscópicos, como as leveduras (Candida sp. e Saccharomyces sp.), ou, então, fungos filamentosos
(Cladosporium sp. e Penicillium sp.).
Colônias de levedura do gênero Candida em placa de Petri.

Colônias da levedura Saccharomyces sp. crescendo em placa de Petri com meio de cultura.
Colônias filamentosas do gênero Cladosporium.

Colônias com aparência típica do gênero Penicillium.

FILO BASIDIOMYCOTA
Os cogumelos compõem este filo e são cosmopolitas e saprófitas. Sua principal característica é a
reprodução sexuada por meio dos basidiósporos, porém também se encontra a forma assexuada de
reprodução em alguns indivíduos. Este filo, juntamente ao filo Ascomycota, representa os fungos
mais importantes para a ecologia, economia e saúde.

O representante mais famoso deste filo é a Amanita muscaria, que ganhou fama após aparecer em
jogos de video game e em filmes. Outros exemplares não tão famosos assim são os Pycnoporus
sanguineus (comumente conhecido como orelha-de-pau) e o Ustilago maydis (parasita de
angiospermas, conhecido como “carvão”).
COGUMELOS
Os basidiomicetos são conhecidos como cogumelos e podem ter as mais variadas formas e
colorações.

AMANITA MUSCARIA
Cogumelo Amanita muscaria, que serviu de inspiração para diversas produções cinematográficas e
no mundo dos games.
PYCNOPORUS SANGUINEUS
Cogumelo “Orelha-de-pau”, comumente encontrado crescendo em troncos de árvores.

USTILAGO MAYDIS
Milho infectado com o fungo basidiomiceto Ustilago maydis.

FUNGOS ANAMÓRFICOS
Este grupo também pode ser conhecido como fungos imperfeitos, conidiais, mitospóricos ou
assexuados. A reprodução sexuada nestes indivíduos não existe; ainda não foi descrita ou se perdeu
ao longo do tempo. Então, sua reprodução e propagação ocorre somente por meio da mitose, com a
produção dos conídios; são formados nos conidióforos, que são células reprodutivas especializadas.
SAIBA MAIS
Com o advento da biologia molecular, muitos dos fungos que pertenciam a esse grupo estão sendo
alocados no filo Ascomycota ou Basidiomycota, por comparação de sequências gênicas. Esses fungos
têm distribuição mundial e podem ser saprófitas ou parasitos de plantas e animais.

FILO NEOCALLIMASTIGOMYCOTA
Os indivíduos pertencentes a este filo são encontrados no sistema digestório de grandes mamíferos
herbívoros e, em alguns casos, em ambientes aquáticos ou anaeróbios terrestres, e seus zoósporos
não apresentam motilidade. O gênero Neocallimastix é um exemplo deste filo.

FILO BLASTOCLADIOMYCOTA
Os fungos deste filo produzem zoósporo móveis com apenas um flagelo e estão restritos ao solo e à
água, parasitando apenas os insetos. São exemplos de gênero o Coelomomyces sp. e Allomyces sp.

FILO MICROSPORÍDIA
As células desses organismos apresentam características curiosas para seres eucariontes, já que não
têm mitocôndria. Geralmente, parasitam peixes e insetos, sendo parasitos obrigatórios.

FILO GLOMEROMYCOTA
Os fungos que, anteriormente, eram descritos como do filo Zygomycota foram realocados neste
novo filo. As principais características desses fungos são as hifas cenocíticas (asseptadas) e a
formação de esporângio (reprodução assexuada) e de zigosporângio (reprodução sexuada).

Outra característica importante deste filo é que os fungos formam estruturas mutualísticas com as
raízes de algumas plantas, conhecidas como micorrizas arbusculares, e são encontrados em todo o
mundo. Os gêneros mais conhecidos deste filo são o Mucor sp. e o Rhizopus sp.
Hifas filamentosas e esporângios do gênero Mucor.
Micromorfologia do gênero Rhizopus composta por hifas asseptadas e esporângios repletos de
esporos.

VERIFICANDO O APRENDIZADO

MÓDULO 2

Reconhecer a importância dos fungos na ecologia e na economia

INTRODUÇÃO
Desde os primórdios da humanidade, os fungos são consumidos e utilizados de diferentes formas. O
modo mais antigo do uso desses organismos está relacionado à alimentação, seja no consumo direto
dos cogumelos , seja na fermentação e maturação de bebidas alcoólicas, queijos, pães e tantos
outros produtos que fazem parte do nosso cotidiano.
COGUMELOS
Os cogumelos fazem parte da dieta do ser humano há séculos.

BEBIDAS ALCOÓLICAS
O vinho é uma das bebidas alcoólicas preparadas por meio da fermentação das uvas.
QUEIJOS
Vários tipos de queijo podem ser feitos ou maturados utilizando-se os fungos.

SAIBA MAIS
Posteriormente, foram descobertos outros utilidades para esse organismo tão versátil, como o uso
dos seus metabólitos com função antibiótica (exemplo: penicilina) ou então o uso comercial de
metabólitos, que incluem vitaminas, ácidos orgânicos, pesticidas biológicos e tantos outros. Graças à
evolução biotecnológica, muitos desses metabólitos podem ser produzidos em larga escala,
reduzindo os custos e aumentando a importância econômica desses organismos.

ECOLOGIA FÚNGICA
O nicho ecológico dos fungos é muito variado: solos secos, árvores apodrecidas, frutas caídas do pé,
pântanos, poeira, água, leite e muitos outros que você possa imaginar. De acordo com o local
preferencial de crescimento, esses fungos podem ser classificados em três tipos:

ANTROPOFÍLICOS

São aqueles fungos que, até o momento, só foram isolados em humanos. Exemplos:
Epidermophyton floccosum e Trichophyton rubrum, que são agentes de micoses de pele.
Muitos fungos têm
predileção por crescer nos humanos.

GEOFÍLICOS

Estes fungos têm preferência pelo solo, apesar de, em alguns casos, causarem doenças. Exemplos:
Microsporum gypseum e Microsporum fulvum.

Os fungos geofílicos
têm preferência por crescer no solo.

ZOOFÍLICOS

Como o nome já sugere, esses fungos têm predileção pelos animais. Exemplos: Microsporum canis e
Trichophyton mentagrophytes.
Muitos animais
podem ser hospedeiros desses fungos, incluindo cães e gatos.

Apesar dessa ampla gama de nichos ecológicos, a maioria dos fungos é encontrada com outros
microrganismos no solo, como bactérias e amebas, participando da ciclagem dos materiais orgânicos
da natureza. Além de ser nicho ecológico para a maior parte dos fungos, o solo também pode
abrigar fungos patogênicos para os animais e os homens, e muitos deles se infectam ao entrar em
contato com esse solo contaminado.

Outros fungos têm as plantas como hospedeiras exclusivas e só se reproduzem se estiverem em


contato com elas. A ferrugem do café (Hemileia vastathrix) é um exemplo típico dessa relação
parasitária obrigatória entre fungos e plantas. Em outras situações, não há perda para nenhum dos
lados, e chamamos essa relação entre os fungos e as plantas de mutualística. Essa associação
benéfica de fungos com as raízes das plantas é chamada de micorriza.
Folha do cafeeiro com
pontos amarelados sendo parasitados
pelo fungo Hemileia vastathrix.

A água também pode ser habitat para tipos específicos de fungos que causam doenças em peixes,
anfíbios e, eventualmente, em humanos e outros animais terrestres. Os fungos aquáticos, de modo
geral, não são facilmente cultivados em laboratórios, como os fungos de interesse médico. Eles
precisam de técnicas e estratégias mais elaboradas com uso de iscas feitas de escamas de peixes,
ecdise de cobra, sementes de sorgo, entre outras.
ESCAMAS DE PEIXES
As escamas de peixe podem ser usadas para o crescimento de fungos que vivem na água.

ECDISE DE COBRA
Assim como as escamas de peixe, a ecdise de cobra pode ser utilizada para isolar fungos aquáticos.
SEMENTE DE SORGO
A semente de sorgo pode ser usada como substrato para o crescimento de fungos aquáticos.

Ainda existem fungos que fazem parte da microbiota transitória ou endógena de animais e homens,
sem necessariamente causar lesões para os hospedeiros; porém, quando ocorre algum
desequilíbrio, essa relação pode mudar e causar doenças. Por exemplo, a levedura Malassezia spp.
faz parte da microbiota da pele de humanos e dos ouvidos dos cães. A famosa Candida é
comumente encontrada na cavidade vaginal e no trato intestinal, sem necessariamente estar
causando doença.

Agora que já entendemos onde podemos encontrar os fungos no ambiente e em outros nichos,
estudaremos mais a fundo o seu papel na natureza. Iniciaremos pelos fungos decompositores.
A matéria orgânica
pode fornecer inúmeros nutrientes
e elementos químicos essenciais para as plantas.

FUNGOS DECOMPOSITORES
A matéria orgânica vegetal ou animal desempenha papel fundamental no ecossistema, seja na
funcionalidade, seja na estruturação, pois promove fonte de energia renovável para os organismos
heterotróficos, como os fungos, e como um reservatório nutricional para a ciclagem dos elementos
da natureza.

Os decompositores primários, como bactérias e fungos, são os principais atores na degradação da


matéria orgânica. Em uma floresta, por exemplo, as folhas que caem das árvores constituem a
principal fonte de matéria e nutrientes para a própria vegetação e os microrganismos que ali
habitam, e cerca de 80% das folhas são degradadas por eles.

As folhas que caem


das árvores são a principal fonte da matéria orgânica.
Muitos fatores estão relacionados à decomposição da matéria orgânica, e a biomassa microbiana é o
mais importante deles, sendo diretamente influenciada pelas mudanças químicas, físicas e biológicas
do solo. Qualquer alteração no pH do solo, a temperatura, a disponibilidade de nutrientes e a
aeração podem interferir no processo de decomposição dos microrganismos.

Quando os fungos são encontrados em sua forma saprofítica, a obtenção de nutrientes ocorre a
partir da decomposição de resíduos complexos de animais ou plantas mortas. Eles transformam as
estruturas complexas em formas químicas simples, e parte delas retorna para o ambiente. Além
desse benefício nutricional, os fungos decompositores podem participar da indução de resistência
aos patógenos das plantas e dos insetos.

Barata morta sendo


decomposta por fungos decompositores.

A camada mais superficial do solo das florestas, onde se encontram folhas, troncos, ramos, entre
outras matérias orgânicas em decomposição misturadas à terra, é chamada de serapilheira. Nela,
encontramos quantidade expressiva de nutrientes essenciais, que, após o processo de
decomposição, voltam ao solo para nutrir as árvores e outros vegetais.

A velocidade da decomposição influencia diretamente a liberação dos nutrientes. Além dos fatores
citados anteriormente, a composição da serapilheira é importantíssimo fator para a ciclagem
adequada dos nutrientes.
Cogumelos
crescendo em tronco apodrecido.

O principal papel desempenhado pelos fungos no solo é a degradação da lignina e da celulose,


proporcionando alimento para outros organismos ou produzindo biomassa proteica. Os fungos
decompositores podem ser divididos em quatro grupos, de acordo com o material orgânico que têm
predileção para decompor: celulolíticos (celulose), hemicelulolíticos (hemicelulose), pectinolíticos
(substâncias pécticas) e ligninolíticos (lignina).

Como já sabemos, existe uma enorme diversidade de fungos no solo, e a prevalência deles pode
variar de acordo com a localização geográfica e as condições climáticas. Podemos citar como
exemplo de fungos comuns no solo: Verticillium, Penicillium, Trichoderma, Zygorhynchus, Mucor,
Aspergillus, Rhizopus, Fusarium, Cephalosporium.

Os sistemas enzimáticos dos fungos, que são responsáveis pela sua nutrição, estão intimamente
ligados ao tipo de substrato presente na serapilheira que eles podem degradar. Os fungos saprófitas
decompositores, além de serem cosmopolitas, também apresentam alta tolerância ao estresse
climático, adaptando-se às variações das estações e aos eventos naturais, como tempestades e
períodos de seca.

A presença de determinados grupos de fungos decompositores pode ser alterada em resposta às


próprias mudanças durante a decomposição do substrato, o que significa que uma sucessão de
microrganismos pode aparecer após a degradação de uma população primária de microrganismos
decompositores dominantes.

À medida que a matéria orgânica vegetal é degradada, ocorrem mudanças sequenciais no potencial
de degradação e composição das comunidades fúngicas mediante a disponibilidade de nutrientes,
alteração da umidade, pH e tensão de oxigênio. Essa sucessão é, de modo geral, definida por uma
mudança progressiva a partir de uma comunidade pioneira que colonizou o substrato e o modificou
a ponto de torná-lo favorável para outros microrganismos.
MICORRIZAS
Além dos fungos decompositores, os fungos micorrízicos também desempenham papel fundamental
na ecologia e na economia. Esses fungos se associam às raízes das plantas com uma relação
simbiótica, na qual as plantas se beneficiam obtendo fosfato e outros minerais, enquanto os fungos
recebem nutrientes e açúcares das plantas (Figura 2.1. e 2.2). Esse contato íntimo das plantas com
os fungos pode ser de diversos tipos (arbuscular, arbutoide, orquidoide, ericoide, monotropoide e
ecto), e alguns só são observados em um grupo específico de plantas.

Fungo micorrízico
associado às raízes das plantas.
Os fungos se associam às plantas e mantêm contato pelas raízes para conseguir benefício mútuo
(Figura 2.1).
Troca de carboidratos, como glicose, e minerais, como ferro, potássio e magnésio, entre as plantas e
os fungos micorrízicos (Figura 2.2).

As micorrizas arbusculares têm grande importância econômica e biotecnológica, pois estão dispersas
no mundo todo, sendo encontradas em quase todos os ecossistemas terrestres e presentes em
cerca de 80% das famílias de plantas, além de gerarem um impacto direto na agricultura das regiões
tropicais. Esse tipo de associação é o mais antigo registrado; fósseis de plantas já apresentavam suas
raízes colonizadas com micélio e esporos semelhantes aos encontrados atualmente nos fungos
arbusculares.

A sustentabilidade da agricultura está associada diretamente aos benefícios dos fungos micorrízicos,
principalmente no que se refere à obtenção de fósforo pelas plantas, já que esse não é um mineral
renovável, como outros elementos químicos. Pensando no impacto na agricultura quando há
associação entre fungos e plantas, já foi vista uma melhora significativa na produção de frutas, café,
milho, soja, batata-doce, cana-de-açúcar e mandioca quando foram adicionados os fungos
micorrízicos no plantio.
Fósseis de plantas já mostravam que elas estavam associadas a fungos.

Fonte: Michal Ninger/Shutterstock

A qualidade do plantio de frutas melhorou com a introdução de fungos micorrízicos.

Fonte: Sodel Vladyslav/Shutterstock


A plantação de cana-de-açúcar foi beneficiada com a introdução das micorrizas.

Fonte: mailsonpignata/Shutterstock

As vantagens relacionadas às micorrizas vão muito além do benefício individual da planta, pois esses
fungos conseguem conectar, por meio de uma rede, o sistema radicular das plantas vizinhas,
independentemente de serem da mesma espécie ou não. Essa conexão tem impacto direto no
sucesso da planta em sobreviver às competições interespecíficas dentro das comunidades vegetais.

Além da associação vista com as plantas, alguns fungos podem se associar a algas verdes ou
cianobactérias, formando o que chamamos de “líquens”. Essa associação mutualística é comumente
vista em rochas ou troncos de árvore com diversas colorações e formatos.

Os líquens são
comumente vistos em troncos de árvores e rochas e são a associação de algas com fungos.

IMPORTÂNCIA ECONÔMICA DOS FUNGOS


Já vimos a importância ecológica e parte do papel dos fungos na economia, principalmente no que
se refere à agricultura e à decomposição de matéria orgânica. Agora, veremos que a versatilidade
dos fungos extrapola seus nichos ambientais e comportamentos clássicos.
VOCÊ SABIA
Os fungos, como qualquer ser vivo, produzem uma gama de metabólitos que podem ser isolados e
aproveitados de inúmeras formas. Esses produtos do metabolismo fúngico podem ser uma vitamina,
uma toxina, um antibiótico ou qualquer produto industrial (arginina, histidina, leucina, metionina,
ácido esteárico, ácido oleico, prolina etc.).

Placa de Petri
mostrando diversos fungos filamentosos crescendo.

Os fungos filamentosos se destacam devido à grande facilidade de crescimento e cultivo. Outra


vantagem é que esses microrganismos secretam suas enzimas diretamente no meio de cultura, não
necessitando de técnicas adicionais para romper as células para sua liberação. Além disso,
apresentam elevados níveis de produção enzimática, com alto potencial para inúmeras aplicações
industriais.

Um exemplo é a utilização de fungos para tratar rejeitos industriais, como é o caso das leveduras
Candida e Torulopsis, que são capazes de crescer no líquor sulfítico, rejeito da fabricação de papel, e
no melaço, subproduto da produção de açúcar.
Fabricação de Papel

O líquor sulfítico é um rejeito da fabricação do papel que pode gerar grande impacto ambiental se
for descartado inadequadamente.
Produção de açúcar

O beneficiamento do açúcar também gera resíduos indesejáveis que podem ser tratados utilizando
os fungos.

Além disso, a biomassa formada pelos fungos pode ser utilizada na alimentação animal, por ser rica
em proteínas. A própria produção do etanol ocorre por meio da fermentação dos açúcares por
leveduras do gênero Saccharomyces, Candida e Kluyveromyces. No Brasil, a Saccharomyces
cerevisiae é a protagonista na produção de etanol por meio da fermentação do caldo de cana-de-
açúcar, tornando nosso país um dos principais produtores de etanol combustível no cenário
mundial.

A utilização de fungos para controle biológico na agricultura também tem crescido ao longo dos
anos. Os gêneros Metarhizium e Trichoderma se destacam nessa função, pois podem ser usados
como micoerbicidas, micoparasitas ou micoinseticidas. A utilização dos “inseticidas microbianos”
reduz o uso de agroquímicos – que, muitas vezes, são tóxicos para quem os aplica e quem consome
esses alimentos –, auxiliando na preservação ambiental.
Os fungos entomopatogênicos estão cada vez mais presentes como controle de pragas.
Os fungos parasitam os insetos até levá-los a morte.

USO MEDICINAL DOS FUNGOS


Na década de 1940, a biotecnologia foi consolidada com a produção de antibióticos a partir de
metabólitos fúngicos. Alexander Fleming revolucionou o curso das doenças infecciosas quando, em
1929, relatou, pela primeira vez, que o fungo Penicillium notatum produzia um metabólito com
potencial atividade antibiótica: a penicilina.
Alexander Fleming foi
o cientista que descreveu pela primeira
vez o antibiótico penicilina.

]
Colônia filamentosa
do fungo Cephalosporium.

Anos depois, em 1948, Broztu isolou outro antibiótico, a cefalosporina, de culturas do fungo
Cephalosporium acremonium, abrindo um novo caminho para a utilização de microrganismos na
produção de medicamentos. A partir dessas descobertas, outras pesquisas foram realizadas e,
atualmente, encontramos inúmeros antibióticos e antifúngicos feitos a partir dos fungos, como a
griseofulvina, que é produzida pelo fungo Penicillium griseofulvi.

As substâncias bioativas não apresentam apenas ação antimicrobiana; algumas possuem


propriedades farmacológicas, como lectina, arginina, ergosterol, proteoglucanas e glucanas. Outras
podem apresentar funções hormonais para crescimento de plantas, como os metabólitos do
Penicillium chrysogenum.

Importante medicamento imunossupressor amplamente utilizado para pacientes transplantados, a


ciclosporina é proveniente do Tolypocladium inflatum, que é um saprófita de solo. Várias
substâncias com inúmeras atividades farmacológicas podem ser produzidas a partir dos metabólitos
fúngicos, como: mevinolina (usada para redução do colesterol sérico) e ergometrina (usada para
causar contrações no útero ou para controlar hemorragias vaginais pós-parto).
Pacientes
transplantados precisam utilizar medicamento imunossupressor,
a ciclosporina, que é derivada de um fungo.

Não somente os fungos microscópicos têm importância medicinal; os cogumelos já eram usados
com fins medicinais desde os tempos mais remotos para tratar cólicas, hemorragias, asma, feridas e
outras doenças. O cogumelo popularmente conhecido como orelha-de-pau (Pycnoporus sanguineu),
de coloração vermelha, era usado por tribos indígenas brasileiras para cicatrização de feridas.

Cogumelo
conhecido como “orelha-de-pau” era usado por
indígenas para cicatrizar feridas.
Os cogumelos
Agaricus sylvaticus podem apresentar
moléculas com atividades farmacológicas.

Outro exemplo são os cogumelos Agaricus sylvaticus, Agaricus blazei e Lentinula edodes, que
apresentam polissacarídeos com atividade antioxidante, imunomoduladora, anti-inflamatória e
anticancerígena. Recentemente, várias pesquisas têm mostrado moléculas provenientes dos
cogumelos com efeitos antibacterianos, antivirais, antiparasitários, antitumorais,
antiateroscleróticos, anti-hipertensivos, hepatoprotetores, anti-inflamatórios, antidiabéticos e
moduladores do sistema imune.

USO ALIMENTÍCIO DOS FUNGOS


Desde os primórdios da humanidade, os fungos, mais especificamente os cogumelos, são utilizados
como alimentos devido a seu alto valor nutricional proteico, suas fibras alimentares, vitaminas,
minerais e o baixo teor de lipídeos, mas também por serem considerados uma iguaria nobre na
culinária.

Dentre as mais de 140 mil espécies de cogumelos descritas ao redor do mundo, apenas 2.000 são
comprovadamente comestíveis, praticamente todas são basidiomicetos, e algumas, ascomicetos.
Apesar disso, somente 25 espécies são cultivadas comercialmente, como shiitake (Lentinula edodes),
shimeji (Lyophyllum shimeji) e maitake (Grifola frondosa).
O cogumelo shitake é uma das poucas espécies cultivadas com fins comerciais.

Fonte: Amarita/Shutterstock
O shimeji é comumente consumido na culinária asiática.

Fonte: Ulie Sebayang/Shutterstock


O cogumelo maitake é pouco conhecido no Brasil, apesar de ser considerado uma iguaria na Ásia.

Fonte: jreika/Shutterstock

Com o aumento crescente do consumo desses cogumelos para além da Ásia e da Europa, onde já
estão estabelecidos na rotina alimentar da população de países como Japão e França, produtores do
sudeste do Brasil têm aumentado gradativamente a sua produção, e tem havido a consequente
popularização nos últimos anos, influenciada, principalmente, pela popularização da culinária
japonesa.
JAPÃO
Pratos típicos da culinária japonesa têm os cogumelos como ingredientes.

FRANÇA
Na culinária francesa, os cogumelos são frequentemente utilizados.
BRASIL
O aumento progressivo dos cogumelos tem impulsionado o cultivo, principalmente na região
sudeste.

O champignon (Agaricus spp.) é nativo da Europa e pode ser usado fresco ou em conserva nos mais
diversos pratos, sendo o mais frequentemente comercializado. Apesar de os cogumelos mais
famosos serem nativos de outros países, é possível encontrar algumas espécies brasileiras que são
comestíveis e podem ser cultivadas. O gênero Pleurotus, por exemplo, é encontrado em todo o
território nacional e cresce em troncos de árvores mortas nas florestas úmidas.

O champignon fresco não é tão fácil de encontrar no Brasil como o champignon em conserva.
Fonte: Maryia_K/Shutterstock

O champignon em conserva é mais fácil e mais aceito no mercado brasileiro.

Fonte: Ulie Gayvoronskaya_Yana/Shutterstock

O cogumelo do gênero Pleurotus é comestível e encontrado no Brasil.

Fonte: osonmez2/Shutterstock

Além do consumo direto dos cogumelos, os fungos microscópicos estão associados à tecnologia dos
alimentos há muitos séculos: na preparação de bebidas dos indígenas no continente americano, nos
alimentos de povos orientais ou participando do processamento da produção de alimentos à base
de leite na Europa.
Assim como a indústria farmacêutica, a alimentícia também se aproveita dos metabólitos fúngicos
para diversas aplicações. A elevada produção das enzimas fúngicas em larga escala vem sendo
amplamente aproveitada nos mais variados produtos. Listamos, a seguir, algumas enzimas
importantes:

AMILOGLICOSIDASES

Produzidas por linhagens de Aspergillus e Rhizopus.

AMILASES

Podem ser isoladas da fermentação do Aspergillus niger, transformando amido em oligossacarídeos


e dextrinas.

LIPASES

Catalisam reversivelmente a hidrólise de triacilgliceróis, podendo catalisar a síntese


estereoespecífica e a transesterificação dos ésteres em um diversificado número de substratos.

O uso mais comum dos fungos no nosso cotidiano está associado à sua habilidade de fermentação
(Figura 2.3), que é um processo por meio do qual o fungo obtém energia a partir de uma fonte de
carboidrato e da ausência de oxigênio. Como resultado da fermentação, obtemos dióxido de
carbono e álcool.

Esquema
simplificado de como ocorre o processo de fermentação (Figura 2.3).

Inúmeros produtos podem aproveitar esses subprodutos da fermentação e estão presentes


diariamente em nossa rotina, seja no pão que comemos no café da manhã, seja no vinho para
ocasiões especiais.
Os pães crescem a partir da fermentação das leveduras que geram gases.

Suco de uva passando pelo processo de fermentação, em que há a produção de dióxido de carbono
e álcool.

Na indústria de laticínios, o gênero Penicillium desempenha papel importante na maturação de


queijos, como gorgonzola, roquefort e camembert, agregando sabores e texturas. Outra atividade
dos fungos está relacionada à indústria de bebidas alcoólicas, seja na produção das bebidas
alcoólicas destiladas (cachaça, rum, conhaque, uísque), seja nas que não são destiladas (cerveja e
vinho).
Agora, para compreender melhor a relação entre os fungos e a produção de cerveja, assista ao vídeo
a seguir.

Outros produtos surpreendentes em que o fungo está presente no nosso dia a dia são os
refrigerantes e as bebidas industrializadas, por meio do ácido cítrico. Ao contrário do senso comum,
que acredita que o ácido cítrico vem das frutas cítricas, obter esse ácido das frutas é muito mais caro
do que obtê-lo dos fungos. Então, praticamente todo refrigerante produzido em larga escala é feito
com ácido cítrico proveniente da fermentação de cultivos de Aspergillus niger.

O ácido presente nos refrigerantes é proveniente dos fungos, e não das frutas cítricas.
Cultura de Aspergillus niger em placa de Petri.

VERIFICANDO O APRENDIZADO

MÓDULO 3

Descrever as principais características dos fungos venenosos

INTRODUÇÃO
Como vimos anteriormente, os fungos podem apresentar diversas vantagens ecológicas e
econômicas. Entretanto, como sempre existem dois lados, não seria diferente com os fungos. Por
isso, apesar de alguns serem comestíveis e trazerem benefícios a quem os consome, outros fungos
macroscópicos são altamente tóxicos e nocivos para humanos e animais.

Assim como ocorre com as plantas, há milhares de espécies de cogumelos descritas como
comestíveis, porém uma dezenas delas produzem substâncias alucinógenas ou, ainda, toxinas letais.
Aprender a identificá-las é extremamente importante, pois muitas se confundem com os fungos
comestíveis.

Afinal, como diferenciamos os cogumelos comestíveis dos cogumelos tóxicos?


Diferenciar os
cogumelos comestíveis dos venenosos
não é uma tarefa simples.

A resposta a essa pergunta não é tão simples assim, pois não existe uma característica única que
diferencie facilmente os cogumelos não tóxicos dos tóxicos. Tampouco existem testes caseiros ou
de fácil execução para diferenciá-los. Por isso, é extremamente importante evitar o consumo de
cogumelos encontrados na natureza.

ATENÇÃO
O consumo de cogumelos encontrados na natureza tem grandes riscos, e uma falha na identificação
pode ser fatal. Então, mesmo que você se sinta encorajado após esta aula, dê preferência aos
cogumelos vendidos comercialmente.

O consumo de cogumelos silvestres pode trazer sérios riscos à saúde por causa da ação dos
compostos tóxicos ou alucinógenos. No Rio Grande do Sul, o Centro de Informação Toxicológica
registrou, no período de 2005 a 2019, mais de 100 casos de intoxicação ocasionada por cogumelos
venenosos. As vítimas foram pessoas que os confundiram com cogumelos comestíveis ou que
ingeriram cogumelos alucinógenos de maneira proposital para fins recreativos.

O vídeo a seguir apresentará mais detalhadamente a anatomia dos cogumelos.


Não coma
cogumelos silvestres em hipótese alguma.

AS TOXINAS PRESENTES NOS COGUMELOS VENENOSOS


Antes de saber quais são os cogumelos venenosos e suas características, precisamos entender o que
os torna tão nocivos e os mecanismos de ação das principais toxinas já descritas, lembrando que
ainda há muitas lacunas a respeito desse assunto.

A toxicidade presente no grupo dos cogumelos venenosos pode variar de acordo com o gênero ou a
espécie, assim como o tipo de toxina encontrada. Os quadros clínicos que ocorrem após a
intoxicação por esses cogumelos são associados diretamente ao tipo de toxina presente neles e ao
seu mecanismo de ação.

Os principais grupos de toxinas que podem ser encontrados em cogumelos venenosos são:
ciclopeptídeos (amatoxinas, falotoxinas e virotoxinas); giromitrina; orelanina; muscarina;
psilocibina; muscimol e ácido ibotênico; coprine; nefrotoxinas (norleucina); miotoxinas; toxinas
imunoativas; toxinas hemolíticas e irritantes gastrointestinais. Abordaremos mais detalhadamente
as toxinas de relevante importância na literatura.

AMATOXINAS
Estas toxinas são termoestáveis, o que significa que elas mantêm sua estrutura tridimensional
mesmo em altas temperaturas. Essa propriedade, associada à sua solubilidade em água, torna essas
toxinas excepcionalmente tóxicas. Outro fator que faz essa toxina ser tão potente é a resistência à
hidrolização enzimática; portanto, quando ingerida, suas funções permanecem intactas, mesmo
entrando em contato com as enzimas e os ácidos digestivos.
Estrutura molecular
genérica das amatoxinas.

Um caso fatal foi relatado após o consumo de um cogumelo produtor de amatoxina congelado
durante cerca de oito meses, demonstrando que esses compostos também resistem aos processos
de congelamento/descongelamento. Além disso, as amatoxinas se decompõem muito lentamente
quando armazenadas em soluções aquosas abertas ou após exposição prolongada ao sol ou à luz
neon, mostrando mais uma vez como esses compostos são resistentes à degradação e a uma
possível perda de função.

Existem variações significativas intra e interespecíficas que determinam a concentração de


amatoxinas nos cogumelos, por isso não é possível prever os efeitos tóxicos com base na quantidade
de cogumelos consumidos. Essas toxinas são octapeptídeos bicíclicos, formando pelo menos nove
compostos diferentes: α-amanitina, β-amanitina, γ-amanitina, ε-amanitina, amanina, amaninamida,
amanulina, ácido amanulínico e proamanulina.

Os principais estudos toxicológicos concentraram-se nos α- e β-amanitina. O mecanismo de ação


dessa toxina está relacionado a sua capacidade de inibir a enzima RNA polimerase, que participa de
processos fundamentais na síntese de proteínas e, consequentemente, no metabolismo celular,
causando a morte celular e o dano tecidual.
O fígado é um dos
primeiros órgãos a
sentir os efeitos das amatoxinas.

Após a ingestão, as amatoxinas são rapidamente eliminadas do sangue e distribuídas para o fígado e
os rins e não se ligam à albumina. O fígado é o principal órgão alvo da toxicidade dessas moléculas, e
os efeitos hepatocelulares representam a manifestação mais letal e menos tratável dessa
intoxicação. Isso é atribuído à absorção gastrointestinal das amatoxinas, por isso o fígado é o
primeiro órgão a entrar em contato com grande quantidade dessas toxinas.

As amatoxinas não são metabolizadas e são excretadas em grandes quantidades na urina nos
primeiros dias após a ingestão, ocorrendo a excreção máxima nas primeiras 72 horas. Uma pequena
quantidade pode ser eliminada na bile e pode ser reabsorvida pela circulação entero-hepática, o que
prolonga a carga das toxinas no corpo e os sintomas associados.

FALOTOXINAS
As falotoxinas são heptapeptídeos bicíclicos muito semelhantes às amatoxinas. Esse grupo de
toxinas é composto por sete tipos distintos: faloidina, profaloína, faloína, falisina, falacidina, falacina
e falisacina.
Estrutura molecular
da falotoxina.

A faloidina foi o primeiro peptídeo isolado desse grupo. A toxicidade desta molécula está associada à
via de administração, já que foi comprovado que ela não é absorvida pelo trato gastrointestinal, logo
não é tóxica para mamíferos quando é ingerida. Em estudos laboratoriais, foi possível induzir a
toxicidade pela administração intraperitoneal, mostrando efeitos tóxicos para o fígado.

O mecanismo de ação das falotoxinas está relacionado à sua capacidade de interagir com a actina e,
assim, desestabilizar a ligação entre os monômeros de actina, evitando a despolimerização dos
microfilamentos, perturbando o funcionamento do citoesqueleto e ocasionando o colapso celular.
Apesar de se conhecer o mecanismo de ação, acredita-se que essas toxinas não têm tanto valor
toxicológico para os humanos devido à inabilidade de serem nocivas pela ingestão.

VIROTOXINAS
As virotoxinas são peptídeos tóxicos monocíclicos formados por pelo menos cinco compostos
diferentes: alaviroidina, viroisina, desoxoviroisina, viridina e desoxoviroidina. A estrutura e a
atividade biológica das virotoxinas são semelhantes às das falotoxinas, sugerindo que as virotoxinas
são derivadas biossinteticamente das falotoxinas ou compartilham vias precursoras comuns. O
mecanismo de ação também é semelhante ao das falotoxinas, interagindo com a actina,
desestabilizando a estrutura celular e, consequentemente, causando danos teciduais.

VOCÊ SABIA
Esse grupo de toxinas tem uma estrutura mais flexível quando comparado às falotoxinas, e a
presença de dois grupos hidroxila a mais pode fornecer uma reatividade diferente, apesar de os
efeitos serem semelhantes. O papel das virotoxinas na toxicidade humana permanece obscuro;
devido à sua má absorção oral, pouca importância clínica é dada a essa classe de toxinas.
Estrutura molecular
da orelanina.

ORELANINA
Essa toxina é um N-dióxido de bipiridina altamente nefrotóxico. O mecanismo de toxicidade ainda
não foi totalmente compreendido. O que se sabe é que a orelanina inibe a síntese de
macromoléculas, como proteínas, RNA e DNA; promove inibição não competitiva da atividade da
fosfatase alcalina, g-glutamil transpeptidase e leucina aminopeptidase; interrompe a produção de
adenosina trifosfatase, comprometendo a utilização e reabsorção de peptídeos, polissacarídeos e
outras moléculas.

MUSCARINA
O alcaloide muscarina é um composto quaternário de amônio encontrado em quantidades
clinicamente significativas nos basidiomicetos. Foi isolado pela primeira vez em 1869. O mecanismo
de ação dessa toxina está relacionado à capacidade de estimular receptores colinérgicos de
acetilcolina no sistema nervoso parassimpático, tendo como principais sintomas náuseas, diarreia,
dor abdominal, salivação, lacrimejamento, contração das pupilas, bradicardia e hipotensão.
Legenda: Estrutura
molecular da muscarina.

Funções pelas quais


o sistema nervoso parassimpático é responsável.

Esses sintomas geralmente se manifestam rapidamente dentro de duas horas após o consumo. A
ingestão da muscarina juntamente a antidepressivos tricíclicos, por exemplo, pode causar outros
efeitos colaterais, como constipação, boca seca, confusão mental, retenção urinária e até visão
turva. Cerca de 5% das mortes pode ocorrer no período de oito a nove horas após a ingestão dessa
toxina.

Estrutura molecular
da psilocibina.

PSILOCIBINA E PSILOCINA
A psilocibina e seu metabólito desfosforilado ativo, a psilocina, pertencem ao grupo dos
alucinógenos triptamina/indolamina e estão estruturalmente relacionados à serotonina. Ambas são
os principais ingredientes psicodélicos dos cogumelos alucinógenos e, historicamente, eram
utilizadas em rituais religiosos há mais de 3 mil anos no México. Em alguns grupos étnicos, essa
prática persiste até os dias atuais.

A psilocibina é rapidamente desfosforilada em psilocina na mucosa intestinal pela fosfatase alcalina


e esterase não específica. É a psilocina que atua nos neurônios serotonérgicos do sistema nervoso
central e causa efeitos parecidos aos do ácido lisérgico, que é a substância alucinógena
popularmente conhecida como LSD.

Apesar dos seus efeitos alucinógenos, tem baixa toxicidade associada e não causa vícios físicos,
sendo relativamente segura para a saúde. Embora cientificamente segura, as características
individuais podem influenciar os resultados após seu consumo.

FUNGOS VENENOSOS
Alguns fungos venenosos podem ser letais em pequenas porções, outros somente são tóxicos se
ingeridos com bebidas alcoólicas. Além disso, existem cogumelos com efeitos alucinógenos. Ao
contrário do senso comum, o cozimento, o congelamento ou outro tipo de processamento não
elimina os efeitos nocivos, pois, como vimos, algumas das toxinas dos cogumelos são bem
resistentes às modificações físicas ou químicas.
ATENÇÃO
As toxinas podem ter ação neurotóxica, nefrotóxica ou hepatotóxica, além de poderem causar
alergias ou problemas gastrointestinais, dependendo da quantidade ingerida e da espécie fúngica.

Abordaremos, a seguir, as principais características de alguns cogumelos venenosos encontrados no


mundo e no Brasil.

GÊNERO AMANITA
Os basidiomicetos do gênero Amanita, pertencente à família Amanitaceae, apresentam cerca de 500
espécies, e 90% dos casos de envenenamento ocorrem por causa da ingestão de cogumelos desse
grupo. Esse é o gênero mais popularmente conhecido entre os cogumelos, pois inspirou alguns jogos
de video game e filmes.

Cogumelo Amanita excelsa, exemplo da família Amanitaceae.


Personagens e elementos de jogos de video game inspirados na família Amanitaceae.

Porém, sua fama não se deve somente à inspiração na “cultura POP” ou ao fato de algumas espécies
serem comestíveis. Na verdade, ele é famoso porque algumas espécies desse gênero figurarem
entre os cogumelos mais venenosos do mundo.

O gênero Amanita é comumente encontrado na Ásia, América do Norte e Europa, porém algumas
espécies desse gênero já foram documentadas aqui no Brasil, principalmente na região sul. Em São
Paulo, esse cogumelo já foi encontrado associado como micorriza a uma espécie de pinheiro. Na
Amazônia, foram descritas as seguintes espécies: A. campinaranae, A. coacta, A. craseoderma, A.
crebresulcata, A. lanivolva, A. lanivolva e A. sulcatissima.

Também há descrição desse gênero em outros estados, como Paraná, Santa Catarina e Rondônia.
Em Pernambuco, já foram encontrados A. crebresulcata, no bioma Mata Atlântica, A. lippiae, no
semiárido, em áreas de campo rupestre, e A. lilloi crescendo em jardins e gramados, possivelmente
exótico.

A espécie A. muscaria, conhecida por seus efeitos alucinógenos, tem sua origem no Hemisfério
Norte. Pode crescer em condições muito distintas, tanto regiões de altas como de baixas altitudes,
com temperaturas mais baixas, sendo frequentemente achadas em bosques associadas a coníferas.

Apesar da sua origem, atualmente esse cogumelo pode ser encontrado em outros lugares do
mundo, inclusive no Brasil. Pelo fato de não ser nativo brasileiro, acredita-se que os esporos dele
tenham vindo com a importação de sementes de pinheiros, já que eles são frequentemente
encontrados juntos na natureza.
Cogumelo Amanita
muscaria apresenta coloração vermelha
característica e pontos brancos em seu píleo (Figura 3.1).

As espécies mais letais desse gênero são as A. verna, A. virosa e A. phalloides, porém a última
espécie é considerada a mais fatal do mundo. A. phalloides pode ser encontrada em florestas
próximas a coníferas, nogueiras e carvalhos, e, apesar de ser originária da Europa, já existem relatos
de sua presença na Ásia, Austrália e América.

Amanita verna é um dos cogumelos mais letais, sendo conhecido como “anjo da morte” ou “anjo
branco”.

O Amanita virosa é conhecido na Europa como “anjo destruidor”, pelo seu potencial tóxico.

Amanita phalloides, também conhecido como cicuta verde, figura entre os mais letais.

O cogumelo Volvariella volvacea pode ser confundido


com o Amanita phalloides.

A toxicidade dessa espécie está associada à produção de três toxinas: amatoxina, falotoxina e
virotoxina. Os danos causados podem ser tão extensos que o único tratamento possível é o
transplante de fígado. A maioria das mortes ocorre por uma falha na identificação do cogumelo; o A.
phalloides pode ser facilmente confundido com o Volvariella volvacea, que é comestível e apreciado
na culinária.
GÊNERO ENTOLOMA
Os macrofungos do gênero Entoloma (Figura 3.2) têm basidiósporo poliédricos, cuboides e
angulosos que, geralmente, formam facetas. Sua coloração pode variar de tons de rosa a branco e
até tons de marrom. No Brasil, são mais conhecidos nas regiões sul e sudeste. Cerca de 100 espécies
já foram descritas no Paraná; os relatos são concentrados nas áreas de floresta ombrófila mista e
densa. Apesar de algumas espécies desse gênero serem comestíveis, o E. rhodopolium produz
quantidade significativa de muscarina.

Cogumelo venenoso Entomola rhodopolium; cogumelo pequeno, apresentando


coloração marrom-clara (Figura 3.2).

GÊNERO PANAEOLUS
Os cogumelos Panaeolus spp. são encontrados em todo o mundo e crescem solitariamente em
pilhas de compostagem, gramados, jardins bem fertilizados e, algumas vezes, são vistos frutificando
diretamente do esterco. Seu crescimento ocorre principalmente em lugares com maior frequência
de chuvas. Assim como para os outros cogumelos, o Panaeolus pode ser encontrando,
principalmente, no Sudeste e no Sul do Brasil, porém já houve relatos de serem encontrados no sul
da região centro-oeste.

Nenhum cogumelo desse gênero é comestível, mas, devido a seus efeitos alucinógenos, eles são
frequentemente usados como drogas recreativas e psicodélicas. Esse efeito é justificado para
algumas espécies, pois esses cogumelos possuem psilocibina e outros compostos psicoativos ainda
não identificados.

Cogumelo alucinógeno do gênero Panaeolus. Pode ser


encontrado em esterco, em lugares com chuvas frequentes (Figura 3.3).

Os cogumelos mágicos causam efeitos alucinógenos.

GÊNERO PSILOCYBE
São conhecidos mundialmente como “cogumelos mágicos”, “Carne de Deus”, teonanácatl e, no
Brasil, como cogumelo-do-estrume ou cogumelo-de-chá.

Os macrofungos pertencentes a esse gênero têm uma longa história de uso religioso pelas culturas
indígenas da Mesoamérica e da América do Sul e, atualmente, são usados para fins recreativos e
espirituais. A maioria dos cogumelos dessa espécie habita regiões da América do Sul e o México, mas
podem ser encontrados em outros países, como os Estados Unidos, a Austrália e o Camboja.

Esculturas evidenciando a presença dos cogumelos nos rituais religiosos dos povos mesoamericanos.

Região mesoamericana que já utilizava cogumelos alucinógenos para rituais.

Existem cerca de 300 espécies desse gênero e elas crescem em pastos, principalmente no esterco
bovino, nas épocas chuvosas e quentes. Uma característica interessante desse gênero é a mudança
na coloração quando sofre uma injúria. Após um corte, esse cogumelo se torna azulado no local da
lesão devido à liberação do ácido pulvínico e de outros compostos.

As principais espécies incluem P. cyanescens, P. mexicana, P. cubensis e P. tampanensis.

No Brasil, a espécie mais prevalente é a P. cubensis, facilmente encontrada após períodos chuvosos
em esterco bovino, e, às vezes, no de outros animais ruminantes.
ATENÇÃO
Os efeitos alucinógenos dependem do indivíduo, podendo ser: alteração da percepção do tato e da
visão, aumento da sociabilidade e dos pensamentos profundos e abstratos. Porém, em alguns casos,
podem aparecer efeitos indesejados, chamados de “bad trip”, como medo, ansiedade, confusão
mental, desmaios, diminuição dos reflexos e tonturas.

Existem outros cogumelos que apresentam corpos de frutificação muito parecidos ao do Psilocybe
spp. e que podem ser venenosos, como a Galerina autumnalis. A identificação desses fungos deve
ser realizada por especialistas experientes da área para evitar acidentes por ingestão de cogumelos
venenosos.

Algumas vezes, os cogumelos do gênero Psilocybe podem ser confundidos com os cogumelos
venenosos Galerina autumnalis.

Fonte: Wikimedia Commons

Cogumelos alucinógenos do gênero Psilocybe podem ser encontrados em esterco, em lugares de


clima quente com chuvas frequentes (Figura 3.4).

Fonte: bonga1965/Shutterstock

Cogumelos do gênero Psilocybe apresentam coloração azulada no ponto onde foram cortados
(Figura 3.5).

Fonte: Moha El-Jaw/Shutterstock

GÊNERO CONOCYBE
Este gênero engloba mais de 240 espécies; a mais famosa é a Conocybe tenera (Figura 3.6). Esses
cogumelos, de modo geral, apresentam uma estrutura delicada com pedúnculo delgado e frágil.
Podem ser encontrados nas pradarias, sobre ervas mortas e musgo, em dunas de areia, excrementos
de animais e madeira em decomposição.

As espécies desse gênero podem ser confundidas com outras do gênero Galerina e Bolbitius. As
espécies C. cyanopus, C. kuehneriana, C. smithii e C. siligineoides já foram descritas como produtoras
da psilocina e a psilocibina. Os cogumelos C. siligineoides eram usados pelos mazatecas de
Oaxaca/México para fins ritualísticos. Já o C. filaris produz toxinas letais, como o Amanita phalloides,
e pode ser encontrado em relvados.

Cogumelos Conocybe tenera são os mais conhecidos


desse gênero (Figura 3.6).

VERIFICANDO O APRENDIZADO

CONCLUSÃO

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Hoje, conhecemos os organismos que pertencem ao reino Fungi e suas características
morfofisiológicas, que os tornam seres únicos. Sejam as leveduras, sejam os bolores (filamentosos),
sejam os cogumelos, todos apresentam grande importância ecológica como decompositores de
matéria orgânica ou então nas associações mutualísticas com as plantas.

O seu uso culinário ou na fabricação de alimentos está consolidado há séculos, e os avanços


biotecnológicos somente expandem as possibilidades da utilização dos fungos. Mais recentemente,
o potencial terapêutico desses organismos começou a ser investigado e, hoje em dia, já vemos
inúmeros medicamentos que são feitos a partir de suas moléculas.

Como nem tudo na vida são flores, os cogumelos venenosos nos mostram que devemos ter muito
cuidado mesmo com estruturas tão pequenas e aparentemente inofensivas. Por isso, nunca
menospreze o poder letal de um pequeno cogumelo.

PODCAST
AVALIAÇÃO DO TEMA:

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EXPLORE+
• Para saber mais informações relativas à comestibilidade ou à toxicidade dos cogumelos,
busque o site Fungipedia.
• Veja como os cogumelos crescem e amadurecem buscando, no YouTube, vídeos de
“timelapse mushroom”.

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