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O RETORNO DE

r IART I N
GUERRE
"Crostr» dc hisrórins. De contur bre uma mulher entre dois homens:
histórias, dc resgatar as falas de um verdadeiro, um impostor? O
pessoas desconhecidas..." Fiel a verdadeiro Martin Guerre lhe fora
sua paixão, a historiadora Nataiic escolhido c a abandonara. O impos­
Zemon Davis recuperou dos arqui- tor a escolhera e cia o recebera por
vos a aventura de Bcrtrandc dc Rols vários anos no leito conjugal De-
e Martin Gucrrc. fendeu-o com carinho e processou-o
Eram camponeses prósperos, vi­ conto esposa enganada até que o
viam num povoado na França do outro Martin Guerre fez tudo para
voltar ao seu lugar.
século 16, não longe da fronteira
espanhola, casaram muito jovens c As ambiguidades de Bertran-
tiveram um filho. Um dia Martin de de Rols, o mistério de Martin
Guerre partiu. Bcrtrandc, a bela es­ Guerre, a sedução do impostor,
posa, esperou. Sete anos depois emergem do olhar curioso dc um
Martin Gucrrc reapareceu no po­ magistrado francês em 1560 c de
voado dc Artigat. Foi recebido com uma historiadora norte-americana
festas c a alegria da esposa c por .3 em 1982 pura o deleite dc quem
anos foram muito felizes. Até o dia gosta de ler histórias dc homens e
mulheres que não foram iguais a
em que, como consequência dc uma
nós.
briga de família, um processo foi
instaurado. Aquele não era o verda­ Eltsabelb Souza Lobo
deiro Martin Guerre?
Quando leu pela primeira vez o
enredo fantástico redigido pelo ma­
gistrado Jcan de Goras, em 1560,
cm Toulouse, Natalie Zemon Davis
percebeu que encontrara o argu­
mento de um filme. E por coin­
cidência encontrou também Jean
Claude Carrièrc um romancista, an­
tigo cenarista dc Bunuel e Daniel
Vignc, cineasta, todos com a mes­
ma idéia. Do encontro resultou um
filme- Das páginas e papéis que
narraram há 4 séculos o processo de
Martin Gucrrc, Nataiic Zemon Da­
vis escreveu esta hcla história so­
COLEÇÃO
OFICINAS DA HISTÓRIA
VOL. 4
Direção: Edgar Stlvadori dc Deveu
Natalie Zemon Davis

O Retomo
de
Martin Guerre

T radução
Denise Bottmann

©
Paz e Term
Oficinas âa História
Copyriiht by
Édition Robert Laffont, SA, Put», 1982
Tradoxido do original «ai inglfcc
The Rfturn of Martin Guerre
cotejado corn a w sio franot«

1label <?«rballo
Revtiïo técnica
Niaraareth Ri«o
Stella Bresdani
Rtvitio
Barbara E. Beneinde»
Anuido Rocha de Amida
Vera Lúcia F. P. Giio
Femando de B. Giio
Cely Nacrai Ueraatsu
C IP B iio li G ir.à)u*»>j m iu u ir
Sindícela N oüxal Ois Bajuna de Livrai XJ.

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Centro, Rio de Janeiro, RJ
T A : 221-4066

Rua do Triunfo, 177


Santa Ifigínia, Sâc Paulo. SP
Tei.: 22M322

C onselho E ditorial
Antonio Cândido
Celso Furtado
Fernando Gaipunan
Fernando Henrique Cordoao

1987
Impresso no Unisil/Priis/ed m Brazll
Para Chandler Davis

I
Prefacio

STE LIVRO surgiu da aventura entre um historiador


E e umu forma diference de falar sobre o passado- A estó­
ria de Martin Gnerie foi muitas vezes recontada. Nos anos
1 J4 Qr no Languedoc, um camponês rico abandona sua mu­
lher, filho e propriedades, e durante anos não hí notícias
suas; çlç volta — ou é n que rodos pensam — mas, depois
de três ou qustm a nos de agradável casamento, a esposa
diz que foi enganada por um impostor e leva-o a julgamento.
O homem quase convence ? corte dc que é Martin Guerre,
mas no último momemo surge o verdadeiro Martin Guetre.
Imediataitiente foram escritos dois livros sobre 0 «SO, um
deles por um juiz do tribunal. Pbr toda a França é comen­
tado, entre outros peio grande Montaigne. A estória foi
recontada, ao longo dos séculos, cm livros aobre ifflpOSíOtCS
famnsos c c a u s ta célèb rtr.t, e ainda é lembrada na aldeia dc
Artigat, nos Fírincus, onde os acontecimentos ocorreram hl
quatrocentos anos. Inspirou uma peça, ires romances e ujna
opereta.
Quando 1: pela primeira vez o relato do juiz, pensei:
"Isso precisa virar uui filme” . Raramente um historiador
encontra unia esLrutuia narrativa tão perfeita ou com um
apeio popukr tão dramática nos acontecimentos do passado.
10 PREFÁCIO

Pfi: Coincidência, fiquei sabendo que o roteimta Jeau-CLau-


Wc Camèrie c o diretor Daniel Vignc iniciavam um roteiro
sobre q me&mo tema. Consegui encontrá-Jos, e de nosso
trabdho conjunto resultou o filme Le Retour de Mttriin
Guerre.
EirtíduxaJmctue, quanto jliais eu saboreava a criação
do filme, mais aguçava-* meu apetite para ir além, Estava
pronta a «rayar o caso mais profunda mente, a d.ir-lhe um
sentido histórico. Ao escrever para atores e náo leitores, sur­
giram novas questões sobre as motivações das pessoas no
século 16 — por exemplo, se se importavam tanto com a
verdade como com a propriedade. Ao observar Gérard Dc-
pardieu representando o papel do falso Martin Guerre, sur-
girani-tnc novas idéias de corno pensar o desempenho do
verdadeiro impostor, Arnaud du Tilh. Sentí que tinha meu
próprio laboratório histórico que gerava, não provas, mas
possibilidades históricas.
Ao mesmo rçmpo, o filme se destacava do registro his­
tórico, c isso me inquietava, Sacrifitavs-sc a origem basca
dos Guerre, ignonva-se o protestantismo rural e, principal-
mente, o duplo jogo tia mulher e as contra dições internas
tio juiz etâín amenizadas. EíSâs alterações fXSHsivçImenic
ajudaram a dar ao fílme a poderosa simplicidade que per­
mitiu que a estória de Martin Gucrrc se convertesse antes
dc tudo numa lenda, mas também cornavam mais difícil ex­
plicar o que rcaünentç acontecera. Nessa bela e fone recria­
ção cinematográfica, onde estavam o espaço para as incerte­
zas, os ''talvez11, os "poderia-ser” a que o historiador tem de
recorrer quando 35 evidências sèo inadequadas ou geram
perplexidades? Nosso filme era uma emocionante escória
de suspense que mantinha o público tao incerto sobre seu
final quamo ôH aldeões e juízes da época. Mas onde ficava
o espaço para reflecir sobre o significado da identidade no
século 16?
Assim, n filme-colocou o problema da invenção para
Agradecimentos 11

q historiador de modo tão seguro quanto fora colocado à


mulher de Martin Guerre. Tinha dc voltar ao meti ofício
original; mesmo durante as filmagens exteriores nos Piri-
neus, cu escrevia ãs pressas para os arquivos cm Fobtf Tou-
louse e Audi. Eu daria a essa impressionante estória seu
primeiro tratamento histórico global, usando todos os pa­
péis c documentos legados pelo passado. Descobriria por
que Martin Guerre deixou sua aldeia e para onde fora; como
e por que Ârnaud du Tilh se tornou um impostor; se ludi­
briou Bmrandc de Rols e por que não conseguiu sustentar
sua posição. Isso nos daria novas informações sobre a so­
ciedade rural do século 16. Eu seguiria os aldeões através
das cones criminais e explicaria os diferentes vezèdictos dos
juízes. E teria a rara oportunidade dc mostrar um aconteci­
mento da vída camponesa remodelado como uma estória
por liomens de leiras.
As coisas se mostraram muito mais difíceis do que eu
imaginara — mas é um pra2er relatar uma vez mais a hisr
hjria dc Martin Guerre.

N.2.D.

Princeton
Janeiro de 1983

Agradecimentos

Agradeço a Princeton University e a National Endow-


ment fot the Humanilies pelo auxilio financeiro pata a
a preparação deste livro. Também quero agradecer aos ar­
quivistas e 1 equipe dos Archives Départementales de Àriè-
ge, Hao Le-Garonne, Gers, Pirineus-Àdanticos, Gironde e
Pas-de-Calais pelas suas informações e gentileza, que permi­
tiram jtu rápido avanço na minha pesquisa. Marie-Rose Bó-
12 Agridtcimittios

lier, Paul Dumons e Hubcr Daraud de Artfgat riverain muito


boa von [ilde em pattilhar camigo syas memóriaí du aidera
e da hístória de Martin Guerre, Jean-Claude Catriète e Da­
niel Vigne proporcionaram-mc novas formas de pensar sabre
as COneKÔes entre as 'órnenles gérais" dos historiadores e
a experiencia viva das pessoas, Emmanuel Le Rojr Ladurie
oiereeeu importante estímulo, quando íoi neoessirio. Fo-
ram-me apdresent&das idéiag c sugcscôes bibliográficas por
varios colegas nos Fstadns Unidos e Franchi: Paul Alpers,
Yves e Nicole Gastan, barbara B- Davis, William A. Dou-
gUss, Daniel Fabre, Stephen Giecnblatt, Richard Helmholz,
Paul Hiltpuld, Elisabeth Labrousse, Helen Nader, Laurie
Nussdorier, Jean-Pierre Poussou, Virginia Reinburg e Ann
Waltner. Alfred Soman foi generoso em suas infûrmaçùçs
para os capítulos sobre direiro penal. Agrade^o aínda a
Denise Botduium por contar a estúria de Martin Guerre ac>R
meus loi tores brasiEeiros. Sem o auxilio du mm "verdadeiro"
marido, Chandlet Davis, essa histbria de u n mando-impos­
tor podeii a nunca ter existido..
Sumâiio

Introduise 17
De HejiJitj'e a Artjgaî 25
O Caenponts Des«>n[jentc 57
A Hünra de Bertrande de Rols 45
Ai M iseras de Arnaud du Tilh 55
O Cawtmento Iiwçnrado 61
Querelü 71
O Procès«? de Riens SS
Û Praccsso de Toulouse 95
0 ilecorno de Marti n Guerre 105
O Contador da Estons 117
Histoire prodigieuse, Histoire tragique 129
Dos Craos 159
EpÜogo 149

EÎLh.iijjpsiïp SdeCKnada de T** [LH Hnhre M rirfin


■Guerre ï3 )
Notas 159
¡wbre a aucora 187
Ilustrações

Primeira edição de Coras, Arrest Memorable (1561).


Bibliothèque Nationale 15
Primeira página de Arrest Memorable (1561). Biblio­
thèque Mazarine 16
Os caminhos de Marlin Guerre 27
Soldados imaginários, ca. 1545. Archives departamen­
tales de l’Ariège, 5E6220 41
Dança camponesa. Bibliothèque Nationale, Cabinet des
Estampes 47
Máscaras de Guillaume de La Perrière, Theatre des
Bons Hngins (Lyon. 1549). Houghton Library.
Harvard University 59
Um casal rural. Bibliothèque Nationale 63
Acareação entre acusado e testemunha. Harvard Law
School Library, Treasure Room 85
Primeira representação pictórica do caso. Bibliothèque
Mazarine, Paris 111
Jean de Coras. Bibliothèque Nationale. Cabinet des
Estampes t 125
Um caso de notável semelhança. University of Pennsyl­
vania, Furness Memorial Library, Special Collec­
tions, Van Pelt Library 143
O castigo vem com perna de pau. Princeton University
Library, Department of Rare Books and Special
Collections 145
ARREST ME-
MORABLE, DV PAR-
L E M E N T D E
T o l O S £,
Conrcn-irt vne h'fluirc prodjgid'ic •de
noftrc temps, aucc cene beli«, A do-
flcs Anno<Jiions,dcm onfì«ir mai*
f t r c i FAV t i c a », a i> ConCallct
cn Udire Cour, d t apportene <ki
prgccs.
'Trinanti ti Arrtfh. Gmeremlx le rS.
Stpcmire ¿VL T). L T .
A fUifoa fftl«

A L Y O N ,
PAR. ANTOINE VINCENT,
uw. t> l x J.

Aucc Priuilcgc du Roy.


A RR E S T D V P A R L E M E N T
deTolofc, contenant vne hiAoirc memorable,
prodigieufe, auec cent belles Adodes
Annotations, de monfieur maiilre
e a n d e c o r a s , rap­
porteur du procès.
ic la toile du procès
Tarred.
V moys de Îinuicr, mil
cinq cens cinquante neu£
Bertrande de Rolz.du lieu
d Artigat , au diocefc de
Rieux, fe rend iuppbant,
& plaimiue, deuant le lu­
ge de Rieux : difant, que
_____________ vingt ans peuuct eilre paf-
?ez,ou enuiron, quelle cil aur jeune fille, de neuf à
dix ans,fut marier, auec Martin Guerre, pour lors
aufn forticunc,& prcfquc de mcünes aage.quc
la (ûpplianr.
Annowtion I.
L« mariage* ainfi çoixiiika auonr i'oige légitimé ,ordonne
ik tutute,vu par 1« Ion pnlieupiex, oc pcuucnc cflce (s'il cil loy*
lîblc Je fonder, influes au* leerera, âcir.lcruribict mjrmrm de
1«diuuiitcIpliii'im,nv »gtjtciibJc*à 15kc, 5c Tilfuc, en dlicplus
fonucnrpteeoiê,^miiêranlc.ar [somme onsuit tonrncHontnt t
par exempte) picjflr,iieroi/lirrrpcnraflCM:pa, cuu qu'enttUci
•pre<o<c*,Jt deuancets confondions, ceux qui onr tramé,Ar * Jjff*
proicctr le roar , n’ont aucuKetncni rdoeéU l'honneur, & la ink ...« *n
.gloire deDatoiâ: moins lafin »pour laquât* ce faut? renrta-
Médiat de rcartagf ,liacflc par luy jnflituc eu comme«« ruent it&u,
dumonde, • ( qui fur cUuani ladcnccdc noilro premier perc,
Introdução

EMME BONNE qui a mauvats mary, a bien souvent


-!■ te coeur fnarry” (“Mulher boa com mau marido geral-
mente tem o coração ferido”). “Amour peut moult, argent
peut tout" (“O amor pode muito, o dinheiro pode tudo”).
Esses são alguns dos provérbios com que os camponeses ca­
racterizavam o casamento na França do século 16.1 Os histo­
riadores vêm conhecendo mais e mais as famílias rurais, a par­
tir de contratos de casamento e testamentos, registros paro­
quiais de nascimentos e óbitos, e relatos de rituais pré nup­
ciais e charivaris (com panelaços c assuadas após a cerimônia
de casamento).1 Mas ainda sabemos pouco sobre as esperan­
ças e sentimentos dos camponeses; as formas como viven-
ciaram a relação entre marido e mulher, entre pai e filho;
as formas como vivcnciaram as restrições c possibilidades de
suas vidas. Muitas vezes pensamos neles como pessoas com
poucas escolhas; mas, de fato, será verdade? Será que alguns
aldeões individualmente nunca tentaram modelar sua vida
de formas insólitas c inesperadas?
Mas como Ía2em os historiadores para trazer à super­
fície tais informações das profundezas do passado? Esqua­
drinhamos as cartas e diários íntimos, as autobiografias, me­
mórias c histórias de família. Examinamos as fomes literárias
1$ O RETORNO DE MARTIN GUERRE

— peças teatrais, poemas líricos e cornos — que, quaisquer


que sejam soas relações com a vida real dos indivíduos, mos­
tram-nos os sentimentos e reações que -os autores. considera­
vam plausíveis num determinado período. Já os camponeses
dos quais, no século 16-, noventa por cento ri.ftçi sabiam 05-
Crever, deixaram-nos pOuCos documentos sobre sua vida
privada. Os diários e historias de família que chuparam até
nós são escassos: cuna uu duas linhas sobre nasr-mcntOS,
tnúrtes e o tempo climático. Thomas Piatter pode r.os dar
l : u retrato de sua mãe, utna camponesa que trabalhava ar­
duamente: ■"Quando quisemos direi adeus à nossa mãe, eia
chorou. . . Exceto essa vez, nunca vi minha mlc chorar,
pois era uma mulher corajosa e viril, mas rude” . íías tal
pigi na. fui escrita quando esse erudito hcbrai&ta h i muto
tempo deitara soa aJdeia suíça c os pasros de suas monta-
nhas-J
intanto às fonte? lircFartas sobre os camponeses, quan­
do existem, seguem as regias clássicas que fazem dos aldeões
um tema reservado às comédias, A comédia apresenta per
.Totines poptãaires, pessoas de baixa condição, assim dia a
teoria, ,LA comédia descreve e representa em citilo simples
ç humilde O destino privado dos homens. . . Seu final é
feliz, divertido e agradável/1 Assim, cm Les Ceni Nuavelie*
Noiateüei (coletânea de histórias cômicas do século 13, vá­
rias vetes reimpressa no século 16), um camponês ganan­
cioso, ao surpreender sua mulher na cama com um amigo,
apazigua sua cólera com a promessa de doze medidas de tri­
go e, para manter a trunSação, tem de permitir que OS
amantes concluam seus entretenimentos. Em Propoi Rusfí
q u fiv publicado pelo ¡crista bretão Nuel du Fa.il em 1547,
o velho camponês Lubin recorda o tempo do seu caSiiutento,
3ÍK trinta C quatro anos; ,cEu n|o sabia o que era estar
apaixonado. - . Imagine sc liopc cm dia um rapaz passa dc*
quenze anos sem ta 1 tido nenhum caso com essas mocas”,4 A
imagem do sentimento c comportameli to camponeses que
Introdução 19

emerge de tais relatos nat> deixa de ter seu valor — a co­


média, afinal, é um inslrumcnlo prçcio«? para c*piorar a
condição humana— , mas í limitada em seu registro psicoló­
gica e na Jeque de situações em que se encontram os aldeões.
Mas evistc uma omra série de fomes onde os campo­
neses aparecem c.:m situações desagradáveis c o desfecho nem
sempre é feliz: os anais judiciais. P. aos registros da Inquisi­
ção que devemos o quadro de Emmanuel Le Rcy Ladnrite
sobre a aldeia cá tara de Montaillou e o estudo de Cario
Girtzburg sobre o intrépido moleiro Menocchio, Os regis­
tros dos tribunais diocesanos estão cheios de casos matri­
moniais, que vêm sendo usados pelos historiadores para
entender como os aldeões e a artaia-miúda urbana mano­
bravam no imerior do rigoroso mundo da lei e do costume,
para encontrar ueíih companheira adequada,'
Existem, enfim, os processos verbais dc diversas juris­
dições criminais, Eis, por exemplo, a história contada em
1533 por um jovem camponês liones, que tenta obter do
rei o perdão por um assassinato cometido impulsivamente.
Mesmo na transcrição elaborada de seu procurador ou escri­
vão, temos utn pequeno retraio de um casamento infeliz:

H á oéiea de uín anO, o dito Süplica D lí, tendo encontrado bom


paiddo de casatnmtc, desposou Ar.oejy l^atin. - . í qual lcíii
mantido e sustentado honestara eme «uno sua xiLilbsr, ç dese­
java viver em pai nnn d l, Mas a dita Ancelj .. muitas
sLin uiriHj nLin pui eué. resolveu 4 hl- (i.dia de matar e baier
no dito suplicante, c de fa&> bateu nele.. . O dito Huplkante
aceitou paci ficamente ■ .. esperando que se reduzisse tom o
tempo.. . Não obstHnte isso. . no domingo, segundo dia Jes-
se piKstmLe :nts Je maio ptóiimo passado, enquanto o dúy
suplicante jantava paciíicajnente com ela em sos cara, »W
lhe fazer mal nem düpraMJ, pediu pata beber do vinho que
ela mantinha numa garrafa de vldto que n&J queria lhe dar
Assim disse que lhe daria na cabeça, o ^tK Í £z. . . e quehiou
a dita gartata esparramando o vinho- no rosto d^ diio supli-
20 0 RETORNO DE MARTIN GUERUE

í-aait... Sempre continuando no sni íurnr [tia] sc ievantou


Jp mraa, pefiou Ldiia escudela c . .. « atirou contra ü dito su-
plinande e [í-lo-i? fendo pJfvmJCULC (se] a criida do dito
suplicante [nío] se colocasat eutie os dois. E ent#j o dito
euplicanh;.,, dutrado e «eloiado poi- tais ultrajei... |*uog
unia faça que-estava na :ntsa. ,, ecoríou nirds d* diia mulher
e ]Eie deu utn único gidpc- .. no vcjjc±e .

Sua mulher não viveu o suficiente para nos contar sua


versão da história.1
TaÍS documentos nos ensinam alguma coisa sohre as
eípccraúvas e sentimentos dos camponeses em épocas dc
agitações súhitas ou crises. Em l í 60, «Hirudo, vem ao Su­
premo Tribunal dc ToulüuSe um ciso criminal que lança
uma loz sohrc vários anos de casa mentos camponeses; «m
cuso tão extraordinário que um dos juízes escreveu um livro
sobre dc. Cbamavâ-se Jean de Coras, nativo da regisfo, ju­
rista eminente, autor de comentários em latim sobre o di-
reino civil e canônico, e, além do mais, humanisca. O Arrer-t
MffwOrabíet como o intitulou, reunia codas aí provas, argu­
mentos formais c julgamentos do caso, incluindo ainda suas
anotações. Não se tratava de uma comedia. Jizia ele, mas de
uma tragédia, mcstno que os atores fossem autênticos rúsü-
eus, "pessoas v:s e abjetas1'. Escrir-o cm íiancès, o livro foi
reimpresso cinco veies ao Longo düS SCÍS AllOS seguintes e
conheceu anida moitas outras edições cm francês e latim
antes do íinal do século.7
Combinando as características do texto jurídico e do
testo literário, a obra de Coras sobre o caso Martin Guerte
pode nos introduzir no mundo secreto dos sentimentos e
aspirações camponeses. Não me incomoda que seja um caso
excepcional, pelo contrário, pois uma disputa fora do comum
por ve^es desnuda motivações e valores que se diluem na
agitação da vida cotidiana. Espero mostrar que as aventuras
de (TÉS jovens aldeões nao estão tiãn disrantes Ha-=i rüporién-
Introdução 21

cias mais corriqueiras dos seus vizinhos. Desejo também


mostrar como uma estória que pareceria adequada apenas
para um simples panfleto popular — e de f&to foi retatada
dessa forma — fornece meterei também paru as “cento e
onze belas anotações" do juiz. Finalmente, gostaria de
arriscar a hipótese de que estamos frente a uma rara identi­
ficação entre o destino dos camponeses e o destino dos
ricos e instruidoSr
Para as fontes, parti do Arrest de Coras de 1561 e da
breve Historia de Gnilkume Le Sueur, publicada no mesmo
ano. Este é um texto independente, dedicado a um outro
jllLZ do caso,, pelo menos em duas passagens há deta­
lhes que não se encontram em Coras, mas que verifiquei
aos arquivos.' Utilizei l^e Sueur e Goras como complementos
mútuos, embota, nas pnucas passagens em que divergem,
tenha dado maior pear? ao juiz. Na ausênck dos interroga­
tórios do processo (nr? Tribunal de Toulouse, faltam todos
os registros dos processos criminais anteriores a 1600), in­
vestiguei os registros das sentenças do üupicmo Tribunal
para encontrar informações suplementares sobre o caso, a
prática ç atjtudcs dos juízes. No rastro dos meus atores ru­
rais, consultei contratos notariais cm muitas aldeias das dio­
ceses dc Rícux e Lotnbez. Quando nío consegui encontrar
mcii homem (ou minha mulhetl em Hetirkye, Sajas, Àrtigat
OU BuigOS, fiz O mJximo para descobrir, através de mitras
fontes da época e do local, o mundo que devem ter visto,
as reações que podem ter tido. Q que aqui ofereço ao leitor
ó, em parEe, uma inveneflo minha mas uma invenção cons­
truída pêlã a Lenta escuta da* vozes do passatlo.
I
De Hendaye a Artigat

N O'ANO DB 1527, u camponês Samn Dagucrre, sua


mulher, seu jovem filho Martin e seu jrmão Pierre
abandonaram sua propriedade familiar jul região basca
francesa, e foram sc insialar mima aldeia J ú Condado de
Foljí, a crês semanas de caminhada.
Não eia algo usual para Htn basco. Não que ns homens
do Lfibourd fossem nnuiro apegados à casa, mas scur deslo­
camentos geralmeme levavam-nos ao oucro lado do Atlânti­
co, na caça à baleia, ãs veaes are Labrador. F quando sc
expatriavam, cm vez de subir para o norte dos Pirineus,
atravessavam o rio Bidaasua, para alcançar a região basca
espanhola Mil adentrar no interior da Espanha. Além disso,
CTTl sua grande maioria, OS emigrantes, ao contrário de Sanxi
Daguerre, não eram herdeiros da propriedade familiar, ma>
fillios mais novos que não podiam ou não queriam perma­
necer sob o reco ancestral Aos olhos dos aldeões bascos, -a
imporiáncia da casa dos pais era tal que cada uma trazia um
nome retomado pelo herdeiro c Rua mulher: ,c[eles] se fa­
zem oliamar Rcnliorcs c scnhoraR de tal-c-ral casa f mesmo ]
que eRta não pnssc dc um chiqueiro1', como diiia a segu:.r
um comentarista malévolo-'
(.lontudo, a casa d c Samti Dagucrrc csrava longe de Ser
24 O RETORNO DE MARTIN1 GUERRE

um chiqueiro, Situava-se em Hendaye, uma aldeia na fron­


teira espanhola compus ta apenas por “algumas casas", se-
jjundn um viajante em 1.528, mas cercada por amplas terras
cumunais, EncerradtK enrre as montanhas, o rio e o mar,
os habitantes dedicavam-*e à criação, pesca r agricultura. O
solo argiloso, de fato, plwrtavs-se apenas ao painço, entre os
cercais, mas era excelente, em coniraptísição, para as maciei­
ras, Os irmãos Daguerre exploravam-no também para a fa­
bricação de telhas. Certamente, a vida no Labourd nau era
fáci], mas tinha seus bons aspectos, pelo menos aos olhos
dos visitantes: a extraordinária beleza das aldeias; os pra­
zeres e perigos da pesca de baleias, a repartição da presa, os
divertimentos dos homens, mulheres e crianças nas ondas,
' ‘As pessoas dc toda esta região são alegres. . . estão sem­
pre rindo, brincando, dançando, mulheres e homens”, des-
cievem-nos em 0 2 8 , 3
No entanto,. Sanai Daguctrc decidiu partir. Talvez de­
vido às eternas ameaças de guerra que pesavam sobre a
região: o país basco e Navarra há muitos anus eram um
pomo de discórdia entre a França e a Espanha, e c«a zona
de fronteira sofria os conflitos que opunham Francisco I ao
imperador Carlos V. Em 1523, as tropas imperiais lança-
ram-sc contra Hendayc c arrasaram o Lahourd. Em 1524, a
peste atacou de modo particularmente violento, Foi no ano
seguinte que nasceu Martin, o primeiro fiiho de Sanxi. Ma
origem da parrida talvez estivesse um motivo pessoid, uma
briga entre Sanxt e seu pai, o 11antigo senhor”, o remor
echeknjaun, comu sc dizia em basco (admitindo-se que ainda
estivesse vivo), ou outra pessoa qualquer; on talvez a ini­
ciativa viesse da mãe de Martin, pois as mulheres bascas
passavam por intrépidas e davam suas vontades 0 conhecer.'
Qualquer que fosse a causa, $ami arrumou suas haga-
gens e partiu, levando consigo sua família e 0 irmão mais
novo solteiro. A propriedade ancestral permanecia em Hen-
daye, £ um d.131 Martin d bunlün ü. ^Icsfík? {jus ^uíséss-é , San-
De He.ndaye a Artigat 25

xí não teria podido vendê-la facilmente, pois os 1'ons, isto é,


os costumes da região de Labourd, proibiam a alienação dos
bens patrimoniais, cwceto em caso de extrema necessidade,
e mesmo assim com o consentimento de todos os parentes.
Em contraposição, cra livre de dispor dos acquêtf, isto é,
rudo o que reunira com seu próprio esforço; e Sanxi levou
recursos suficientes para se estabelecer bonradamente cm
sua nova aldeia.
As estradas tomadas pelos nossos imigrantes em seu
exodo para o leste eram muito frequentadas. Cruzavam uma
zona de trocai secular entre os Pirineus e as planícies , que
agora vivia um desenvolvimento econômico partícularmente
intenso, desde que Toulouse se afirmara como importante
centro distribuidor da região' Nesse perímetro entre os rios
Save e Aricge, que serviriam de limites à sua nova existên­
cia, era um vaivém de carroças carregadas de nozes de pas­
tel ^-dos*tintureiros, a caminho para as tinturarias de Toulou­
se; peles, lã bruta e cardada, madeira, trigo, vinho c frutas.
Os Daguerte devem ter visto comerciantes e mascates diri­
gindo-se a feiras c mercados locais, pastores conduzindo o
gado ou o rebanho para as montanhas no verão ou trazendo-
os às planícies dc Toulouse e Tamicrs para a mverneda, pe­
regrinos em direção ao santuário sempre popular de Santia­
go dc Cumpostda, ¡ovens deixando suas aldeias pelas mas
de Toulouse ou alhures. PinalmenLe, pot uma decisão lon­
gamente amadurecida ou devido a informações apanhadas
pelo caminho, deüveiam-sc cm Artigat, uma aldeia situada
na vasta planície ao sopé dos contrafortes dos Pirineus, a
algumas horas de cavalgada dc Pamiers.
Artigat estendia-se de ambos ns lados do Tèze. Esse
rio, insignificante cm comparação ao Ariège a leste e ao Ga-
ronne a oeste, era porém sufidentemente impetuoso para
devastar os campos adjacentes cm suas enchentes sazonais.
Nessas terras e colinas circundantes viviam de sessenta a
setenta Famílias que, além do painço do Labourd muito ?a
26 De Hetniaye a Ariigst

miligr a Sancii c Pierre Da&uerre, ainda cuhjv&vatn trigo,


aveia e vinhas, c criavam vacas, cabras e jobreiudu Lamei­
ros. Amgat contava com alguns artesãos: um ferreiro, um
moleirn, um wpateiro e um COSITIreiro; talvez hüuvesse al­
guns tecelões, como no burgo ViPÌnho dd Le FùSSat. Perio­
dicamente havia dias de mercado, e mejiibros da Emilia
Kanquds se aurodenomin&vam '‘comerciantes", embora ai
íciras medievais não passassem de uma lembrança u a maior
parte do comércio local passasse pori Le Fossat. Por volta
de 1% 2, c mesmo ames, na chegada dos Baguette, Artigat
tinha sen proprio notário i contudo, um noiirio de Le Fossat
faria sim ronda peias aldeias, para firmar os L^miratoa.*
Os DagLLÉrtt: deveicL ter OOtOlptrend ¡do imediatamente
que tipo de laços econãmicus uniam Artigat às aldeias e
lsurjços vizinhos. As í rotas mais importantes OCO*rii iti COtíi
a aideia de L'aiihèa a montante, Le Fossat a jusante e o hut-
¿0 de Le Carla numa colina a oeste. A zona privilegiada de
trocas se eSLeirdia a jusante atti Saint-Ybars, a leste para alétn
de Pamiers. e dii lado dos Pirineus a té Le Mas-d1Azi]. Jean
Banqueis de Artigat arrenda uma égua a um camponês do
Pai Ihès por um prazn ile seis anos. Um cornetti SCIte de Le
Fossat arrenda bori a dois lavradores de Le Carla, que lhe
pagamo erti trigo, na ieira de Pamiers, em setembro. Jehftn
:!Ot DíOL, lavtadùr de Artigai, vai a Le Fussat, cm LuduS us
invernos, paia vender a Là dos caineirns do seu rebanln? « -
panhoi. Firma a contrato: pagam-Ibc com dinneiro à vista e
volta para entregar a là no mês de maio. Outros vendem a
là bruni a comerciantes de Pamieis. Um pastor de Carla
concini um acordo de gassUbe {corno se dii na languc dJoc)
com um comercMrtK de Sai nPYbars: o pastor se cncarrcga
eie alimentare pastoreai trinta ovelhas às suas cjtpcnsas, ss
despe.sasda estisda “ nas monranlias'hc os lucros serão rep e­
tidos meio a.tncio cnirc os dois associados. James Ijooc de
Pailhês concluiu um trato de parceria com um comerciante
de Pdtniers, em relação a cinquenta e duas ovelh.as: dividem
Os lannÜlhíK de Marin Gutrrc
28 O RETORNO DE MARTIN GUERRE

gastos e lucros; após a tosquia, a Li ê enviada a Pamicrs,


em troca de sa! para Paübès. Os cereais e o vinho também
circulam, sob torma de arrendamentos pagos cm gênero ou
compras realizadas pelos camponeses em Pamiers e Le Fos­
sar.’
Esse pequeno mundo azafamado não podia ser total­
mente estranho aos Dagucrre, pois as trocas entre aldeias e
burgos também eram praticadas no Labourd. A novidade
fundamental em relação à região basca residia na cessão de
ternas, tanto por herança como por venda. Aqui, na planície
ao pé dos Pírineus, as pessoas comuns praticamente não se
esforçavam para manter o patrimônio familiar. Na região de
Artigat, raramente os testamentos davam mais vantagens a
um filho em detrimento doa outros, e o costume era o de
dar dotes ¡is filhas c dividir a herança em tantas parcelas
quantos fossem os filhos, mesmo que chegassem a cinco; na
ausência de herdeiros masculinos, a propriedade era repar­
tida entie as filhas. As vezes, dois irmãos ou dois-cunhados
decidem cultivar juntos as tetras, ou ainda um irmão debta
a aldeia, cedendo sua parte a um outro herdeiro; em geral,
corno se pode ver no terrier, isto c, registro fundiário de Arr­
ogai no século 17, os herdeiros dividem a terra c vivem lado
a lado. Quando uma família cresce e passa a contar com
duas gerações de membros casados, não é absolutamente 0
modelo basco, antigo senhor e jovem senhor, que aqui fun­
ciona, e s i ma coinhmaçáo entre í> peni:or viúvo fgeralmcnre
a inãe.J iTum dos filhos casados* Assim compreende-sc que
a propriedade possa ser vendida, de tempos em tempos, com
muito mçnos obstáculos do que no Labourd. Desse modo
vê-se um padre de Le Fossat vender seu ¡atdim para um o>
menci ante, alegando que teve de sustentar seus velhoa pais
nus últimos oito anos, Da mesma forma, Antoine Basic de
Artigai cede, pela módica quantia de 3.5 libras, |£a quarta
parte dos bens c sucessão do falecido Jacques Basle seu pai:'
a um homem do povoado vizinho, e em 1528 os irmãos Cal-
De Hnuhtyt a Artigui 2 lJ

dcynj cedem seis sesteinos de suas terras aos irmãos Grose dc


Lc Mas-d'Azil que, após a compra, instalairnse em Arrigar.''
Essas vendas esporádicas dos pTupTís, cumo se chama­
vam os bens herdados, não significavam que os tibeirinhos
do LÒ!c não fossem apegados às sues terras, Se os bascos
devam nomes ás suas casas, os camponeses de Arcigat e seus
vitiphns faziam o mesmo em relação a « terrenos. Setores
inteiros da jurisdição de Artigat traziam tw nomes das famí­
lias da região: “Les Banqueis” , não distantes do centro da
aldeia, “ ftols” a oeste, “Lc Fustié” perto das margens do
Lèze, onde vivia o moleiro Fustié- Os campos, as terras ará­
veis e rambem os vinhedos recebiam nomes — 14a la plac”,
"ai sobe” , "les ascxnpres” , <HaI cathalíi", 44la bardasse” — ,
e os camponeses que os adquiriam às vezes adotavam esses
títulos, como alcunha,J"
Naturaltnente, em Artigat, talvez mais do que em Hen-
dfljfe, essa identificação enrre família e terra era regida pela
estrutura econômica e social da aldeia. No ápice, figuravam
as famílias prósperas como os Banqueis, seguidos pelas Rois,
que possuíam várias propriedades espalhadas por Artigat,
algumas cultivadas por eles mesmos c outras arrendadas a
lavradores por pagamento fíxo ou parcela da colheita. Eram
esses homens que anualmcnte compravam do bispo de Rieux
o direito de coletar as rendas dos cargos eclesiásticos de Ar-
cigat e dirigiam a irmandade paroquial da igreja da aldeia.
EÍavam-se com as melhores famílias locais que não perten­
ciam ao inundo dos senhores; os Lozc de Pailhès, os Boeri,
comerciantes c sapateirus rurais de Le Fos*at, os Du Fau,
notários em Saint-Ybars. Na outra extremidade, encontra'
vam-sç Bernard Bertrand e sua mulher, que, em tudo e para
tudo, possuíam um miserável campo de dezesseis sesteiros
paia alimentai a si e a seis filhos; o pastor Jehannot Drot,
quando os tempos eram difíceis, obrigado a pedir de em­
préstimo vinho c trigo; os irmãos Faure, parceiros que esta­
30 O RETORNO DE MARTIN GUERRE

vam com os pagamentos cão atrasados que o proprietário


tinha-os citado para comparecer à justiça.11
Entretanto, nenhum habitante de Artigat, fossem seus
bcns modestos ou importantes, pagava caxas nem red izava
coréias para um senhor. Eram "livres c alodiais'*, do que
não pouco se orgulhavam, Por mais de um século, não havia
na aldeia domínios pcrrencemes a nobres; um certo Jean
d’Escornebeuf, senhor de Lañóme, a oeste de Artigat, com­
prara rerras após a chegada dos Dagucrrc, mas tinha de p^-
gar a derrama como qualquer outro camponês. Na aldeia,
toda a administração da justiça — alta, media e baixa — era
da alçada da própria comunidade ou do tei representado em
primeira instância pelo juiz de Ricux, a várias horas de cava­
lo de Artigat, pelo senescal de Toulousc e, para a apelação,
pelo Tribunal de Touknise. Nos escalões inferiores do apa­
relho judiciário, encontravam-se os três ou quatro cônsules *
de Artigat, notáveis locais, anualmente autorizados pelo juiz
dc K:cu* a poftar os barretes vermelho e branco, insígnia
de suas funções. Exerciam sua jurisdição suhre questões re­
lativas à agricultura, particularmente em matéria de terras
comunais (em Artigat, gcralmenie de pequena extensão), e
fixavam a data das colheitas de inverno; firmavam os inven­
tários de bens em caso de morte; puniam as fraudes nos
pesos e medidas. A vigilância dos detentos, a manutenção
da ordem pública — os delitos de blasfémia ou as rixas — ,
igualmente eram de sua alçada, Convocavam periodicamente
assemhléias compostas pelos homens da aldeia.11
Esse sistema agradaria aos Daguerre, que provinham
de uma região onde (apesar do poder crescente dos "ftobítí”
Urtubics) o poder senhorial era frágil e Os paroquianos ti­
nham o direito de se reunir livremente e promulgar estatutos
relativos ás necessidades da comunidade. Se tivessem sc
estabelecido um pouco mais a montante, em Paühès, onde
* Cónsul.' juiz tscilh.ilv tlUru un LTHntrrinDtta pira ir-undur
tm jMtiiniíii fnmtrclftlt. «|ui creduiido íiiíipl*-jinunlí m n » cünml (N. do T.\
De tlendaye a Artigat 3í

residiam os Viflemurí, fierthones de Paiihcs c capitães do cas­


telo Je Fok, tudo teria sido diferente.IJ O c&scr Martin
Guerre não teria seguido seu -curso caso um sanlwr local ou
seus representantes tivessem autoridade para intervir. Em
sud siturtçiú, us habitantes de Artigat só podiam cornar com
OS mexericos e pressões dos seus pares.
Afora essas liberdades específicas, Artigat anrcsentaYíl
uma identidade razoavelmente fluida C heterogênea. J\> pon-
LO de VÍSta .jjLgüEstico, a aldeia estava na fronteira dos dife­
rentes sqlis nasais. e líquidos da Gasmnha ç do Langucdoc.
Geograficamente, ligava-se ao trindade de Fok, mas, jun-
lamente com PailhÈs e algumas outras aldeias- dependia do
governo do Languedoç, Embora próvima a Pamtcrs, sede
de diocese, Artigat fazia parte da diocese maia distante de
Rieni. A nomeação do prior da principal igreja
Saint-Semrn de Artigat, dependia dos cônegos de Saint-
Etienne, na ainda mais distante Toulouse, o cura de Bajuu,
uma paróquia menor que estava sub a jurisdição de Artigat,
tambóm erti designado por um cabido sediado em TouEqusc.
Os habitantes de Artigat-tinham de atravessar pmica& íron­
ceiras em suas atividades de agricultores, pastores, litigantes
e cristãos, e recebiam varina rótulos: g&ncocs, " f oklíMOS",
kiiguedocianos.1*
É, então, nessa aldeia que chegam os Dagucrre. Insta­
lam-se a leste dt> L£zc, compram terras (talvez os propras
de algum habitante) c. fundam uma telharia como a de Hm-
daye. Durante um uertn peritido, os dois irmãos moram sob
o mesmo teto e ptmpeiam — ' ‘tornaram-sc bastante abas­
tados para gente de modesta condição ,fr escreverá mais tar­
de Gmllaume Lç Snctir, a sen respeito. Suas posses aos
poucos estendem-íc pelas colinas perto dc fiajoo, c às relhas
c tijolos vieram se somar a cultura do trigo, do painço, os
vinhedos e a criação de carneiros.”
Para serem "aceitos", ríveram de adotar cerros costumes
do Lfinguedoc. Daguerre tornou-se Guerre; se Pierre alguma
}2 O RETORNO DE MARTIN GUERRE

vez tivesse utilizado a forniu basea du seu primeiro nome,


Beürisantz ou mesmo Petri., doravante teria renunciado a ela,
A mulher de Sanxt provavelmente continuava a carregar
cestos de trigo sobre a cabeça, mas deve ter dado novos pes-
pontos em sua touca e nos enfeites de sua saia, de modo a
adequá-lus aos de suas vizinhas. Na missa paroquial, deve
ter se acostumado ao fato de que, aqui, as mulheres não se
adiantavam aos homens em suas oferendas, não estavam
autorizadas a fazer coletas para os fundos da sacristia e não
podiam preencher as funções de sacristãs.“
E todos, é claro, puseram-sc a falar correntemente a
langue dloc e hahituaram-sc a um mundo onde a pulâvta
escrita desempenhava um papel mais importante do que em
Hcndaye. 44A língua dos bascos", escrevia o conselheiro de
Coras, “ó tio obscura e difícil que muitos acharam que ela
não podia se esprimir por nenhum caractere escrito.” Na
realidade, fora editada cm Bordeaux, em 1545, uma mleti-
nca de poesias em. basco, mas no Laboutd todos os documenr
tos admiuj strati vos e contratos eram redigidos em gasolio
ou francês. Entre c!esf os Guerre teriam realizado oralmente
seus negócios, em basco, espanhol ou gascau. Na sona entre
Garonne ç Ar:igc, militai vezes recorreram ans tfibelionatOS
para redigir os conrratos. Estes dividiam suas' atividades
er.tie vários pequenos burgos c, antes mesmo que o ¿dito
de Villars-Cottenet de Í339 declarasse' obrigatório, redi­
giam contratos em francês com, aqui e ali, algumas grafias
e palavras oocitànias. í>s Guerre tinham adquirido pratica
suficiente quanto à escrita para fuser contas simples, em­
bora, como a maioria dos habitantes de Àrtigat, nunca te­
nham assinado contratos com seus nomes e provavelmente
nio sabiam 1er. Na verdade, não havia nenhum mestre-escola
em Arcigat que pudesse ensiná-los,17
Enquanto se radica vam na aldeia, a família aumentava.
A mulher de Saturi deu à luz mais crianças, c quatro filhas
sobreviveram à mortalidade infantil. Pierre Guerre se casou
Ite Hendaye a Animât 33

vjgjjnco o costume hascu de uue ok irmios casuuJos. não


ivrm sob 0 mesmo reto, fai se infitakr ao lado, em Sua
propria casa. Nessa ocasião, sem dúvida prùtedeu-Se a dma
partilha da propriedade. A seguir, em 1533, as Guerre
■parecem num concia» que mostra o caminho percorrido
durante onze anos em Aríigat: trata-se do casanentu do pri-
iiMígênito e único filho de Sanvi coir Bçrtrancc de Rols, filha
|y abastada família Rols do outro lado do Lèze.
O faro de o pai de Bemande ter considerado aceitável
ii união é um testemunho suplementar sobre a relativa aher-
tura das pessoas da aldeia em relação aos foraste! ms. Os
Grose tinham chegado de Le Mas-d'Azil, e prosperavam: tí-
nham-sc associado aos bmouels e Eofam númeados cônsules.
Coiitwjam-se muitos casamentos dentro da jurisdição de
Artiçat, frequentemente entre cônjuges de duas paróquias,
como lio caso dos Rols e dos Guerre, mas por vezes ia-se
procurar mais longe a esposo ou esposa. Jçancc de Banqueis
trouie Philippe Du Peu de Saiot-Ybars, ao passo que Amaud
Je Bordenavc foi buscar a jovem esposa e sua mãe numa
íldeia da diocese dc Couscians. Embora a região basca fi­
casse uìnda mais distante, seus imigrantes nlo eram desco­
nhecidos na diocese de Riconti por exemplo, era Rakminy,
a montarne do Gaionnc, viviam Bernard Guerra e sua mu­
lher Marie Dabadia, dois nomes autenticamente basens. £
05 Guarvs de Aríigat, por acaw, não seri ani oriundos do La-
bmird? fl
Os cônjuges Rols-Guerre eram singularmente jovens.
Pelos traba [hos de demografia histórica, seria de se esperar
que tivessem ao menos dezoito anos. Ora, Martin não tinha
mais de catorce anos e quanto a Bertrande, se tinha a idade
que posteriormente declararia,* seu casamento, segundo o
* Erri sua queixi Hin ririma¿i pn¡¿ Jg- RiftiK.. Brtruinóe declara i ju ï , "ssildki
rr^enim, de nave a des jmua, cbkhj COttì Martin Guerre, então tw if^in unito
nervo, e quase da lulAbié iifiude d i tfJlilkwiif1 (Cocnu, Arrcii, p. 1.1 ÈvSih ern
35ÉCI, durante a processa-, cuci sul era-ir M ah in Guerre tinn trinta r CUie-G « w
u O RETORNO DE MARTIN GUERKL

direito canônico, nào era válido. Contudo, os Rd s e os Guer-


rc estavam mu: to ansiosos por uma aliança, e o cura dc Ar-
Kfiat, wcssire Jaoques Boeri, era de uma família local e cvi-
dentetnenrc nau levantou nenhum impedi mento. Como
comentaria Le Sueur, "grande c o desejo, não só entre os
grandes senhores, mas também entre as pessoas comuns, de
casar cedo seus filhos para ver continuar neles sua posteri­
dade f lv
Mas a vontade dc assegurar uma posteridade não era
o único móvel nessas uniões precoces. Òs bens e trocas de
serviços eertaincntc pesariam na balança: a olaria dos Guer-
re pode ter sido importante aos olhos dos Rds, da mesma
forma como para os Guerre, aflitos com todas as suas filhas,
contava o irmão dc Eertrande. O contrato de casamento en­
tre Benrande c Martin não chegou aLÓ nós, mas podemos
imaginar o seu conteúdo a partir de muitus ourr.os que lhe
sobreviveram. Em geral, nessa região entre o Garonne c
Ariège, o casamento não acarretava grandes transferências
de terra de uma a outra família camponesa; como vimos, a
lliaiof parte da propriedade era conservada para ser dividida
cjure os fillios, por presentes tnter vivos ou testamentos.
Mas as filhas recebiam um dote equivalente «o preço de
venda de, digamos, um vinhedo ou um pequeno campo. Nas
fatulhas mais modestas, o pagamento era escalonado em vá­
rios anos, Os abastados entregavam a soma total ao casal,
e às vc7C5 acrescentavam um pedaço de terra. O dote da
jovem Bçrtrande de Rol? provavelmente pertencia a esta úl­
tima categoria: um pagamento à vista entre 50 e 150 libras
— um presente pequeno para uma noiva da cidade, mas
generoso pelos padrões rurais — c um vinhedo a oeste do
Lèze, chamado Delbourar, (Ficava próximo a outras terras

fP- 76.1, * oi líiiirixirthoe relativos m número de üims que v im : mm itu


miiJlxt c Luda o fihís iin_isLram qut jinh* ferio de cjiorzt anot uh época do
sei: íHjiur.enta. Qiurtto n tíenriuiíií, iirLTi-ivelnienK ¿ lin jirí * nJütescénrii.
raníofiiK jufim no oapíiulc. J.
De HenJaye a Artigat 35

■los Roís e encomra-'se posteriormente, no século í 6., cntte


propriedades dos Guerre.) Alem dissa, h.avia & mobília c
d enxoval trazidos por todas as noivas da rcgjaoi um leito
■ona travesseiros de pífias, lençóis de linho, colchas de 11*
urna wbertíij' urna anca tum fechadura c chave, e duas ou
trie roupas de cores diferentes"
As bodas foram celebradas na i^reja de Artígat, onde
■¡stavam enterrados o avô de Bertrandc, Andrcu, c vários
utepassados seus. A segmir, a procissão voltou à casa de
Sflnxi Gucrre oitde, à moda hasta, o ¡overo senhot devia
viver com o antigo senhor. À noite, após o banquete, o casal
foi conduzido ao leito nupcial de Rcrtrande. Ao soar da
neia'traite, irromperam nó quarto os jovens convivas itazh
dos por Catherinc Buctí, párente do cura de Artigar. E k
¡bes tra^ia o resveit: generosamente temperada ccun ervas e
especiarias. a bebe^agerr. asseguraria aos novos esposos abra­
ços ardientes e casamento fecundo.3-
2
O Compones Descontente

ADA SE PASSOU no lcito conjugal naquela noite,


N nem nos oito anus que se seguiram. Martin Guerre era
impotente! o casal estava sob “ um feitiço maléfico".1
Talvez não fosse a primeira desventura de Martin. Não
deve ter sido fácil para um menino do Labourd creSCet em
Aitigat. Em primeiro lugar, fora-lhe preciso ziguezaguear
crurc duas línguas: o basco dos pais e a língua falada pelas
pessoas que via na olaria, nas vindimas e na missa. As
vezes, imagina-se, tivera permissão para correr com os me­
ninos da aldeia — os maia velhos queixavam-se de moleques
que roubavam as uvas nas vinhas, Não teria ouvido graço­
las dos camaradas por causa do nojnc Martin? Bastante di­
fundido em Hcndaye, aqui eia insólito cm meio aos Jehan,
Arnaud, James, Andreu, Guillaume, Antuine, Pey c Ber­
na rd de Artigat. Que fosse o nome de uma aldeia vizinha, nãu
fazia nenhuma diferença, Marón era nome de bicho, de asno,
e na tradiçao local os pastores usavam-no para o urso que
encontravam nas montanhas.1
Entre os Guerre, o jovem senhor se deparava não só
com uma, mas duas fortes personalidades masculinas, igual­
mente exaltadas, como veremos. Cercado somente por meni­
nas mais novas, sua irmã Jeuine e as outras três, além das
$8 O KETOUNC.) DE MARTIN GUERRE

primas. filhas dc Pierrc Guertc — apensa p h s& u ti ("mijo-


. nM U m d s e u pênis ensceta dentro da braguilha, cis que
u™ «uva meuj na entr&va em sua vida, Bertrande dc Rols.
Jamais deve ter passado pela «beça dc Sanxí Guerre
que seu filho pndesse ter dificuldades em consumar seu ca
sarnento.. Podia-se teprovar ng aldeia uim união demasiado
precoce, pois o rapazote nio rinha 05 meios econômicos nem
0 fulzn necessário para fundar uma família, e também por.
que us ‘‘humores" aquosos c moles do seu corpo de adolcs-
«mte segundo a crença do »eido 16, produziam um sêmen
iram demais. uma vez com pelos no púbis, julgava-se
que os aguilhões da a m e despertariam naturalmente, e até
com um cerro excesso.
Mt> início, Martin e sua fam[|k provavelmente espe­
raram que sua impotência passasse. Na região basca um
costume permiLk aos jovens "a liberdade de terem uma eu-
petiênda com suas mulheres, . . antes dc esposá-ks e tomá-
las na forma de um ensaio” . Podia-se considerar como uma
prova sexual, Mas Martin prometia se tornar um rapaz alto
e magro, agíl como diziam ser ns bascos, exímio na esgri­
ma e exercícios físicos, Bertrande se transformara numa
encantadora jovem i M í seria a primeira palavra que Coras
mais tarde usaria pam descrevê-la). No entanto, nada *con-
leaa A família de Bertrande pnessionnva-a para se separar
dc Martin. Em caso de não-consumação após tres anos um
osamemo podia ser desfeito: segundo o direito canônico,
oertrande estaria livre pura contrair uma nova união,1
A situação era humilhante, e a aldeia não deve ter dei­
xado de fazê-los senrir. Um casal que, ao cabo de um certo
tempo,.não registrava nenhuma gravidez cra o alvo perfeito
para um r.anbari ou cdwari, como se chamava o charivari
na região de Pamjcrs. Os rapaz« que se mediam ou lutavam
cora Martin devem ter pintado o rosto, vestido roupas de*

*™* rwhf«,
vJ™ ^fiMVia* uma
rfCUlDJ âo6, nlckd
vm ? “ ° ®*(N,^ J o T.)
¿fc tipactú. fwrvadu
O Camponês Descontente 39

mullí« C SC reunido ern frente a casa dos Guerre, batendo


em dornas de vinho, Tocando sinos c fajeado retiñir as »
pidas." Era lealracnre humilhante.
Martin estava enfeitiçado. Como Bcrtrandc dirá mais
urde, estavam "ligados" pelos encantos de uma feiticeira
com inveja dos Guerre e da sua aliança com os Folshde mo­
do que nio podiam consumar o casamento. (Atualmente, a
impotência do marido costuma ser atribuida à esposa domi­
nadora. No século 1.6, respcmsabilizava-se uma ourra mu­
lher, exterior ao casal.) A se crer nos tratamentos usados
tanto no Labourd coma no tiondado de Foix, sem dúvida
Consultaram mais dc uma vea uma dessas curandeiras famo­
sas peia sua sabedoria. Finalmente, após oito anos, orna ve­
lha "aparecida mitículosamenEc, como que caída ek> céu”
mostrou-lhes como romper o sortilégio. Os padres rezaram
quatro missas por efes c deram-lhes a comer hóstias e foga­
ças. Martin consumou o casamento^ Bcrtrande engravidou
mediatamente e deu à luz um filho que rcecheu no batismo
o nome basco dc seu avô Sanxí.1
Infelizmente, as coisas não melhoravam para o jovem
pai. Se se julgar o estado de espírito de Mnrtm Guerrc pck
forma que escolheu para passar os doze anos seguintes de
sus vida, é-se levado a concluir que, afora a esgrima t os
exercícios; tísicos, pouquíssimas coisas lhe agradavam em
Artigar, bua sexualidade precária após anus de impotênciah
a enfiada dc irmãs em idade de casar, sua posição de herdeiro
agora realçada pelo nascimento do seu filhu Sanxi, tudo LSSO
lhe pesava. Na melhor das hipóteses, num k r basco, as te
lações entre o antigo senhor e o jovem senhor eram delica­
das; pode-se imaginar o que deviam ser cnsre um pai auto­
ritário como Sanai c sou filho relutante.
Boa parte do tempo, historiadores do movimento pO'
pnlacional julgam que a migração camponesa se deve apenas
a considerações econômicas; o caso dos Guerrc mostra que
a história não se encerra aí- Martin sonhava com uma outra
40 O RETORNO DE MARTIN GUERRE

vida. longe dos campos de painço, das fábricas de telhas,


das propriedades e dos casamentos. Viajara um pouco. Fora
a Pamicrs, a leste, para sua crisma e seguramente em outras
ocasiões, e a oeste estivera cm Mane, junto ao rio Salat, onde
fizera amizade coro o estalajadeiro.4 Mas tudo o reconduzia a
Artigat. A sociedade aldeã tinha, de fato, instituições que
serviam como válvulas de segurança para os jovens, permi­
tindo-lhes escapar temporariamente às restrições da vida fa­
miliar. Na região basca, era o mar c a pesca da baleia. Cer­
tamente Martin ouvira estórias dos seus pais e tío a respeito.
Nos Pirincus e na planície, havia a transumância dos
pastores e seus rebanhos, como Le Roy I^durie mostrou
admiravelmente em relação a Pierre Maury de Montaillou.1
A primeira opção, por razões práticas, era inacessível a um
habitante do Condado de Foix. A segunda estava excluída
por razões sociais: não convinha a um membro das melhores
famílias de Artigat. Os que levavam os carneiros a pastar
nas montanhas não tinham a responsabilidade da comercia­
lização da lã, das vendas e negócios que sc tratavam no vale
do Lèzc.
E havia outras saídas? Le Fossat tinha uma escola; o
jovem Dominiquc Boeri a freqüentara c prcparava-sc para
cursar direito na universidade. Havia as tropas que Fran­
cisco I arregimentava no Languedoc c outros lugares. No
Labourd, um Daguerrc servira no exército do rei. Mesmo
um honorável notário de Le Mas-d’Azil podia sonhar com
isso c rabiscar soldados imaginários em seus registros. En­
fim, havia a Espanha que, todos os anos, atraía homens da
diocese de Rieux. Pcy dei Ricux dc Saint-Ybars, “decidido
a ir ao país da Espanha para ganhar a vida", fez seu testa­
mento antes dc partir, de forma que, sc viesse a morrer, sua
irmã poderia herdar seus bens. François Bonecase de Lanoux
partia com sua mulher para Barcelona, mas cm certos con­
tratos de casamento o cônjuge previa o sustento e aloja-
42 O RETORNO DE MARTIN GUERRE

mento de sua mulher na casa dos país, caso decidisse partir


para a Espanha após as nupcias.1
Todos eram empreendimentos para os quais San.\i
Guerre jamais daria autorização a seu filho Martin. Mas, em
1548, quando Martin ia atingir seus vime e quatro anos, e
seu filho San jó era ainda bebé* deu-se um faro que tornou
irrelevante o consentimento do antigo senhor. LMarttn “rou­
bou" uma pequena quantidade de trigo de seu pai. Como
viviam $oí> 0 mesmo teto, esse 1‘furto’* provavelmente re­
fletia uma luta pelo poder entre os dois herdeiros. Mas, de
qualquer forma, o roubo, particularmente no se:o da famíiia,
era vim Crime imperdoável segundo o código basco. “Os bas­
cos são fiéis”, escreveria o juiz Pierre de Lancre; "acreditam
que o furto é urna vileza da alma e uma submissão de um
coraçao ahjcto e baixo que mostra apenas sua miséria.” Mar
tin Guerre se colocara numa situação impossível. "Por temor
â severidade do seu pai’1, deixou património, pais. filho e
mulher, e por anos não m,ns se ouviu talar dele.*

Seria interessante saber sc Martin Guerre tornou a


percorrer em sentido contrário o caminho que seu pai fizera
vinte anos antes, ç se visitou o Labourd. Seu estatuto de
herdeiro, agora, era contestável c Talvez Lenha preferido não
se cnconLmr com Johanto Dagucrre e seus outros primos,
para evitar que prevenissem sua família, Mas ao menos terá
desejado ver sua região natal e as ondas de suas praias, O
certo é que alcançou a Espanha atraves dos Pirineus, apren­
deu o castelhano c terminou em Burgos como lacaio na
casa de Francisco dc Mendoza, cardeal da igreja romana.1®
Em 1550, Burgos é unu cidade próspera; sua populfl-
O C am pon s j D escon ten te 43

ÇÜÜ coma com cerca de 19.000 habitantes, aínda í a capital


comercial de Castek, o centro de distribuição de Jã e uma
etapa para os peregrinos a caminho para Santiago de Com-
póstela. Naquele ano, seria nomeado bispo dessa magnifica
catedral f rancisco de Mendoza y Butaáilia, antigo bispo d¿
Caria, erudita e humanists, amigo em vida de EtaSiHO e
Vives-, cardeal desde 1544 C membro do parcido- imperial na
primeira SCS^So do Concilio de Trentn. Encarregado de abas
missões políticas pela Igreja C Carlos V, Don Francisco per-
mancccu varios anos na M lia. Em agosto dn 1550, delegan
ao scu irmão Pedro de Mendoza, um contendedor da ordçm ,
militu espanhola de Santiago, capbão do cxcrcico espanhol,
para apresentar suas credenciais ao cabido da catedral. Pra-'
vavelmente Pedro providenciou que tudo sc desenrolasse
sem problemas no palácio episcopal durance sua ausência-'1
Foi neste palacio que o jovem camponês de Aitigat sc
tomou lacaio.* Do seu baixo lugar na esqda, agora contem­
plava um mundo de homens importantes, cônegos oriundos
da nobreza. grandes comerciames do Ayuntamiento de Bur­
gos, ¡esuitas recém-chegados e outras tjessoas que iam e vi­
nham peia residência do bispo. Observava O ritual faustoso
da catedral, que contrastava singularmente com a nJSIÍcidade
da missa paroquial de bajue e Arligat. Percorria as runs
fervilhantes da cidade, espada á cinta, com a libré de uma
das maiores casas da Espanha. Terá lamentado a aldeia que
deixara para trás ou contado seu'passado ao confessor?
- Ü rume r i d ™ de C e m í : L,E ™ Umrtin Guerre, que perLir (OVrtü p tfl
di üsptnhi-s, onde d Uirdeil de Éuigos. e deputs seu irmão se svrviruir érle
mmü Iic iíd " lp. Ll-Jl. J r j r . o de Menduou hdl- residiu a r seu bospudú arle;
dt 1ÍU7, e ncsci l j : ú hlutiü jj deiuru Jdurg;». Supus c jl sorr. b c u c nu
oiitrin du Hurniii artel d l djtjaidi dc Francisco. i. posslveJ q je tenha servido
u rara du cenleuJ tn: K-ucna e. Siena — q v jl teria intruduznlu Merrill G u c n r
■ um número Disidí mi or de- novidades —- ma; niu- hri merxñu- de uniu estadia
nu [calii nem no ruleL-j um Zaüna Je Lç Ju a n . Üs báseos eram apcLtiidus Lomo
IflCfliOJ AO- mi i ki 16 drvidú á s -jd alacridade. Gicçdnrtui tem um Jacaio bated-:
MiOnitiiitrtr iate du « u amur uu muijirmu;: (Rabelais, GtrijintKf, cap. £ 9 ;
M o fK flle D t, Esítfi'r, N J , íe p . 13).
44 0 RE'IVJHNO 0 E MARTIN ÜUüRíLE

A seguir, Martin passou para o serviço do irmão de


Francisco, Pedro, que deve ter notado suas qualidades atlé­
ticas e quis que se tomasse soldado. Unta campanha levou-o
3 Flandies e fez parte daquele exército que FÜipe II envia­
ria a Sainl-Qnentin contra a FlanÇa. Pode ser que jamais
tenha imaginado que era culpado de lesa-majestade; mas
provavelmente jamais imaginou que um cia voltaria èl
França.
Enquanro combada (seja 3ob as ordens do seu superior
Fcdro, na cavalaria ligeira, soja r>a infantaria), Martin atra­
vessou sem um arranhão os primeiros dias do bombardeio
espanhol à cidade da Picardia. Depois veio o dia 10 dc agos-
tof o dia de São Lourenço, em l5 S 7 h quando os exércitos
dc Filipe II puseram em debandada as tropas francesas vin­
das em socorro à cidade sitiada, massacrando muitos solda’
dos e fazendo prisioneiros, entre os quais o condesíavel dc
França, “Recolbeu-se grande botim* armas, cavalos, corren-
íes de ouro, prata e curras coisas", anotava em seu diário
um oficial espanhol. Pedro de Mendosa fez dois prisioneiros,
dos quais estiam um resgate de 300 escudos. Quanto a Mai>
tio Guerre, um arcabuz francés urtiiigiu-o na perua. Ampu­
taram na. Acabavam-se seus dias de agilidade.'*
3
A Honra de Bertrande de Rols

NOde MOMENTO en-! que currteçava à viria rie aventuras .


Martin Guerre, sua mulher Bertrande mat tinha vin-
ce e dois anos. A "bela [owm” também devia olhar para o
seu passado com algumas queixas.
Tanto quanto, se ssibe, Bcrtrancie passara sua infância
em companhia dc pelq menos um irmão e junto a sua mãe,
iniciando-se no trabalho da roca c outros trabalhos femini­
nos. Em Aitigat c aldeias vizinhas, às vezes as croças eram
colocadas em outras casas — conhece-se o caso de uma mu­
lher de um comerciante de Le Fossai que legou suas roupas
à empregada — , mas, em famílias como as de Bertrande,
as moças ajudavam a cuidar da casa ate se casarem.'
Em seguida, antes de ter tido oportunidade de dançar
ao som de violinos com um rapazola da aldeia em \5 de
agosto, na Festa de Nossa Senhora em Artigat, ame? dc scr
cortejada, ei-la casada com Martin. Parece provável que já
conhecesse suas Aflores” , como na época chamava-se a mens­
truação, sem o que suas famílias não teriam permitido que
lhe administrassem, na noite de suas núpcias, o "despeitar",
essa beber agem de fecundidade destinada a facilitar a gravi­
dez. Mas, muito jovem, conduzida a um lai estranho, sentis
o mesmo mal-estar de Martin; também ela estava "cníciti-
çada", conforme declarou anos mais tarde perante o tribunal
46 O RETORNO DE MARTÍN GUERRE

di R ina. E verdade que as fei tkeiras, quando tentavam se


opúr ao coiro entre marido, c mulher, reservavam seus cui­
dados ao membro viri].* Mas pode acontecer a uma mulher:
em M ilieuj rndejicarum.. com* e^piicum os inquisidores,
° lÍ!?*50 ctJtHj4u™ r de tal modo a imetginaçio [da
mulher] que c!a passa 5 considerar seu marido tão execrável
que por nada consente que ele a conheça*’ .1
herrraode não teria íormiiiado as coisas nesses termos,
mas é claro que, por algum tempo, sentiu-se aliviada por
üão' poderem ter relações sexuais. Contudo, quando seus
pais a pressionaram para 5c separar dc Martin, recusou-se
ea [caoticamente. Aqui devemos nos deter sobre alguns tra­
ços do caráter dc Bcrtrande dc RoLs que sc manifestavam
desde os dezesseis anos: a preocupação pela sua reputação
de mulhcT, uma independência obstinada, uma astúcia e um
realismo, finalmcntej die que se setvia para se mover denito
das restrições impostas ao seu sexo. Sng recusa cm anular
o casamento — o que tê-la-ia deixado livre pata contrair um
novo matrimônio segundo a vontade dos seus pais — per-
tnitia-íhe subtrair-se a certos deveres conjugais. Dava-lhe
oportunidade de viver uma adolescência em companhia das
irmãs mais novas de Martin, com quem se entendia bem.
A!6n disso, podia-te vangloriar de sua virtude, Com efeito,
0 juiz Coras falará de sua resistÉncia & vontade dos seus pais
nos seguintes termos; '‘este ato dava (como uma pedra de
toque] grande prova da honestidade da dita de Rola” ; J cer­
tas comadres de Arrigat poderiam expressar us mesmos
sentimentos,

* Dc É.ra, ao tODMDür í l pnluvu* i t BenruiKif, Cuias mqfit nue h


Martin íur» eníeíii^jdu e d«çttye ipei»* aj I ; i .-í _ dt iûrlil^giùi que vdlmn
BD viflchv A lmpo[£ndi feminina. dLr. f > . órpe se s uauu; naturiti, ml turno
uma mii.liur q jc stria "ta» flpetLuJ» e etutliH tm ums p trlu setrrr*j que não
poderi* ttfa u « m e n t is i w n fll rie homeirt" Pp. + 31 ;. Mfli tMÙ era
o cuso tir liertriruic, C t v e r s t a m i direito cinãnííO. d i m unit FïjrtOi, rosira
ht mifLesSâtum pelât ïb iih s ''otsilrmi’ ' Ja impotência frinire™ fPtfcriç Durrcan,
i_e fr¿bitTT,n Je i'itrtfunsäna, Pam , Seuil, ]V719, pp 4S- 3Z|.
A Honra de Bertratide de Koíi 47

A seguir, quando Bcrtrande escava preparada pari ia!,


a velha iLapareceu mmeu losa me nte, como que caída do céu"
ajudou-a a romper o malefício. Acabou por dar à lua uma
crian;a, um acontecimento quer para ela {como para as ou­
tras aldeas cujos casameniOS Cúmeeavam $oí> melhores auspí­
cios), era O primeiro verdadeiro passo para a vida adulta,
Beftrande conhecia esse mundo pçla sua mãe, pela £ja
sogra basca, petas madrinhas. O que ihc reservava ele?
Antes dc tudo, era om mundo onde a csuutum íormaj ç a
identidade pública esLavam cxdmjvamente associadas aos
homens. A partícula "*de” , que se encontra com tanra ire-

Dan^a camponesa, por Gcor^ts kevcrdy, Lt Sttttie, ca. 1J J J


48 O RETORNO. DE MARTIN GUERRE

qüéncia nos nomcs femininos em Artigat c redondezas, nao


traduzia o desejo Jos camponeses cm imitar os nobres, mas
uma maneira de expor o sistema de classificação da scçicda-
de aldeã, Bcrtrande era “de Rols” como sen pai era Rols;
]eannç era “de Banqueis” , seu pai, Banqueis; Arnaude “de
Tot>p, sen paij Tor. Nas margens do Lèze, os herdeiros eram
sempre homens, como vimos, a menos que a familia, por má
sortch livesse apenas filhas, Em suas deliberações, os côn­
sules de aldeia admiriam apenas os homens; as mulheres
casadas e as viúvas só eram convocadas para receber or­
dens.*
Na vida cotidiana do trabalho no campo e na casa, a?
mullieres, porém, desempenhavam um papel importante,
.Realizavam as tarefas tipicamenre femininas de mondar, po­
dar ai vinhas, cortar as uvas. Ao lado dos maridos, ar­
rendavam c cultivavam as terras, tosquiavam os carneiros
e Jevavam as vacas e bezerros em g jjaiíhe. Uma certa Mara­
ville tiortalle, unta viúva de Saint-Yhars, adquiriu en gdstíi-
íhe dezoito ovelhas por conta própria, comprometendo-se a
mantÈ-Ias "como bom pai dc família” duran Le quatro ano?,
Fiavam j lã para os teceJãos de Le FossaL e faziam paes que
vendiam u outros aldeões. Mulheres como Marguerite, dita
La Brugar-sse, de Le Carla, emprestavam pequenas quantias
de dinheiro, ao passo que as esposas c viúvas de pequenos
comerciantes rurais, conto Bertrandc dc Gouthelas e Sitzan-
ne de Robcrt, de Le Fossat, vendiam quanridades conside­
ráveis dc trigo, painço e vinho. Naturalmente exerciam o
ofício de parteiras e, ao lado dc alguns cirurgiões, dispen­
savam cuidados aos doentes.*
As mulheres, ao enviuvarem, dependiam da boa vonta­
de dos seus maridos c filhos, Em princípio, o costume do
Lnnguedoc garantia à viúva a recuperação do dote que trou­
xera, aumentado em um terço do seu valor, Dc fato, cm
Artigat e nos burgo? c aldeias vizinhas, os contratos dc casa­
mento não se pronunciam a respeito. Só prevêm os direitos
A H on rá d? B&rirande â ç R afo 49

dn mulher sobre os bens do marido no caso específico cm


que sens pais ou mie viúva pretendam víver com o casal.
A jnflior parte dessas disposições vem consignada no testa­
mento do marido. Na melhor das hipdteses, ele estipula que
sua mulher poderá gozar do usufruto dos seus bens enquan­
to viver "em estado de vújvcí" (algims testamentos acres­
centam n'e honescamente”). Sc reaknente confia nela ou
desc;a recompensá-la “ por seus agradáveis serviços” , especi­
fica que poderá usufruir dos seus bens ’’sem prestar contas
s niryguém no mundo” . Se ela não se entende uom seus her­
deiros, o marido inclui cm ata uma cláusula detalhada a seu
favor: sete ¡¡esteiras de trigo e uma pipa de tom vinho por
ano, uma roupa e um par de sapsuos e mdas dç dois em dois
anosh lenha para a aquecimento, etc. Em caso de segundo
casamento, ela receberá uma soma total, talvez previamence
fixada, em geral equivalente ao seu dote aumentado em um
terço.*
O funcionqmenro desse mundo camponês estimulava
nao sõ as qualidades domésticas e agrícolas da esposa, como
também sua habilidade em manobrar os homens e pesar as
vantagens em se manter viúva ou casar novamenté, Umn
esposa de Artigat ¡amais poderia esperar alcançar a poaiçlo
dc Rose d’Espaigne, senhora de Dutíort, uma nobre herdei­
ra que comprava terras e atormentava seus meeiros instala
doa a leste da aldeia. Mas podia esperar desfrutar do respei­
to das OUtrâs aldeãs e retirar do KU CStado dfi vítâva um
cerro podet informal; receber o título honorífico de Na e
ser livre para outorgar um vinhedo a um filho rccém-casado
c meias a todos os seus afilhados e afilhadas.
As mulheres parecem ter se adaptado ao sistema, afrou­
xando-o graças ao profundo laço e cumplicidade secreta en­
tre mãe e filha. Esposas, faziam dos matldos seus herdeiros
universais. Viúvas, preferiam os filhos às filhas, como her­
deiros. Seniiam-se gravemente ofendidas e exigiam repara­
ção quandio tratava m-nas de bagtiSiet, isto é, prostitutas.
O RETORNO DF, MARTIN GUERRE

Uma boa mulher de Le F ossai arrastou sua vizinha i justiça


não só potque esta Lhe batera durante uma briga por uma
questão de galinheiros ma? também potque dialnara-a de
^galinha”.7
la is iram os valores tm que Bertrande de Rola cres­
cem. Em rodas as vicissitudes que iria atravessar, Bertrande
jamais manifestou a mínima veleidade de se diferenciar ou
se destacar da sociedade de sua aldeia. Contudo, empenha­
va-se em seguir seu proprio caminho. Pode tet sído influen­
ciada pelo exemplo de sua sogra, uma dessas mulheres bas­
cas donas de si. Muitas veies herdeiras e exercendo urna
autonomia de pleno direito, eram famosas pelo seu ^atrevi­
mento1’ e, mais tarde, engrossariam as fileiras, das <H feitÍceL
rasV
No mesmo nuitnerrtú e m q u e se inStiuTavu um OOvO
tipo de relaçio entre Bertrande, agora mãe de um filho, e
Sua sOgta, M a r lin G u e r r e desaparecia sem deitar taStOS. Era
a catástrofe. Mesmo entre us camponeses amigos de mexe­
ricos, o desaparecimento inesperado de um membro emi­
nente de sua comunidade perturbava Os espíritos, deixando
um vazio inquietante entne os jovens casais.
Para os Guerre, que não eram do lugar, era um novo
escândalo a ser esquecido. Os pais de Martin ircnxeram sem'
notici as do filho. O velho Samti acabara por perdoar; legava
. a Martin sua propriedade de Hendajra e as terras de Artigat.
Os notmos locais então sabiam como proceder enquanto
o herdeiro universal lesrivesse "ausente da presente região” ;
Li» estivesse morto ou não voltasse”, havia outros designa­
das pare aubstituMo. Entrementes, Pierre Guerre era o
administrador das proptiedades do seu irmão e tutor das
irmãs solteiras de Martin.“
Ao longo desses anos, provavelmente no início dc
1550, apds o vazio deixado pela mone do velho Saniti,
Pietre Guerre «forçou-se por salvaguardar as relações entre
os Guerre ç 05 Rols e por Afudar a mulher abandonada de
A Honra de BertMnde de R.0I1 j;

Martin. Viiívo com filhas, casou-se cora a mãe de Berrrande,


que igualmente perderá ü marido.* Sen CCmtratü de casa-
msr.tD pertencia, àquela categoria especial dos contratos fir­
mados com a reunião de dais lares. A mãe de Bettrande,
sem dúvida, trazia o dinheiro e os bens que lhe deixava u
difunto ern caso de iígundo casamenta; P lcitc deve leí se
comprometido 0. sustentar Bectrande e seu filho Sanxi e, in­
dubitavelmente, terão decidido partilhar as novas aquisi­
ções. A casa virinha onde rinham vivido o antigo senhor c
o javera senhor provavelmente foi alugada com um contrato
a curto praeo {ninguém esperaria que a jovem Bcrtrande,
cm tais circunstâncias, fosse conservd-b), e 'Fieme Gucrre
tomou-se chefe de uma íamílk esencialmente composta de
mulheres, em suas próprias terras.
O estatuto de Bertnuuie pendera muito do seu brilho
com todos esses acontecimentos. Nem esposa nem viúva,
vivia novamente ria casa. de sua mie. Nem esposa nem viúva,
devia enfrentai as outras mulheres no moinho, na olaria,
r.as vindimas. K a lei poucas escapatórias oferecia. Desde a
pontificado mais brando de Alexandre III tio século 12. os
doutores da Igrefa tinham decretado que uma mulher não
podia se casar nouamente na ausência do marido, qualquer
que fosse it duração de cal ausência, exceto sc tivesse provas
segura? dc sua mortç. Das duas tradições simultâneas no di­
reito civil, foi a ruais rigorosa, a de Jus tiniano, que preva­
leceu. O Tribunal de T quIousç ir.voca-o em 1557, ao julgar
um caso de casamento: “ LXirante a ausência do marido, a
mulher não pode voltar 0 casan a menus que tenha prova
dc sua morte. . , Nem mesmo quando ele tenha ficado au­
sente vinte anos ou mais. - . E a morre deve ser pruvada por
* G o ra r 1:üij- L ila b duLi dc c n u r u jL lu de P lc n r G u t r c c r u i íi!«r :Lí l::ur
1 1 liíiij-:.- I f u
6 7 -f t j, : 11 li :. L 5la t o r e t e > m á J i p f a u i í v d . J a iid ia K K Í e r i t i as f i l h n
d P m i r l-u o u irmãs u iric ij-irm ã r de BertJNn.dc, porLitíbO d cv iM P (et
d Li L riu fiK iv lv B rclm ílr. Q u n iK io e r í|ue t in ie m s r dlipí>4Í¡C*£ fi-flancçiras c « t i
m c n L iiin tju r k u marido- p u s u n r Lanuckt -mi rrlB íã o a c j j . a in ¡¡v d í ü c:
F fÉ lh t, J r v h i) á JhB J í í D J e i m filtra, lin h a K U t t t J t t c fll « í3 S 3 t ntvuim eoie.
J2 O RETORNO. DE MARTIN GUERRE

testemunhas, que depõem com certeza ou grandes e eviden­


tes suposições
Nâtiiralrnenie, oe camponeses podiam tentar cantomar
filei {jamais se privaram dis») C forjar Uiltfi história de mor­
te pür afogamento ou na guerra, OU simplesmente ignorar
a lei, bastando que hpuvRSC Jia aldeia um padre compreen­
sivo. Mas Bertrancilc afastou CS5S solução. Seu interesse ma­
terial mantinha-a Jigads 40 5CU filho t ao que, IUD dia, seria
Sua herança; além disso, possuis um SítlSO inílexlvei de soa
dignidade e reputarão, indiferente às investidas e CünviteS,
a bela ¡ovem vivia (tndos os testemunharam depois) "vir­
tuosa e honradamente'V
Sempre trabalhando, ela criava seu filho $anxi e espe­
rava. Talvez tcnliji sido amparada em Sua solidão peias suas
quatro cunhadas C 4 sábia velha que a aconselhara durante
seu "enfeitiçamenro” . Gs coras que Se sucederam a Jaçqucs
Boeri r.a igreja de Artigat não pertenciam a famílias locais c
nem sempre residiam na paróquia; Bertrande só podia con­
fiar seus desgostos a Santa Catarina, cuja capela se cnoon-
trave no cemitério.” Mas certamente terá refletido sobre sua
çnstcnciaSj que dividia em três parteshconforme eupôs poste-
rtormctlK ao juiz de Rieirti os nove ou dez anos Je sua in­
fância, 05 nove ou der anaa do seu casamento, 05 aiws de
sua espera que ascendiam a oito, e talvez mais.l] Além de
unia vida de mulbcr que rcria apenas um curto período dc
sexualidade, além de uma tinião OOJn Uin maridn que não a
compreendia, sçm dúvida temiam e, em tudoo caso, ahandn-
nara-a, Bertrandc sonhou com um esposo e amanre qilC vol
taria e seria diferente. For então que, no verão de 1556, um
homem se apresentou a ela como o Martin Guernc há tanto
tempo perdido. Este liomem ames eia conhecido pdo nome
de Arnaud du Tiih, detú Pansette.
4
As Máscaras de Amaud du Tilh

D Uguedoc,
TILH ERA um nome comum na Gasconha c Lan-
ouvido com muita frequência na diocese de
Lombez, onde nasceia Amaud. Seu pai, Amaud Guilhem du
Tilh, era originário da aldeia dc Sajas; sua mãe, em solteira
Barrau, vinha da aldeia vizinha dc Le Pin. Esses lugares sc
encontravam a noroeste da diocese de Rieux, hem adiante
de Garonnei uma boa ror nada a cavalo separava Saias dc
Artigar.
Os contemporâneos dc Arnaud chamavam essa região
de Comminges. “Fértil em trigo” , escreverá seu compatrio­
ta François de Bclleforest, “ fértil cm vinho, frutas, feno.
óleo de noz, painço c outras coisas necessárias à vida huma­
na. [A rtgiio dc Comminges] abunda cm homens e estes
valentes e guerreiros ao máximo, . . com uma infitudade de
grandes burgos e ricas aldeias c castelos antigos, ai havendo
tanto ou mais nobreza do que cm qualquer outro lugar da
França,"’ 1
Arnaud du Tilh provavelmente descreveria sua provín­
cia em termos menos bucólicos. Sajas tinha seu senhor lçan
de Vize, ao qual se sucedeu o filho Scvcrie. A antiga casa
de Comminges-Pçguilhan possuía o senhorio de Lc Pin. Isso
significava, além dos pagamentos usuais, o direito de inter-
54 O RETORNO,DE MARTIN GUERRE

ferir na vida da aldeia, como por exemplo em Mane, onde


os senhores se empenhavam cm limitar as liberdades dos
habitantes, opondo-aç por exemplo à abertura dç «m a taber­
na c um açougue. "A abundância de gente" não significava
apenas reforços de maO'de-obra para os trabalhos no campo,
mas ainda urna pressão sobre as terras disponíveis, Na dio­
cese de Lombes, com muita freqüênçia os notários tinham
oe preparar contratos de parceria.1
No entanto, a rcgiio conliecia uma intensa atividade
econômica dentro da dtbita de Toulouse. Os camponeses
de Sajas e Lc Pm iam a Rieumcs e, adiante, a Isle-en-Uodon,
Lombeï, Gimont e Toulouse, para comprar ou vender trigo,
vinho, teados e madeira; receber en gasttilhe cabras, car­
neiros £ Emis; e entregar a lã bruta c as peles. Sajas era uma
das menores aldeias de Rienmes. Em suas colmas e encostas
disse minavam-se trinta ou quarenta famílias, lavradores e
paatores em sua maioria, trabalhadores dedicados a tecer o
linho e alguns outros artesãos rurais. Maior que Sajas, Le
Pin oferecia um mostruário mais amplo de ofícios, ainda
qnc, até o século 17, provavelmente não contasse com ne- ',
nhum notário residente na aldeia.1
Qs du Tilh e ob Barrau eram famílias totaknentc co-
Jiiuns nesse pequeno mundo, Etn 1551, durante uma visita
diocesana, não figuram entre os cônsules e bessiftiers de suas
aldeias, ao lado dos Dnbeyrat, Dauban, de Soles e Saim-
Andríeu, que deliberavam sobre questões locais e geriam os
fundos paroquiais. Os du Tilh ocupavam um lugar inter-
mcdjário na sociedade aldeã; possuíam campos e vinhedos
suficientes paia que, com a morte dç Arnaud Guilhem,
quando a propriedade seria dividida igualmentç entre os fi­
lhos (em Sajas e Le Pin, era o jnesmo costume dç Artigat),
restasse uma parcela de terra para Arnaud.'
A única coisa que distinguia os du Tilh do conjunto
dos outros aldeões cra o seti filho Arnaud. Sua juventude
fora rotalmcnte diferente da de Martin Guerre. Crescera
As Máscaras dtt Amúud da Tith 55

entre meninos com quem se entendia bem, e encor­


pado, nio se destaca va especialmente ñas justas c jogos da
aldeia- Em contrapartida, seduzia pela sua eloquência c dis­
punha de urna memoria assombrosa de causar inveja a um
ator, Em o Lipo de menino que os vigários de Sajas — os
únicos na uldeia que sabiam assinar seus nomes — notavam
pelas suas aptidões e enviavam à escola para fazer dele um
futuro padre,5
Com Arnaud, teriam arriscado uma amarga decepção,
O rapaz se destacou como utn “ debochado” , “de ma vida” ,
“consumado em todos os vícios’1, Isto i , cortamente bebia
e se divertia na taberna cora as moças de Rieirmes, e talvez
também freqíientassc as meretrizes de Tonlouse, Apelida­
ram-no Pansecte (“barriga”), devido aos seus apetites imo­
derados: devia ser louco por carnavais, bailes de máseara,
danças e todos os divertimentos das “ abadias dc juventude4,1
(grupos de jovens) que ocupavam um lugar (So considerável
na vida das aldeias da Gasconha. Tinha o sangue quente e
estava sempre pronro a jurar pela cabeça, corpo, sangue c
chagas de Cristo, blasfêmias cortamente menos graves do
que as que punham em causa a Virgem Maria, mas mesmo
assim hastante sérias para que se associasse scu nome às
pessoas desordeirasf jogadores de cartas e trapaceiros. A as­
túcia dc Pansette era ião maravilhosa que até ebegaram a
suspeitar dc magia, acusação quase lisonjeira se se pensar
que não se dirigia a alguma velha solitária, mas a um rapaz
de vinte anos/
A sua maneira, Amaod du Tilh nao se adaptava ao
mundo camponês da família e às propriedades da mesma
forma que Martin Guerre em Artigar. F.mbora suas proezas
conduzíssem-no a Pouy-de-Touges e até Tolouse, ardia de
vontade dc alcançar o universo além das colinas da diocese
de Lombcz, Sempre poderia se unir as tropas da infantaria
real, esses “ aventureiros“ entre os quais os gascões figura­
vam com destaque. Os notários de Gimont muitas veres
56 O RETORNO PE MARliN QUERRE

rinham de redigir os tes Lamentos ,Ldos soldados de guerra”


<in tcgtãü. Após mna série de pequenos furto*, Fansette dei­
xou a ílldeia para servir a Henrique II nos campos dc ba­
talha da Picardia.'

¡¿Cí-á que os dois fugitivos em algún’, momento se en­


contraram antes que dti , ilh decidisse encarnar o persona­
gem de Marcire Guerre? Em seu dqx>imento perante o juiz
Je Ricux, Lertrande dc Rok disse que poderiam ter sido
colegas de regimento — L,E estando o dito du TiJh, corno é
provável, scompanhado na guerra peto dito Martin e deste
'.sob pretesto dc amiiade) tendo ouvido várias coisas priva-
das c panimi tares dele e dc soa mulher”, sugestão que for­
neceu material a Coras para uma disserralo sobre a amizade
traída. Uns ponto cio depoimento de Arnaud em Rieux dá
aignm fundamento à hipútesc dc um encontro anterior entre
os dois homens' c a sua enumeração dos tugar« e pessoas
que Martin Guerre vi&iiou na França e na Espanha durante
a sua ausência, os quais foram todos verificados pela Corte.
Essa informação podia provir dc Martin ou dc outros que
o conheceram. Entreunto c difícil emender como poderiam
ser amigos íntimos no exercito, visto que Martin estava
.utando pelo rei da Espanhap inimigo do rei da França, e
Arnaud deve ter voltado da1Picardia antes mesmo de Mar­
tin ter deixado Burgos/
Contudo, os dois rapazes poderiam rcr se conhecido em
suas pciambulaçõcs pela sua região ou alhures. Imagine­
mos nor um momento, por puro «terdeio intelectual, o que
sc poderia passar se o herdeiro de Artigar rivetse feito ami­
zade com o camponês tingila de ouro dc Saias Perceberam
que eram parecidos, embora Martin fosso mais alto, mais
Ai- M áscaras d c A rnaw l d u T Uh £7

esbelto e um pmico mais moreno du que Amaud. DeSCübri-


Ííim es^a semelhança não por sua própria ubservação, mas
através de terceiros t no século 16, os aldeões praticameme
nÃD tinham oportunidade dc formar uma imagem de suaS
físionotniaí com frequentes olhadas ao espelho {objeto que
nÃO K encontrava nurna casa camponesa). A revelação OS
consterna, Fascina-os, e como abundam us provérbios campo­
neses que estabelecem uma relação entre o feitio dos olhos
ou o desenho do maxilar e certos traços do caráter“ eles se
perguntam se essa semelhança nio iria além da simples apa­
rência física. Trocam confidÊndas. Martin se exprime com
uma certa ambiguidade a respeito de sua herança e esposa,
talvez diga tacitamente ao seu sósia: “Fique com ela'1. E
Pansettc pensa: "Por que nlo?'\ Dc qualquer furma, uma
das raras confidências dc Pansette a um conhecido de Sajas
durante seu período em Artígat c: “ Martin Guerre mocreu,
dÊu-jne seus bens" .13
É um roteiro possível, mas não ê o que Amaud du
Tiüh finalmeme confessou- A f ir m o u jamais ter encontrado
Martin Guerre antes de vir a Artígat. Sé disse a verdade,
o fenômeno de identificação c ta n to mais assombroso fumais
maravilhoso", "ntirafailis mugis", dirá mais tarde Le S i“nr)
e psicologicamente mais provável: aí está toda a diferençtf
entre aSSUco^r a vida de um outro c limitar-se a imitá-la. Ele
voltou da Picardia por volta d c 1 5 5 3 , sem dúvida apòs as
batalhas de Thétouanüie, Hesdin C ValcncienneS. Um dia.
passando por Mane snr le Sakt, encontra dois amigos Ín­
timos de Martin, mestir? Dominique Pujai e o estalajadeiro
Fierre de Guilbei, que o tomam pelo desaparecido de Ar^
ti& b
Então desperta o trapaceiro em Pansctte. Informa-se
com a maior habilidade possível sobre Mártir. Guerre, sua
situação, sua família e as coesas que costumava dizer ou fa­
zer. Serve-se de Pujol, Guilhet e “ outros amigos Familiares
e vizinhos" dos Guetre, e OS dois primeiros, na realidade,
58 O KETORMÚ DE MARTIN ClUERRE

puderam ate tomar-se cúmplices." Naquele mundo movi­


mentado, podia recolher informações na rede de boatos da
aldeia sem precisar ir até Artigar — e eram abundantes,
incluindo detalhes íntimos como o lugar onde Martin dei­
xara as meias brancas, num certo baú, antes de partir.
Aprendeu os nomes de muitos aldeões, e os feitos e gestos
de Martin ao longo dos dez ou quinze anos anteriores.
Adquiriu algumas noções sobte o Labourd e aprendeu algu­
mas palavras de basco, O estudo do seu papel levou meses,
já que Arnaud só chegou em Artigat em 1556.*
0 que havia, então, de excepcional nas aldeias e burgos
do século 16 quanto a se mudar de nome e adotar uma
nova identidade? Tais acontecimentos eram cotidianos, Os
Oagucrre deixaram Hendaye, tomaram-se Guerrc e muda­
ram seu modo de vida. Qualquer camponês que se estabe­
lecesse a uma boa distância da região natal fazia o mesmo.
[3c resto, mesmo os que permaneciam no local podiam assu­
mir uma alcunha, um apelidn. Fm Artigat, essa alcunha era
ligada à propriedade; em Sajas, de|>etidia da personalidade;
um dos camaradas de Arnaud na aldeia recebera a alcunha
de Tambounn ("tamborim”), como também Pansette.11
Mas assumir uma falsa idemidade? Por ocasüo do
Carnaval ou outras festas, peimitía-se que um jovem campo­
nês se fantasiasse de animai, mudasse dc sexo e condição
social e se exprimisse através dessa máscara. Num charivari,
um âJdcíio podia desempenhar o papel dc outro, aptesentar-
se como a pessoa ridicularizada por um casamenLO desigual
ou suas infelicidades domesticas. Mas tratava-se de máscaras
temporárias, adotadas para o bem geral.
Havia, porém, embustes menos desinteressados; men­
digos em perfeita saúde que fingiam ser mancos ou cegos,
pessoas que usurpavam um nome falso para conseguir uma
herança ou desfrutar de alguma vantagem econômica. Narra-
* N so w infce cyúram tnit: viveu d in íu x l durante e n e perfcxfc, jT T tn
ja td riü . Tfllirez nõo :Lv m s í Lvllnda n £ a p i t n u anti(pi "v iifa de d c b o íf c « 1'.
As Máscaras de Arnatid da Tüb

¡lotes contavam a Históiia de Trés Irmãos-; dois impostores


tinham tentado reivindicar a herança do verdadeiro íilhúj t>
pniid;jc descobriu quem era O íilho legítimo, ao ordenar que
ua Íris disparassem flechas COLltra 0 cadáver do pai- Gente
de verdade também Temoli. Em 135"?, por exemplo, um cer­
to Aurelio Chinatila, originário de Damascos, veio a Lyon
onde, valçndo-He do nome do falecido Vallici Ttony, pos-sc
a embolsar as somas devidas a Ttnny, até que as freiras que
tinham herdado os bens do defunto deHcobrijatti a impostura,
e íoi preso. No naesmo ano, à distância de apenas algumas
ruas, Arttoine Feriali e Jean Fontane! finund^vani em alto e
bum som chamar-se Michel Mure, e corno cada urn deics-to­
maia os préstimuE de u n noiàrio, cada qual enviava recibos
e reoebù rm scu nome, até que Mure descobriu o mistério"

Máscaras d; GuillanK dt I j PÉtTifrrù


T kiàfft dtS ftor.t Exgini
60 O RETORNO,DE MARTIN GUERRE

Quanto ;j Arnautl,, tinha algo a g&nbar oum sua instala­


ção em Artigat, pois a herança de Martin Guerre ita mais
atratme do que a sua. Mas também é evidente que em sens
mcticuIosoB preparativos, stia invcstigaçào, mcmoriM^Su c
talvez até em sita representação, Pansctte ia détti da más­
cara do ator carnavalesco e do embuste do caçador de hetan-
çasi aspirava a foijar uma nova identidade e construir uma
outra vida nessa aldeia às margens do Lèze.
5

O Casamento Inventado

O NOVO MARTIN não se dirigiu diret uniente a Artigat.


Como registra Le Sueur, insralouse ::n hospedaría de
uma aidcia vizinha, provavelmente PaiEhís. Contou ao hos­
pedeiro que eia Martin Guerre c derramou lágrimas ao ouvir
notícias de sua mulher e família. O boato chegou aos ouvi­
dos de suas quatro irmãs, que correram à estalagem, sau­
da rum-no com alegria e voltaram para buscar Eertrande.
Esta, porém, quando o viu, ficou surpresa. Só depois que
ele ihe falou com ternura, lembrando-llie as coisas que ti­
nham leito juntos, mencionando as meias brancas, é que se
lançou em seus braços e o beijou. Fora a barba que a impe­
dira de reconhecê-lo i mediatamente. Da mesma forma, Fier­
re Guerre examinou-o atentamente, sem querer acreditar
que fosse seu sobrinho, até que Amauc fizesse alusões ãs
suas atividades passadas. Finalmente, apertoU'O contra si e
agradeceu a Deus pelo seu retorno.
Mesmo então, o novo Martin não seguiu para Artigat,
permaneceu na hospedaria para descansar das fadigas da
viagem e se recompor de uma doença, (Le Sueur afirma que
estava com <Hsífilis” e demonstrava estranhos escrúpulos de
consciência ao proteger o corpo de Benrande da doença, a$o-
ra que estava prestes a contaminar sua sima t ü LeilO con­
jugal.] Esse arranjo deu oportunidade a Eertrande para
62 O RETORNO DE MARTIN GUERRE

cuidar dele e se habituar à sua presença. Isso lhe permitiu


aprender mais sobre o passado de Martin Guerrc. Quando
se sentiu melhor, cia o levou a casa, acolheu-o como marido
e ajudou-o a reconhecer os aldeões, .
A recepção que lhe reservou a aldeia não foi muito di­
ferente da dos seus parentes. Ele cumprimentava as pessoas
pelos nomes, e quando pareciam não o reconhecer, evocava
coisas que tinham feito juntos hi anos. A cada um expli­
cava que servira ao rei de França, passara vários meses
na Espanha e agora estava desejoso de ficar novamente em
sua aldeia, com seus parentes, o filho Sanxi e, acima de tudo,
sua mulher Bcrtrande.1

Acho que podemos explicar a aceitação inicial pela fa­


mília e vizinhos sem recorrer à feitiçaria de que posterior­
mente foi acusado e sempre negou. Antes dc tudo, deseja­
va-se seu retomo a Artigat, de uma maneira talvez ambígua,
pois aqueles que voltam sempre frustram certas esperanças
e desfazem o equilíbrio de poder, nms, de modo geral, sua
reaparição respondia a uma expectativa. O herdeiro e chefe
de família Martin Guerrc retomara seu lugar. Além disso,
voltava após ter-se anunciado, assim preparando Artigat
para rcconhccê-lo como Martin Guerrc.5 Esse reconhecimen­
to era reforçado por sua arte de persuasão e pela exatidão
dc suas lembranças. É verdade que não apresentava total­
mente a mesma aparência que rinha ao partir, e sem dúvida
não tinha a mesma linguagem do antigo Martin Guerre. Mas
os Guerre não tinham retratos com que pudessem compará-
lo e era natural que um homem mudasse ao envelhecer, e
que a vida de soldado transformasse um camponês. Assim,
quaisquer que fossem as dúvidas sobre sua identidade, os
habitantes de Artigat guardaram-nas para si ou até enterra­
ram-nas por algum tempo, permitindo que o novo Martin en­
trasse na pele do seu personagem.
Um casal rural de Roussillon, sul de Arrigat, 1529,
extraído de Das Tractenbucb des Cbnstopb Weidttx
64 o RETORNO DE MARTIN GUERRE

E quanto a B a d amie de R-cíls? Saberia ela que í> novo


Martin não ma o homem que a abandonara cerca de oito
anus antes? Talvez nio de imediato, quando ele se apie.
sentou com todos os seus indícios e provas. Mas a obstinada
e honrada Ben rande nao parece ser 11Ilia lEmlheT que se ddse
enganar facilmente, rtiesmo por um sedutüí como Pan sette.
Uma vez acolhido ao leito, çlji deve ter notado a diferençai
todas as mulheres de Arrigat estariam de acordo sobre esse
ponto' ,Lo toque1' do homem não pode enganar a mutber.1O
que Remande encontrava no novo Martin era a possibilidade
de realizar seu sonho- utn homem com quem viveu três anos
em paz e amizade (para citar os ideais do século 16) e paixão.
Era um casamento inventado, não arranjado uitnu o
que contraíra há cerca de dezoito anos, on de conveniência,
como o de sua maç c Pierre Guerre. Começara com uma
mentira, mas, coo» mais tarde dirá Bertrande, passavam
seu tempo ''como verdadeiros casados. comendo, bebendo c
ííeitandu feralmente juntos1'. Segundo Le Sueur, o "Pseudu
Martinus” vivia em paz com Bertrande,. “'sem brigar é ac
COnduna para com ela de maneira tão irreprovávei que nin­
guém suspcicario de rtenhuma trapaça*’. No leito conjugal
da bela Bertrande, agota âí coisas iam bem. Em três anos,
nasceram duas filhas, das quais uma, Bernardc, sobreviveu
e se [ornou a innazinha de Saiui/
A tamira entre O novo Martin e Bertrande manifesta­
se mesmo durante 0 período em que o casamento inventado
é contestado. Tudo, então, evidencia, que se apuiitonüu pela
esposa para quem representou a comédia e ela, ptrr sua par­
te, Iipeg0u-6e profundamente ao marido que a tomou de sur-
proa. Quando, entre dois autos, ele sai da prisio, ela lhe
dá uma camisa branca. lava-Jhc os pés e recebeo em seu
leito, Quando temam matá-lo, da se interpõe entre ele e
seus agressores. Perante os juízes, dkigc-K "docemente" a
ela; põe sua vida nas mãos dela, dizendo que, st ela jurar
O Casamento Inventerò 6}

que eie não c scu marido, aceitará que os juízes submetam-


no " a mil mortes cruÉLs1'."
Em dias mais fcltacs, converaavam muito. Foi "aO con­
versai dia e noite juntos" que o novo Martin enriqueceu a
coieçSo de suas informações sobre lkrcrande, us Gueire e
Anigat. Trocas tão íntimas entro marido e mulbet corres­
pondiam, íio século 16, ao ideal dos humanistas cri&táas e
motalisuis protestantes, praticadas, sc é que o eram. em fa­
mílias de nível mais elevado que as de Àrtigat. Mas, como
Lc Roy Ladurie ;a mostrou cm relação a um periodo aate-
rior, o gosto dos occitãnios pela conversa n ã o se expressava
apenas cm serões entre vizinhos, mas também n a s frases tro­
cadas entre amantes.1 O novo Martin certamente teve nitros
assuntos de conversa com Bertrande, além de colheitas, cai-
neiros e filhos. Enrre outras coisas, pi>de-se conjeturar que
decidiram tomar permanente o casamento inventado.
Tal ato era mais faci)mente justificável para pessoas
que tinham às costas séculos de práticas camponesas que vi­
savam a conciliar os rituais populares com a lei católica do
casamento. Desde o final do século 12 até 1564, o que va­
lidava um casamento segundo o direito canònico era o con­
sentimento mútuo, e apenas ek , sc os parceiros aceitavam
tomar-se mutuamente como marido c mulher de verba pre­
senti, mesmo na ausência de padres ou testemunhas, troca­
vam os penhores do seu assentimento e, sobretudo se se
conheciam carnalmente, estavam ur.idus por um casamento
indissolúvel. A Tgreja desaprovava essa via ‘'clandestina”
do casamento,* mas ainda existiam pessoas, principalmente
no campo, qtie, por razões pessoais, tinham recorrido a ela:
* C e rn e d i u t Biairuz-e t io t d ie b , e « b in o m i d* lf-i cr a tiv a m
9 C H H ne ntn ( lin d ç ic ic q . ponjip i:m p e r a d . it um m l " [ T iú M c a n in g o f Q u u 5es
cinc M a rriíig E ", in X . W bsaiD ti 4 1'. K.. E lir e v c n (ocg.>, FflUfjfy ¡¡»4 S ex a slitj
in f r r n c íj fiiiio ry (F :lfl* lF iú , U p iie ra iry od P ç p p i r í v m ii P i n i , ISSO), p. 521.
E n j m nu ] ¿ e v M o j * í num srasos l í q u e iiis r e j á n n i í » por r jp tu r a
is. p rc m E s u ou b ig im ia , q ij t p u u v i T . peLas ccíncnuL'. e d j r t iá íílw i. rjoanu-
Ee c t para « m b e ÍM E r j prer- j n j ¡m s ê iQ i d z ìE M E n n in h ii i 14* ülu m a s n iã j
lílí o RETORNO DE MARTIN GUERJUi

menores a quem os país recusavam o consentimento; con­


sanguíneos y lie não conseguiam obter pemnissão especial;
um homem ou uma mulbet com desejos de manter um con-
Tato carnal e que só dispunham de ta! meio: um dos dois
parceiros j£ tinha marido Oli mulher em outro lugar.1
Tal itadição não oferecia uma solução eficiente ao ca­
sal de Artigar. AfinaJ, o novo Martin assumira uma identi­
dade falsa: quanto a Remande, tentava conciliar uma even­
tual bigamia com seu senso de hunra, para nem falar de
sua consciência. Mas oferecia-lhes a poa&ihílidade de couce
ber o casamento como um ato que dependia de sua vontadci
e apenas dela.
Aquilo que, segundo o dogma católico, uio 11. per­
tencia de forma alguma eram as suas almas. Embotr imbos
pudessem considerar- sua conduta culpada, é pouco provável
que tenham confessado seus pecados aos curas de Artigat ou
Bajou. lodos os relatos apresentam-nos como um casal res­
peitável durante os anos desse casamenro pacífico; aliás, um
padre que, na confissão da Páscoa, viesse a saber que a novo
iMarttn não era senão Paiisette, tê-los-ia excomungado como
adúlteros, a menos que concordassem em se separar ¡me­
diatamente, Isso nos leva a colocar a questão do protestan­
tismo em Artigat. É possível, ç até provável, que o novo
Martin e Bcrtrande de Ruis tenham se interessado pela nova
teligião, quando menos para daí extrair alguma justificativa
para suas próprias vidas.
Prosélitos protestantes difundiam, por volta de 1.536,
suas palavras no Condado dc Foix, e desde 1551 os con­

do C oncillo de T rem o em 15M , B Ig rej» d e crçrw q u t , ;>sri que um casam ento


fa*H v ílld u , teria dç OMltAt Olrm o w is ié n r ia i jt Liltt re d re cam cm pnKxdi-
Biemcií >riny i «A w i Foi p r « ¡K J tmiíui lem po para ipiC 0 c Jítú íu rtie p riíse acth ar
oran a p ftfllc* m ail a n rijs . N * Françn. o pri.irjpal rnoiivV de reprO T içfa e r*
que □ rHiHiEcntu d a q d e iu n o p erm ití* que m fjtjiQç floniíiásSerz uma im ijo
vílid » e In d B M ttre l sem 0 íW K U L Ítn ín tc dra seu : pais. Çm f r r e r a n i de L557 ,
H en riq u e i t pfúrnutgau um íd iio tolree a i cniamenDW. e k ^ l f i t inhm qu e seria.
J e m i de um itar&du de P=an íle C o t*). Sohre e u » q u e s tio , Ltf disfite ts p j.
iilto 10 .
O Cdjjweíí/o Ittv tn ia d o a

vertidos deixavam Pamiers e Le Mas-d'A2Íij seguindo paro.


Genebra. Depois de 1557, o movimento aumentou, e em
1561, Le Mans, encorajado pelo esemplo de sua condessa
protestante Jeanne d'Albret, declarou-se cidade Reíonuada.
Ainda mais peito de Artigat, Le Cada tomou-se um bastião
da. Igreja Reformada. A aiptuição também reinava nas al­
deias e burgos às margens do Lêze. Lm católico extremado,
como Jacques de Villemur, senhor dc PailheS, COnduiiu seus
camponeses com m io de terrò, mas em 1563 Le Fossai con­
tava coni um grupo importante de famílias "suspeitas da
novâ religião”. Em 1568, na igreja de Artigat, OS ídolos
furam quebrados e o altar saqueado, não só pelüs soldados
Reformados, mas também pór convertidos lucais. Referin­
do-se a esse episódio, uma visita diocesana posterior fala do
período ern que "os hahitantes do dito lugar de ArligaL
etani huguenotes’',*
Um movimento de tal amplitude não pode nascer do
nada. Issu significa que, dea anos antes, em meio àquelas
trocas que uniam Artigat a Pamiers, Le Fossat, Saint-Ybars,
L e Carla c L e Mas-d’Azil, as idéias protestantes circulavam
jimranaente com a lã, o trigo c o vinbo, Significa que Antoi-
ne Caífei, pastor de Genebra que em 1556 pregava no cemi-
'tério de Sabu-Vicent, etn Foia, também passou por Artigat.
Significa que na aldeia alguém possuiu um Novo Testamento
reformado ou um libelo protestante redigido em francês,
que l:a cm vret alta em langue d’ex: para seus vízínhos.
Mesmo continuando a batizar as crianças segundo o rito ca­
tólico, signos ouvintes esperavam com-impaciência o dia em
que um pastor protestante tomaria o lugar do cura. Entre­
mentes, o clero local não tinha como reagir. Quando Messine
Pierre Laurens de Le Caviar tornou-se prior de Artigat, por
volta de 1553, tinha à frente um candidato rival: só o Tri­
bunal de Toulouse pôde resolver o caso. (O mesmo aconte­
ceu a Messine Dqminiquc de Claveria cm 1540, e Messire
Jacques Boeri, çm 1530). O cura da paróquia de Baiau, um
68 0 RETORNO.DÛ MARTIN GUERRE

dos irmãos Drot, oriundo de ums família modesta, pouet?


peso tinha na aldek,1
Quais a5u as prgvas de que nosso casal inventado tcnlis
sido coçado pela nova te? Em primeiro lugar, a família Rols
se converteu ao protfcstantiwnft; deram a seus filhos nomes
tomados ao Antigo Testamento, como Abraham, e no século
17, quando os habitantes de Artigat, cm sua maioria, eram
bons católicos, os Rois ainda iam a Le Caria para ouvir as
pregações da r^teja Reformada,10 Quanto ao novo Martin,
duvido que em sua chegada a Artígat \á viesse penetrado
pelo novo Evangelho, O bispo de Lombez, Antoine Olivier,
era tido como simpatizante protestante e havia um forre
movimento prorestanre na diocese de Arnaud,11 mas o ex-
soldado Arnaud du Tilh, entre 1553 e 1556, tinha mais coi­
sas a fazer e talvçz nem residisse em Sajas nessa época. Eu
me inclinaria antes a pensar que foi em Artigat que seu es­
pirito se abriu às novas idéias, Onde a vida quç construíra
para si operava como uma conversão, afastando o blasfema-
dor, a rapaz Lide má vida”, se não totalmçntç o trapaceiro,
Como quer que fosse, é significativo que nenhum pa­
dre de Artigat uu Bajou tenlia desempenhado um papel im­
portante nos processos do novo Martin em Rieux e Toulou­
se. Talvez estivessem presentes entte aí cento c oitenta teste­
munhas que foram ouvidas at> longo do processo, mas seus
depoimentos não constam do relatório oficial de Coras, onde
estão .registrados todos os dados essenciais. Outro fato sig­
nificativo é O rtspeitn manífesrado pelo novo Martin pn
relação aos dois conselheiros encarregados do e c u interroga­
tório, Jean de Coras e François de Ferrières, protestantes
assumidos que viriam a ser os defensores mais firmes' do
protestantismo rw Tribunal de TcuIcurç. Pediu para ser
ouvido por eles numa última confissão que nãoLfazia refe­
rência a nenhuma fórmula católica, nem aos santos, mas
implorava apenas a misericórdia de Deus para os pecadores
que esperavam cm Cristo crucificado. u
O Casamento Inventado 69

Que esperança oferecia a mensagem protestante ao novo


Martin e a Bertrande durante os anos que viveram juntos
como “ verdadeiros casados” ? A de poder contar sua histó­
ria a Deus, sem intermediários. A de que a vida que tinham
forjado voluntariamente fizesse parte da providência divina,
Talvez tivessem ouvido alguns ocos das novas ordenações
sobre o casamento, promulgadas em Genebra a partir de
1545, Lá, o casamento não era mais um sacramento e uma
mulher abandonada por seu marido, “ sem que a dita mu­
lher lívesse dado ocasião ou fosse culpada disso”, podia,
após uma investigação de um ano, obter do Gmsistótio o
divórcio e a autorização pata um segundo casamento.I!
Mas, se se apoderaram de tais idéias para aplicá-las ao
seu caso, devem ter compreendido que não havia saída para
elea. Como explicar a um Consistório Reformado a ressur­
reição dc Amaud du Tílh cumu Martin ,Guerre? O novo
Martin obtivera, pdo menos por algum tempo, a cumplici­
dade de Bertrande de Rols, mas poderia um impostor con­
tar com os outros habitantes de Artigat?
6
Querelas

O NOVO MARTIN era não só mando, mas Também


herdeiro, sobrinho e importante proprietário camponês
em Artigat. Foi ai que as coisas se complicaram.
A caí*a que outrura pertencera ao velho Sanxi Guerre
a^o::i tornou-se o :ir do novo M artin. * Suas duas irenas
solteiras provavelmente vieram morar COBI ele, Como seria
de se esperar pelo costume basco. De Já participavam, ele
C Bere rande. Ho mundo aldean de hospitalidade, apadrinha­
mento e trocas, recebendo c fazendo visitas a Pierre Guerre
e sua muUser (a mãe de Berrrande, lembremo-nosl, às irm is
casadas de .Martin Guerre, ao irmão de Bertrande e outros
vizinhos e ami^os que mais tarde deporiam sobre sua iden­
tidade. Catherine B orri, quç anos antes trouxera a ineficaz
poção ao ici to conjugal de Bertrande, os Luzes de Paiihès,
a famítia Del Fech, seleiros d c .L ç Carla, James Delhure e
sua mulher Rcrnardç Araçl dc Pamiers- ç Arrigac (Bcrnarde
tslvcz fosse a madrinha do bebe Bcrnarde G u erre), todos
faziam parte do seu círculo de famílias rurais prósperas-. 1
O ingresso na yida rural não foi difícil para o novo
Manin; o trigo, o painço, vinhedos e rebanhos ¡à lire eram
conhecidos na diocese de Lombez. Também havia olarias
" A prapóaita ri«He rjjKi ver i Tiene LI, ò h i? cnpirula i vrií. L7I
72 O RETORNO DF MARTIN GUERRF.

de telhas nos arredores de Sajas, mas como os lijobs não


sáo citados entra as transações do novo Marrin, é possível
que Pierre Guerre mantivesse o controle sobre essa empre­
sa familiar, O impressionante era como o novo Martin im­
primia agora uma direção comercial no desenvolvimento dós
bens dos Guerre; tornou-se um "comerciante" rural como
Jean Banqueis, lidando com cereais, vinho e lã dc uma
ponta à outra do Lêze e mesmo além. Em Artigat, seria
difícit tomar-sc senhorio c dirigente de uma grande pro­
priedade — o caminho de maior êxito para um capitalista
rural no L&nguedoc — , pois não havia nenhuma proprie­
dade nobre ou eclesiástica em sua jurisdição. Talvez tenha
conseguido se induir entre os homens que arrendavam
terras senhoriais de Artigat em 1.558 c 1559 .(há uma la­
cuna nos relatórios desses anos), mas teriamentc envolveu-
se na compra, venda e arrendamento de terra, Isso signi-
ítca que dc tentou tirar vantagem comercial das proprie­
dades quç Sanxi Guerre pacientemente adquirira em Arti­
gat e legara AO Seu herdeiro Martin. 1
Bertrande de Rols deve ter apreciado esse novo rumo
dos ücon tccimen tos, pois a mulher de um comerciante ru­
ral muitas viKes tomava-se, cia também, comerciante, Mas
Pietre Guerre cojneçou a se desagradar. Inicialmente, ficara
feliz com a volta do sobrinho à aldeia e gabara-se dele junto
aos scus amigos íntimos, como Jean Lcwe, um cônsul dc
Paiihçs. À seguir, o novo Martin começou a vender parce­
las dos propres, uma prática não cstranlia ao ativo mercado
fundiário do vale dü Leze, çomo vimos, mas avessa ao cos­
tume basco. Quando propôs arrendar, ou are vender, algu­
ma propriedade cm Hendaye, Piene Guerre deve ter se
horrorizado,’
Messe ínterim, Martin tomou uma atitude que desen­
cadeou a poderosa cólera dos Guerre, Pediu a Pierre que
lhe prestasse contas sobre os bens que administrara para o
sobrinho, após a morte do velho Sanxi. Pediu-lhe com bons
Querelas 73

modos — "em belas palavras" que o talentoso Pansette


sempre tinha na ponta da língua — , mas suspeitava que
Pierre retinha uma parte da herança, e de qualquer forma
queria os lúcios que Pierre dela extraíra. Por muito tempo,
brincaram jovialmente com o assunto, mas fioalir.enic, no
fim de 1558 ou início de 1559, o novo Martin abriu um
processo civil contra Pierre perante o juiz de Ricu*-*
Tais litígios não eram desconhecidos entre as famílias
camponesas, Pelos costumes do Labourd, seria de se espe­
rar que Pierre fizesse um inventário sobre os bens do sobri­
nho no início de sua administração e depositasse uma cau­
ção como garantia de que os devolveria cm boas, condições,
Na diocese de Rieui, as viúvas com direitos sobre os bens
dos maridos prestavam contas aos seus filhos, quando atin­
giam a maioridade, a menos que o marido tivesse declarado
especificamenrc que elas <Jnão deviam ser molestadas Na
verdade, em Artigat, o repasse amistoso da prestação de
contas e rendimentos da propriedade pelo tutor fazia-se pe­
rante um notário, de modo a não haver mal-entendidos,.
Para Píerie Guerre, porém, o p o v d Martin tinha se
excedido. Talvez achasse que as circunstâncias da ausência
de Martin não o autorizavam a nenhum rendimento, I alvez
adiasse que um sobrinho que linha "‘criado desde a infan­
da11 não devia exigir tais acordos contratuais e seguramente
não devia recorrer à lirigação* Talvez o velho patriarca se
indignasse com o desafio ã sua autoridade; ele dissera não,
e isso significava nio. Talvez fosse simplesmente o que o
novo Martin dizia ser — “ a v a r e z a " , desejo de manter os
bens e rendimentos paru sua própria casa, filhas e genros.
* Tudo a que C c íií DM rçldta ■sobre o drtitcbci d « « prucrao í qüC o
iuivd Martin "fet ubrijpido a purtesau |I'iem Guerre) e peli ju sti^ kuícsr
a recjpersjçõa dus seus bcM' JTlfls quinto íos íruE-Cí- C- piesuçãa de títfiiw.
aquele Pierre Guerre ElO ItSÓ <lvíria nem ouvi: falar* (.Jlfteit, pp. 33-4.1. P ir e «
see um uxnproniisw orult P i« ie toncurdji e n lhe ifc io iiíf o roLa da b tíW ff,
e em troe» M«rlin ictutftfJ» a çnifi.ir i prestavSu de e o »Ido d*# mwk*
74 o RErORNC; DE MARTIN GUERRE

l>e qualquer forma, as dúvidas que o csperio Martin


ata]mata cm sua primeira aparição agora se revelavam às
ctaras c. prdifeiavam na mente de Pierrc. Por que esquecera
taifas expressões bascas, algumas das quais devem ter
acompanhado Loda a sua infância? Por que não se interes­
sava mais por esgrima e exercidos físicos? Aquele corpo
robusto que aceitara como a forma adulta do seu sobrinho
agora pareda-the estranho, Quando observava Sanxi, o me­
nino não se parcc:a oom o homem qoe partilhava o leito de
Bcrtr&nde. Acima dc tudop"o basco e fiel". Por um peque­
no furto de trigo do seu pai, Martin Guerrc abandonara
seu patrimônio em desonra. Agora um impostor estava a
roubá-lo desavergonhada mente do seu herdeira .5
Pifitte convenceu sua mulher e genros da terrível ver­
dade. A mãe de Bertrandc estava de pleno acordo com seu
marido, não sú como esposa obediente, mas também corno
muthcr pnddca c boa mãe, devotada aos melhores interesses
dc sua filha. Nao implorara, bã anos que Demande se sepa­
rasse de Martin c contraísse uma unilo melhor, durante seus
anos de impotência? Ajç^ra devia salvar sua filha çk desonra
do adultério. Juntos* pressionaram Demande a levantar um
processo contra o homem com quem vivia. Rcrtrande
recusou-se obstmadarnente.
Durante todo o ano seguinte, e ainda mais, a família
Gucrie se manteve dividida, c a querela espalhou-se por
toda a aldeia c arredores. Pierrc Cucrre saía dizendo a
todos que o novo Martin era um impostor que o enganara-
Pediu ao seu amigo Jean Lozc que o ajudasse a juntar di­
nheiro pana mandar matar o impostor. Lcrac recusou-se h
chocado.i Martin saiu dizendo que seu tio inventara essa
hisiõHa porque ele lhe pedira as contas Q sapateiro da al­
deia perguntou, por que, ac ele era Martin Gucrie, seus pés
tinham diminuído tanto com oi anos. As irmãs de Martin '
insistiam que o novo Martin era seu irmão (talvez preferis-
sem-no ao tio, como chefe da família e de suas proprieda­
Quértidl 75

des); 05 genros de Picrre insistiam qne O novo Martin etu


um embuSLeiro. fO que O irmão de Eertrande disse nau foi
registrado.) Eertrande se mostrou fero; na defesa de “Mar­
tin Guerre [como] seu marido": “f\ Martin Guerre, meu
marido [reria dito] ou algum diabo em sua pder Gonheço-o
bem, Se aiguém é tio louco pata dizer o contrarioh faiei
com que marra'1- £ quando Pierre Guerre e seus genros
bateiíuu nele com um eaç-çre, Eíertrande o protegeu, como
foi ditOj com seu prdprio corpo.6
Os cônsules dc Artigatf sem dúvida, discuiirata o caso
de Martin Guerre em muitas reuniões na primavera e verão
de 1559. Com a opímão da aldeia tSo dividida;- nunca po­
deriam ter arbitrado a dispuia. Pata alguns, 0 novo Martin
em. um íntegro pai de família, marido e comerciáuue rural
injustamente vilipendiado por um tio ganancioso; para OU'
tro5h era nm hábil impostor que maculava a reputação de
uma família honesta, Outros ainda escavam incertos quanto
à verdade, De ambos os lados, a família mral é valorizada,
mas os primeiros dão mais peso às aspirações da geração
mais jovem em sair e vet o mundo por algum tempo c cm
gerir seus berts por conta prtípria; ao passo que os outros
dão mais peso às decisões dos mais velhos e a longa conti­
nuidade dos comportamentos familiares.
Seria interessante saber se tal divergência dc opiniões
correspondia a algumas outras diferenças que atravessavam
a sociedade aldeã. Goras diz-nos que o número dc defenso­
res do novo Martin cia equivalente ao de Pierre Guerre
em Artigat e arredores, mas fora da família Guerre cita
pusições específicas em apenas tres casos: Catherine Bocri
e Jean Lume defendiam Martin, e o sapateiro defendia Pier­
re. 0 certo é que Artigat não se estruturava por linhas clã-
nicas estritas, como as que dividiam Mantailkju entre os
Clcrgue e os Azétna há cerca de duzentos e cinquenta anos.
Possuía instituições políLtcas que antes favoreciam alianças
entre as famílias influentes em Aitigat C aldeias vizinhas.
76 O RETORNO.U t MARTIN GUERRE

Os Banqueta, o s Loze e Os Boeri cinham seus próprios ç íi>


ciilofi e dependentes, mas, conforme podemos ver pelos con­
tratos notariais, eles se sobrepunham. As brigas que sut-
giam, como esta, nem sempre seguiam esnritas linhas fami­
liares.' Sc cu tivesse de arriscar um palpite sobre o caso
Martin Guerre, seria o dc que os simpatizantes protestantes
iocais tendiam a acreditar no novo Martin e os católicos em
Picrre Guerrc.
Seja como for, no final do veraa e no outono de 1559,
ocorreram dois acontecimentos que pioraram muito a situa­
ção de Martin c Bertrande. Um soldado de Rochefort pas­
sava por Artigat e, ao ver o homem em questão, declarou
a testemunhas que era um embusteiro. Martin Guerrç esti­
vera ern Mandres e tinha pexdido uma perna dois anos antes,
no cerco de Saint-Quentin. O verdadeiro Martin Guerre
tinha uma perna dc pau, disse o soldado, e seguiu seu
caminho.*
Assim, depois de onze anos, talvez o Martin Gucrrc
original ainda estivesse vivo c multiplicavam-se as provas
quanto à falsificação do novo Martin. Parecia cada vez mais
provável que Pieme Gucrrc encontraria meio de conduzir
o impostor à corte. O casal devia se preparar para desmontar
sua argumentação, e agora provavelmente elaboravam a es­
tratégia a seguir durante o processo. O depoimento dele
devia ser o mais completo possível, sohre os mínimos aspec­
tos da vida de Martin Guerre, desde a infância no Labourd
até sua partida, c sempre de acordo com o testemunho dela:
seria preciso fornecer detalhes íntimos que ninguém pode­
ria contestar. Talvez então os juízes pronunciassem o vere­
dicto dc que era o verdadeiro Martin Guerre c o padrasto
de Bertrande seria reduzido ao silêncio. Assim recomeça­
vam as '"representações" de Pansctte; novamente recitava
sua amiga existênciaj as bodas, as festas, a impotência, a
quebra do sortilégio e a consumação do casamento. Ber-
trande revirava a memória em busca de um episódio íntimo
Querelas 77

{talvez o enfeitasse) capaz de surpreender os juEzes. (A pro­


pósito, Goras diria mais tarde que era “muito mais íãcil
de entender do que relatar ou escrever” .*)
Nesse momento, irrompeu um nutro golpe teatral.
Uma fazenda arrendada, em parceria, de propriedvde de Jean
d'Escomebeuf, sçnhur de Lgnoux. incendi(ju-sc he de ÍCUSOU
o novo Martin de incendio voluntário c fez com que fosse
preso naquela cidade, por otdem do Senescal de Toulouse.
Os Escortiebeuf pertenciam à pequena nobreza do vale do
Lèzei as ptopriodades de Jean se concentravam na paróquia
a oeste de Artigat. No entanto, comprara terras na própria
Àrtigai e. em 1550, estava entre os que, como Antoine
Banqueis e Outros, recebiaiti u arrendamento dus seus bene­
fícios. Ei possível que alguns lavradores de Artigat, descon­
tentes cm ver um nobre SÇ imisçuÍT numa aldeia tão orgu­
lhosa de não rer senhores, tçnbam ateado fogo à fazenda-
Mas Escornebeuf ewolltcu como alvo o camponês-mercador
Martin Guerre, objeto de escândalo, e em sua quelita —
evidentemente instigado por Pierre Guerre — declara ao
juiz que o prisioneiro "usuipara o leito conjugal de um eoi'
tro homem” . 13
Bertiande estava em profunda aflição. Via-se, uma vez
mais, abrigada a voltar ao Ear de sua mãe e pietre Guerre.IL
Foi a Toulouse (talv« sua primeira :da Iquek cidade em
trinta e dois anos de existência), Jcvou dinheiro c outros
objetos necessários a Martin na prisão, deck t ou que esse
homem era seu marido e que Pietre Guerre c sua mulher
tentavam coagida a acustfjo falsamente. Faltavam provai
sérias que pudessem fundamentar a acusação de Escome-
beuf. Se fosse senhor de Artigat, é fácil imaginar o que
teria acontecido, mas perante u SenescalatO de ToulúuSe
teve dc renunciar à acusação dc incêndio vuluntátiu, e O
preso foi liberado.13
Nesse Enterico, Pierre Guerre tomara providências para
descobrir a verdadeira identidade do impostor. É surproen-
7B 0 RETORNO DE MARTIN GUEKRR

dente que, nesse mundo du intenso tráfego e muitos mexe-


licoü, nad tivesse descoberto antes. O próprio novo Martin
espalhara indícios pdo caminho, Um exemplo: em Pouy-
de-lougcs-, aldeia ao sul de Sajas pertencente á diocese dc
RieuK, o estalajadeiro referiu-se a de como Arnaud du TiUi ■
tinha-íhe recomendado segredo pois ’’Martin Gnerrc mor-
reo, deu-me seus bens . Lm cerco Pelegrin de Liberas rc-
cunheccu-o como Pansette; o novo Martin pedira-lhe que sc
calasse, mas fora bastante imprudente paia esquecer seu
papel e lhe confiou dois lenços fl serem entregues a seu
irtnão Jean du Tflh “
Esse tipo de estória chegou aos onvidols de Picrre
Guerre, que, dc ora em diante, podia dar iun nome ao trai­
dor que sc introduzira em sua casa: Arnaud du Tilh, dito
Pansettc, um homem dc má vida de Sajas. Para pegar um
mentiroso, é preciso mentir também. Aprcscmou-se ao juiz
de R lcuh como representante de Bertrande de Roh (talvez
murudo de uma procuração firmada por um notário; quando
Messire Jean Pegulha vinha de Le Fossai para redigir os
contratos, muitas vezes usava como escritório a casa dc
Picrre). Obteve cm nome de Bertrande a autorização pata
a abertura dc um inquérito sobre o homem que se dizia
chamar Martin Guerre e sua imediata prisão com o recurso
à força, conforme permitia a lei em cascre especiais, quando
o HCrusado era ‘‘muito mal-afamado e difamado por vários e
enormes delitos” .1*
Qnando o novo Martin saiu da prisão de Toulouse, em
janeiro de 1560, Picrre estava pronto, Como vimos, Ber­
trande recebeu-o com ternura, lavou-lhe os pés c concedeu-
lhe o leito. Na manhã do dia seguinte, à aurora, Picrre e
seus genros, iodos armados, apoderaram-se dclc em nome
de Bertrande e conduziram-no à prisão de R íciijí.”

Dctetihamo-nos um momento para perguntar sc um tal


desfecho era inevitável. Em outros termos, sc o verdadeiro
Querelas 79

Martin nunca mais voltasse, Arnaud du Tilh conseguiria se


livrar da situação? Alguns colegas historiadores americanos,
de espirito pragmático, são da opinião que, se o impostor
não tivesse exigido a prestação dc contas, tivesse sido um
pouco mais respeitoso em relação às idéias do seu tio quan­
to â propriedade familiar, poderia continuar a desempenhar
o papel de Martin Guerre durante anos, sem ser molestado.
Por outro lado, quando falei com pessoas de Artigat, que
conheciam muito bem a estória de Bértrande e Arnaud, sor­
riram e deram de ombros, dizendo: llEstá tudo muito bem,
ítlâs esse belo malandro mentiu” .
Creio que as pessoas dc Artigat tem uma visso mais
correta cks coisas, A questão não é saber se, com mais
pntdència c previdencia, Arnaud du Tilh poderia dar alguns
retoques ao seu papel. Tampouco Arnaud era o único menti­
roso em Artigat: acabamos de pegar Piette Guerre numa
mentira, e Ouviremos outras antea dc concluir. Mas uma gran­
de mentira, uma mistificação desse porte — principalmente
sendo imposta par uma só pessoa às outras — tem incidên­
cias perturbadoras sobre as consciências e as relações sociais,14
Dos aldeões e da tamil:a Guerre que, em certa medida,
assentiam com sua mentira, Arnaud exigia uma cumplici­
dade constante. Não era um lago rural, uma encarnação do
espírita du mal que procurava lançar as pessoas umas con­
tra as outras. Mas, a partir do momento em que se tornava
um honrado chefe de família Súb utn nome uSutpado, não
poderia mais confessar a mentira nem esperar perdão. Des­
sa forma, sua mentira e uma profunda desconfiança tinham
SC insinuado entre as relações sociais. Quando as pessoas
começaram a se indagai abertamente da sua identidade,
novamente a suspeita dc magia lcvantou-sc contra ele, E
agota, por tris dessa acusação, ocultava-se um temor muito
mais sério do que no tempo de sua juventude.
A mentira de Arnaud sempre cria uma distância inter­
na perturbadora entre ele e os outros aldeões, Tendo a crer
80 ________ O RETORNO DE MARTIN GUERRE

que não era um simules Impostor que quisesse o dinheiro


de Martin Guerne para depois fugir. Muitos atos seus,
como a venda dos proprer ou a «tigênda da prestação de
contas que lhe reprovava Pierre Guerre, podem recebei uma
interpretação total mente diferente — e que deve ter ocorri­
do aos seus defensores de Artigat — , como um comporta­
mento típico, ainda que sob furmít inovadora, do camponês
do Languedoc. O que o nuvo Martin descrava era se radicar,
voltar, como fazia após cada viagem, ao leito de Bertrandc.
Seu pedido de prestação de contas indica como se sentia i.
vontade cm seui papei. Em sua cabeça, porém, sempre havia
uma saidíi, não aquela saída criativa, aquele distanciamento
momentâneo dos seus camaradas que pennite a reintegração
■ sou cristão e estou acima de tudu isso'1) ou pelo menos
a lucidez c a sobrevivência ("snu basco e esta não é real­
mente minha região'1), mas uma saída vergonhosa ("não
tenho nenhuma verdadeira obrigação em relação a essas
pessoas”),
Pura Bertrande, que conhecia a verdade, a mentira
acarretaria ainda ourras consequências. Procurara modelar
sua vida da melhor forma possível, usando todos os seus
rodeios e sua imaginação feminina. Mas também fora ciosa
de sua honra e virtude e, além do mais, como díria mais
tarde aos juízes, temia a Deus, Aspirara a viver no seio da
sociedade da aldeia, como boa esposa ç mãe de família. De­
sejara que seu filho fos^c herdeiro. Iria Dtus puni-la pela
sua mentira? E se o seu casamento não passasse de utna
invenção, elsi seria, aos olhos dc sua mãe e dc todas as mu­
lheres da região, uma esposa adúltera, objeto de escândalo?
E sua filha Betnardc estaria irremediavelmente maculada,
ja que se diz que um frlho concebido no adultério Cartega
o peso do pecado dos seus pais?1’ Ela amava o novo Martin,
mas cie a enganara uma vez c, afinal, o que garantiria que
não a enganaria novamenre? E o que aconteceria sc o outro
Martin Gucrrc voltasse?.
Querelas 31

Depois que o nova Marrin foi lançado j prisio em


Rieux, Bertrande sofreu odia inteiro terríveis pressões por
parte dç sua mãe e padrasto. Chegaram ao ponto de amea­
çar cxpulsá-la dft CflSi se não aprovasse formalmente a ati­
tude <lc Pierre. A mulher obstinada calculava e arquitetava
acus planos. LcvdntílHa uma queixa «intra o impostor,
e t perendo perder 0 p T G t í J í ú . St^juiria a estratégia que ela­
borara de acordo tum o novo Martiri em relação aos seus
depoimemos e desejaria que o juie o declarasse sou marido.
Mas. em visca do seu dilaccramento (ntijuo e os perigosos
accinteci mçnros dos meses passados, também devia i e pre­
parar pura gm hw o processo, por mais terríveis que fossem
as conscqüÔJicias para o novo Manin. Durante o dia, enviou
roupas e dinheiro ao prisioneiro em Rieux. À noi Le, deu
sua concordância à atitude que Pierre tomara em seu nome
e ''tornou-se queixosa'' perante o juiz de ftieux contra o
iiomeni que tomara O lugar de Martin Guerre, seu verdadei­
ro marido.JI
O Processo de Rieux

COR r E DE Ricux HÃO era desconhecida das famílias


A de Artigar Alguns litígios não conseguiam ser resol­
vidos loca Imente e acabavam perante esse tribunal; Jeha-
nard Lnzc processou na justiça o bispo ausente de Rieux
por nâo-pagamçnto dc uma pensão anual devida à paróquia;
dois lavradurçs mantinham um processo pela propriedade
de um pedaço de terra; Jcanne de Banqueis la se apresen­
tara para contestar um? outra herdeira,' Quando o caso
Martin Guerre compareceu pciame 05 juízes, muitas teste­
munhas tinham uma idéia aproximada dos c u st o s o perigos
da justiça real e das vamageijy que poderiam extrair disso.
O própria juii recebia apenas uma remuneração me­
díocre, cm comparação às somas destinadas aos magistrados
qtte dependiam do Supremo Tribunal de Toulouse. Mas, no
mundo de Rieux, era uma figura importante que, pelo pres­
tígio e poder, elevava-se sobre os senhores locais. Era assis­
tido por seu ajudante geral, Firmín Vayssiète, licenciado
cm direito, cujo catolicismo intransigejue mais tarde Ihc
valeria 0 encargo de investigar os danos dos huguenotes
contra os bens da Igreja na diocese,3 Juntamente com o pro­
curador do rei cm Rieux e os advogados da Corre, o juiz e
84 O RETORNO DE MARTIN GUERRE

o assistente enfrentavam um dos casos mais espinhosos de


suas carreiras.
A falsa alegação de identidade, com intenção de lesar
a pessoa usurpada, era considerada na França do século 16
como um grave crime. Não era passível de pena prefixada,
como veremos, mas desde que o procurador do rei assumis­
se a queixa da parte civil — conforme Bcmande foi desig­
nada — , o acusado se arriscava a algo mais do que uma
simples multa. Se fosse declarado culpado, podia ser con­
denado a castigos físicos e até à morte. Neste caso, onde
estavam em jogo a honra e a vida de um homem, as provas
deveriam ser “certas, indubitáveis e mais claras do que o
dia”.5 Mas numa época cm que não existia a fotografia, os
retratos pintados eram raros, sem impressões digitais* nem
carteiras de identidade, com registros paroquiais ainda
mantidos de modo irregular — quando o eram — , como
estabelecer a identidade de uma pessoa de modo indubitá­
vel? Podia-sc sondar a memória do acusado, ainda que sem­
pre pudessem ter lhe assoprado a lição; pedir que as teste­
munhas o reconhecessem, contando com seu discernimento
e sinceridade. Podia-se examinar os traços distintivos do seu
rosto e corpo e, ainda assim, para que essa prova tivesse
algum significado, seria preciso que as testemunhas tivessem
uma lembrança exata da pessoa. Podia-se verificar sc ele
se parecia com os outros membros da sua família. Podia-se
examinar sua letra, com a condição, porém, de que ele c
seu duplo soubessem escrever c houvesse amostras da letra
deste último. À luz de tais provas, a Corte de Rieux devia
reconstruir a verdade, e era este o objetivo dos depoimentos
dos aldeões sobre Martin Guerre.
* Mesmo com impressões digitais, pode haver dúvida*. o.mfotme mostrs
o otfkbre caso Giolin Caneila em Turim, em 19 2 7 -19 )1. Aa iiDprctaões digirais
mostravam que o honrem etn questão crt o impressor Mario Beuneri, mas a
esposa do protrssce Caneila. contudo, drdarava que ele era «cu marido. Letxttr
do Sciaacia, l i teatro M ia memória (Turim. 19 81).
A acarençào cmrc o aciisado c uirm testemunha.
extrsido de Jean Milles de Souvigny <Ioatincs Millaeus),
Praxis Crimims Persequendi (Paris, 1541)
ítf o RETORNO DF MARTIN GUERRE

O primeiro procedimento consisti* em raculhM iafor-


muçôes junto a testemunhas citadas pela parte civil, num n>l
™ nenhuma dúvida elaborado pur Bcrtrandç c Pierte.'
^Pierre arrojaria pessoas que espetava apoiarem a acusação,
Bcrrrande^ as que esperava que pudessem lançar dúvidas
sobre ela.) Para redlunr os CUilua, todos a cargo da parte
civil, a maiona dos depoimentos provavelmente foi regis­
trada em Artigat ou arredores, de parferênefat a Rieux. Po-
ue-sc imaginar a comoção geral quando o juiz ou o seu re­
presentante apareceu em cena e as opiniões antagônicas
espaLharam-se à direita e 1 esquerda, proferida? pelos notá­
rios locais C por Mc h ík Dominique Boeri, bacharel cm
direito etn Lc Fossat. As testemunhas tinham de jurar dizer
toda a verdade e quando encerravam seus depoimentos, o
examinador relia suas declarações, palavra por palavra (pelo
menos cm principio), para que pudessem acrescentar ou re-
[Jíar O que bem lhes parecesse, A seguir, os que sabiam es­
crevei assinavam seus nomes e os Dutros punham sua ru­
brica.
Após um prazo razoável para que q procurador real
pudesse csrudar a massa dos depoimentos e emitisse sua
opinião, o juiz abriu as audiências em Rieux, Interpelou o
prisioneiro, interrogou-o sobre as acusações de que era ob­
jeto e- sobre a vida de Martin Guerre, ç ouviu q que ele
tinJm a dizer em sua defesa. A seguir, interrogou Bcrtrande
de Rols c tomou a dar a palavra ao acusado, permidndodhe
responder. Neste ponto, o juiz levou a sério a declaração
do prisioneiro, corroborada por testemunhai da aldeia, de
que Pierre Guerre obrigara Bertrandc a dar queixa contra
sua vontade; decidiu que ela devia abandonar a casa de
Pierrc e se alojar em outro lugar.*

* C a r “ dl1 4 “ * K v toria p rd ig q u e B tc trn u J ç fw * : u a b t u lii "cffl ijn im u


c*s* d t p = B W de b«m,r, li <*je fe i É tito |pp. *7-(|5(. A u m w q u t " a n t ^ t
m t n ií muTlicccs p od iam K r m o d u o d ir x um o o n vtru ò (p. JSJ. A iTí í h h h
de Ritux linha (¡antro taiaj [raiLmnu,' Lodax abíolüríniunjlE x j í h k i ÂUo í t
O Vracesao d e RjV h.v 87

Em seguida, vieram as “rcinquiriçõeü" das testemu­


nhas e suas acareações com o prisioneiro (é ainda a parte
civil que arca ciwn as despesas!), O jlliz se assegura de que
a Kstcmtmha confirma seu depoimento, e então convt>ca-se
o acusado. Este começa por dirigir reprvckef, objeções is
testemunhas, ou aceita-as como confiáveis, ames mçsmo de
conhecer o conteúdo dos seus depoimenros. É sua única
oportunidade de semear a dúvida quanto à moralidade dos
seus acusadores e tem de se empenhar ao máximo nisso.
Depois, o depoimento da testemunha é lido em voz alta c
o homem que se pretende Martin Ciuerre recusa-a quando
lhe patçce necessário, fornecendo álibis c fazendo perguntas.
Muitos processos se encerram após essas acareações,
ião evidente sc mostra, a esse ponto, a culpa ou a inocência
do réu aos olhos do procurador real e do juiz. Mas não no
caso dc Martin Guenre. O acusado citara testemunhas paia
confirmar as declarações que fizera ao longo dos interroga­
tórios e acareações, Beitrande ainda não íet irara sua queixa,
e ele tinha certeza dc poder apteseniar a prova dc que fota
subornada. O próprio juiz não estava satisfeito com as
testemunhas; gostaria dc saber mais sobre essa enigmática
camponesa de Artigat, a reputação das ouiras testemunhas
e a identidade do prisioneiro. O procurador do rei ficou
encarregado de renrur as testemunhas do acusado (agora era
a sua vez de pagar as contas e teria de depositar antecipada­
mente o dinbeiroi é de se perguntar como & Corte de Rieux
conseguia se entendei nessa embrulhada. Foi lida uma mo­
nitoria solene nas igrejas de Àrtigat, Sajas c arredores, ape­
lando piara todos os que conhecessem a verdade na matéria
ncnJiunnij j LIu k Id entee Artijpt c K Á U : » de Sátenqua, pett-u dc Lc
Mb -d'Az5l , e nwsteimí « n LímHUtí*. Ui Gnce-nSea e Smnt&Crtiu-VisLi<«iK-
[L. H. CntdiicBU, R&fitfvh* wpoJiiMiatrdptirfVf des Abbrfcs t i Yfituris
í M iw d , l í i J l á J f l ) , « J i , lJ t 5 , 1543, 2 16 1, 3 « 2 ] . H ím u Suribíin um* fflts
de PetnrÉ C JircU clii cl» Pamitt&. NenJiuina dclu era príLiia iv n Btrtrtnde,
que pnrvrm-líber (c foi de início, caro um i ÉiTnjlu J r íL-mf^ça em
À u ifH C, iliiJi-ifí; **i depoimenca em Jtieus, ccm una fínníli* ífc Li.
ss 0 RETORNO de MARTIN GUERRE

cr.i questau quc a revelassem ao juia, _sob pena de exeomu-


nFiãü. Menino os protestantes, auesir do seu ceticismo quan­
to aos poderei-do padre, devem té-la levado a serio.''
Cento c cinqiienia pessoas desfilaram durante o proces-
-sa em Rieux- Nas duas dioceses, em rodas as aldeias, as
pessoas se perguntavam como fazei para afirmar quem era
um homem — utn homem arrancado do contexto cotidiano
dos campos e da família, agora exposto na. sala da corte de
Rieua. Todas, tm quase todas as testemunhas do Artigat,
concordavam sobre um, e apenas um, ponto: quando o pri­
sioneiro apareceu entre elas, cumprimentara-as cada qual
pelo seu nome c lembrara-lhes coisas exaias que tinham
feito juntos cm circunstâncias precisas muitos anos antes.
Afora isso, suas opiniões divergiam, como divergiam também
ai das testemunhas vindas de outros lugares. Uuflientâ e
L.mco pessoas, ou mais, declararam que o prisioneiro era
Artiaud du Tjlh, dito Pansettc, ou que. pelo menos, náo
era Martin Guerre, pois tinham comido e bebido com um
ou outro desde a infância. Entre cies encontravam-se Gar-
bon Barriu, o tio materno de Arnaud du Tilh de Le Pin;
pessoas com que Pansccce fisceta contratos há muito tempo;
très homens que tinham reconhecido o prisioneiro como du
T:lh, mesmo quando ainda vivia com Berciando de Ruis,
Trinta a quarenta pessoas afirmaram que eie era Martin
Guerre c conheci arn-no desde o berço. Esse grupo inclina
as quatro irmSs de Martin, seus dois cunhados e Catherine
Boér:, que pertencia a uma das famílias mais respeitadas
da localidade.
Essas testemunhas que conheceram Martin ames de sua
partida dc Artigat. esquadrinhavam suas mrmírias em busca
d o s seus traços. Espcrava-se q u e OS camponeses tivesaem
uma boa memória visual — com e/eito, tlevcm armazenai
muitas paisagens, formas e cores durante seus ffabalhos — ,
mas aindd aí havia divergência, Alguns sustentavam que
Martin era mais alto, niüis magro, utais moreno do que u
O Proceiso de Rieux 89

acusado, tinha um nariz chato e o láhio inferior mais sa­


liente, além de uma cicatriz na sobrancelha que não se via
nesse impostor. O sapateiro contou sua história sobre as
diferenças do tamanho do sapato, Martin calça doze “pon­
tos", o anisado, nove, Outras testemunhas, pelo contrario,
ressaltaram que Martin Guerre tinha denres a rnaís em seu
maxilar, uma deatriz na testa, três verrugas na mão direita;
ora, o prisioneiro apresentava todos cscs sinais particulares,
Finalmcntc, um grupo importante de testemunhas,
ccrca dc sessenta , rccusava-se a se pronunciar sobre a iden­
tidade do prisioneiro. Talvez temessem, ao tomar posição,
alguma consequência desagradável, processos por calunia da
parte do acusado, se fosse reconhecido como inocente, ou
aborrecimentos com Piçrre Guerre, Mas o que diziam era
menos tortuoso; apesar de todos os testemunhos relativos
à sua boca, sobrancelhas c nariz, o réu parccia-sc rcalmence
oom Martin G uctíc, Não estavam certos dc sua identidade
e, mim caso dc tamanha gravidade, como ousariam ser
categóricos?“
E&3as semanas que precederam a sentença foram uma
prova dolorosa e solitária para a mulher do prisioneiro.
Vivia num meio estranho, longe do novo Martin, o qual
tínha razões pata duvidar de sua lealdade. Sua mãe e seu
padrasto queriam conseguir a morte do impostor, ou pelo
menos sua condenação às galeras; suas cunhadas cercamente
censuravam-na por ter dado queixa contra ele. A honra de
Bertrande de Rúls era objeto de uma monitúria Lida do alto
do púlpiLO no vale do Lèze e mesmo adiante. Era preciso
ser cautelosa: em seu depoimento, pata fortalecer a causa
dele, devia se limitar a revelar aquilo que o réu sabia do
passado de Martin Guerre, sem dizer nada que pudesse
comproinelê-la como adúltera. Devia apresentar no tribunal
a imagem de uma mulher crédula, papel este que. como
tnoSLfOu Nicole Castan, as mulheres desempenhavam diante
dos oficiais da justiça sempre que lhes parecia conveniente.7
90 O RETORMO DE'MARTIN GUERRE

Bertrande provavelmente teve oportunidade de consul­


tar um advogado andes das audiências cm Ricux, roas frente
ao juiz, ao escrivão, ao procurador real, estava entregue a
si própria. Mesmo jwra urna nauUxx que, em sua aldeia, an­
dava com a cabeça erguida e nao media suas palavras, era
um tonnentu enfrenar esse mundo de homens, Mas respon­
den às perguntas do juiz sobre a vida de Martin Gucrre,
desde sen casamento demasiado precooe alé a fuga do rapaz,
e forneceu por iniciativa própria alguns detalhes inéditos-
Assim, o juiz ouviu o relato da impotência de Martin Guer
re e sua cura, ao qual acrescentou um episódio mais íntimo,
i inham ido, há muito tempo, a um casamento, e como fal­
tavam as camas de casal [cubitui), Bcrtrande teve de passar
a noite com stiíi prima; com seu consentimento, Martin
deslnsuu para a cama delas, depois que a outra moça ador­
meceu (Le kueiir interrompe aqni o seu relato, mas Bertrán-
de puívaveimente continuou, revelando as “conversas que
tiveram ítntes, depois ç durante O ato secreto do murrimò-

Benrandc descmpeidiou à perfeição seu duplo papel


até a acareação com o prisioneiro, Era uma situação delica­
da também para ele e tinha de “objetar" seu testemunho
com muitas precauções; ela era “uma mulher de bem e ho­
nesta'' que dizia a verdade, exceto quando afirmava que ele
era um impostor; nesse aspecto, fora incitada a mentir por
seu tio Fierre Guerre. A seguir, pòs à prova o amor dela e
eaprimiu o seu foomo vimos) declarando ao juiz que, se cia
jurasse que cie não era seu marido Martin Guerre, aceitaria
a morte que o tribunal decidisse lhe infligir. E Bcrtrande
manteve silêncio.’
Se a mulher de Martin Guerre estava dilacerada, o
uovo Martin nunca pareceu tão seguro de si mesmo quanto
durante esse processo. Sob as luzes da ribalta, todos os seus
talentos mobilizados para provar sua identidade, não come-
teu o menor deslize, fosse descrevendo as roupas que cada
O Processo de Rieux 91

convidado usava no dia do casamento de Martin Guerra ou


contando como, na calada da noitc, insinuara-sc no Icito on-
de Bertrande dormía com sua prima, Não poupava detalhes
sobre suas atividades na França c Espanha após a partida
de Artiga!. Deu nomes de pessoas capazes de confirmar seu
relato (de fato, a Corte verificou e elas confirmaram}. Du­
rante as acareações, sua avaliação das testemunhas deve ter
sido excepcionalmente penetrante — 'Hvivamente e valida­
mente objetadas” , dirá Coras mais tarde, ao julgar a ma­
neira como rejeitara Carbón Barrau e outras testemunhas
“que particularizam tanto os fatos contra o dito prisionei­
ro”,"’ E» podemos imaginar o que pode tet dito. A Carbón
Barra u, por exemplo; "Nunca vi esse homem ames dcstc dia.
E se ele é realmente meu tío, como é que não COílsegUC
nenhum outro membro da familia que apóie sua declara
çüú?Jf. Ao sapateiro: "Este homem é compadre de Píerte
Gucrre. Oue mostre-nos seus registros sobre o tamanho dos
meus pés. O que mais pode encontrai para sustentar suas
mentiras?”.
O réu parece ter conduzido sozinho sua defesa, sem
recorrer a conselhos de um jurista. A ordenação de ViUers-
Corterêts dc 1.559 negava formalmente ao acusado num
processo criminal o direito á assistência de um advogado,
embora trabalhos recentes mostrem qnc a lei às vezes
era contornada,1' No caso do novo Martin, um advogado sc
sentiria em seu ambiente' os procedimentos apresentavam
iregularidades que poderia alegar para recorrer em apelação
a uma instância superior, a começar pela sua prisão por
homens armados antes do amanhecer. Mas apesar das moni­
torias e do desfile das testemunhas, o processo durou apenas
alguns meses. É lícito supor que, com a perspicácia que o
caracterizava, o réu aprendeu rapidamente os argumentos
mais adequados para impressionar os juristas. O acusado
centrou sua defesa em um ponto: Picrrc Guerra o odiava
porque de o levara í justiça. Gomo sua tentativa de assas-
n O RETORNO DE MARTIN GUERRE

si nato fracasaría, ele e seus genrus mon taram esse complô,


forjando urna nova acusação contra ele, a de impostura: L"Se
algum dia um marido fui maltratado por seus patentes pró­
ximos, MirametUÉ é b ele, e injustamente''.13 Deviam liber­
tado c condenar Pierre tímeme por difamação, com a mesma
severidade aplicada a Martin por fraude.*
Após a audição do úJtímo grupo de testemunhas, o
procurador pressionou o ¡uiz para apresentar seu veicdito.
O caso era delicado de se deslindar e o requerimento do
juiz para que se examinasse a semelhança do acusado tum
suas irmãs e o filho de Martin Gteerre não esclarecia as
coisas. O prisioneiro não se parecia com scu filho Satuti,
mas se parecia com suas irmãs. N'io podiam submctc-lo a
um órame grafológico pois, se por acaso o réu agora sabia
escrever seu nome (c os comerciantes rurais eram as únicas
pessoas da aldeia, além dos nordrios e padres, que sabiam
assinar contratos), nem Pansette nem Martin Guerre jamais
souberam antes, A Corte pode let pensado em submçtc-lo
à tortura para arrancar-lhe COfltissões: uma tal decisão supu­
nha sérias presunções de culpabilidade após o depoimento
de um t«:cnrjuho irrepruchável ou provas circunstanciadas
apresentadas pot duas testemunhas.1' Mas o juiz de Rieux
não tinha nenhuma vontade de pôr o dedo nessa engrena­
gem. Talvez achasse que não daria certo (e novas pesquisas
sobre o Supremo Tribunal dc louiousc tèm mostrado que
não era mu iro frequente que a tortura resultasse em confis­
sões). Talvez tenha achado que, mesmo sem confissão, dis-
* Cíít h jlH Ú f ic t V l M ía k l d r Etllão u n ¡aja anutopiu (p. 11>. mu: o
tm is ttn c r m ra ird J J t a n J n ik tN , itn- i r a Eratado ounhcnnpciriínca du p rã rin t
iu d i d il , d o d u a q n e r l* ndo « r a iM n la it « n v Í h &t . 0 : irtdLvIdura u i l p a l í i : d t
m td n Jt eram o a n d e n a& ti i <faiEi&;iu * i't d id y i t p c r J in póblioiH í j r i i i lu n k
o u dirtheirú. GcinKKktHrKlo a k v lu n d u ih cutn l^ie ;m pesai»: i/ilun iauo m mu
p róxim o, Irhbert v « r t l i r a n v í rp ie u i d íu w e T E J tib d e iid n - Jcn n I m b tn ,
Iru iitu tioiu f w i i j x r , nu M k t à r * ( P o it im : E rtfju ilb e n J e M u t i í É.
]363), pp. -H6 98.
0 Processo de Rieux 9}

Ìjunha de elementos sólidos e o acusado simplesmente ape-


aria da sentenza de Lorcutfl 00 Tribunal de Toulouse.
Scja coma for, o juiz declarou o acusado culpado de
usurpalo do nome e pessoa de Martin Guerre e abuso de
confiança em relação a Bertrandc de Rols. A parte civil
solicitara que reconhecesse publicamcntc sua culpa, pedisse
perdão c pagasse-lhe 2.000 libras, além das custas do pro­
cesso. O procurador do rei. por sua vez, rcqucrcu a pena
de morte., o que tornava caduca a pena reclamada por Ber-
trande. Nada de surpreendente nisso, mesmo sem a acusa-
ç5o suplementar de adultério: em 15.57, o Senescalato de
Lytm condenam dois homens à forca, simplesmente por
terem firmado falsos contratos, durante alguns meses, em
nome dc um terceiro. O juiz de Ricux condenou ü prisio­
neiro a ser decapitado e esquartejado, curiosa homenagem
se se pensar que a decapitação estava reservada aos nobres.1'1
O condenado apelou ¡mediatamente da sentença junto
ao Supremo Tribunal de Toulouse, protestando sua inocên­
cia. Pouco depois, foi conduzido sob escolta àquela cidade,
às suas espensas, A grande pilha de dossiês ç papeladas ge­
radas pelo caso seguiu-o às espensas de Bertrandc- Desde
}0 de abril de 1560, a Câmara Penal do Tribunal tinha à
sua frente o caso de “Martin Guerre prisioneiro na Concicr-
gerie’1, que apelara do veredito pronunciado pelo juiz dc
R ícuk,^
8

O Processo de Toulouse

undado cen to t atenta anns antes, o Supremo


F Tribunal de Touloysc c agora uma entidade que desfru­
ta dc imenso poder no Languodoc; seus edifícios atinham
de ser restaurados, 0 número de seus conselheiros, aumen­
tado. Em l56í)j aí são .julgados não só processos civis c
criminais cm apelação, e ás vezes até mesmo cm primeira
instância, observando as atividades das oortes inferiores em
sua região, como tambem dccide-se sobre o destino dos
ÍCOoúCÍastas anticatdlicos J c TouÍOUSCi de Lã despacham
comissários encairegados de investigar as reuniões ilegais,
os portadores de armas, as heresias e os assassinatos na dio­
cese de Lómbez, Seus presidentes e juízes constituíam uma
dite riça ç cultivada, possuindo belas mansões em Tnulovsc
e domínios no campo. Enfim, todos se empenhavam em
adquirir tirulos ttobilLírquieos. Suas' roupas jurídicas se
tornavam a cada cia maia faustosas. As prsMws se dirigiam
2 cies em termos que ressaltavam o respeito e a considera­
ção: "Integemmus, atuplmmm, meritítiiimu1', dizia Jean
de Coras a um deles, numa dedicatória escrita antes
que riesse a oçupar um lugar entre eles; cm ainda a um
outro: "Erudiiisiiwui ei áequiiíiniui' e a todo o Tribunal,
"greviírimvs siftctissifítusque StrtOÍSlS".'
A Câmara Criminal, uma das cinco câmaras do Tribu-
96 O RF.TORNO DF MARTIN GLESRE

na[, La Tourncllc, como a chamaram, cr^ composta por um


grupo de dez a onze conselheiros, designados alterníidamem
te, e dois ou itís presidentes. Entre os magistrados que
acompanhavam o processo em apelação de Martin Guerre,
Lrrtamente encuntravam-ae algumas das sumidades da cur­
te. La estava o erudito Jean de Coras, autor de muitas obras
de direito. Estava tambím Miçhqt l>u Faur, antigo juiz de
Tbbloufe ç um dos tris presidentes do Tribunal; oriundo
de uma dinastia de juristas ilustres, desposam uma Bemuy
cujo dote provinha dos lucros obtidos com o comércio de
nozes J c pastel-dos-tintureiros- Jean de Muusencal, primei­
ro preside:] Lc do . ribumil. veio pei-soalmente da Alta Câma-
11 pala assistir ao liltimo dia do processo- Proprietário na
cidade de um luxuoso palácio renascem ista possuía aintin
uma propriedade familiar na diocese de Lornbez, não dis­
tante da aldeia natal de Arnaud du T:lb
Unidos pela profissão, às vezes até por casamentos
filha do conselheiro Étieime de ÊOnald estava para se casar
com 0 filho de Manaencalj, oh homens que em 1560 cons­
tituíam a Camara Criminal começavam a tomar consciência
das profundas divergências que 05 separavam, Três dos con­
selheiros, jfcan de Cí>ras, François de Fqrrièrçs e Pierre llu-
bert, Ioga se tornariam firmes defensores do protestantismo,
e alguns outros, como Michel Du Faurj eram pelo menos
simpatizantes da causa da Reforma. No outro exncmo, o
presidente Jcan Dafíis, Édenne de Bonald e Jean dc Man-
sencal estavam decididos a empregar todos os meios paia
extirpar a nova heresia.3
Mas o estranho caso que lhes chegava da corte de RieuK
permitia-lhes esquecer por alguns momentos o fosso que se
alargava entre eles. Todos tinham anos de experiência no
ofício, S:mon Jteynier julgava casos bá quase quarenta jnos,
e Jean de Coras, o menos antigo na carreira, era conselheiro
desde 1553 — mas algum deles já teria um dia ue depatado
com um caso onde a mulher pretendia uue tomara por mari­
O P rocesso d e T ou iu u ie w

do, durante mais de frSs anos, um outro homem > O adul­


tério, o concubinato, a bigamia cram-lhcs conhecidos; mas
jé se ouvira falar de um “suposto" marido? Jcan dc Coras
foi designado pek Câmara como relator após um exame
nmiLicmsu dos elementos do processo, foi encarregado de
redigir jm reiatúrio tobre o conjunto do caso e de t teomen-
dar Limu sentença. Françuis de Fertières tinha u tarefa de
assistí-lo em suas investigações e mtcrnugatúiios. Antes de
tudo, a Corte quis ouvir Bcrtrandc de Rols, -que pedira
para comparecer, e também Pierre Guerre,"1
Enquanto estes se dirigiam a Ttjulovsc, o bomem que
se obstinava em afirmar ser Martin Guerre encontrava-se
acorrentado na Conciergerie. Não era vítima de uma medida
de exceção; □ índice de evasões era tão edevado que tinham
acorrentado todos os homens, com exceção dos gravemente
doenres, dos condenados por dívidas ç devedores de multas.
Ele rinha a liberdade dc falar a todos o& que se encontravam
ao alcance dc sua voa c sua verve inesgotavei deve ter ale­
grado seus camaradas dc infernínio-: o aleg&do "raptor” de
Carcassone; o notário, o padre e o «peneiro de Patmers,
acusados de heresia, e os dois misteriosos homens que se
pretendiam oriundos de “Astaraps no Pequeno Egito3'/
No inicio de maio, os juízes ouviram Bertrande c
Pierte; a seguir, em plena câmara, lotam alternadamente
acareados com o réu. PaTeoe que não houve problemas
quanto à língua; s maioria dos membros do tribunal perten­
cia à região. Bcrtrandc começou com uma declaração visan­
do a convencer os juizes dc que jamais fora cúmplice do
detido; sua honra, ela sabia, estava maculada, mas fora víti­
ma de uma horrível maquinação. Falava com tremor, os
olhos cravados no chão (“defixis in tin am ocatUs sath tn -
pidèyj). O prisioneiro então se dirigiu a ela cotn mr. ar ani­
mado ("difflcríorr tw toO c afetuoso, dizendo que não lhe
queria nenhum mal, que sabia que todo o caso fora tramado
pelo seu tio. Mostrava um rosto “tão seguro", comenta
98 O RETORNO DE MARTIN GUERKE

Coras, e "muito íhais que a dita de Rols, de tal modo que


havia poucos juÍ2es assistentes que não se persuadiram ser
o prisioneiro o verdadeiro marido e proceder a impostura
do lado da mulher e do tio", Após a acareação entre o réu
c Pierre Guetre, a câmara ordenou que Pierre e Bertrande
fossem ambos encarcerados, Pierre presumivelmente a uma
boa distância de "Martin Guerte”, e Bertrande na seção da
Conricrgeriç reservada às mulheres.’
Recomeçaram os intermináveis relatos da vida de Mar-
tin Guetre. Coras e Ferrières interrogaram primeiro Ber-
trance. Se, a essas alturas, ela quisesse traí-lo, Bastava con­
tar uma história que ele não pudesse repetir; no entanto,
aferrou-se à versão que tinham elaborado juntos, meses
antes. A seguir, interrogam inúmeras vcacs o réu, tentando
inutilmente pegá-lo em erro.* Coras registrou:

Esses comentários aqui long*mente díscorriJu* e a ijuMO-


tidfldie de tantos e tantos sinais tão verdwJeitt« davam grpnde
oportunidade aos juizes de se persuadirem da inocência do
dito [idu], e além disso admirar a sorte c a felicidade de sua
menúiia, que soube contar inumeráveis coisas feitas e passa­
das há mui* de vinte BOOt: no qi>e os comissários, que por
todos os meios a des possíveis tentavam surprcendê-la em
ídguma nentíni, lião conseguiram porém obter nada dde, nem
fttW com que não respondesse verdadeiratnenie p codas as
coisas,.. 6
P
Certamcntc proccdeu-sc à audiência das testemunhas,
c os membros da comissão interrogaram de vinte c cinco
a trinta delas, algumas já ouvidas. Houve novas acareações
com o réu. Carbon Earrau chorou quando viu o prisioneiro
acorrentado, mas Martin Guerre recusou-o como da primei-
+ “ A i i-isei i jKrpMi^Pad qu* oi mimírtiM, ttcttvctls m*is lí h k
um juiz du S u p m n Tribunsl de T ouIo u k , “ a fim de descobrir * vttdade
M ire crimes e fç la iiw ’ ', B trn u d dc L i Rucbc-Flmlu, Trtüt ífjVrí ¿ti Ftt-
Jeirf.ni ¿ f Fnitf.e (CJçnebr*. t t ó l) , livro í r c*p. Í9.
0 Processo de Toahuse 99

ra ver. bete testemunhas foram convocadas a Toulouse no


final dc maio, paru uma acareação com Bcrtrande de Rols.
Colocada na situaçãú iüíamante de prisioneira, teve de en­
frentar sua cunhada Jeanne Guerre c pessoas importantes
do vale do Lfsze, como Jean Lozc e Jean Banqueis* que
provavelmente tiveram de se pronunciai sobre a questão
das pressões de que teria sido objeto,7
Durante o verão de 1560, Jean de Coras passou todos
esses dados pela seu crivo c decidiu o que faria figurar em
seu relatório. Deve ter sido um descanso ocupar-se do caso
de Mardn Gucrrc. Acabava de concluir seu grande tratado,
De iure Arte> e não preparava nenhuma nova obra, Entre­
mentes, exacerbavam-se na França as pajjrões políticas des-
peitadas pela conspiração protestante de Araboise, aborta­
da poucos meses antes, e até em Toulouse multiplicavam-se
os confrontos entre partidários da nuva e da antiga religião.
A cada v c que a Câmara Criminal julgava heréticos, Coras
tonten tava-se cm se manter à distância.1 Ele sabia de que
lado encontrava-se a verdade, mas ainda não estava pronto
para sc lançar na reftega. Por ora, era-lhe mais fácil dcsco-
brir a verdade sobre a identidade dc um homem.
Os Lestemunbo& suplementares pouco acrescentaram.
Nove ou des pessoas estavam convencidas de que o acusado
era Martin Gucrrc, sete ou oito juravam que era Amaud
du Tilh, os restantes se abstinham. Giras se dedicou a uma
anílise sistemática das testemunhas e seus depoimentos.
Era o que, achava ele, faltara no julgámento anterior cm
Rietix. Nos dois processos, o peso numérico depunha contra
o atusado- Contudo, tratando-se da identidade de um ho­
mem, o que contava nio era o número, mas a qualidade
das testemunhas — eram pessoas íntegras, empenhadas na
verdade, ou, pelo contrário, falavam dominadas pela paixão,
medo ou interesse? Enfim, ponto essencial, a plausibilidade
dos seus testemunhos. Nesse caso insólito, Coras julgava
que o testemunho dos parentes próximos tinha a mais alta
100 ■ Ü RETORNO DE MARTIN GUERRE

importância:* eks estão cm melhores condições para reco­


nhecer um homem iHpela proximidade do sangue** e porque
foram CritfdüS juntos. Maü aqui eslava-se em presença de
parentes que divergiam forma]mente sfihre Sua identidade.
Para condenai um acusado, um tribunal deve possuir
a prova de que realmente foi cometido- um crime e que n
acusado é o seu autor. Mesmo uma confissão isolada não
bastava para estabelecer esses dois fatos, pois um acusado
podia não dizer 3 verdade, com ou sem tortura. De qualquer
forma, ncs:c caso preciso não houvera confissão. Pndia-SC
concluir peta culpabilidade com o recurso k legra tradicional
que reconhecia valor de prova ao depoimento concordante
de duas testemunhas dignas de fé? Gsras tinha fatos preci­
sos que acusavam o prisioneiro, mas a cada vez deparava
com dificuldades. Por exemplo, Pclcgrin dc Liberos deco­
rata que o réu respondia pelo nome de Arnauld du Tüh e
llic entregara dois lenços para seu Ltmão Jean, mas era a
única testemunha a apresentar tal depoimento, c foi des­
mentido pelo rcu- Duaa testemunhas declaravam ter ouvido
um soldado de Rochefort dizer que Martin Guerre perdera
uma perna na batalha rie Saiiit-Quenrin. Mas còrno não pas­
sava de um ouvi r-dLier, não se podia arríbuit glande peso a
is » .
A prova material „ cada vea mais valorizada nos proces­
sos criminais do stailo 16, embora não fizesse parte da teo­
ria medieval quanto ao estabelecimento das evidências,
tampouco trazia uma resposta decisiva. Baseava-se em largii
medida no testemunho de pessoas que sc lembravam dos
traços de Martin Guerre. E se eks estivessem mentindo, ou
simplesmente a memória as traísse? Os que declaravam que
o prisioneiro apresentava os mesmos sinais distintivos C ci­
catrizes de Martin Guerre não estavam de acordo sobre SUh ^S
verrugas ou particularidades das unbaS. fcão havia duas
■ V t t a Jlm iíL, p. 10U, « A r i jl uuctfõp do* (CMÉmvnl»* etra pareri«»
mídn m o í l i s o f rim ili*I e s;Lm- « u m a « A? A ir a u d *li: TíH i-
O fWiejíú de Toulou.se 101

testemunhas que concordassem entre si. Por outro iado, se


era verdade que Martin Guerre, quando jovem, tinha per­
nas mais magras do que as do acusado, a experiência de-
monstra que os adolescentes esguios tornam-se mais pesados
com a idade- O fato de o réu praticamente não sat^r falar
o basco podia significar que não era Martin Guerre, pois é
pouco provável “que um basco nativo não saiba falar sua
língua", ou apenas que, tendo deixado o Labourd com pou­
cos anos de vida, jamais aprendera realmente a língua dos
pais/
Coras estava em “grande perplexidade’’, Mas o relator
devia faaer uma recomendação. Quanto mais refletia sobre
os fatos, mais parecia-lhe que o réu era quem pretendia ser
e que a sentença do juiz de Rieux teria de ser invertida.
Ele começava por leílerir no caso de Berttande, Era
uma mulher que vivera 'virtuosa c honradamente11 e as
informações obtidas com as monírórias confirmavam-no,
Partilhara seu leito com o prisioneiro por mais de três anos,
"em cujo intervalo tão longo não é. provável que a dita de
Rols não o tenha reconhecido como estranilo, sc o prisionei­
ro não fosse realmente Martin Guerre". Ela o defendera
durante meses contra seu padrasto e sua mãe, chegando a
protegê-lo com seu corpo, para que não lhe sucedesse ne­
nhum mah da o recebera em seu leito, poucas horas antes
de ter depositado sua queixa. A seguir, diante do juiz dc
Rieux, recusara-se a jurar que não.fosse Martin Guerre.. Dc
um pomo de vista jurídico, tal fato não ajudava em nada a
descoberta da verdade, pois nos casos criminais “a prova
por juramento nio é legítima” , mas era revelador do seu
estado de espírito, e essa impressão era reforçada pela sua
atitude hesitante e nervosismo durante a acareação com o
acusado, no mês de maio, perante a Câmara Criminal. Pa­
recia provável, como aliás Bercrandc inicialmente dissera,
que tínham-na coagido a fazer uma falsa declaração.1*
Ele observava Pierre Guerre- Seria interessante saber
102 O RETORNO DE MARTIN GUERRE

o que se passou efetivaínente durante os interrogatórios


entre o jurista de Réalmont e o velho fabricante de telhas
de Artiga tf com sua forte pronúncia basca. Em que termos
teria o do exprimido sua cólera e indignação em relação
ao impostor, a ponto de levar Cotas (a cojos olhos, como
se sabe, o comportamento das testemunhas era um critério
essencial de siui boa-fé) a exigir seu encarceramento? De
qualquer forma, as provas que tinha sob as vistas não apre­
sentavam o homem sob uma luz propriamente favorávei.
O litígio pek prestação de contas e devolução das rendas
figuran no dossiê e forneci a um motivo plausível para uma
falsa acusação. O próprio Fierre confessava ter sc apresen­
tado abusivamente err nome de Bertrandc perante o juiz
de Ricux. Sua ‘‘conspiração’'' com a mulher e genros, para
tentar matar o acusado, fora descrita por "várias testemu­
nhashf, entre as quais o respeitável cônsul Jean Lore. Isso
era prova suficiente para motivar uma ordem dc tortura a
Fierre Guerre, para confessar a tentativa de assassinato,
acusação caluniosa e suborno da testemunha Bcrtrande de
Rols.
A bem dizer, Le Sucur afirma que a Câmara Criminal
pensara em tomar tal medida, embora não tenha chegado a
fazê-io. Seja como for, Coras considerava a calúnia como um
crime grave e demasiado difundido que, visando a prejudi­
car o próximo, violava o Oitavo Mandamento.1'
Finalmente havia o acusado. Muitos fatos dcpunliam
a seu favor, Coras considerava as quatro irmãs de Martin
como testemunhas exeepcionalmentc boas, "mulheres de
bem e honestas, se é que existem na Gasconha, as quais
sempre constantemente sustentaram que o prisioneiro era
seguramente Martin Guerre seu irmão". (Seu apoio deve ter
parecido especialmente desinteressado a Cotas, pois teriam
possibilidades ainda menores de herdar as propriedades de
Guerre, sc Martin Guerre tivesse mais filhos.) Sua seme­
lhança com o réu era ainda mais cotnprovadora do que a
O Procesto de Toulouse 103

falta de semelhança deste com Samd, diria Coras, pois esta


mais próximo delas pela idade , ao passo que Sanxi era ape­
nas um menino de treze anos. Havia também o fato inegá­
vel de que o prisioneiro se lembrava com certeza de tudo o
que se referia à vida de Martin Gueire, induídos os detalhes
íntimos fornecidos pela própria queixosa. Os relatos sobre a
conduta dissoluta de Amaud du Tilh, “dado a todo tipo de
maldades”, não prejudicavam a causa do acusado, pelo con­
trário, pois parecia não ter nada a ver com e s« gênero de
homens,
Além disso, uma decisão que inocemas.se o réu daria
expressão a um principio do direito romano, segundo o qual
"seria melhor não punir um culpado do que condenar um
inocente". E, mais importante, daria peso a uma disposição
no direito civil levada muito a serio pelos tribunais do sé­
culo 16, favorecendo o casamento e os filhos nascidos do
casal. “ Em coisas que há alguma dúvida” , diria í.oras, ‘"o
favor do marido ou dos filhos . . . faz inclinar a balança.1,
Bertrande teria um marido; Samti e Bcinaide teriam um
pai.u
La Tournelle estava prestes a apresentar sua sentença
final, com as opiniões “ mais dispostas a favor do prisiuneito
e contra os ditos Pierre Guerrc e de Rolsf\'1 quando um
homem com perna de pau apresentou-se nas dependências
do Tribunal de Toulouse. Disse que seu nome era Martin
Gucrre e pediu para ser ouvido.
9
O Relomo de Martin Guerre

E P O iy Q U E Martin perdeu sua p e rn a na batalha de


Síum-Quemin, teve dois golpes de sorte cm sçu infor­
túnio. Em primeiro lugar, não morreu do ferimento, mas
sobreviveu ao tratamento do cirurgião e conseguia coxear
com uma perna de pau. A seguir, seus senhores, IJcdro de
Mcndoza Ou seu irmio, o Cardeal, pediram a Feltpç II que
assistisse .Martin em seu estado de diminuição físita. Q rei
recompensou-ü pelos serviços prestados conccdcndo.Jhe uma
posição vitalícia como irmão laico num dos mosteiros da or­
dem militar dc Slo João dc Jerusalém. Essa ordem, a mais
estrita do país, exigia títulos dc nobreza dos seus cavaleiros;
os banqueiros de Burgos suplicaram cm vlo que a regra
fosse suavizada a seu favor 1 Martin Guerre prosseguia sua
vida como antes, pequena parte de um universo njasculíno
dominado por arisrocratas.
Como terá se decidido, após uma ausência de dijzc anos,
a atravessar os Ptrmeus com sua perna de pau e voltar à sua
antiga existência? É o enigma mais cerrado da ettóris dc
Martin Guerre. Coras cala-se sobre suas raz-ões, encora su­
gira que só descobriu a impostura após seu retorno. Le Sueur
declara que, ao chegar, foi primeiramence a Artigtt, soube
do que se passara e partiu imediata mente com S^ixi pata
Toulouse. Mas o relato de Le Sueur levanta algun; proble-
106 O RETORMO. DE MARTIN GUERRE

ítiâs, pois torna difícil explicar, entre outra? coisas, certos


acontecimentos dos últimos dias do processo* comu a sur-
presa demonstrada pelas suas írmis.1*
Contudo, é possível que Martin Guerrc tenha voltado
por acaso na última hora. Pode ter se cansado da atividade
restrita de unta instituição religiosa e, como irmão laico, ter
preferido voltar, com seu aleijão* ao seio da família onde
poderia exercer uma certa autoridade. A paz de Clteau-Cam-
brésis fora assinada entre a Espanha, França c Inglaterra no
ano anterior, e o Cardeal de Burgos fora encarregado por
Filipe II da missão dc receber sua noiva Elisabcth de Valois
na fronteira francesa* em dezembro de 1539.1 Martin Guerrc
podia esperar que, nessa época dc reconciliação, seria per­
doado por ter lutado pela Espanha.
Mais provável parece-me a hipótese de que tenha ou­
vido alguma coisa sobre o processo antes de seu retorno.
Fierre Guerrc ciertamente esperaria noticias suas, se ainda
estivesse vivo, O caso estava sendo discutido por todas as
aldeias do Languedoc, e o juiz de RieuK enviara investigado­
res ã Espanha para verificar os testemunhos do novo Martin
sobre sua estadia naquele pais. Os burgueses dc Toulouse e
os juristas de todos os lugares interessavam-se pelo caso,
mesmo que supostamente as deliberações se mantivessem
secretas e o público não fosse autorizado .a assistir ao pro­
cesso antes da sentença final. Os rumorea cambem poderiam
ter chegado aos ouvidos do verdadeiro iMartín, por intermé­
dio da ordem dc São João de Jerusalém, qnè tinha várias
casas no Langucdoc e no Condado de Foíx,3
Quem sou eu então, deve ■ter se perguntado Martin
Guerrc, já que um outro homem vive a vida que abandonei
e está para ser declarado o herdeiro do meu pai Sanxi, o
* Se (dc verdade, c*v«kia o Henificado dn Wfifmnto dm dido pela CJcnar»
Crlfüiiwl entre o reçím-clttjjatJu v m Lrmài ç filfljHdtt de Martin Guerre. Se
t* tive*« p u u d o por Attlgat c visto seus pui-m-í* (4‘<w w j í "), ■ provi do
iriht.inal lth inútil.
O Retomo ãe M arta Guerre 107

inaridii de minha mulher ç tj pai do meu filho? O verda-


dein> Martin Gnerne podc ter voltado para readquirir sua
identidade e pessoa antes qne fosse tarde demais.
Quando chegpu a Toulouse no final de julho, foi posto
à disposição do Tribunal e começaram as audiências. “Fe-
cém-chegado", teria gritado o réu no inicio de sua acareação
com o homem que vinhsi da Espanha, ‘‘pérfido, malandro!
Este homem foi comprado por dinheiro sonante e iusitu-
ções de Pierre Guerre.'1 Viera romper os laços sagrados do
casamento. Se de não conseguisse desmascarar r<t> afron
tante1’, seria enforcado. E, coisa estranha, o homem de per­
na de pau se lembrava muito menos dos acontecimentos
references a Martin Gucne do que o prisioneiro.*
A pessoa que outiora respondia pela alcunha de Pan-
sette teve seu momento de rríunfo. Seria um erto interpretar
Sua conduta, naquele dia e nas semanas seguintes, corno um
esforço desesperado para salvar sua pele. Vivo ou morto,
defendia contra um estranho a íderiridade que forjara para
si. (O leitor lembrará que, provavelmente, os dois homens
mmea tinham se ertcontiado antes.)
Coras ç Ferrière? tiveram d « ou doze interrogatórios
com os dois homens em separado, colocaram ao recém-che­
gados questõesH'secretas1' sobre assuntos até então não abor­
dados, verificaram as respostas c constataram que o rcu
respondia a das quase tão bem quanto o outro. Da pessoa
do acusado parecia sc desprendei algo de màgico. Tentando
dcwontioli-Jo, Mansencal lhe perguntou como fazia paia in­
vocar O espírito do mui que lhe soprava tantas inínimaçoes
sobre as pessoas de Artigac. Coras registra que o acusado
empalideceu e hesitou, sinal certo de culpabilidade aos olhos
do Conselheiro.3 Ao men ver, essa reaçao pode ter resultado
nio sri da scnsaçlo de perigo por parte do réu, como também
da cdlera ao ver não-reconhecidos seus talentos naturais.
A Câmara Criminal ent^o procedeu às últimas acarea­
ções. Gatbnn Ranrau foi notamente convocado a comparecer.
IOS O RETORNO DE MARTÍN GUERíll

e dcsta v « também os Limaos de Arneud du Tilhf violando


(mas tal prárica se difundía cada vez mais do século 16}
urna Jci medieval que estipulava que os LrmEus nio podkm
prestar testemunhos recíprocos de acusação num caso crimi­
nal, Os du TLlli preferirán] antes fugir do que comparecer a
Toulouse.
Pata Fierre Gucrre, macilento apgs meses de prisão,
os inembros da comissão imaginaram uma encenação tea-
tníL O recém-ebegsdo foi colocado no meio de um grupo
de pessoas, vestidas de modo semelhante, Pierre reconheceu
seu sobrinho, chorou e a]egrou<se que finalmente a sorte
tivesse mudado.
Para as irmãs, incrodusidas uma após a «uma, os dois
' hiflrtin foram colocados lado a todo. Após examinar atenta­
mente o perneta, Jeanne disse: "Eis meu irmão Martin Guer-
re” . O traidor que se parecia com ele abusara de sua con­
fiança por todo aquele tempo, Estreitou Martin em seus
braços, irmão e irmã derramaram lágrimas — e a mesma
CCOa SC repetiu çom as três outras irmãs.1
Chegou a vez de Bertraude de Ruis. O que acontecera
com cia após três meses passados na Gonciergpne? Eir.agrc-
ecra c ficara doente, mas, como pelo menos algumas de suas
companheiras dc cativeiro eram acusadas de heresia, teve
ocasião de discutir o Evangelho com elas. Lá estava também
uma proprietária queixosa que, como ela, fora encarcerada.
E ainda uma das reclusas sumiu por algum tempo para dar
à luz.7 F.ra um mundo de mulheres, que talvez recordou a
Bertrande os anos de espera pelo retorno de Martin Gucrre.
Estava preparada para todos os desfechos possíveisr assim,
quando chegou á Câmara Criminal, embota ignorasse o re­
tomo dc Martin Gucrre, desempenhou muito bem o seu
papel,
Após um olhar ao recém-chegado, pôs-se a tremer, der-
retcu-sc cm lágrimas (são expressões dc Coras que, como
bom juiz, considerava dever seu anotar todas as expressões
G R eto m o d e Martin G u erre 109

das testemunhas) ç ccxreu para abraçá-lo, implorando seu


perdão pedo erro comendo por imprudência c por tçr sido
enredada pelas manhas e seduções de Arnaud du Tilh, IV-
sentolou todas as desculpas preparadas: suas irmãs não des-
coníiaram; seu tio o reconheceu; cn desejava tanto que meu
marido estivesse de volta que acreditei nele, por tantas
coisas íntimas que conhecia a meu respeito; quando com­
preendi que era um impostor, quis estar morra e teria me
matado se não fosse por temar a Deus; quando compreendi
que tinham roubado minha honra, dei queixa contra ele.
Martin Guerre não manifestou o menor sinal de dor diante
das lágrimas de Bertrande de RoLs e com um ar feroz e
severo (lembrando-se talvez dos pregadores espanhóis que
tivera oportunidade de Ouvir}, disse a ela: “Deixe de lado
essas lágrimas. r - E não se desculpe pelas minhas irmis
nem por meu tio; pois não ha pai, mie, tio, irmã nem irmão
que deva melhor conhecer seu fifi», sobrinho ou irmão do
que a mulher deve conhecer o marido. E quanto ã catástrofe
que sucedeu à nossa casa, só você c culpada”.
Garas e Ferrières lembraram-lhe que ele tinha alguma
responsabilidade no assunto, já que abandonara Bertrande,
mas ele se manteve inflexível.*
Agora Martin Guerre fora reconhecido. Mesmo sem
confissão, a Corte dispunha de provas suficientes para apre­
sentar uma sentença definitiva. Jean de Coras reescreveu seu
relatório e redigiu uma sentença; a Câmara Criminal pôs-se
de acordo sobre o texto. Arnaud du Tilh, dito Pansetce, era
reconhecido culpado de “impostura e falsa alegação de nome
e pcssoa c adultèrio”.9 As 'suspeitas de recurso à magia e
invocação do Demônio que pesavam sobre ele nas últimas
semanas do processo nio foram mantidas na sentença. Du
Tilh foi condenado a fazer confissão pública c pedir perdão
em Artigat e depois conduzido à morte.
A condenação a morte sem dúvida foi objeto.de dis­
cussão entre os juizes. Uma sentença de prisão cvidcnteineme
lio O RETORNO DE MARTIN GUERRE

não cabia para o caso de Arnaud du Tilh, pois as prisões


se destinavam apenas a pessoas à espera de julgamento e
devedores condenados. A escolha se distribuía entre multas,
vários tipos de punição física (açoitamento, estigma a ferro
ou fogo, mutilação), banimento, um período como remador
ñas galeras do rei e morte. Coras não encontrava no direito
francês praiicameme nenhum texto que pudesse orientá-lo,
pois o crime de “usurpação dc nome e pessoa” era pouco
tratado, além do caso restrito de fraude em assinaturas. Os
textos antigos divergiam, uns tratando a impostura como um
jogo que não acarretava nenhuma punição, alguns prevendo
uma pena leve, outros o banimento, pouquíssimos a morte.
Em 1532, um edito real tornara possível a aplicação da pena
de morte à "multidão” dc falsificadores de contratos e falsas
testemunhas perante as cortes, mas a prática judiciária não
cra uniforme. Coras pode ter ouvido falar do que acontecera
cm 1557 à apelação de dois impostores de Lyon (aqueles
que assinavam contratos sob o nome dc Michel Mure) da
sentença dc morte pronunciada pelo Senescalato dc Lyon: o
Supremo Tribunal de Paris reduziu a punição a açoitamento
e nove anos nas galeras. A outra vez que o Senescalato sen­
tenciou um impustur, o grego Citracha, que recebera dívidas
devidas a um defunto, foi condenado a devolver todas as
quantias recebidas indevidamente, pagar 500 libras ao rei
c scr banido da França.“
O crime de du Tilh, porém, era mais grave, implicava
a apropriação indébita de uma herança, delito comparável
ao de uma mulher que apresenta ao marido um filho ilegíti­
mo como se fosse seu, para que possa herdar. Mais impor­
tante, cometera adultério, crime que, segundo Coras, devia
ser punido severamente e de modo mais regular pelos seus
contemporâneos. O Tribunal de Toulouse só aplicava senten­
ças de morte a adúlteros que transgrediam a ordem social,
como em 1553, quando o auxiliar dc um conselheiro foi
condenado à forca por ter seduzido a mulher do seu patrão,
O Retorno de Martin Guerre 111

e em 1556, quando a mulher de um proprietário rural foi


acusada de adultério com seu meeiro (ambos foram enfor­
cados)."
Foram tais considerações que determinaram a opção
pela condenação à morte para Arnaud du Tilh, opção que
sabemos, ao menos por um exemplo, ter chocado certos ju­
ristas. Tampouco foi decapitado, como ordenara o juiz de
Rieux, mas enforcado como convinha a um simples plebeu
culpado de traição e luxúria. A Corte não chegou ao ponto
de queimá-lo vivo, mas, devido ao seu detestável crime, quei­
mou seus despojos “para que a memória de pessoas tão des­
graçada e abominável se anule totalmente e se perca” .

4i > ¡Él 1 As 1*J r í r


i Y V. - » r J r w
iflf1 :> •

A primeira representação pictórica do caso,


mostrando o casal com uma condição social mais
elevada do que a real,
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___íJ_ J_ V_
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112 O RETORNO. DE MARTIN GÜEKRE

De certa maneira, La Tournefle Jevou cm consideração


ta interesses de Atnaud dn Tilh. Essa atitude, certamen ce,
facilitava as coisas para Martin Guerre e Bertrande de Rola.
0 » expressa igualmente um respeito inconfesso pelo homem
cupo sistema de defesa os fascinara. Sua filha Bcrnarde foi
considerada legitima. O tribunal baseou sua decisão sobre
o reconheci mento da bua-Fé de Bertrande: aceitou sua decla­
ração de que pensava yiver oom Martin G üera quando a
enanca foi concebida. Aqui 6e dispunha de diversos pre­
cedentes. Para que um rilho fosse bastardo, seria preciso que
os dois país estivessem a par da situaçlbí as crianças de uma
muiher que ignorava estar casada com um padre eram decía-
radas legítimas.
Decisão mais surpreendente, a Corte não confiscou os
bens e propriedade de Atnaud dn Tilh na diocese de bom­
bes, para entregados ao reí (como usuaimentc ocorria nos
ca&os dos condenados à morte). Ao iúvés disso, depoís de
Bertrande reembolsar as despesas com o processo, os bens
passariam para sua filha Bcrnarde, como dote e auxilio para
seu sustento,11
Aldm disso, a chamada question préalable (“ questlo
previa”), a tortura a que se submetia o condenado antes de
Sua execução, para que entregasse seus cúmplices, foi-lhc
poupada. Coras recomendava o sen uso em alguns casos, já
qne em 1560 ele e o presidente Dafiis tinham assinado uma
sentença ordenando que um certo Jean Tbomas, dito Le Pro­
vincia], ”scrá posto à questão para saber de sua boca a ver­
dade dos excessos, crimes e malefícios a ele atribuídos” A
Câmara Criminal deve ter achado pouco provável que um
criminoso de tal envergadura cedesse à tortura — er em caso
contrário, certameme os juízes não queriam ouvi-lo denun­
ciar no último minuto Bertrande de Kds como sua cúmplice.
Agora, La Toumdle tinha de decidir quanto à sorte
da mulher prisioneira na Cdnciergcríe, O que sc podia dizer
da bela esposa tio fácil de se enganar e tio obstinada no
0 Retorno de ¡Martin Guerre 1U

5CU erra? Após longus debates, ús CunselbeitOs eOnCurdaiam


em aceitar sua boa-fé^ atina] po sexo feminino era frágil. Nao
foi processada poi íraude ou adultério (este poderia lhe
custar a clausura num convcmo até que seu marido decidisse
retomâ-kj e. como acabo de dizer, sua filha fora declarada
legítima.
O mesmo se deu com Martin Guette. A Corte passou
muito tempo a examinar as acusaçoes qufi poderiam ser le-
vantadas cõnLrâ ele, pot ttf abandonado á família durante
anos c combatido nas fileiras dos inimigos da França. Fi
naímente concluiu que sua partida podia sec debiTada à ju­
ventude, "u csdiir e leviandade de juventude que então fer-
vkm uelehf. Quamo ao engajamento a serviço dc Filipe íl..
seria atribuído i obediência que. como lacaio, devia aos seus
senhores, e não tamo ao desejo “ de ofender sev príncipe
natural”. A perda da perna, o que acontecera aos seus bens
e a sua mulher eram um castigo suficiente. Tampouco
Piçrte Guerrc seria processado por ter se apresentado falsfl-
mente como agente dc Bertrande, netn pelo seu plano de
ma Lar Arnaud du Tilh. Já arriscara seus bens c até sua vida,
au instaurar o processo contra o imposTot; se tivesse perdido
a causa — çOihü quase aconteceu — , teria softido utna pena
severa por falsa acusação perante um Tribunal.14
Tudo na sentença final tendia i satisfazer os critérios
que tinham levado Coras a formular um primeiro julgamento
favorável ao novo Martin: protegia o casamento e os filhos
dele saídos. À 11 de setembro, o presidente de Mansencal
convocou Bertrande de Rols, Martin Guerrc e Arnaud du
Tilh perante Loda a Câmara Este último persistiu cm afirmar
que era Martin Guerre, sem levai em conta o que dizia o
presidente. Mansencal, a seguir, Lentou reconciliar Bertrande
e Martin, censurando-os por seus erros e insisLindo que es­
quecessem o passado. O réu irternompeu-o diversas vezes,
refutando cada uma de suas palavras.
114 O RETORNO.D t MARTIN GUERRE

Foi a represenração mais lamentável — ou a mais sin­


cera — Jo novo Martin. Perdera a partida e agora era sua
vez de ser o maride ciumento. Mostmu-sc petulante e iras­
cível peíante a Corte, c cssc componamento acarretou uma
alteração de última hora em sua sentença.15 Estavam previs­
tas duas confissões e pedidos de perdão públicos, um peran­
te a Cámara, otaro em Artigar. Agora só teria de fazc-lo cin
Artigat. Quem sabia o que poderia dizer à corte?*
Em 12 de setembro, o Tribunal abriu suas portas para
que u público pudesse ouvir a sen tença. Uma imensa multi­
dão precipitou-se na sala do tribunal; enrre ela parece Ler
estado o jovem Michcl de Montaigne, lid pouco tempo con­
selheiro no Tribunal de Bordeaux.'* Mansencal leu a senten­
ça; a justiça declarava Martin Guerre, Benrande de Ruis,
Pi erre Guerre livres de qualquer processo e recusava a ape­
lação de Arnaud du Tilh, dito Pansette, 41autodenominado
Martin G u erre D ev ia iniciar sua apologia pública perante
a igreja de Anigat, depois ser conduzido através da aldeia
para ser executado diante da casa de Martin Guerre. O juiz
de Rieux se encarregaria do caso. Coras não registrou a
expressão dos rostos de Bertrandc dc Rols c Arnaud du Tilh,

Quatro diás dlcpois, o patíbulo estava erguido defronte à


casa onde so preparara o leito conjugal de Bertrande dc
Rols, vime anos ames. A família completa voltara de Tou-
louse L vinham pessoas de vários legares das redondezas
* O iriam de Gor*s t muito « trsn lw Por q ia punir Arnw d du Tilh tm
suo mi Mrdüia íuípendcrukl um* d » S|>oloí.4í pmtiliew'1 Nfcj cuia íkto nft*is
»dci/j*do :mf*r 3 apofasifi Trióte ¿ Cotrf i*t urru Apoloan rra-s tirimiltianir
p ira r»K i a ld ç i* ?1 Q u CflWfc « l i Ú H u t p u iJ o 0 g u e BíOfiMCfU-, OU ttm os í* jn i
um Dutm r-Hi-i,: [:!l-i dw seoumcniw hich/ImI'j * drw iulrcs t«n rda^O íi» H tfH r-
'JirJ-jn Arnaiuf du Tilli
0 Rétomo de Marti*! Gtterre IIJ

pata ver o irnpostnt e assisdr à sua. execução. À aldeia não


estava mais dividida «uno estivera poi mais de um ano. O
mentiroso fora desmascarado e ia-sc assistir ao ritual da sua
humilhação, arrependimento e rejeição,
Pansettc deu o melhor de si para tornar a ocasião me­
morável. Começou o dia retomando seu amigo nome. Apre­
sentou voluntariamente sua confissão ao juiz de Rieux, con­
tando como fora cumprimentado peio nome de Martin
Guerre por dois Jtomcns cm Mane. Tudo se produzira por
meios naturais, seus c de seuB cúmplices, os quais nomeou.*
Nada se devia à magia. Manteve em segredo o papel de Ber-
trande do início ao fim. Segundo Coras imas nlo Lc Sueur),
também confessou vátios pequenos furios da juventude.
A seguir, como qualquer bom camponês pai de famflia,
fez seu testamento. Arrolou todos os seus devedores e cre­
dores em dinheiro, lã. trigo, vinho e painço, c pediu que as
dívidas fossem pagas com as propriedades que herdara de
Arnaud Guiihem du Tilh e outros parentes; atualmente eram
ocupadas por Carbon Barrau. Para ter certeza de que seu
tio pagaria, abriu processos d vis contra de, cer tarnen te con­
tinuados pelos seus executores tcstauicutários. Fez de sua
filha Bernarde — agorü Bernarde du Tilh — herdeira uni­
versal, tendo como tutores e executores tesramentários seu
irmão Jean du Tilh dc Le Pin c um certo Dominique Reben'
daire de Toulouse,
Para o perdão público, ajoelhou-se diante da igreja, na
posição tradicional dos penitentes — camisa branca, cabeça
desnuda e pes descalços, um archote na mão. Pediu perdão
a Deus, ao rei, A justiça, a Martin Gcerre e Berrrande de
Rols, marido e mulher, e a Pierrc Guerre. Conduzido atra­
vés da aldeia, corda no pescoço, o camponês dc língua de
* Canis dii bIkimé -que d c . raníetSQii '"que idgi-ns. ™ fiim Ibí dwVi Lerias
inÉuoiBiüre t cLajdbtii*1 (jp B31 L t SutilT J c que d t "rianiôm dius pcjrcwí
(1« é lirhim i ju ;i|uüjiij "' (HjfíürM, p. ¿21. Tilvw i * m u d « dais smiEoa do
dnupnrccido que ju.t±iincrtbr «SüiitâlH di> Till-, par M irän (juerte.
116 o RETORNO. DE MARTIN GUERRE

ouro dirigiu-se as multiddes: d ç era Àrnaud du TilL que,


por Jnfimia e aatíicirtj tomara os bens. de um outro e a honra
de sua mulher. Louvou os juízes de Toulonsc pela maneira
corno conduziríam a mvesci&Ação e enprewou sua vontade de
quç oa honorávcis Jean de Coras e Françoís de Fçrricrcs
estivessem presentes para ouvi-lo- Ma escada que n conduzia
ao patíbulo, ele ainda falava, recomendando ao homem que
ia tomar seu lugat que não sc mostrasse rude psra com Ber-
trajide. Podia testemunhar que era uma mulher de honra,
virtude c constância. Desde que ela suspeitara, rinha-u repe­
lido. Ao Agir assim, manifestara coragem e elevação dc es­
pírito incoimms. A flertrAnde. pediu apenas que o perdoasse.
Morreu implorando a misericórdia de Deus em nome do seu
fiJho, Jesus Cristo.17
10

O Contador da Estória

OUCO DEPOÏS do processo de Arnaud du Ti!h, o Tri­


bunal de Toulouse entrou em recesso a parrir de serem-
b io r como em rodos, os anos. Jean de Coras, ao invés de
partir Médiat amen Le para sua residência familiar em Réal-
mont, eniregou-se ao seu esiudo em Toulouse, onde começou
a escrever ¡s história do homem que fora queimado* para
qv.e se apagasse sua memûria. Em 1.“ de ourubro, pratica-
mente terminara sua primeira redação.1 Pot' sua vez, um
jovem chamado Guillaume Le Sueur punha no papel sua ver­
são do& mesmos acontecimentos. Àlgo de assombioso, de
perturbador nessa história encontrava uma ressonância em
aU9S próprias vidas- c essç algo precisava ser dito.
No caso de Guillaume Le Sueur, ç difícil enconcrar a
corda que fora vibrada por esse casa., pais c uma figura pOu-
co conhecida- Fjlbo dc um rico comerciante de Bou Ic^ne-StU-
M çt, nfl Picardia, fot enviado à universidade de Toulouse
para csrudar dirciro civil. Seu irmlo Pienç torntïu-se funcio­
nário Jas finanças reais, e no fina] dc l Í61 usava sua casa cm
Boulogne para “ reuniões e preces segundo a nova religião” .
Guillaume parece ter pamlliado dos seus sentimentos* c por
algum tempo fei parte do circulo do Principe prorestante
de Condé. Sabe-se que em 1.5-66 era advogado no Scncs-
calaio Je Boulonnais'; vários anos mais tarde, romou-se o
11S CJ RETORNO DE MARTIN' GUERRE

encarregado de suas águas e florestas. Em 1596, escreveu


a primeira história de sua cidade natal, obra dc certo mérito,
.Mesmo antes disso, La Grobt du Mante tinha ouvido falai
defe e cita-o em nua BibliotbèfHC de J como Spoeta em
iaiirn e francês . Conhecia também o grego, c am 1566
publicou uma tradução em versos latinos da versão grega do
livro dos Macabeus.
A seu credito aijuJa figura a Admirável História do
} also S íartttt de j oitloase, composta em latim, que circulava
manusenta pela cidade, Dedioou-a a Miclie! Du Faur, quarto
presidente do Tribunal e membro de La Toumclle durante
o processo de Mattili Guerre, Como Le- Sueur disse poste­
riormente numa dedicatória ao Chanceler Michel de lTíòpi-
tal, fora adotado na família e clientela de Du Faurs, pma
casa que superava fodas as da regjio pela sua erudição unica,
integridade de vida, esplendor e honra ’. Suas evidências so­
bre u Julgamento provavelmente foram obtidas com as pala­
v a e doK'^ do presidente — ele diz ter “coligido” (colli-
gebat) a estória — e talvci estivesse presente no tribunal
cm alguma função menor. O certo é que, em 1560, Guillau­
me Le Stieur esperava ascender dentro do mundo jurídico
e da cultura retórica legal, além dc uma inclinação pessoal
pela literatura clássica.*
jí- ^0^rcll^caü ^t5ras emtem muitas informações. Era
ilustre j clarissimus”, como anunciavam os editores nas
Páginas de rosto dos seus livros. E não era uma celebridade
recente, No ano do processo de Martin Guerre, acabava de
aparecer sua própria “ Vita”, contada por um dos seus anti­
gos discípulos, Antoine Usilíis, como prefácio à obra de Co-
aaiu D<? ÍttriS Aríâ' N* Scera F °r volta de 1515 em Róalmont,
Albigcois, a primogênito de quatro filhos, e crescerà em
Toulouse, onde seu pai, Jean de Coras, licenciado cm direito,
era advogado no Supremo Tribunal. Já aos treze anos in­
terpretava o direito civil dc cátedta {pêlo menos é o que diz
a lenda), e nos anos seguintes, quando era estudante de di-
O Contador da Ettória 119

reito canónico e civil etn Angers, (hleans e Patis, propusc-


iam-lhe várias vezes que ensinasse direito. A seguir, Eoi para
Pddua, onde propôs cem temas de dissertação aos seus exa­
minadores e foi aclamado pelas soas boas respostas, Em
12 J 6 h oam 21 anos, seria aprovado em seu doutorado em
Sicra/oom Philippe Decios, "um grande luminar do direito".
(Coras dísse posteriormente que Dccius estava rao seiiil que
não se Iembrava mais de uma única palavra jurídica e preci­
sava de um quarto de hora para pronunciai a primeira frase
de sua peroração. Finalmente, o grau de doutor foi-lhe con
cedido por outra pessoa. Essa anedota mostrou que Coras
não ievava tão a sério sua fama de menino prodígio.)
De volta a Toulouse, Coras entrou como regente na
universidade, e seus cursos dc direito civil tiveram enorme
sucesso. UsíHÍS diz que não se iembra de nenhum ourro pro-
íessor capaz dc atrair tamanhas multidões. Estava presente
quando Coras derramava as torrentes de sua doqüÉncia fas­
cinante sobre um auditório de duas mü pessôas, com sua
voz suave, fluente, dara, melodiosa” . Esse entusiasmo c
tanto mais impressionante sc se lembrar que as aulas de di­
reito cm Toulousc gcralmentc eram dadas das cinco às dez
horas da manhã.3
Durante esses anos de glória precoce, Cloras mantinha
com o direito.relações dc outra ordem, não mencionadas por
Usillis: tornou-se litigante. Sua mãe Jeannc de Termes
morreu em Rcalmont, legando-lhe por um tesramento dc
1542 todos os seus bens c propriedades. Jean de Coras pai
opós-se ao testamento e o mestre lean de Coras filho ata-
cou-o na justiça. O caso foi finalmente julgado em 1544 pelo
Tribunal de Toulouse. Foi confirmado o direito do filho à
herança e ordenaram ao pai permitir que o filho fizesse o
inventário no momento desejado, Coras pai usufruiría doa
bens e propriedades durante sua vida. Ao final, os dois sé
reconciliaram (Coras lhe dedicaria uma obra em 1545), mas,
assim jomo o relato cômico da cerimônia de doutoninitflTt'É
120 O RETORICO. DE MARTIN GUERRE

0 Ç™06™0 (.-untra seu pai re-vela uma atitude pelo tnrnos


ambígua em relação à ordem c à autoridade.*
Entrerr-cmes, (.oras se casara e tivera filhos, para fielirì-
dadc sua. “Uni casamento afortunado”, diz-nos em sua obra
c direito. De ritu rtupítarumr t não hesita em inserir bem
no meio do seu comentário um trecho subre sua mulher Ca­
rnei iue Boysonné, Filha de uma antiga família de magistra­
dos municipais de Toulouse, era parente do jurista huma-
ms ta Jean Bojreonné, grande amigo de Coras. O casal ceve
prnn d riunente uma filha, Jeanne, e depois um filho, Jac­
ques, também objeto de citação em mcío a uma discussão
¡urid.ca: Ontem, 13 cie abril de 1.546, fiquei comovido com
uma alaria incrívd pois tomei-mç por nossa florescente
Catherine pai de um fiIhínho” .s
Nomeado para uma d redra, Coras muda-se com a famí­
lia pata Valença, onde ensina direito civil de 1545 a 1549;
a seguir, durante dois anos dá cursos em Ferrara, Durante
todos esses anos, não deijeou de escrever e publicar cnmentá-
rios em latim sobre o direito romano, em assuntos que va-
rtavam desde o casamento e mnrratos até ações judiciais e
a constituição do Estado, A partir de 1541, pelo menos,
enviava seus manuscritos a editores, principalmente cm Lyon,
grande centro de publicações jurídicas. E os estudantes dc
direito gostavam dos seus lívrus: ''Cortissima”, escreveu
um ddes à margem dc uma frase particolarmente adequada
sobre o tema da herança de menores.
As edições revelam ainda dois aspectos interessantes de
^rimeiramentc, uma vontace de desenvolver, repen­
sar, teiníerpretar. Diz com freqiiéncia aos leitores: “Come­
cei a trabalhar sobre este tema em Totduusc no ano tal
revejoo agora em Ferrara“ A seguir, a habilidade que lhe
permite progredir na carteira, Suas publicações de juventude
ja MO dedicadas ao primeiro presidente do Supremo Tribu­
na, de Parts e a Mansenciil, primeiro presidente do Tribunal
O C on tador ¿ a ü stória 121

de Toulouse. Os cardeais de Chátillon e Lorraine recebem


na hora adequada as obras adequadas.'1
Essa tática renden seu frutos em janeiro de 1553, quan­
do vagou um cargo no Tribunal de Touiouse. EJe retomara
de Ferrara à cidade por uma triste circunstância: sua mulher
Catberine EoySünné morrera e voltou por um período de
luto. Henrique l í aproveitou sua presença na França para
consulta-lo sobre suas negociações com o Duque e o Cardeal
de Ferrara, ç depois concedeu-lhe o cargo que cobiçava. Em
fevereiro dc 1^35, Jean de Coras prestou juramento como
conselheiro no Supremo Tribunal, onde acu pai por muito
tempo fora (c talvez ainda fosse) advogado/
Durante os sete anos que separam seu ingresso na fun­
ção dc juiz c o caso Martin Guerrc, sua vida conbeceu novas
mudanças, Casou-se novamente, intetessou-se cada vez mais
pela causa protestante; suas obras se abriram a novas pers­
pectivas. Ern segundas núpcias, desposara Jacquette de
Bussi, viúva que era também sua prima e sobrinha de uíU
presidente do Tribunal, Sem filhos do primeiro casamento,
tampouco teve filhos com Coras, mas serviu de mãe a Jac-
ques de Coras, que sempre chamou de “meu filho”. Conhe­
cemos as relações do casai por cartas trocadas por vários
anos após o processo, mas sugerem, porem, o que pode ter
sido seu casamento num período anterior/
Coras C abertamente, profundamente, quase ioucamente
apaixonado por jacquette de Bussi; “Nunca mulher alguma,
presente ou ausente, foi tão querida e amada pelo marido
quanto você é e será. Suplico-lhe que acredite qué, día e
noite, cm todas as horas c momentos, penso em você, espe-
ro-a, desejo-a e amo-a tanto que sem você não existo em
nada”, Envia-lhc livros, "uma roupa maliciosa" e "duas pe­
nas bem talhadas e fendidas a meu gosto como . você”. E
quando esfria em Béalmont, recomenda-lhe: "Não durma so­
zinha, desde que não seja com um monge" (um trocadilho;
moine é uma antiga palavra francesa para "aquecedor" O U
122 o HETOHW .DE MARTIN GUERRE

o móvcí de madeira que o sustinha). Apresenta-lhe relaté


fias políticos ç conta-Jhe noticias sobre a causa Reformada;
instrui-a para receber as visitas importantes e entregar men­
sagens . Pneocupa-se oom sua saúde e quer saber se sen afeto
é correspondido. Quando fica sem notícias, escreve: "Isso
me faz cer a opinião, contra minha vontade, de que não estou
tão gravado nas entranhas da sua memória como sempre
desejei".
De fato, Jaequeite é um pouco reservada com seu ma­
rido. Ele a persegue e ela se esquiva: tais s|q as regras de
aeu jogo amoroso Ele assina as cartas como “seu seu seu e
cem mil veües seu Jean de Coras’ ek assina as suas como
"sua muiro humilde e muito obediente esposa'1. Ele a pres­
siona andentemen te para que lhe diga se deve aceitar ou não
um cargo importante. Ela ihe responde: “seja feita a sua
vontade", o que lhe vale em resposta uma carta magoada
cotn uma assinatura impessoal, cnnw um decreto. Nesse ín­
terim, apesar da saude frágil, eia administra seus bens com
competência, arrendando terras, consertando as cercas, veri-
fieancto os livros da derrama e dando ordens para que os
campos sejam semeados com painço e aveia. Envia-lhc notí­
cias c livros que leu, jarrereíras que confeccionou para ele,
capóes e agua medicinal pura seus olhos. Espera que esteia
"contente c alegre"/
Marido e mulher estavam particularmente unidos pelo
seu engajamento na nova religião Jean de Coras pode ter
sido instruído no protestantismo por vias diversas, por
exemplo por seu amigo Jean de Boysonné, que nutria sen ti­
men ros heréticos muito depois de ter ítbjurado deles em
I oulouse, e por pessoas do círculo da Duquesa Renée, em
Ferrara, Centro dos refugiados religiosos da França. Qu¡ndo
em 154Ô surgiu sua importante obra sobre o direito canô­
nico, Paraphraiis in uni versam saetrdoíhrum materiam,
ainda não tinha se convertido efetivamente; aceitava a legi­
timidade do papa, Jimi rando-se a observar que o soberano
O Contador da Estòrta m

pontífice devia ser sempre um pastor fiel e não um cirano,


Por volta de L557, seu tratado aobre os casamentos clandcs-
linos, em iodo caso, está de acordu com a sensibUdadc pro­
testante- em sua crítica ao direito canônico, seu ptessenri-
mento de que seria atacado por "venenosas calúnias, , . sob
-jtete.\to de religião" c sua afirmação de que seus argumentos
estavam "conformes à palavra de Deus".“
h t petit discours . . . des mariages clandestinement e
irreveremment contracta marca uma nova guinad* cm sua
vida. Era a primeira obra que publicava cm vernáculo. O
obfCTÏvo deste g-ascão não era o de enriquecer- a língua fran­
cesa, "a qual confesso muito pouco favorecida pelo meu mo-
do de falar natural e cspinltoso". Procurava antes mobilizar
a opinião pública; a autorização dos pais para o casamento
dos seus Eilhos í nm assunto que “não pertence menos aos
que nio são letrados do que aos conhecedores, doutos e sá­
bios”. Dedicou seu livro a Henrique II, cujo édúo recente
sobre os casamentos clandestinos de aprovava e que, pouco
depois, iria lhe conceder um privilégio de nove anos para
todas as obras que quisesse publicar ou reeditar. Esse pre­
sente incomum permitiu a Coras controlar a impressão e os
lucros de uma forma melhor que a grande maioria dos auto­
res dc sua época. Utilizou-o em 1358 para a tradução em
francês de um diitnga entre o imperador Adriano e o filósofo
Epíteto, dedicado ao Delfim, e depois, em 1560, para sua
grande síntese sobre a estrutura da lei, De iurií A tlev dedica­
da ao Chanceler dc França,

Em 1560, quando Jean dc Coras assumiu o cargo cm


La TourneJIe, tinha quarenta c cinco anos de idade e estava
no apogeu do sucesso Mas, como sugerem os fatos que aca-
124 O RETORNO DE MARTIN GUERRE

hamos de citar, era um homem ambivalente com aspirações


contraditórias. Moldara, é verdade, uma carreira brilhante,
mas seu compromisso com o protestantismo era maior, o
que finalmente Lhe custaria a carreira c a vida. Eminente
especialista dc direito romano, acreditava na autoridade da
família c no poder do soberano; não obstante, viria a ser
uma das grandes figuras implicadas nas sublevações protes­
tantes dc Toulousc. Advertia as famílias contra as “temerá­
rias paixões do amor", mas a simples idéia de que poderia
ir buscar sua mulher dali a um mês, corria a procurar a mala
e começava a embalar suas saias dc tafetá.H
Quando Jean de Coras entrou em contato com "Martin
Guerre", encontrou nele algumas de suas próprias qualida­
des. Embora não passasse dc um simples camponês, o prisio­
neiro era ponderado, inteligente e sobretudo eloquente.
"Não parecia que contava as coisas aos juízes” , di2 Le Sucur,
“ fá-las reviver diante dos seus olhos." “Não me lembro dc
jamais ter lido que algum homem tivesse a memória tão
boa", diz Coras.“ Tinha também a aparência de um homem
respeitável, apegado à família, e seu amor pela bela esposa
cra evidente. O fato dc ter processado na justiça seu tio.
por causa dc uma prestação de contas, não escandalizaria
além das proporções um homem que indiciara seu pai num
processo por inventário de bens. Se é correta minha hipótese
dc que “Martin Guerre” nutria simpatia pela causa protes­
tante, Coras tinha mais uma razão para pensar que ele era
pessoa digna dc fc.
Foi então que apareceu no tribunal o homem de perna
de pau, “como um milagre”, um ato da Providência, uma
graça de Deus para proteger Pierre Guerre e demonstrar a
Jean de Coras que estava enganado."
Coras refletira sobre os perigos da mentira dois anos
antes, por ocasião de sua tradução do diálogo entre Adriano
e Epíteto.
Jean de Gwin no final do» anos 1560,
còpia do século 17. por Baste», de um original perdido
126 O RETORNO OE .MARTIN CUEREE

Adriano: O que ¿ que o Eionuem nío pode ter?


Fpifeco: O curaçSy e o pehkimento de outrem.

Comenta o juiz: “E jia verdade não há entre os hamens


nada, muis detestável do que fingir e dis-simular, embota
n o s» século seja tão desventurado que, em todas as posi-
poes, aqucic que melhor sabe refinar suas mentiras, sim u­
lações e hipioerisiais muitas vezes é o mais reverencia­
do. Hr’\u
í’criu imAginado Coras algum dia que seria tão engana
üu, c por alguém cuja trapaça suscitaria sua admiração? Que
oura profunda e bem-acabada era aquela impostura — "as
rnil oecessárks mentiras" dfi Arrutid du THh! f Ele respon-
deu tão bem”, desse Le Sueur, “que parecia estar represen­
tando ), Os advogados, os funcionários do rei, e por que
nâu os próprios juízes, conheciam tudo sobre a arte de se
automodelar (do self-fasbioning, para retomar a expressão
de Stephcn Greenblatt), sobre a modelagem do discurso,
das maneiras, gestos e conversação, como qualquer pessoa
que, no século 16, alçava-se a uma posição elevada. Onde
se detinha a modelagem e onde começava a mentira? A in­
ventividade dc Pansette Colocava o problema dc modo agrido
aus seus ¡Luzes, muito íintes que Montaigne colocasse a ques­
tão para seus leitores num ensaio auto-acusatório.1*
A primeira reação de Goras foi negar que se tratasse de
inventividade humana. Du TiJh devia ser um mágico, auvi-
liado por um demónio. Era um traidor c Goras não tinha
absolutamente nada a lamentar em sua morte, tanto do ponto
de vista jurídico como do ponto de vista moral.
■-u. de Goras foi reconhecer que Arnaud
du Tílh tinha algp de fascinante que traduzia a situação das
pessoas de sua ciasse, e que, no casamento inventado do
novo Martin e Bertiamk dc Rols, havia algo de profunda­
mente falso, mas também profundamente justo.
Assim pôs-se à mesa de trabalho e afiou suas penas.
o Contador ãú Efiàris 127

Mais ujna rvnva guinda ern sua abra, uma üOVt edição OU
francês. Mas, atíma <k tudo, esse livro pcrrmtiaJbe julgar
novamcute o Homem que acabara de executar: condeuá-lo
uma segunda vez, mas tamWm dar-lhe, ou pelo menos n sua
e&TPcia. Uiua BCJiLindíI oportunidade-
Histoire prodigieuse, Histoire tragique*

LIVRO DE Cûras. Arrcst M émorable, C inovador canto


pela pluralidade dus pontos de vista como pela mescla
de généras. Embora possam se emantHr alguns u-aços ori­
ginais nele, Admiranda Historié de Pseudomartifto de Le
Sueur, inscreve-sc ri a longa Tiadição dos "relatos verídicos’‘
que desempenharam um papel tão importante ante$ do apa-
rccimenro da imprensa periódica. PanfEetu de formate pe­
queno, simplesmente coma a história dcwdc a chcggda dos
Cruerrc cm Artigat até a execução de Arnaud du Tilh, e ter­
mina corn nm pequeno dístico moral. Dm “amigo” de Tou­
louse enviou o manuscrito a Jean de Tournes, o célebre hu­
manista livreiro e impressor de Lyonj que à& veze^ çditavn
relatos verídicos. Mesmo sem esperar a obtenção de um
privilégio real para a obre, imprimiu-a imediatamentç cm
latim. Um outro manuscrito chegou às mãos do livreiro Vin­
cent Sertenas, em Paria. No final de janeiro de 156| _ Serre-
nas \Áes Lava com a tradução pira o ftancés e conseguira um
privilegio real dg seis anoa segundo boa e devida forma.
Editou-o sem o nome do autor, sob 0 tírulo Hiiívire Admira­
ble d'un Faux et Suppoié Mary, advenue ên J enguedoc l'an
mil cinq cem loixeM e. Foi assim que as notícias da impos-
4 fim fr a n c a ry. it f iKinp| ¡¡o M .
130 O RETORNO DE MARTIN GUERRE

tuta começaram a circular, engrossando a literatura já volu-


mosa das "terríveis" ou "maravilhosas" estórias de assassi-
natos, adultérios e cataclismas de todos os géneros.'
Entrementes* em 2 de fevereiro de 1561, Jesm de Coraa
aasinavft a dedicatória do seu manuscrito e expedia-o ao co-
inerciante-Itvreifo Antoine Vincent, de Lyon, transferindo
die seus dira tos, cobertos pdo privilegio fr a ld e nove anos,
Atí então, o editor tionêa publicara pouquíssimos livros em
vernáculo ; sua fortuna se construíra sobie a publicação de
obras em latim, entre as quais De actiomhtts, de Coras, apa-
rcctdo em 1555, e seu De taris Arte, de 1500/ O novo tí­
tulo em st já em muito atraente e cheio de frescor para um
leitor de 1561 : Arrest Mémorable, du Parlement d e Tolosef
Contenant une histoire prodigieuse, de notre temps, avec
cent belles, & doctes Annotations, de monsieur maistre Jean
_ f Coras, Conseiller en ladite cour, £ rapporteur du procès.
Prononcé es Arrestx Generaul>; le xit Sptembre MDLX.
Esporadicamente eram publicados relatórios de sentes
ças criminais na França, como o processo daquele italiano
condenado por ter envenenado o Delfim em 1536. E já
começavam a surgir coletâneas de julgamentos, tanto crimi­
nais como civis, Mas, na obra de Coras, a sentença propria­
mente dita ocupava apenas duas páginas, num total de 117,
E o juiz, ao invés dc reservar seus comentários para algum
douto tratado de direito criminai, preferira desenvolvê-los
ampla e prefundamente nesse entretenimento. Coras pode
ter sido o primeiro jurista na França a explorar um dos seus
próprios casos criminais numa obra na língua vernacular.*
I
'. .. Dt!*. û ^ VJlUmOjtttttt de DJS, tojos üa prccftlimer.íM
iadK-i4.il deviam SCI sn frilKfc. Nos uuoi civis, aberta* n póbjú», cu dis-
;* ldv°eai ,> k crciD im j*rw ai. e no final do pfcula IS
.a.llHraiMç l in « t a r t > b h r in o «Keriado [Catherine E . Hnlm«, V E bem K *

r UJ “?™ ““
^
« H Miitm Gume, nmli,, « j w tão« É e « h « »«.tença, 7, L ™
rinha doeursos de adTOíadM. j*n
HSniftHVtí que ¡¡jalqucr Lratamen:,} titeríikí |rateriw i, c p fíil(;rifl M (
eraiOT fcooiutrii(iü por Jwne aLltúr
Histoire prodigieuse, Histoire tragique m

E ainda havia a expressão “uma estória prodigiosa” , a


mdhor possível para a venda. As coletâneas de "prodígios”
— plantas ou animais fabulosos, visões estranhas nos céus
c nascimentos monstruosos — , tão logo eram impressas, su­
miam como pãezinhos frescos- Um ano antes, Vincent Ser*
tenas publicara as Histoires prodigieuses dç Pierre Boaistuau
c, quando saiu o opúsculo de Le Sueur, a expressão se intro­
duzira no soneto introdutório do relato do falso Martin;
"As histórias mais prodigiosas que se Icem / Do tempo dos
cristão ou dos pagãos. . , / Se leres este escrito, nada te
parecerão / Ao lado do falso marido, , . Giras tampouco
hesitara em usá-la no título, dando-lhe o mesmo sentido dc
Boaistuau, que aliás fora seu aluno em Valença, Certamente,
um prodígio é algo bizarro e maravilhoso, mas nem por isso
i único. Os prodígios constituent ús casos mais extremos e,
portanto, os mais raros demno de um conjunto de coisas ou
acontecimentos dc mesma natureza. Assim, no caso que nos
interessa, a impostura ultrapassava tudo o que até então se
ouvira.11
À primeira vista, o livre de Coras j>arece ser um co­
mentário jurídico, com o jogo constante das relações entre
Texto e Anotações, Na realidade, a maior parte do Texto não
consiste cm documentos oficiais, mas naquilo que o autor
chama le texte de ín toile du p rocèsî — a “ trama” tecida
pelo próprio Giras — , e muitas vezes as Anotações nada têm
a ver com a lei. Podcr-seáa defini-la simultaneamente como
uma obra jurídica que questiona o funcionamento da lei,
um relato histórico que duvida da sua própria veracidade e
uma narrativa que se desdobra entre as fronteiras do conto
moral, da comédia e da tragédia.
Ê evidente que essa forma heterogênea deu a Cotas uma
liberdade que nunca tivera antes, mesmo que suas obras em
latim abarcassem temas bastante amplos, rnicialmcnte, pro-
porcionou-the ocasião para se entregar a uma refleiSo sobre
as questões essenciais da prática jurídica de sua época: tcS’
132 o RFTORNü DE MARTIN GUERRE

tenuirthas, evidências, tortura, natureza da prova, etc. O caso


Marrin Guerre íornetia-Ihe um exemplo onde os “ melhores”
testemunhos sc revelavam falsos, a verdade se encontrava
nos boatos e os juiz« se extraviavam. Hm segundu Jugar,
podia disent ií o casamento c problemas a ele ligados ï noi­
vados dc filhos impúberes, impotência, abandono do leito
conjugal ç adultérin.* Aí encontraria também material para
comentários religiosos, como sobre a blasfêmia, sem dúvida,
deu-se ao malicioso prazer de lançar algumas alfinetadas dis­
cretas contra o catolicismo. A água benta, hóstias e fugaças,
longe de wrem meios eficazes para livrar do maleffdo um
homem afetado peja impotência, não passavam de "v is su­
perstições": mais valia orar c jejuar. E suas observações sobre
a feitiçaria deixam transparecer sua sensibilidade protestan-
redimidos pela paixao de Cristo, devemos suplicar-lhe
Hfquc queira elevar nossos corações ç nos dirigir para seus
caminhos, para que pela luz de sua palavra possamos expul­
sar de nós todas as ilusões, aroffeins e imposturas, com as
quais o diabo que sempre rema nos enredar faz incessante-
meníe novos embustes contra os filhos de Deus e sua Igre-
]V”
Mas não seria de uma forma bem mais fundamental
que Coras via nessa estória c confirmação das teses prof«'
tantes? Certas circunstâncias que acompanharam sua publi­
cação mclinam-nos a crtr nisso. O editor, Antoine Vincent,
era uma das figuras dc proa do calvinismo francês, Um pouco
depois, no mesmo ano dc 1561, viria a obter o privilégio
real para o Salmério Calvinista, um best-scUcr da língua vuU
gar que superaria Arrcst M émorable, Coras dedicara seu li*
vro a Jean de.Monluc, bispo de Valença, cujas idéias foram
consideradas heréticas peta Faculdade de Teologia de Paris
naquele mesmo ano. A publicação inicial de Le Sueur tam­
bém tinha uma certa posição protestante: um autor que se
voltava para sentimentos calvinistes; uma dedicatória ao juiz
kíiehc! Du Faur, suspeito de simpatias heréticas; um im-
Histoire prodigieuse, Histoire tragique 133

pressor, J c ¡m de Touroes, defensor da nova religião. Coras


c Le Sueur podem ter se perguntado se as desgraças dos
Gutrre oeorrtriam na cidadc reformada de Genebra, onde
as novas leis sobre o casamento e um Consistório vigilante
não teriam permitido u m casamento entre pessoas ião jovens
ou, então, forçariam Bemande a se divorciar logo, e em todo
caso descobririam rapidamente o aduitério. E não era um
deus protestante que concebera o retomo do homem com
perna de pau no m o m e n to o p o rtu n o , para abater a confiança
excessiva dos conselheiros do Tribunal de Taulouse?1
Se Coras e Le Sueur tinham tais concepções, nao as
impunbam aos textos. Arrest Memorable encontrava leito­
res entre as duas crenças, católica e protestante, e seria im­
presso posteriormente em Paris por editoras católicas. Vln-
cent Serrerías, o editor de Le Sueur em Paris, também era
errático. Na realidade, a dedicatória de Coras a Jean de Mon-
luc SÓ apresentava os propósitos leves do livro: havia aí “um
argumento tão belo, tão aprazível e tão monstruosamente
estranho“ que poderia trazer ao bispo “ recreação e descan­
so" em meio ãs suas preocupações.1
De fato, a construção de Arrest Memorable c bastante
complexa: a mescla dc tons e dc formas são as características
centrais. É um Jivro jurídico que questiona as operações do
direito; é um relato histórico que levanta dúvidas sobre sua
própria verdade. É um texto que se move entre o conto mo­
ral, a tragédia e a comédia. Oa heróia parecem vilões, e os vi­
lões parecem heróis; e a história é contada de duas maneires
ao mesmo tempo. A matriz legsl do livro ajuda a cciai essa
complexidade, O Texto de Cocas ínspirava-sc no documento
que redigira «uno relator da corte de Taulouse, ande pesava
os argumentos a favor da acusação e os da defesa. Agora,
ele joga constantemente com a distância entre o seu estilo
administrativo, onde se trata do “réu", do “dito du Tilh",
e as Anotações, onde o mesmo homem c qualificado dc “ esse
IH O KKTORM> DE MARTIN CUEREE

Jnístíco”, “case Juxuriuço” ou ainda " « * t prodígio» ofen-


sol
AJém disso, optou deliberadamente por acentuar certos
traços e omitir outros. Pode « até dizer que * pemáfin. ai-
ííumas distorções da verdade para enfeitar seu relato. A me­
moria de Arnaud toma-se ainda mais prodigiosa do que já
era. Pelo que nos conta be Sueur, ele teria esquecido o nome
deum dos padrinhos, que assistira à crisma de Martin Guer-
re. Mas çm Goras eie nunca esqueçç. Ademais, esforça-« em
se apresentar a si e toda a corte como ¿mensamente menos
convencidos da inocência de Arnaud do que de fato. Nunca
menciona a prisão de Bertrandc c Pietre — no entanto du­
rou meses. O fato 6 relatado por Le Suenr e, principalmen­
te, anotado duas vezes nos registros do Tribunal. A sentença
z j J ' j 1™ ^ . i5 6 0 diz' ^ t t letras, sobre
nertlande de RoLs c Pterre Qicrre; "antes prisioneiros por
cszao do assunto , mas quando Coras reproduz o veredito
cm seu livro, contenta-se cm substituir a frase por um ‘'etc/1.
A onussio não sc devia a um cuidado de concisão ou
economia de espaço, já que vemo-lo acrescentar à sua versío
da sentença vários crimes dc que Arnaud du Tilh não era
realmente acusado: “rapto, sacrilégio, pkgkto [no direito
romano, sequestro de uma pessoa para venda ou outro abu-
w j ; furto t o t í o m j m pelo dito du Tilh prisioneiro cometi­
óos , As Anotações dc Coras mostram-nos que considerava
esses crimes como extensão do adultério e usurpação de nome
e p«soa; sem ddvida, também lhe permitiam tornar mais
aceitãvel a pena de morte.*
Todas essas modificações tendiam a fazer de Arrest
Memorable um conto mora], As qualidades excepcionais de
rnau eram realçadas por comparações com os grandes im-

J E E í P"1 ÍB[ *» qu<- t, lurto m


' Car“ * “ VV* itm ««rretarií tunden**, c UW),
Il tí to ire prúdigiíUie, HiítOtre tragique 135

postores. Jos tempos bíblicos, da antiguidade clássica c tem­


pos mais recentes. Tamanha semelhança física entre dois in­
divíduos sem nenhum laça de parentesco já era em si algo
pauto comum, mas, tao longe quanto Coras pudera levar
suas pesquisas, jamais houvera um exemplo onde a seme­
lhança do físico e dos costumei — “mil fraudes C mentiras''
— conseguira enganar tanto e por tanto tempo. O falso
conde Baudouin de Flandrcs, no século 13, não enganara a
filha do conde, Jeanne, apesar dc todas as provas que pudes­
se apresentar, Mas, aqui, não só os parentes tinham sido lo­
grados, mas até, coisa “ que deve levar cada um a uma admi­
ração anula maior” , sua própria mulher, que vivera com ele
na intimidade durante très anos "sem jamais se aperceber c
nem sequer suspeitar da fraude". Essa versão explica o en­
gano pelo assombroso poder de iludir de Arnaud du Tilh, o
que tornava plausível a acusação de feitiçaria — Coras d
que não podia se livrai dessa opinião, ainda que du Tilh
negasse qualquer artifício diabólico — e ao mesmo tempo
aceitável sua execução exemplar, Bcrtrande nio passa da
simplória tapeada, o que é compreensível visto que “a fragi­
lidade do seu sexo, fácil de ser iludido, pela astúcia refinada
e habilidade dos homens'’."
Contudo, havia algo inquietante nessa versão, tanto
para os cônjuges como para os amantes. Mas estórias engra­
çadas, tSo correntes ua época, onde um personagem substi-
nu um outro para fazer amor cm seu tugar, protegido pck
escuridão da noite, geraímenre a vítima não nota a diferença.
(Só conheço um exemplo contrário: o velho cavaleiro das
Ceni Nouvelles NouvelUí percebe a diferença entre o colo
firme da jovem criada e 35 formas amolecidas de sua espo­
sa.)11 Mas, no caso de liertrande, tratava-se de uma histó­
ria verdadeira e não de um estereótipo da literatura galante,
tanto mais que a trapaça duioti bem mais que uma noite.
A “fragilidade do sexo” seria Lão grande que as esposai não
conseguiriam distingi]ir entre o amor conjugal e o adultério?
1 Ì6 O RETORNO DE MARTIN GUERRE

9 , maí'do traído, Martin Guerre, estava convencido do


contrário, como provam as palavras que Leria pronunciado
perante o tribunal, segundo Coras e Le Sueur, E é difícil
crcr que Coras, cujas relações com Jacquettc de Bussi co­
nhecemos, pudesse acreditar realmente que as mulheres sç
enganassem com tanta facilidade.'
Mas o juiz deixara falhas no próprio conto edificante,
Onde estava, então, o seu herói? TJm conto, supostamente,
abre-se com a partida do herói c conclui com seu retomo,
sua vitória sobre o falso herói e seu casamento. Mas a par­
tida de Martin Guerre é condenada, seu retomo, por provi­
dencial que seja, mnstra-o a nós como inflexível e impeniten­
te; não vence a justa da memória contra Pansette. Coras
não nos diz se o casal ficou feliz com o novo reencontro. Le
Sueur, que não demonstra grandes simpatias por Martin,
neui por isso deixa de reproduzir a cena onde o presidente
Mansencal Lenis reconciliar os dois esposos; nada disso apa­
rece cm Coras.11
L’ma omissão ainda mais curiosa é a escassez de detalhes
da primei rei edição .de A nest Mémorable sobte a confissão
e execução de Arnaud do Tilh, A confissão é mencionada
duas vezes de passagem H — o fato escapa totalmcntc ao
leitor apressado , e o livro conclui com o reenvio do con­
denado ao 1 rihunal de Rieux. Goras deixa ao leitor um recto
espaço de dúvida se a Câmara Criminal realmcntc apanhara
o homem cerro.
Ë apenas na sua edição dc 1565 que Coras preenche
essa lacuna, forncccndo-nos a confissão de Arnaud du Tilh
em Artigat, mas apenas para nos deixar numa nova situação
ambígua, quando nos diz, cm uma dc suas belas Anotações,
que toda a estória é uma ' 'tragédia1h:
Ae rcla^fc:, tTOTi Í J Ú fú t JiHjyjEÜJit (tf Cutnj também pemiccm mpot
q i t nutri« pof d * um p u ií^ ftfeio. Km i« « n b tu t i 1J.W, Ij k Iuiíu para ^1„
L a Bflïisr reig/ff çfe Juin P íjq ^ Miruqdals Jo Jntim p m 0 frin râ, «m o
Ibtns defeM « n rr* i. iEntaçfc. O lim » Éoi c J lu d o « n 1SK1 t m L y m , jum s-
m ennf tv tn u rtu rWvn t r iiç in <fc A trtst H rm m H tt.
Hisíotre prvdigieuse, Hi stoffe tragigue 1.37

T rxlo: Vendo e considerando que, jà qa£ DS mais [itivados e


particulares mitigos do dito Maron G u a n i linham # Lludido
i(;,m eie. . . . xtiià-se de desempenhar i uafiddia que vocis
Hqi:i ouviram,
AnatnçSes C N - Frt veidadeiraTjKtìK ama ttuftidia para esse
gentil rùstico ; tanto que o TemUado foi multo funesto = oii-
seràvcj paia eie, Al=m do que ninftuím sata n diferença entre
tragédia e comédia, ■ -

O impressor parisiense da edição de 1572 acrescenta


seu grão de sal falando em "tragicomédia” , a qufll lentamente
abria seu caminho tanto na prática como na teoria literária
francesa do século 1 6 :* “Pois a Ptótase, ou abertura, é
muito divertida, agradável e recreativa, contendo as astúcias,
manhas e irapaças de um falso e suposto marido", {O leitor
poderia pensar que tem nas rnâos um exemplar do Decante­
r ò t de Boccaccio, ou o Hepltitticrão, de Marguerite de Xavar-
ra, ou ainda o romance picaresco Lazariilo de 1 ortnes,) A
Epírasc, ou entrecho, incerta e duvidosa, para os debates
e diferentes fatos sobrevindos durante o processo. A Catás-
trofe ou a Moral da estória triste, lastimável t miserável, , , ”
IjC Sueur também dá ao seu relato mais simples uma outra
coloração, ao fatar várias vezes de tragèdia.
Mas a originalidade da visão de Coras nessa estória
camponesa merece ser ressaltada. À trugicomédia rta França
tinha ura desfecho feliz e tratava de nobres — pelo menos
para as personagens prirtcipais. Se as Hiitoires tmgtqtt£f do
italiano Jkndello, traduzidas, adaptadas e publicadas por
Pierre Eoaistuau em 1559, combinavam bem a força trágica
e a paixão "prodigiosa’1, nenhum dos protagonistas era al­
deão. O fato de Coras ter concebido "peças dc tragédia entre
pessoas vis e abjetas” devia-se indubitavelmente (conforme
ressaltei no capítula anterior) ao seu caráter, capaz de se
• fl tiBitmtc irtl(«*iiiruE que o letnn "tMpffumédifl" tenta sui) tfnpre>
paio -pela fiunelrt Vt3 no pedlu^ J r Anfitrião, de P]#iHo, ume teÇí- tnhte
ii pcdtujis, coti em litini c infleis nn ioLirlo do siculo Ü-
138 O RETORNO DE MARTIN GUERRE

identificar de certa torlna com um hurr.em rústico que , como


dc, soubera se reconstruir.“
Ma versão “ coraicritica” , Arnaud du Tilh possui ainda
dons [ncomuns: ó comparado ¡1 Júpiter disfarçado de An-
fitrião, para seduzir sua mulher, e ultrapassa as memórias
mais prodigiosas da antiguidade, como Portius Latro, ami­
go dc Séneca. Mas tem cúmplices, entre eles Bcmande de
RoJsh que, longe de ser apenas a tola enganada, decide com
pleno conhecimento de causa viver conjugalmcnte com ele.
(Esta Bertrande está presente no texto de Coras, mas dc
modo menos evidente do que a esposa ludibriada, e foi total­
mente eliminada da versão de Le Sueur. A imagem dc uma
mulher qne dispõe do seu corpo h sua vontade é muito mais
perturbadora do quç a automodclagem de Panseite. É tema
de pesadelos* como quando Coras escreve a Jacquettc sobre
um estranho sonho que tive ontem, que na minha frente
você estava casada com um outro e quando lhe mostrei o
erro que fazia a mímf em troca voce mc deu as costas1 17
Aqui pode-se aprovar a traição a um marido micialmente
impotente e depois ausente, Arnaud du Tilh converte-se nu-
tna espécie de herói, um Martin Gucrre mais real do que o
homem de coração empedernido e perna de pau. A tragédia
reside menos na impostura e mais na sua descoberta.
12
Dos Coxos

í<T7 NVIO-LHE. . . um dus meus arre.uz de Martin


J j í Gixemc, nnuamçnre e pela quinta vez reimpresso", es­
crevia Jcan dc Coras a sua mulher em dezembro de 1567.
Podia-se orgulhar da forma como caminhava o livro, mesmo
talvez com as edições publicadas em Paris e Bruxelas cm
1565, em violação ao seu privilégio de nove anos. O formato
agora era menor, um sinal certo do menor preço do livro c
de que os editores esperavam alcançar um mercado maior,
No início de 1.572, editores parisienses publicarem-no com
sua própria concessão real de dez anos.1
Nessa época, Coras pouco estaria pensando sobre seu
Arreít Metàorable. 1nicialrncntc entram cm confliro com
seus colegas católicos no Supremo Tribunal, após o levante
calvinista em Toulousc em maio de 1562 (as testemunhas
declaravam que os arcabuzes tinham sido disparados das
janelas da casa dc Giras, o que ele negava calorosamenre).
No início dc 1568, os juízes protestantes não só tinham sido
expulsos do Tribunal como também condenados por aha
traição c enforcados em efígie. Coras servia à causa como
chanceler para a rainha huguenote de Navarra, Jeanne d'Ah
bret, De volta a Toulouse após a pacificação, ele e François
dc Fcrrières foram encarcerados na esteira dos massacres do
Dia dc São Bartolomeu em Paris. Em outubro de 1572,
140 O ÍLKTQRNO DE MARTIN GU.RRRE

fórum linchados em seus manto* vermelhos por uma tuiba


católica defronte ao edifício do Tribuna].1
Contudo, as obras dc Coras continuavam a -ser publica­
das. Enquanto as pessoas lutavam sobre a verdadeira e a íal-
Sfl igreja e a s ilusões do demônio,‘o livro sobre o marido-
impostor era mais uma vez, em 1579, editado em Paris, Em
1576 e 1588, surgiram traduções latinas da primeira edição
em Frankfurt (c uma <ldas chegou à Inglaterra). Finalmemc,
nos últimos anos Jo século, Eartbélemy Vincent, em Lyon|
retomou o autor editado por sen pai.3
O livro foi adquirido pimxnpalmentc por juristas e con­
selheiros, que assinavam seus nomes nas páginas de rusto,
entreviam anotações nas margens, comparavam-no n Para-
pbraze sur t'E Jk i des Mariages dandestinernent contraçtez,
de Coras, ou a outros livros sobre as leis de casamento, No
início do século 17, Arrest de Martin Gutrre era citado en­
tre os textos fundamentais para qualquer estudioso de di­
reito. Mas^ também era apreciado por suas qualidades literá­
rias; um leitor, por essa razão, cncademou-o juntameme
com Admiranda historia, dc Le Sucur/
A obra dc Le Sueur encerrava sua carteira transformam
do-se, como certos relatos verídicos, em lenda popular. Já
desde sua primeira edição «n francês, desapareceram as
comparações com Júpiter. Mercúrio, Anfitrião c Sosíus. Ar-
tígat iransforcQou-se em Artjgne e du Tilh cm Tjdíe __ e
nunca foram corrigidos. Na reedição de 1615, Bertrandc
convcrte-sc no título numa “ mulher notíveT, A trama tem­
poral se dissolve: o acontecimento ocorre "durante esses
últimos problemas”, sem nenhuma referência à batalha de
Saint-Quentin e Filipe I I ,1
Sabemos como o livro do juiz foi recebido pelos leito­
res através daqueles que reescreveram-no ou eomemaiam-no,
Jean Pflpon, Conselheiro do rei no Forez, incluí-o em seu
R ecu ai ¿ ’arrestz no(ables, redigido em 1566, na seção sobre
adultérios, Ele ficara particuíarmente chocado com “a mui-
Dos Coxos 141

tiplicação dos crimes'1, de Aiirnud du Tilh (multiplicação,


lembremos, que foi obra de Coras na edição impressa) e
achava que cada um deles mereceria a pena de morie. Para
Gdraud de Maynard, ex-aluno de Coras e posteriormente
juiz no Tribunal de Taulouse, era a questão da Legitimidade
dc Bcrnardc du Tilh e seus direitas à herança do seu pai
acusado dc impostura que constituía o material de Nota­
bles . ... ífuestioNS du âroict, Étiçnnc Pasquier inclui o caso
de Martin Guerre em seu Reeberches d e la Frunce, entre ou­
tros processos que se encerraram com provas miraculosas.
Redrando detalhes principalmente do relato dc Lç Sueur, o
historiador e ilustre juiz de Paris achava — c tinha certeza
que as mulheres concordariam — que Martin Guerre devia
rcr sido punido por abandonar a esposa/
Para os comentadores, menos interessados em questões
jurídicas, o que os atraía eram as características prodigio­
sas” , maravilhosas da estória, ü erudita editot Henri Es-
tiennc utilizou-a para demonstrar que uma história de Hfitó-
dato sobre uma impostura bcm-succdida não era cão incrível,
Gdbett CotLsin e Amoine Du Vcrdicr incluíram-na entre
relatos dc revohas camponesas, cometas e inundações, trans­
formações de mulheres em homens c conspirações políticas.
François dç Bclleforest colocou-a num capítulo sobre seme-.
lhanças físicas notáveis em sua continuação dc Histoires
prodigtcuses de Boaistuau. (Evidentemente, encontrava-se
entre a multidão que aguardava o pronunciamento da sen­
tença em Tnulouse. É de perguntar se TScllcforest lembra­
va que Pansette era seu conterrâneo quando afirmou que
os maridos do Gomminges tratavam suas esposas "doce­
mente e não com essa rudeza qne se atribui ao& gascocs” .)7
Quaisquer que fossem seus motivos literários ou pro­
fissionais, todos esses autores concordavam em fazer de Ar-
naud du Tilh o personagem mercante, a figuia inventiva do
conto, a ser admirado e temido, invejado c repelido. Alguns
jnencionavam a possibilidade da magia, mas não a acentua-
142 O RETORNO DE MARTIN GUERRE

vam muito, visto que a personificação não era o tipo de


malefício de que se acusavam as feiticeiros nos processos
contemporáneos.' Bcrtrande e seu papel composto desapare­
ceram completamente, assim como quaisquer dúvidas sobre
a justiça da sentença. Contudo, é» preciso acrescentar que
não possuímos nenhum comentário feminino sobre a histó­
ria até o século 20. Não chegou a nós a reação de Jacquettc
Bussi ao livro que lhe foi presenteado pelo marido. Mas
duvido que ela tenha acreditado que Bcrtrande dc Rols se
deixara enganar por tanto tempo.*
Há duas exceções que vêm discordar da unanimidade
desse concerto de vozes masculinas. A primeira provém do
poeta occitinio Auger Gaillard, antigo soldado do Albtgeois
e protestante. Em seu Amours prudigieasei, dc 1592. publi­
cado em francês c occitânio, identifica-se não com o "enga­
nador aguerrido” (trompeur aguerri), mas com a esposa
ludibriada:
Em B 6 un e cm França
Muitas moça» vi com semelhança
Que entre ai prontamente trocariam
De modo que teriam me enganando facilmente.**
, * O encantador romance de Jancl Lewis, The Wife of Martin Guftre,
aob muitos aspectos difere do »eu relato histórico, nus asaemelhun-se to
apretentar uma Demande que nSo t Ingénua e tem alguma independência de
espirito
** Goitlar publicou o poema em trancé» e occitinio:

Em Blarn et en Franca
Maivtes filia fay t-ett J'une mamt ¡amblante
TtlUmeni que chanter te porroint atiénten!
Dt torie que Tom meutt trompé fanlemente.

E m Bear et en Frantto '


A proa filhas ¡fu* ton tontos ¿'uno lembíanuo
Que Tíeu «e prenso cap ¿ ‘agúalos que ue jau
A my m'en potorro preñe ai tal Je la iastuta.

Coras dé um exemplo de impostura feminina uma rnulher que cobiçava


tora herança na época de Augusto, cm Milão (p 23).
V E D E lr N GENTILS-
hommes fc rapportons tellement Je fa ­
ce, voix , parole & T^fas qu tl cfloit
im pofible de les difeerner en forte
q u e lc o n q u e .

H ifto ir c première.

I
E n ’ig n o re point qu’entre les grand*
miracles delà nature on n’aie de tout

Um caso de notivel scmelhança no »¿culo 16,


extraído de FrarvçoU de Bclleiorcst, Histoires prodigieuses
(Paris. I57d»
144 O RETORMO DE MARTIN GUERRE

E se regozijava por estar apaixonado por uma mulher


moura, certo de poder reconhecê-la mesmo que ficasse au­
sente por mais de cem anos.’
A outra exceção é Montaigne, em scu Des boyteux
(Dos C o x o j ) , que apareceu pela primeira vez cm 1588.'°
Muitas vezes pensa-se que esse ensaio introduz o caso de
Toulouse de forma apenas incidental, numa discussão sobre
a queima das feiticeiras, mas de fato as questões que Mon*
taigne levanta não se limitam à feitiçaria, e por todo o texto
ressoam ecos de Giras c seu livro. Montaigne ressalta a difi­
culdade cm se saber a verdade sobre as coisas c tenta nos
mostrar a que ponto a razão humana é um instrumento in­
certo: “A verdade e a mentira têm seus rostos semelhan­
t e s .. . olhamo-las com o mesmo olhar’*. Ele próprio admite
se deixar levar pelo calor da argumentação, exagerando a
verdade nua pelo vigor de suas palavras. Todos tentamos
fazer prevalecer nossas opiniões, forçando os outros a acei­
tá-las a ferro c fogo. Não valeria mais sempre hesitar do que
dar provas de presunção? Ser um aprendiz aos sessenta anos
do que se considerar um doutor aos dez?
E neste ponto do seu argumento, que constitui o pivô
central do ensaio, que Montaigne introduz explicitamente
o caso dç Martin Guerre:

V i em minha infância um processo de um acidente estranho:


que Coras, conselheiro de Toulouse, mandou imprimir, dois
homens que sc apresentavam um pelo outro. Lembro-mc (e
nfo me lembro tanto de outra coisa) que me pareceu ter ele
considerado a impostura daquele que julgou culpado tão mara­
vilhosa e excedendo em tanto o nosso conhecimento, e o seu
próprio enquanto juiz, que achei muita audácia na sentença
que o condenava a ser enforcado.

Montaigne teria reservado scu julgamento, como os


O castigo vem com perna de pau,
extraído de Otto Vaenius, Quinti Horatii Flaca Emblrmota
(Antuérpia, 1612)
14 6 O RETORNO DE MARTIN GUERRE

sessenta camponeses de Artigírt e Sajas que não conseguiam


vet diferença entre Martin Guerre e Amaud du Tilh: *

Aícitemíi= forma ie sentença que diga: MA cotte nada


«itende", cvid m iii liberdade c ingetiuidadc do que os Areo-
pagitHj us quais encimimudo-se P r io r a d o por uma rauu
que «4fi conscguiarm deserabarsçar, ordenaram que ns partes
vültaswm dali a eciri amos.

Montagne tesaalta as pobrts evidências que existem


psra decisões tão ítreve^áveis quanto a de queimar uma fei­
ticeira.. "Para matar as pessoas c preciso uma clareza lumi­
nosa e límpida. ' F, Motitaigne cita o provérbio italiano;
Niü conhece Vénus em sua plena doçura quem não dormiu
com a manca . Alguns aplicam-no também aos homens, afir­
mando que os que lhes falta nas pernas encontra-se nos seus
membros genitais, Não é a forma como nossa imaginação
mu arrebaia o exemplo supremo do coxcamento dos nossos
raciocínios? Isso n leva a se interrogar sobre “a temeridade”
de quem julga. Para Montaigne, 4,nio há outra sentença ou
ponto de parada além do da necessidade” .
Em Des boyteux”, Montaigne é muito duro para com
o pobre Coms, há muito tempo falecido, duro até demais,
pois, paradgxalmente, exprime aí uma das mensagens essen­
ciais de Arresi Memnrable. Coras, com pouco mais de dez
anos, agira como um doutor, e a divisa com que assinara o
livro era "À raxão cede”; mas aos quarenta e cinco anos
reconheceta a que ponto sua razão o enganara e quão difícil
para um juiz era separar o verdadeiro do falso. Coras reco­
mendara a pena de morte, quando podia requerer as galeras
ou o banimento, Mas foi a narração do juiz, evocando o caso
sob suas múltiplas facetas, que deu a Montaigne as varas
* f - * ^ Jemhrat q t*. na finn! do julgamento, pmeixiadir por Momidgme,
Arasud du T ilt ainda auatratav* t a Manin G u tn t. AJém dUoo, Múrttaipw
pode ttr k b apeiiM a primara ttifcio de A rr«í, df & ™ , rgie não aproemo
* .r n ir ir ^ iij de A çfiau rj.
Dor Coxos 147

para fuscígã-ln. E a tarefa de Montaignc era mais fácil: esta­


va escrevendo nío como juiz, mas “ pelo discurso” , ao passo
que Coras enfrentara uma família e uma aldeia dividida à
espera da decisão da corte.
A Eeitum conjunta de Arre st Memorable c Der boy-
teux di a ambos uma nova dimensão. Montaigne volta
hicessaiiccmcnte à imagem de pernas, ao longo de suas pagi­
nas. A perna deformada pela gora do príncipe pretensamente
corado pela "maravilhosa operação'1 de um padre; as pernas
finas dos franceses e us pernas grossas dos alemães* ambos
os casos explicados pela prática da equitação; as pernas alei-
jadus, enfim* da sensual manca. Mas o próprio Montaigne
ê deformado, isro é, de difícil compreensão: “ Nãp vi muns-
[to e milagre no mundo ruais manifesto do que eu mesmo. . .
quanto mais eu me írçqiiento e me conheço, mais minha
deformidade me espanta” , As pernas de Martin Gucrrc e
Arnaud du Tilh também foram fonte de perplexidade, Mas
o homem “chegado das Espanha? com uma perna de pau”
seria um indício tão convincente? Ccrtamettte, desde Ho-
rácio sabe-se que o castigo, por mais que coxeie, alcança o
criminoso mais veloz. Mas também se conhece o provérbio
que a mentira anda de muletas e não se pode ir muito longe
com elas." Coras acreditava ter descoberto quem era o im­
postor, tnas no centro do seu Atrest Mernowble encontra-se
urna incerteza tio profunda como em Montaigne.
Epílogo

M 1363, quando novamente dispomos de informações


E sobre a aldeia de Artigar, nido parece estar em seu lugar
e as dúvidas se dissipam lentamente. Pierre Guerte e Mar*
tin Guerre.unem seus esforços para apaziguar uma disputa
entre dois vizinhos. Decide-se que A. Rols será um dos árbi­
tros do conflito e todos SC dobrarão à decisão. Pierre ainda
tem assuntos a tratar na corte de Rieux. Processara na jus­
tiça um grande comerciante rural, James Delhure e sua mu­
lher Bemarde. Talvez possa-sc ver aí uma Leiuativn pata
reobter para a família Guerrc alguns dos bens vendidos por
Àroaud do TilL. Coras julgara que Martin Guerre tinha o
direito de anular raL& contratos c o comprador estaria auto­
rizado a manter os henefícios que extraíra da terra naquele
ínterim,'
Sobre Martin Guerte e Bettrande de Rols não temos
nenhuma informação direta, mas é ceno que agora estavam
reunidas as condições para jiii armisticio entre eles. Sc ela
cometera o pecado do adultério, ele era um marido traído.
(Em tudo u caso, havia uma antiga tradição local que iccon-
ei liava os adúlteros tom seus cônjuges com o pagamento de
uma multa,}: E sc ela fizera perdoar com a facilidade com
que aceitara o impostor, d c devia.fazer esquecer a levian­
dade c irresponsabilidade que levaram-no a abandonar o lar.
UO o RETORNO DE MARTIN GUERRE

Ag°ra Martin tinha estórias maravilhosas a contar sobre


sua vida entre grandes homens em lugares distantes; invá­
lido, precisaria de uma mulher para cuidar dele, [O terror
popular em ficar aleijado se manifesta na praga do Langue­
doc: ''Que suas feridas na perna o devorem1" (“fe maulubec
vous trousse”),Y Ela agora adquirira todas as habilidades
e autoridade que antes lhe faltavam e precisava de um mari­
do e um pai para seus filhos.* A única questão que poderia
ser um ponto de discórdia entre eles era a religião, pois Mar­
tin, após servir a um cardeal espanhol ç tei sido irmio laico
cm São Joio de Jerusalém, podia ter voltado como católico
fervoroso, ao passo que Bertrande cerrameme se inclinava
para o protestantismo.
Mesmo o leito conjuga] de Bertrande retomou uma ati­
vidade, a julgar pelos registros paroquiais c pelo tem er de
Arrigat, com a divisão das propriedades entre os filhos do
falecido Martin Guerre em 1594. Sanxi morrera, não sem
antes passar seu nome a um afilhado na geração seguinte,
Sanai Rols, A olaria de telhas, très casas e varias parcelas
de tema de ambos os lados do Lèzc foram partilhadas entre
Pierre e Gaspard Guerre, filhas de Martin com Bertrande,
e Pierre, a jovem, seu filho (nascido por volta de 1.575) com
sua segunda mulher.* (Os descendentes de Martin nitida­
mente vivem ã moda do Languedoc, e não à maneira basca.)
Hm meados do século 17, hí um outro Martin Guette na
aldeia c tém pelo menos seis outros parentes com o mesmo
sobrenome de família, entre eles Messire Duminique, o no­
tário, e uma certa Anne de Guette, bcm-casada com um
Banqueis, Os Guerre e os Rols estio em ótimos termos, apa-
driohani’Se os filhos, possuem propriedades vizinhas e, em
alguns casos, cultivam juntos campos indivisos.*
Significaria isso que a vida conrinucm como se a im-
1 v .

T Bftiurd ¿u J ilh evfcdcjMeliiejiÉr ficou raw lue mne. Qi b a u de Arfuuid


du Tilh fomm-lbc adjudi^do,, “p * * que Martin hio íliasae misn¥gsd(i do
teu itsle" (Le Sueur, Histoire, E lir).
Epilogo 151

postura nunca tivesse aconiti ido? Que os valûtes repre­


sentados pelos direitos Je sucessão legítima o casamento
legalmente contraído tivessem varridb ç eliminado qualquer
itaço do embuste? Creio que nao- Kertrande não poderia
esquecer sua vida com Arnaud duTÜh c a aldeia encontraria
meios'de comenrar o faio sem reavivar demais feridas ainda
recentes. Purecemie provível que renham chegado ecos da
estória através do livro de Coras — ce r tameme os notários
t mercadores que circulavam entre Rícuk e as aldeias nos
arredores devem ter ouvido falar dele — , mas improvável
qnr os habitantes de Artigut quisessem 1er em Vffl liUj o
A r?etf Memitr&ble em suas reuniões noturnas Ou aceitassem
como sua essa versão de um elemento excerno. A estória
local seria contada com outras novidades do mais recente
bastardo da aldeia ou o mais novo migrante do vale do
Ijèzie para a Espanha, que tomou uma concubina e teve unta
segunda família durante os anos que Jã viveu .h Mas sobrevi­
veu f GO contrário dos OUtms epi sódios, acravessando gran­
des perturbações sociaiSj como as Guerras de Religião.
Há cerca, de vinte e olto anos, cm Artigat* uma jovem
mác, rcccm-imigradii da Carni unha francesa, queíxGVG-se a
uma avó da aldeia, enquisto empurrava seu carrinho con
0 Lienc: "'Wunca ftCOOtcce nada em Artigat’1. '■’Talvfic r.ão
agora”, respondeu a velbah Limas no século 16 - . . ” , E con­
tou a estória de Martin Guerre.

A c^tória de Martin Guerre C contada e recontada por­


que nos lembra que as coisas assombrosas sao possíveis.
Mesmo para a historiadora que a decifrou, ela mantém uma
vitalidade obstinada. Creio ter desvendado O verdadeiro
rosto do passado — ou Pansctte terá voltado a agir?
Bibliografia Selecionada dc Textos
sobre Manin Guerre

As entradas estão organizadas cronologicamente, segundo a


Jata da primeira edição. As edições posteriores e as tradu­
ções vêm indicadas após a primeira edição.

Jean dc Caras, Arresi Memnrabie, du PuAement de Tolose, Conte^


trsul une bistosre prodtgieuie, de nostre sentps, acce cent belici,
ô ■dccíei Aanoteiions, de momicur muistre Jean de Comi, Consei'
lltt eti laJift Cout, & rgpportcur du prò ce;. Pronomté es Arresti
Generatila le xrt Septembre MDLX Lyon: Antenne Vincent,
1561 Avec Privilegie du Roy, (Quitto.)
Rcimpretso em Paris, 196 5, in octaw, san privilegio e sem ¡5
rame da editar.
Rei mpi essa cm Bruges: Hubert Galcz, 1565,
------------ Arrest Mcnrorable .. . svec cent et onze beliti, et dcxtes
snnotàtìons . . . he*», Lei Dome Reigjei du ieigneut Iran Ptc
de là Mirandole. iraduties de Leti» en François per ¡sdii de
Comi. Lyatì: Antaine Vincent, 1565. A tee privile^ da Roy.
(Gemo).
Reimpressa enfi Pirlç em I pili., sem Lei Dtìttze Retjjei, etLiçflfi
partilhada ]ut Ç j LIíol J u Piré Vincent Nottntnt. Av«c privi-
Ic^e du Ri>y,
RcitiipíÉssci em Paris em 1579, edição pattilhuda por Jean
Burtl e Ciibritsl Ruon
RcLuiprLssfl 1 em Lyon: Burlhtiltruiy Vincent, 1596, 1605, 1619.
154 Bibliografia Sdetionada

------------ AtrtititPt sive placitum Varlamenti Tbolosani, Continent.


HlstOrUm (:ti casu matrimoniali) admodum memorsbilem edcoque
prodigiosatn. utsà eum centum elegantissimis ai que doctissimis
Annotationibus Clatiss. I, C. Dit. loati. Coraul .. Doctiu. Vira
Hugone Suftttù Gsilo interprété. Frankfurt: Andiras WecheC,
1576.
Reinripresso cm Frankfurt: HcLta W ïc Jk I, Claude Mai-nin* e
Jean Aubry, 1588.
Guillaume I Sueur, Admiranda bhioria de Pi*udo Martino Thalo-
tsc Damnâtes idih. Sept cmh. Anno Dominé MDLX Ad Mi(bœl#m
Fabrum ampliss. in suprême Tbdosae Senatu PrêtsHént. Lyon:
Tcbt. de Tournes, 1.561, 11A Gulielmo Sudariü fk>J«ii£n$i l.atinitit-
tc donatum" (p. 2); "coUiiteb. G. le Sueur Bolon” (p. 22), Bi­
bliothèque Nationale, F13876.
— --------Histoire Admirable d'un Faux et Supposé Mary, advenue en
Languedoc, l'an mil cinq cens soixante. Paris; Vincent Sertenas,
1561. Avec privLle((ï du Roy.
No mcsroo ano, sfliiam duas édieréi; desse roesmo panileto,
uina dùljs oom o titulo cscriio ueirna (Bibliothèque Maz&iine,
47214), a Outra com Histoire mal écrira como Htslaii* (Bi­
bliothèque Nationale, R it. Lt)17 9277 bis). A ieimpresiïo tfesM
obra pnr Edouard Fournier nn seu Variétés historiques et
littéraires (Paris, 18*7. val. R, pp. 99-118) asti com a data
trtadtt, dtqp de eiroa e acrèaLimos do editor e omite quattu
pdginas Jo tç*tOr
------------ Histoire admirable d'Arnaud Ttlyt, Lequel emprunta fausse­
ment !ê nom de Martin (i verre, afin de jouir de sa femme. Lyon:
Hennir Rigaud, 1580.
-Htttoire admirable du faux et supposé mary, arrivée à une
femme notable as pays de Languedoc en cet derniers troubles.
Palis: Jean Mestaia, non data [ca. 1 6 1 5j.
Jeu;: Pspon, Recueil d'ArrSfts Notables dtt Courts Souverainei de
France . . . Nouvellement rêveur, et augmentez, outre Us prece-
dénis impressions, de plusieurs arrestj, P uis1; Nicolas Cbeuieau,
1.56?, fi. A52T-456'!. .
Henri Estitniie, Herodoti HoUcarnassti historiée lib. « . . . Heur,
Stepboni pro Herïüii^if. Genehra: Henri Esiitnnc for Ulrich
FtiggeT, 1566, f, ■ J **ur.
Bibliografi* SríécioMódiS m

------------ L'itttroductinrt au traité de in conformiti ¿es miri'filiti


anciennes avec les modérait- Ou traité prSpartafif d L'Apolo&ic
pour Hérodote. Genebra: Henri Eslióme, 1566. Au lecteur.
Gilbert Cousin, Narrationum jyivx f H Magpa Rtrvro, parthn J
cuit fortunas/ue, pattvn à divins bornanaque mente eveuientium
. . . Lib. VIII. Basel: H enti epeirina, 1567, PP- 610-1: “Impus'
tuia ArnsuLdi TillîL".
de Belleforesr, Histoires, prodigiouses, extràkles de pinti*
eurt fameux Autbeurs, Crées ri Latins, ¡serez et Propines,
divisées et) deux Tames. Le premier mis en lumiere par P. Boots-
tuait . . . Le second par Claude de T ttStìnti, et ensote nié de dix
histoires par François de Rellc-ForcsI Comingeoit- PPris: JcHn de
Bordean*, U 7 1 1 Vol. 2 , f. 282^: "faux Martin à TJïüLdouae1'.
Editfiei posteriores incluem Parli, 1574, Antuérpia, 1594, e
Pbiìs, i m
Antoine Du Vetdlcr, Les Diverses iecûns ¿'Antoine Du Verdear .. .
Contenant plusieurs histoires, ditcouts, et faktf memorables.
Lyon: Barthélemy Honorât, 1377- Livre 4, cap, 26,
Pierre Grégoire* Syntagma Inris Universi . . . A u th o re P etra Grego­
rio Titolatalo /, V. D o c to re et professare publico in A cad em ia
T holoturia Lytai: Antoine Gryphiuí, 1582. Parte I I I , livro 36,
cap. 6 , “Sobre o crime de adultério11, p. 669,
Michel de Montaigne, Etsois, Paris, 15BS. Livro 3, cap. I I , "Des
boyteux’1. J
— *------ The Essayei or Mondi, PoHtiite and MtUiiane Dircourr« of
Lord Michael Je Montaigne , . , í^p Uí imo English bp ■. ■ John
Fiorio, Tendres, 1610. Livio 3, cap- l i , "Dos Mancos ou Alei-
jados".
Auger Gaillard, Let Amours prodigieuses dAugier Gaillard, radier
de Rabastens en Albigeois, mises en vers français ' et en langue
albigeoise... Imprimé nouvellement. (Béarn), 1592.
Fdjçâo moderna por Ernest Nigre cm Ouvrer complètes,
Paris, 1970, pp. 314;- 323’6-
Géiaud de Maynard, Notables ei singulières Questions du Drcnct
Usent; Décidées et Iugeet par Arrests Memorables de la Cour
souveraine du Parlement de Tbolose. Paris, 1628, pp. 500-7. Essa
ùfcra apareceu pela primeira ver em 1603.
Jacques-Auguste de ITioq , Htitarútrurn sui ¡empans ab anna Domini
Wí Bibliografia Selecionada

1Í43 toque ad ar,num 1607 Libri G X XXVIJI Orléans (Gene-


E’*=); Pierre de |a Rovreie, 1-620. Vol. I , p, 788.
O caso Jfi Martin Cucir-e não apareoau na primeija tídição
(1604) dessa famosa estória do membro do Supremo Tribunal
de Plans, de TJm u . Após o edição de 1609, escreveu ujn adenda
sohrie o c i » ifliKïudo an volume J da edição Je 1609 na Ré­
t
serve da Bibliothèque Nationale, entre pp. 288 289); foi fina]-
mente impresso em 1620, após sua morte, cruno parte do livro
26.
---------- —Histoire de Monsieur de Thott, Dej choses arrivées de ion
temps-. Mhe en François par P, du Ryet Paris, 1659 . Vn[, 2 , pp
177-8.
Eatinne Pasqpicr, Les Recherches de k France. Paris: L, SaniuLü,
t f iîl. Livro 6, eap, 3 ?,
Jneob Ca ta, S'utereits Begin, MidJe.n, Eynde, Besloten in Jen Trost-
ringh Met den Proef-steen va» dits Selvcn door I. Çats ,, . Troti-
gevol sonder exempt!, Gesehiet, in Vranckryck, In ket Iaer
MDL1X, in Allé de Wercittn, Amsterdã, 1658.
O proliio moralista hotatidéa conta s estória de Mattin Guerre
em pareil:^ rimadas.
Jean Baptme Jç Rocoles, Les imposteurs insignes- ou Histoires de
plusieurs hommes de néant, de toutes Nations, qui ont usurpé lu
qualité ¿ ’Empereurs, Pays et Princes . . . Par Jean Baptiste de Rm
coles, Historiographe de France et de Brandebourg. Amsterdã:
Abrabltd Wolfgang, 1683, Capítulo 18: “L'Imposteur Maiy, Ar­
naud du Thtl, AhAi-fourbe".
Rotules cxplira que, embora rm prtndpio seu livro « limite a
impostores que tentaram roubar cetros e coroa*, abre urtu cure-
çâo para este taso por ser tw “tuemorivel e ptodigloao". Segue
o iclaiu de Coras, afirma ele, fazendo alterações apenas onde “a
giosse.-ia da linguagem” não seria mais petmirida pda " » lid e i
atual” (p. 287).
—-----------Tiaduçfa alemã, Gesçbichte mcrkwiirdiger betrüger. Halle,
•176 1. Vol. 1 , pp. 419-45.
Germaine Lafaiuê, Annales de Ia uíffie de Toulouse. Toulouse, 1 687-
170 1, Pane 2, pp. 198-9.
F. Gíyot de Pi Laval, Causés ciiibres et iniétetutntes, Paris, 17 3 4 ,
Vol. I , cap. I.
Bibliografia Selecionada 15 7

N úy * edição, revisra pci M. Richcr, Amatwdtt, 1772,


Um tlte novos relatos mais interessantas do caso de Martin Guer­
re e o único a especular Kvnnrantt sobre et possibilidade de que
Bertrande fosse cúmplice ¡1? Arnaud du Tilh: “Muitos acredita­
rão que Bertrande do Rol* ajudou pessoalmentc a enganar, pois
0 erro Die arredava", O impostor nunca podería icr feito todos
os mloimos çesijos especificos do auiíntko.
TradufSo inglesa sem comentários pela romancista Charlotte Tur­
ner Si:i]J.h. cümo ul:i dos qi-iiíiié lím jí extraídos de Gayot de
Pitaval e Rithet, etn The Romance of Real Life, Londres; T,
Cadell, 17&7. Vol, 2, rtp. 4: "O pretenso Martin Guerre” .
PrimelTR edição americana, Filadélfia; J C a re v , 1799, pp. 2 0 2 -
2 1.
Charles Hubert, Le Faux Marlinguerre, ou La Famille d*Arligues,
Mélodrame ttr Trois Actes, rí Grand Spectacle, Tiré des Causes
Célèbres . . Représenté pour la première fois à Paris, sur la
théâtre ¿e la Gaieté, it 21 août ISOS. Paris: Barha, 1808.
Reiiripresso, Paris, 1824.
T io romanceado que che^a a ser ihreconbecivei: “ Martinpirtre''
1 um oonde que cativera nas lisdtaa; Arnaud du Tilh e desmss-
caraco peEo aeu próprio pai etc.
Pierre Larousse, Gtand dj'c/roHtiiirre tusivetssi. Paris, 186J-169Û.
Vol. 8 , p, Í603; '“Guerre, Martin, cavalheiro gascao” .
Ctlebrated CJaimattis Ansk-ts! and Modem. Londres; Chaito e Win-
dua, 1673, pp. 84-90.
L'Abbé P. arijwy, Galeria Basque de Personnages de Rt/sorn ¿e
Reeherehet historiques sur le pays Basque, Bayonne, 1864. Vol. 2 ,
cap. 24: “Martin Aguerre de Hendstye'*.
Armand Praviel. L'! steroyable Odyssée de Martin Guerre. Paris:
LLbraLrie Gallimard, 1953.
,lknet Lewis, The Wife of Marttts Guerre, São Francisco, 1941,
Edição francesa.. La Femme de Martin Guerre. Paria: Editions R.
Laffont, 1947. Lewis Laseou acu romance num rdaio LnftLés do
século 19 sobre o casa. E-!Li coma como t H ! idéias mu Jatam após
ter lïdo Corto, em The Triquaríerly, 55 Outono de 1982), pp-
104-10,
1$E BiéttO grefi# $4Ì€CÌQtÌddà

/idfcndci

Jinn d i Coras, P ro ces so , et A rresta ò sen ten za d a ta d a l P arlam en to


d i T v w t f sop ra d'ttn fa t to p r o d io gù i o et m em o ra b ile , tr a d o tto d i
lingua fr a n c ese » ella fa v e lla toscan a, p e r M ag. G io , B o t i“ F orte-
gu erri D o t/" P ii tv rese, con cen to a n n o ta tio n i o rn a te e t aggiu n te
d a lui. Dedicatória de Fortcjtuèrri ? Christine de Lottaine, grà-
duquesu do Tcisnma, com data de Pistoia, abril de 159 1, (Manus-
crito dfiscritù por H, P. Kiaus, Rare Books and Manusoriptt,
Jiata 203, n* 132,) Foitcguèrri tradtwlu a edi(io de 15 6 1 do
A rresi M em orcible, odrionalmeitte actwceotando suus próprias
anctacùes às de Corsa.
Notas
— •— — •—

Setfuem-se as abreviaturanï e sigLas utilizadas nas notai. As ref<-


iénciaj ans Irtvenrôdoi-Sumartos dos vérios arquivos dcpiu-tammlSlla
ACrâo indi«ldas C?m a ]ftra I, AlUCs Ja abteviatura.

ACArt Archives communales d’Altigat


ADAr Archives dépsTfemenrales de 1‘AiiéÊe
A D tJc Archives départementales du Gers
ADCi Archives départementales de la Gironde
ADHG Archives départementales de la Haute-Garonne
AD PC Archives départementale» d-j Pas-de-Calais
ADPyA Archives départementales des
Pyrénées-A tLantcques
ADR Archives départementales du Rhône
AN Archives Nationales
C o™ Jean Je (innu, Arrêts Mémorable du Pxtltmrnt de
Thoiose, Contenant \]nt, Histoire prodigeuse
d'un suppose msrj, adretfiie de nQsto* temps:
t/snebse de ttrd et onze btlits es dattes
annotations (Paris: Gslliot du Pré, 1572)
Le Sueur, Hfj;urrd Guillaume Le Soeur, Admiranda fijjitwür de
PseuJo jy^j-rtno Tbolosae Dammio Idih
Heptemb. Anna Dottritti MDLX (Lyon; Jean de
Tournes, 1561)
Le Sueur Histoire Guillaume Le Skieur-, Histoire Admirable d'urt
Faux ei Supposé Mary, advenue ew Languedoc,
Van mit ebuj cens soixante [Paris.: Vincent
Scitenasr L5él )
160 Notas das. páginas 17-18

Observação em relaçlo dînas: até 136-1, o aro novo na França


rombava na domingo de PísCOn, Neste livto, iodas as daias seguem
0 itúSSó calendário. Nas notas, qualqurr dina anies ila Pasioa L dada
tm ambos os calendários {p. ea., 13 de ianeiru de 1359/60),

In tro d u ção

1. Jean Gilles de Noyen, Proverbia G&liicana (Lyon: Jacques


Mjteschal. L519-2Û). C ilT; “ItiMinis Aegidii Nutttiaaíia Adagiorum
Gali¡s vulgarium . . . traductio'L Ln Tbresor ¿e ia ianque ftansoyst
IParia, 1606}, p. 2, 6, 19, James Howdl, " Some Choíce Provtrfea.. ,
in (he Fiercb Tounft'”r in Lexicon Tetreghtton (Londres, 16601, p- 2.
2. Entre outras etimkt, ver Jcun-Lúuis Flandrin, Les Arnouri
paysans, XVI* XIXe siècles (Piaria, 1970), e Fnndlur Parenti, mar-
•sott, sexualité dans l'ancienne société (Paris, 1976), J. M- GouetW,
‘'Parenté, famille et mariage en Normandie au« XVII* et X V IIP
ai&cles", AmdtS. Economies, Sociétés, Civilisations, 27 (1972),
1L39-Î4; André Burguière, ‘'Le Rituel du mariage en France: Prati­
ques ecclésiastiques c: pratiques populaires (XVI'-XVIII' site)«)”
ibid-, 3) (1978). p. 6J7-49; Alain Crois, Le Bretagne aux 16* et 17‘
siècles: Lé Vie, la mort, la foi (2 vols., Paris 19BI); Jacques Le
Goff e Jean-Claude ScJiraitt (urg.j, Le Charivari: Actes de la table
ronde organisée à Paris (25-27 avril 1977) par l ’Ecole des Hautes
Eludei en Siences Sociales et le Centre National de la Recherche
Scientifique (Paris, 1981}.
3. Thiimiis Flatter, Autobiographie, trad. Maiic Hclnaer (Cahier
des Annales, 22; Paris, 1964), p, 51, '
4. Jacques Peletier, U Art poétique de Jacques Prie fier du Mans
(1555). ed. J. Boulanger (Paris, 19.30), pp. 1Ë6-9; Coras, pp. 146-7.
Notas das páginas 18-23 161

Lei Cent Nouvelle;. Nouvelles, cd, Thomas Wright (Paris, 18.18),


conto 35. Noi! du Fai], Les Propos Rustiques : Texte originai de
1347, ed, Arthur de La Boiderie (Paris, 1378; Genebr«, Slatkinc
Reprint*, 1970), pp. 43-4.
5. Emmanuel Le Roy Ladurie, MoniaiiSou, village occitan de
1294 à 1324 (Paris, 1975); tradução ingiù», Moninillou: The Pro-
mrsed Land of Error, por Barbuta Biay (Nova Iorque, 1978). Carlo
Ginzburg, Il Forttisggio e i vermi: ¡1 Cosmo di uh mugnaio dei '300
(Turim, 1976): tradução inglesa, The CAeest end thè Worms- The
Cosmos of a Sixteentb-Cettlury Millet, por John e Anne Tedeschi
(Baltimore, 1930). Michael M, Sheehan, “The Formation and Sta-
bility of MartLage in Fourteenth-Ccnìury Engknd'7, Mediatasi Sin*
dits, 32 (1971), pp, 228-63; Jean-Louis Flandrin, Le Sexe et ¡'Otti*
dent (Paris, 1981), cap. 4.
6. AN , JJ24B, 80™. Alfred Somari, “Déviance and Criminal
Justice in Western Europe, 1300-1800: An Essay in Structure'7, Cri-
Wi/ud Juslitc ¡liston: Ah International Antruoì, I (1980), 1-28.
7. Corn*, pp. 146-7, Sobre as ediçûes do Attesi Mémorable,
ver minha bibliografia.
S. Segundo Le Sueur, os Guerre montaram uma oiaria de telhas
em Arrivai (Historia, p, 3); essa olaria cncontia-sc em 1.594 enire
as propriedade* da família (ADHG, B, Insinuations, vol. 6, 96').
Le Sueur «firmou que Bertrande de Rols c Pierre Guerre foram
levados à prLjïo (p. I I ) por ordem do Soprano Tribunal de Tou­
louse (A D H G , B, La Tournelle, vol. 74 , 20 de maio de 1560;
srol. 76, 12 de setembro de 1560).

1. De Hendayc a Artigat

1. Piene de Lancre, Tableau de lintonstsnet dei mauvais <wget


et demoni (Bordeaux, 16 12), Pp. 32-8, 44-5. ADPyA 1J160, r,.* 4J,
9 de marco de 1609, quanto ao “Sr de Li maison’7 em Hendayc e
proiimidades de Urrugae. James A. Tudc « Robert Gfeflier, “ A
16th-Century Basque Whaling Station in Labrador”, Sdenttfic Ame­
rican, 245 (novembri de 1981), pp. 125-36; William A, Douglas e
Joai Bilbao, Amerikanmk: Basques In tire New World (Reno, 1975),
162 Naiaí das páginai 23-25

pp, 31'9, Jeun- Pierre Füusaüu, "Recherchea sur l'immigration bayom-


naise et bnstjiie à HîïtïÈïïu.lx b.u X V I I 1* sii-ole", De l'Adour au Pays
Basque. Actes du XXI* Congrès d’étudef régionales tenu J Bayonne-,
ïfj 4 et J mai 1968 (Btyoott, 1971), pp- 67-79. Jcan-Fhinçois Sou
1er, La Vit quotidienne da.ír Itt Pyrénées zous l’Ancien Régime
(Paria, 1974), pp- 22Û.5. William A. Douglass, Scholar and Muré-
. laga (Londres, 1973), cap- 3-
2. Philippe Veyíin, Let fias ¡juft dé Laboura, de Soule ei de
Bosse-Navarre (Bayonne, 1947), p, >9 s$. L . D h h u k , 11 Propretés
collectives Ct li:uut cüminuri-iijx da::i l'ahciüi pays de Labouid”,
Cure Htrrio, 29 (1937), pp, Í2!M 8- Davy J J J. Gietnwond, Umv-
warding Wèidtii Th* CommercialhtUtiOn and Collapse of Agriculture
in u Spanish Bisqué Têtus» (Cambridge, Ingl-, 1976), cap. 1. Paul
CourtcsuLt, "De Hendnye à Bayonne en 1328”, Gurt f/srria, .1
(1923), pp. 273-7. Sobre o aumento pcpuladonal de Hendaye cm
I59B, ver ÀDPÿÀ, 1JI6Q, n.* 46, 3 de abril de 1398. De Lancre,
pp. 43-6-
3. E. Dravasa, “ Les privilèges des Basques du Leboufd souk
l'Ancien Régime'* {tesc de doutoramento, Universidade de Botdean*,
Faculdade de Direito, 1950), pp. 2S-9, ADGi, 1B10,21*-22? A D P yA ,
1J 160, nA 45, 19 de raaio de 1552. De Lancre, pp. 33-4, 42,
4. "Coutumes génitales gardées et observées au Pays de La-
bovrd" in P. Hmstoy, Recherches historiques sur le Pays Basque
(Bayonne e Paris, 1884), vol. 2, pp. 438-61; os Fors de Labourd
foram redigidos em 1.51.3. Jacques Pnunrurede, Recherches sur îfs
successions dans le sud-ouest de la France au fAoyen Age (tue de
doutoramento, Universidade de Toiiloose, 1968), pp. 315-20.
,î. Subre toda essn região, ver Léon Dutll, L'Etsi économique
du Languedoc à la fin de [’Ancien Régime (Paris, 19 11); Philippe
W e i , Commerça ti marchands de Toulouse, vers î)50-vtrt 1450
{Paris, 1934); MicKet Chavelier, Là Vie humaine dans les Pyrénées
&riêgtois*s (Paris, 1936); Gilles Carter, Le Commerce du pastel et
de ¡'épicerie h Toulouse, I4 f0 - lï6 l (Toulouse,, 1962); F-, Le Rny
Ijtducie, Les Paysans de Lewgflfiípr {Paris, 1966); SouJet, Vie quo­
tidienne; e John Mundy, "'Vdlage, Town and City lu the Region of
Toulouse", in J. À. Raftis (org.), Pathways to Medieval Peasants
(Papers in Mediaeval Studies, 2; Toiontn: Pontifício Instituto de
Ertudos MedievHis, 1981), pp. 141 -90.
Noias üas paginai 26-31 163

6. Jean Freissart, Chroniques, «1. Léun Mi rot (Paris, 1931),


vol. 12, pp. 21-4, livre 3, par. 6, A D H G , C l 923; 3E13289, 328r.
ADAr, G 2 7 1; 30 J1, Reconnaissance rie 1679: 3E6633, I88r-lë 9 r,
20Dr"T; 5E6655, I4r-J6r.
7. ADAr, 5E6653, 9’ , 96r-9 7\ ]0 r-10 2 ', H Z 1-', 200";
5E6655, l* -y , 3rv. 32r\ 9fir; 5E6656, 12r; 5E6847, 17 de dezem-
bro de 1562. Sobre o contraio de gesailke c rodes os ounos costu­
mes nessa tï^iJo, vet Paul Cayla, Dictionnaire des institutions, des
coutumes, et de la langui en usage dans quelques pays tic Languedoc
de 7535 i 164$ )Montpellier, 1964), Sobre Le Ç htIp e nmaJores,
ver Elisabeth Labrousse, Pierre Bayle (Haia, 1963), cap. I,
S. Dczcnove tesumentos retiisdos de ADAr, .SE3333, 6219,
6 2 2 6 , 6221, 6223,6224,6653, 6655,6859, 6860; A D H G , 3E15230.
13983. ADAr, 3E6860, H O M M 1; A CA n, Terrier de 1651. ADAr,
5E6220, 8 de OWubro de 1342; 5Efil69, 12 de março de 1541/42.
9- ADAr, 3E6223, 10 de derimbro de 1528; 5F.6653. 9T'-96r;
5E6B60. 12T-13 Ï , 74r-76r.
10. ADAr, 5E6653, 95v-97r, 20['-202r, 5E6B46, 54T-36V; 30jJ.
reconnaissance de 1679; A D iIG . B50 (arrêts civils), 67BV-679V; B,
¡Iijiliuàtioïki, vol. 6, ÎÉ '.
1 1 . ADAr, 5E6653, 1” . 96’-97r; 5E6655,.29T, 35r, 158':
■ 5E6656, 12 r, 26'; 5E68.Ï7, 126r L27v; 5E6S46, 34'r-3éT; A D H G ,
2Gt34, 2G 143; 2G108, p. 263.
12. ADAr, .30^, Inventaire p<Hir les consuls . . . d'Artigai,
1639; Reconnaissance de 1679; A D H G , 2G203, HT 1; C1925.
ADAr, 5E6660, 12r-1 3 v. A D H G , 2G108. 127r, 1 5 1r-13 2 \ F, Pas-
quier, "tiîüiiimes du Postât dans le Gomié de Poix d’aprts une
charte de 1274” , Annidej du Midi, 9. ( 1 8971, 257-322; ADAr,
3E6654.
13 "Coutumes ,, . observées au Pays de Labouré", p, 482-
ADPyA, IJ 160, nT 4, 14 de janciro de 155 0 /51, n,” 3, 12 de junho
de 1559. F. Pasquier, Donation du fief de PaUbés en 225# et do­
re ments eoreernant les seigneun de cette baronnie ¡ta X V !r siêcie
(Fois, IS90L ADAr, 2G 20 1, n." fi.
14. Pierre Bec, Les Inierférentet Unguistiauet enltt G&seon
et Languedocien dent les parlent du Cotntningti et du Cotiserons
[Paris, 1966], p. 74-5. Pasquier, Pailhés. p. 3. Léon DutiL ¡-a Haute-
Garonne et ta région (Tou Ionte, 1928), cap. 14. A D H G , 2GUI&,
164 Notas das paginas 37-35

p. 261 sa. J. Decap, Le Dioeéie de Rieus avant la Révûiuitûn (Foi*


1898)- A diocèse de Rieux te istabeleccu cm 1318 e deixou de
CTiEtir ciam a Kevolução.
15. lit Sueur, Historia, p, 3; Hittoire, A iir. Goras, p. 150,
A D H G , B, Insinuations, vol. 6. 95T-97V, ACArt, Terrier de 16 31,
34M T. 209\ 2 W , 31Ûr.
16. Veyrin, pp. 43, ¿63, & Lancre, pp. 42-4, ADPyA, IJ 1643.
n u 45, 15 dé agosto de 1398; 0.“ 46, 14 de janriio de 1620-
1 7. Corsa, pp. 55-6. G . Brunet, Poésies basques de Bernard
Dfçbtpart . . . d'après l'édition de Bordeaux, 1Í4Í <Burde»uji,
1847). ADGi, 1B 10, 21T-22‘, airtas ra i« î * francia para as paró­
quias de tlrrugne e Hendayei Dravasa, p- 125; ADPyA, 1J160,
n.a 3, testamentos Ha câia senborra] de Urtubie puacio (1493) e
francês (15591; nenhuma outra família de Hendaye ou Urmgne
deixou ' tes taraentos ereritos. ADAr, 5E6223 {contiatus ew francia
cm 1.528); 5EB169 {contrato de eaumemo cm occitâdo, 12 de
marçii de 1541). ADAr, 5E6653, » '-10 2 * , A D H G , 2G207 (o pri­
meiro mestre-escola enviado a Anigat, a 2 de pilho de 1687.1.
18. ADAr, JE6223, 10 de dezembro de 1328; 5E6653, 95¥;
5E6654, 24™; 3E6633, 29"; 5ËB169, 12 de março de 1541/42.
ACArt, Registre des Mariage« de la Paroisse d'Artigar, 1632-1649,
A D H G , 3E15983, 126‘-l2 7 J, Pode-ae uté encontrar um Pierre de
Guerre, dïio O Basco, como criado do senhor de ViudttuOk, a
muitos quilômetros a nordeste da diocese de Rieux (AN, JJ262,
2 4 r.2 4 7¥),
19. Le Sueur, Historia, p. 3; Histoire, A, 1T,
20. Dciessete cou ira tes de casamenlo e dois legados de dot«
extraídos de ADAr, 5E333.5, 6220, 6633, 6636, 6837, 68 38 , 8169;
A D 1IG . 3 E 15280, 15983- Û maior dote aqui ritado 6 de 50 cscodos
(cerca de 150 libras), dado on 1542 a uni aapareiro de Le Mas-d Azil.
Para unia comparação com a mmsfetíncia da terra aos idbos üo
final du aietilo, ver a doação do comenbante rural Jean Caw ii de
Le Fossui ju seu fitho, cm 1585: duas propriedades e a promessa
de 2000 eHaïtien em dinheiro, uma casa e jnnhOia no dra do casa­
mento (ADHCi, B, Inainuations, vol. 1. 363’-565r). Cayla, pp. 236-7.
A D H G , R, Insintutinnt, vol. 6, 95v-9 7 \
21. A D H G , 2G108, p, 263- Coras, p. 61, A, Moidis, "Les
Fiançailles cr le mariage dans les Pyrénées central« et spécialement
N otai das pagin ai 35-42 165

dans l'Arrè^e", Builctifi annuel 4e ¡a société ariégqite des nâmttt,


lettres et arts, 22 (1966). pp, 74-80-

2. O Cam panês Descontente

1. Go«*, p. 40,
2. ADAr, 5E6654, 37r. Nos muñí» contratos que ertaminei,
desde Le Mui-d'Azil bo longo do vale do Lise, encontre! apenas um
Mai tin antes de 15 6 1, um mitigo arrtniatirio do senhor de Saint-
Marrin-d'Oydes (ADAr, E182, Reconnaissance de 1549, 501). Coffl-
parc-se coin 0$ muiros hometis chamados Martin, Martis^ntz e Mar-
tieot na area de Hendaye, ADPyA, ljl6 0 , fl-* 4, 14 de janesio de
15 3 0 /5 1, J de maf^n de 1354 /55; B-a 45, 18 de agosto de 159B
“ Proverbes fiancnya", in Tbresor de la tangue françoyse, p- 23;
"L'Chirs ‘Martin’ d'Ariége", Bulletin annuel de la société ari¿¿dise
des sciences, lettres et arts, 22 (1966), pp, 137-9, 170-2,
3. C oibs , pp, 2-4, 40-3, 53. 76. A D H G , B , La Tournelle, vol.
74, 20 de malo de 1560. Ilierosme de Monteo*, Commentaire de
la conservation de la santé (Lyon, .1559), pp- 202-î. De Lancte,
Tableau de l'inconstance, p, 38, 41, 47; Soukrt, Vie quotidienne,
pp. 228-32, 279. A. Eamein, Le Mariait en droit canonique 1P» hs ,
1891), pp. 239-47.
4. G . Doublet, “Un Diocèse pyrénéen sous Louis X IV : La Vie
populaire dinl U vallée de l'Artère sous (épiscopat de F. E- de
Cadet (1643-16B0>", Rcuwe des Pyrénées, 7 (1895), pp. 379-80;
Xavier Ravier, "‘Le Chaxivaii en Urtsucdoc occidental”, in Le Geif
e Schmitt (oigt.), Le Charivari, pp. 411-28.
3, Le Sueur, Historia, p- 12. Coias, pp. 40, 44.
6, Le Sueur, Historia, p, 17- Coras, pp, )45-6.
7. Le ftoy Ladurie, Afonra-jííoti.. cap, 7,
8. ADAr, 5E6220, capa, corn figuras irmqtinirias de soldados;
5E6653, 1% 95T-9 6 \ 3E6656, 1 1 T, 50F i 5E6847, 12 de dewmbro de
1562; 5E6860, 11Q M 1 V . Roger Doucet, L d Institutions de U Fran­
ce au X V I ' siècle (Paris, 1948), pp, 632-41. Vcyiin, Les Basques, p.
138, J, Nadid e E. Gírale, La Population catalane de 1553 à 17l7i
L'Immigration française (Paris, i960), pp- 67-74, 3 l3 ,
9, Coras, p. 5, Le Sueur, p. 4, De Lancre, p. 4 L
Í66 Notas das páginas 42-50

10 . ADPyA, 1J160, a ,° 4, 5 Je margo Je 1534 /35- I * de abril


de 1555. C o i« , p. 137.
1 1. Paul Jacob Hiltpoid, "Butyj! in the Reign oí Philip II ;
The Ayuntamiento, Economic Crisis and Social Control, 1550-1660“
(tese de doutoramento, Universidad? do Texas, Austin, 1981),. cap. 2 ,
Henrique Flotea, España Sagrada (Mfldri, 1771), vol. 26, pp. 427-32.
Nicolifa LApte Martínez, “ EJ Cardenal Mendoza y Ja Reforma ‘l'ri-
Jítttina en Rurgos”, Híspante Sacra, 16 (19 6 » , pp. 6 1.12 1.
12. Le Sueur, Historia, p. 4. Coras, p. 137- ¿ . Untiire, Henri
Cotineault ei al., La Guerre de 1557 en Picerdie (Saint-Quentm,
1696), vol. 1, pp. ccxxi-cotJív, vol. 2, pp, 48, 295,

} . A Honra de Benrnnde tie Rols

1. ADAr, 3E6653, 95r-98'; 5E6655, 1 10 v- l i r .


2 . A D H G j 2G108j 127*. Doublet, “Un Diooéae pyrínéen", pp.
369-71. Coras, p. 44. Henry Institoria e Jacques Sprenger, Aíatírífi
maleftntrian, trad. Montague Summers (Londres, 1948), p. 55,
parte 1 , quest» 8 .
3. Coras, pp, 40-1-
4 . ADAr, 3E66Í4, 29'¡ 5E6655, 79r; 5E6838, 1Ü4V.
5. ADA», 5E5JJ3, 9 2^ ; 135*, 282"-283r; 5E6653, 6 r; 5E6654,
2 7 , 5E6655, 6" 106’-107', 137M 3ST; 5E6656, 5 flT; E 162, 26'.
A D H G , 3E132S0, 14 de janeiro de 1547/48. Jugues Beauroj’, Vin
et société h Bergers du Aloyen Age ¡tux temps módcrifes (Stanford
French and Italian Studies, 4¡ Snntugp, Calif., 1976), p. 125,
6 . CayLa, Dictionnairc, p. 54-8, 236, ADAr, 5E6219, 31 de
julho de 1540; 5E6653. 3 " . 54', 5E6633, 1 1 T . A D H G , 3E152B0,
31 dc janeiro de 1547/48; 3HI59B3, 126M 27r, 322t-33 4 \
7. ADAr, 5E6&46, 3 4 M 6 \ A D H G , E50 (irrita civils), 6781'-
679*. Le Roy L adu rie, Montaillou, village aceitan, pp. 2B6-7. ADAr,
5E6B37, 236T-237V; 3F6635, 1 10rl l Lv- 5E6847, 23 de serembro de
1362, Pasquici, “Coutumes du Fcssat”, pp. 298-9; Cayla, p. 6 3 ,
8 . De Lin d e, Tableau de ¡'into*stance, p, 424, Para um re­
trato posieriot das mulberea do Lihootd, ver G. Ulphe-GalLiard,
Un Nouveau type portindariste éhaueké. J,e pay sen basque de La-
Notai das páginas ?0-.?.? 167

board d ttiti^rs tes ãges (L p Srieree Soeialt iuivftat la méthodr


d'ofcscrvation, 2 0 1 Paris, 1905}, pp, 437-41.
9. Le Sueur. Historia, p, 9, ADAr, .5E6223, .5 de julho de
1342; 5E6224, 6 de janeiro de 1547/48, No finai rios unos 1550. a
herpnçp e todos us rendinteruüs de Martin Guerre dela provenientes
etr oúo antis foram estimados em 7000-8000 libras (Cotai, p. 29}.
10. Coras, pp. 3-7, 25; Jean de Coras, O pen vmnw (Witten­
berg, 1603), vol. 1, pp, 73<M- Jean Damiílier, Lr Manage dans te
droit ctessique de 1'Egüse (Paris, 1933), pp. 304-7. Bernard de La
Roche-Flavin, Arrests N o th in da Partement de T oio.se (Lyon,
1619), pp. 601-2,
1 1 . Goras, p, 46.
12. A D H G , B 3 B {arrêrs çivila), 6 D‘-6 r ; B47 (arríts civils),
487J; 2G241
13. Coras, pp 1 , 3 , 7

d. A s Máscaras de A rnand du T ilh

1. Cotas, pp. B, 13 1. Francas de Udleíoiest, La CoSMQpapóte


Mtiver filie de íoat le w W e , - ■ Aateur en partie Munster . . .
augmerttée, , fmr trançois de Õeüc-Fore st Comingeois (Paris: Michel
Sontúus, 1375), pp. 36B-72.
2. A D I IO , B78 (arrfta civils), ¥-#\ TADHG, BB58, ff. 220,
214. Charles Ilígounet, Le Comté- de Cúmninges de ses origines 2
son snnexion à la costearme (TouLouac, 1949), vol, 1, pp. 277, 292.
A D G í j 3 E 13 7 0 ,10 de julho de 1.557; 3 E l 569, 27 de julho de 1552.
3. HÉgpuner, p. 512 as; Wnlíf, Commerces ti marcbanâs de
Toulouse, carte 1 2 . ADGe, 3E1569, 19 de dezembto de 15 5 1;
3E1570, 7 de ahril t 4 de julho de 1357. A D H G , 4E2016, 4E1568,
2E24Ü3, Georges Couairaze, Au pays da $av¿s: LomPez éviebé
rural, 1317- i m (Lombez, 1973),
4 . ADGe, G 332, 47MBr; 3E137Ü, 21 de abril de 1337. Coras.
PP. 97, 151.
3. Coras, pp. 52, 54. ADGe, G 332 , 4 7 " bl
6, Cortí, pp. 56-7, 77, 97. Leah OtLj., "Doe Contribution á
Fítude dti bluaphtmc au has Aloyen Age", in Dá-itio eomane e diritti
k>(¿h nelta i loria dril1 Europa. Atti del Cv*ve¡po di Vgrttrn t, 12-15
1 68 Notes das pdgirtas

ilugno 1979 (Milao, I9&0), pp. 213-23. IA D H G , Bl900, f. l i t ,


f5190ij 1, ]43 (ordenAifies teals sobie a hlesftmii de 1493, 1523).
7 Raymond <Je Bemirw do Pavie, Sienr de Fourquevaux:, The
Instructions sur ie Faict dt is Guerre, ed. G . Dickinson \Lo-ndre-j,
1934), pp. ucix-ojiii. ADGc, 3 £ ] 5 7 1 r 16 de ahnl de 1553, c pass]m.
Cbiaa, pp. 53, 57, 144- Yves-Maiit Berc£, H"1^^: Gascons a Paris
aux X V T ct X V I I ' sifcclitsM, Bulletin de ta totiiti de Vhisteirt de
Paris Ct dt PIle-de-France, 106 (1379), pp- 23-3,
B- C o t«, pp. M l , 3fk-9, 144.
9. J> Grind Calendar ei contpoti d a Berbers at>cc leur asito-
iogw iTroyes: Jean Lecoq, 154(11), M ir-M itL-,
10. Coras, p. J i ­
l l Lr Sueur-, Htsioria, p. 13 ; Riitoirc, C ivv. C o t«, pp, 144-6.
Ft-an^ois de Rabutin, C.cmfrtietfiatrts dcs dtmieres guerre t en la Gaul?
Belgique, Cutre Henry second dtt mm, trts-chresiien Roy de France
ei Charles ChtqA sm t, Empereur, ei Philippe son Ids, Roy d‘F-s-
paignf (1574), Lvn» 4-5 in Nouvefle Collection des Mbncnres pout
sem r i Phittoire de Frame, ed. Michaud c Poujoulst (Parts, 1838),
vol. 7-
12. Cotas, pp. 145-7, Lc Sueur, Historia, p. 22.
13. ADGe, 3E1569, 19 de dexemhro de- 1551.
14. iUEnlirttheque Nfltionale, Dlpdrtement des Estampes, Inven-
tsire du fottdt Iranian, Graveurs du seixiPme tredt. vol. 2, L-W par
Jean AdJsimar, p. ¿73: "L'HisioLrc d a Tnjis Frires”. ADR, BP44J,
3 7 W , 294'-29*'.

5, O Casamento Inventadn

1. Le Sueur, Historia, pp. 5-7; Histeire. R i’-B ii'. C ora, pr 63.


2. Mark Snyder e Seymour Urnnarritz, “Reconstructing the
Past: Sojjw Cognitive Consequence* of Person Perception", Journal
of Personality and'Social Psychology, 36 (197BJ, 941-50. Mart Sny­
der e Nancy Cantor, “Taring Hypotheses about Other People: The
Use of Historical Knowledge", Journal of Experimental Psychology,
15 (19791, pp- 330-42.
3. Etienne Paaqtrier. L a Rechercbes de la France (Paris; L.
Sonnius, 1621), pp, 571-2.
N o tes dus pâgvrasi 6 4-69 169

4. Cbras, p. 25; Le Sueur, Historié, p, 7.


5. Coras, pp, 68, 34, 65-6, Le Sueur, Histoire, C ik, C UF,
6. Cotas, p. 149. Le Roy Ladurie, Morrta&lQu, village occitan,
p. 275, n." 1.
7- Sheeban, nTbe Formation and Stabilité of Marrtage", pp.
228-63. J, Mr TurLan, “Reeheicbes sur le mariage dans la pratique
coutumière: (X II'-X V J ' s.)", Reirue historique de droit français et
étranger, 33 (1937), pp, 303*16. Béatrice Cîottleih, "The Meaning
of Clandestine Marriage'1, in Robert Wheatijn e Tamara K. Harevcn
(orgs.i, Family and SexuéUty in Frémi? HtsiOff (FÜadilfia, 1980),
pp- 49-83.
S. Jean-Jacques de Lescazes, Le Metnvriai historique, conte­
nant la narration des trouves et ce qui est arrivé diversement de
pins remarquable dam le Pats de Foix et Diocere de Pamies (Tou­
louse, 1644), caps. 12'6. Jeun Crespin, Histoire des Martyrs per­
sécutez et mis à mort pour ¡a Vérité de l'Evangile (Toulouse, 1883-
18-59), vol. 1, p. 457, vol. 3, pp. 646-9. J. Lcstradc, Les Huguenots
dans le diocèse de Rieux (Paris, 1904), pp. 4, 10, 29-30. J. M, Vidal,
Schisme et hérésie eu diocèse de Pamiers, 1467-1626 (Paris, L93L),
pp. 147-69. Raymond Mentier, 'LIIeresy Proceedings in Languedoc,
1500-1560" (ceac de dautoiameato, UniverskJade de Wisconsin,
1973), cap. 12. Labrousse, Pierre Bayle, pp. 6-8. Alice Wemyss, Les
Pro/fjiiinj'j du jMas-J'Axil (Toulouse, 1961), pp. 17-25. Paul-F. Gei-
sendori, Lietes des habitants de Genève, J549-2 560 (Genebra, 1957-
1963), voj, 1, pp. 9, 13, ADAr, .5E66.54, 5r, 16% 29r. A D H G
2G108, 1 27r- l 30*; B422 (arrête civils), 22 de outubto de 1620.
9. A D H G , B33 (arrêts civils), 156M 57T; B.38 (arrêts civils),
60'-6lr; ,B47 (arrêts civili), 487r; ADAr, 5E665Î, 14M 6'.
10. ACAart, Terrier de 1651, 137t-139T. '‘Mémoire des person­
nel decedees en la ville du Caria en Foie ou en sa Jutiadiction
commance le vingt et deusiesme octobre 1642", 10^, 12T, 13', 13 '
(registros manûdoa por Jean Bayte, pastor da Igrcja Rcfoxmada de
Le Caria de 1637 a 1685, fotocdpia cm possc de Elisabeth La­
brousse) .
1 1 . Couartaw, l-ombez, p, 122, A D H G , B, I.* Tournelle, vol.
74, 20 de maie de 1360.
12 . Le Sueur, Hiitoria, pp. 16, 21-2. Cjotas, p. 160.
13. "Projet d'ordonnance sur les mariages, 10 novembre 1345",
no Notài ¿¡ai pàgmas 69-77

in Jean Calvin, Operai tjtrnc suptrsunt ottima, ed. G . B iu n , E. Guniti


e E . Reuu (BrunawLcb, L56 3-L Sfidi. va]. 33, pp. 41-4.

6 . Querelas

1 . Com», p. 61, A D H ü , EJ, La TcurncUe, voL. 74, 2Ü de nmio


de 1560.
2. Le Roy Ladurie, Lti ftysüKS de L&n%uedoc, vol. I, p- 302-9.
ADAr. 5E6G5J, 6 r', 9&i JE663Ó, 1 ? , 2ÓT. 291. 38T; 3EÓ633, 79",
200^ , A D H G h 2G143, 2G 134 , Arrentementi dei tíoefices da dia-
efrae dt Riemc. Coras, pp. 150-2.
3. Lc Suem, Historia, p. 7; Hiitoire, B üir. Corra, pp. 2Í-3.
4. Coras, pp- 33-4. "Goutumei . . . obsctvóes au Pays de La-
iMUíd1', pp. 467.fi. ADAr, 5E6653, 3” , 112 ” , 5E6656, i lr.
5. Coras, pp. 12 ,4 7 , 5.3. De Laocie,, Tsbítsu de riticottsíBrtte,
p. 41,
6 . Coras, pp. 53, 62, 66-7. Em relação ao irmio de Bertrande,
documentos de Artigat pouco posterior« ao processo mencionam
Pcy Rols, dito Colombet, herdeiro dos falecidos pai c filho Andreu
e Bartfiéleniy Rols, e outro Rols, ütiisi ci nome iniciado por A (o
resto da página esrá rasgado) no círculo próximo de Picrre Gucric
(ADAt, 5E6653, 95T-98r). É possível que um dos “genro*” de Pierre
Guetre fosse um "enteado”, cru nassa acepção contemporânea (os
trrmns ¡endre e beav-fih iio intettambidvcts ao teito de Coras).
Neste caso, o irmão de Berthmde teria estado de acordo com sua
mãe e padrasto, contra ela e o novo Martin, Por outro lado, o irmão
de Beitrande simplesmente podia estar auiente entre 1.559 e 1560.
7. Le Sueur, Historia, p. 7 r Coras, pp, 46, 53, 61-2, L i Roy
Ladurie, Montaiilau, viüagt Qccitatt, cap. 3. Várias escrituras mos­
tram uma ligação entre os Banqueis c os Boeris (ADAr, 3E6633,
95v-96r, 186” }. N io sc encontram untas ligações dos Ixrae mm ns
Banqueis, mas James Dclhure, sócio de James Lozc, consta como tes­
temunha de um arrendamento de cavales pox Jean Banqueis (ADAr,
5E6653, 200 ” ).
8 - Caíras, p, 34, Le Sueoí, Historiai, p, 8 .
9, Coras, p. 2 1.
JVcídí d as páginas 77-79 171

ill. Le Sueur, Histarif, p. ft; Coras, p. 63. ADAr, .5£686Q,


12 M 3’ ; 5Ü6E37, IS S M »?1 , A D H G , 2G 143, I5.5Ü; B37 (anêts
civilt), 6flT. O lieuietvsflt-erimixei no Scneseahto di Toulnuae para
o "bkii de incêndio premeditada em Jean Rochon, anlign ju=La e fun­
cionaria da Casa da Moeda cm Paris, homem que ptov avd events ttiu
seria dominado por um pequeno nobre do vale do L£ie (1A D H G ,
B 1905, f. 123).
1 1 . Pelo menos é como interpreto a declaração do novo Martin
em janeiro de 1559/60, de que Bertrande estava "em poder do dlw
Pierre Guerre, permanecendo on sua casa" (Coras. pp. 37. 45, 67).
SSb mencionadas duas casas pettenoenres ã família Gueiie: “a casa
de Martin Guerce" (A D H G , B76, La Totirnellc, 12 d= sctembio de
1560; Coras, p. 129; Le Sueur, Hisiwa, p. 19) e "n casa de Pierre
Guerre" (ADAr, 3E6653, 96r-98c)- Suptis que » tmtavam de duas
residências difejemes, ainda que vizinhas [ver b disposição das pro.
priedades dos Cíuertc cm 1394 (A D H G , Insinuations, vol. 6 , 95 ■
97 T) e em 1951 (ACAart, terrier) ], e que, conforme o cwwme muito
airaigfldo enrre os baacus, os caaaia ¡*5 viviam na mesma casa qc.anoo
havia mn herdeito dfl propriedade enrre esses cônjuges Assim, Martin
Guerre e Benrande tinbartl morado com O velho Sansi Guerre; e
Pierre Guerre viveria cora sua licrdeita designada, seu tnarido t suas
iv.iL;as ftlhas solteiras. O novo Manin devia ter ac Instalado nu amiga
ra$í lIo velho Sauxi, agora tiniumirida ao herdeiro. Natura-luienifi,
sempre í possível que tais cosiuúics não renham sido respeitados, e
o nOvri Mairin e Pittre Guerre pwlem tei vivido na mesma caSS
dk 1556 a 1559. PbJe-se imaginar r ainnoafcia que lá reinaria durante
estas brigas
12. Le Sueur, fUsioria, p. 8 ; Hirtirtre, B iii" CnraJ, pp. 63,36.
13- Coras, pp. 33*4.
14. Coras, pp. 69-70. ADAr, 5E6653, ff, 96r-97r. Jean Irnbert.
Itis/iiHfifiTft Farexses, ou pnetique htdkiãirt . . . par M. Ion brtbefi
Umitnaat criminei du siege royd de Foüíeurff Lecomte (Poitiers;
Enguilbetr de Mamei, 1 J 63 ), p. 439.
13. Cotas, pp. 68-9.
16 Sobre a ntencira. ver o numere especial de Daeduius, inti­
tulado “Hypocrisy, Illusion and Evasion” (verão de 1979) e "Special
Issue on Lyinj( ¡ukI Deception1', Berkshire Review, 15 (1980).
172 Notas dát páginas 80-89

C o m , p. 19¡ Jean Benedicri, Lu Somme des Ptchtx fP*r¡*,


L595}, pp. 151-2.
18. Coras, pp. 69-70, 1 , 28.

7. ü Plwesso de Rieux

1. A D H G , 3E15289, 46‘-47r. ADAr, 5E6653, 96-98';


JEftíSJ, 2T. 7?.
2 . Andró Víala, Le Parlement de Toulouse et ¡'administration ■
rayale táqtrfr Ï420.Ï.J2J enFirofli (AIbi, 1953), vol. 1 , p. 143,
IA D H G , B l, i 37; B. 47, (- 905; B58, f. 638; B 66 , f, 290, 294;
Lastrarle, Les Huguenots, p. I .
3. C o m í , pp. 28-9, S ï ; Imbert, Practique indiciaire, pp. 420-1.
4. Sobre a juitiçi criminal nu Franca durante c> século 16, ver
Imbert, Frai ciane judiciaire, bascula np experiencia de yjp lieutenant
criminel; Pierre Liüet, fW p t et succmcte man¡ere de proceder tan!
4 l'ïnitiïution et decision des causes criminelles que civiles et forme
d'informer en icelles (Paris: Vincenr Serrerías, 1555), escrito por iun
rnembro do Supremo Tribunal de Paris; A. Esmein, Histoire de la
procéJule criminelle en France (Paris, 18S2); Bernard Schnapper,
''La Justice criminelle rendue par le Parlement de Paris sous le règne
de François Iet", Revue historique du droit /r<a#jpjii e! étranger, 152
(1974), 252-84; Jobn H. Longbdn, Projecuting Crii^e in the Re­
naissance (Cambridge, Mass,, 1974); Stunart, “C riminal Jurispru­
dence ui Ancien-Régime France; The Parlement of Pans in the Six-
tecndi and Seventceoth Centuries ", in Crime and Criminel Justice
in Europe and Canada, ed. Louis A. Knafla (Waterloo, Üntirio.
1981), p. 43-74. O cnxaio Je Alfred Soiuon sairí, revisto e pinito
ampliado, como "La Justice criminelli: an X V I'-X V II* siècles: Le
Parlement de Paris et 1 « aiëges subalterne*1’, in A d rr du 107* Con­
grès national des Sociétés Savantes (Èrest, 19B2). Sedion de Philo­
logie ri d'Histoire Jusqu'à 2610.
5. Coras, pp. îfi- 46 . Imbert, p, 439-74; Liw î, 2T-2 6 \ Yves Cas-
an, Honnêteté et rtUtiO itî sacudes en Languedoc, I7 J 5 -Ï7 Î0 (Paris,
1974), pp. 94-6.
6 . Coras, pp. 46.7, 50-3. 58-61, 63,
7. Nicole Gastan, “La Criminalité familiale dans le ressort du
Sotas Jas páginas m

Parlement de Toulouse, 1W M 7 J 0 ”, in A . Abbiateti et al., Crimes


a criminalité en France, X V ir-X V ltï' siècles (Cahiers tbes Annales,
3 h Paris, 1971 J, PP- ? M « .
S. OfcjahpP- 2 1, 40,'44. Le Suent, Historia, pp. 12-3; Histoire,
C UR-C V .
Goraa, pp. 37, 65-6- Le Sueur, Historia, p- 10; Histoire, C LT
10- O ™ , pp. 3ür-9, 73.
I L Remeis Général des endenàes lois françaises, ed. Isambert
et al. (Paris, 1322-1833), vol. 12, p. 633; “Ordonnance tut 3c fait
de la justice"’, agosto de 1339, n* 162. Langbwn, p- 236- Sornan,
“Criminal J u ti aprudence '", pp. S A L e "Juitice trlcremelle:’'.
12. Goias, p- 29.
13. Imbert, p. 476. Coias, p. 34. Jean Imbert c Georges Le-
vasecur,. Le Pouvoir, loi fuget et les bourreaux (Paris, 1972), pp.
172-5. Entre ça 1069 casos de l^resia que compareceram ao Supre­
mo Tribunal de Toulouse cm 131Û-1.560, Raymond Menizcr desco­
briu que a tortura foi utdenada a 27 (2-396); Raymond A. Mentiu
Jr., ''CaïvLnist Propaganda and tiie Parlement of Toulouse , Archive
for Reformation History, 68 (1977), 280. Buseando ae num petfodo
de 2 unes (1533-36 c 1545-46), Schnsppet descobriu que 16,896
dos casos criminais julgados pelo Supremo Tribunal de Paris Lnc.ujam
Ordetn de tortura ("‘La Justice criminelle'"r quadiD 3, pp- 263-3), Em
amostra* maiores de todos os crimes, com exceção d* heiesia, apre­
sentados un Tribunal de Paris « 5 1539-1542 e 1609-1610, Alfred
Sornan enrtIHIW 2 0 ,4 % dos acusados torturados para otuaçio de
confiâmes no prirodtu período e 5 ,2 % no segundo. Em casus de
fraude, perjúrio c falsifjcaçSo, as porcentagem tram mais elrvndas
que a média em 1539-1342, t zéro em 1609-1610. l>os 125 casns
de tortura cm 1539-1542, os rasuludos sao conhecidos em 70 casos:
seij pesa0as confessaram ; Stiraan, “Criminal Jurisprudence'', quadro 6
« p. 54, 4 "Juarice mmlneUe,:, quadro 7, a sair. Paia um estudo
gâtai sobre a tortura, ver John H. Langbcin, Torfute and lhe L&w
of Prrmf: Europe and Engiand in the Ancien Régime fCbdeagp, 1977).
14- C o m , pp. 28r 47*. ADR, BF443, 37r-39f.
15. C o ib í , p . 47. I mbert, Pm clique Indiciaire, p. 504-6 A H H G ,
E , La Toumelte, vol. 74, 36 de abril de 1360-
174 Notas âas páginas 92-101

S. O Processo de Toulouse

1 . Sobre o Supremo Tribunal de Toulouse, ver Vida, Parle­


ment de Toulouse; B. Rrnnassar e B. Tollon, l,Le Parlement”, in
Histoire de Toulouse, ed Philippe Wolff (Toulouse» 1974), pp.
236-43; e Bernard dç La Rocbe-Flavin (por muito tempo juiz do
Tribunal de TouWse}, Treize litres des Parlement de France (Gene­
bra, 1621), A D H G , B, La Tournelle, vol. 74, ¿7 de abril c 20 de
maio de 1560. Jean de Coiaa, De œqvi, possessions Paraphrasis
(Lyon: Michel Parmentier, 1542), A if ; De Rif*i Nuptiarum, dedi­
catória, pp. 203-6, in De Srrvilutiiui Çommentarii (Lyon: Domi­
nique de Porrunariis, 154S); De %.erhr.rrum obli^atsonibvf Scholia
(Lyon: Guillaume Rouillé, 1350), página de rosto.
2 . La Roche-Flavin, Parlemem de France, pp. 34-3, 54. 1 A D H G ,
B43, f. 707; B 51, Í. 2 ; B32, f, 219 ; B57, f, 466 ; B 55 , f 41.5; B57,
if. 70, 73; B56, ff. 536 7, 561; B67, ff_ 478‘9, Mentzer, "Calvinut
Propaganda and die Parlement ol Toulon«”, pp. 268-83. Joan
Davies, “ Persecution and Protestantism: Toulouse, 1562-1.573”,
Historical Journal, 22 (1979), 49 ,
3. 1A D H G , H-19, f. 8 . Corsa, p. 1. La Sueur, íJrjícria, p. 16,
La Roche-Flavin, Parlemens de France, pp, 733-5. À D H G , B. La
Tournelle, yol. 74, 30 de abril de 1560.
4- L* Roche-Flavin, Parlement de France, p. 260. Vitla, pp.
3S1’5, A D H G , B, La Tournelle, vol. 72, 29 de janeiro de 1559/60;
rat. 73, I J de março de J559/6Ü; vol. 74, 1." de fevereiro de 15 5 9 /
60, î l Je maio, 23 de agosto de 1560.
5. Le Sueur, Historia, pp. 1 1 - 2 ; Histoire, C ür-C iiP. Coiaa
p. 47. L U 5 H G , B 1900, f, 256. À D H G , B, U Tournelle, vol. 74 ,
20 de nato de 1560. La Roche-Fia vin, Parlement de France, p. 250 .
6 . Coras, p. 39-
7 Corar, pp. 4S, 31» 73. A D H G , B. La Tournelle, vol. 74, 2Ó
de ntak) de E560.
. PC” 11
8 . For eiemplo, Corea nío aatavs presence ï condenação de
heréticos eru 29 de janeuo de 1539/60 (Br La Tournelle, vol. 72),
em 1 * de feretdzo de 1559/60 ou 1* de março de 1539/60 (ibid.,
vol. !3), cmboin estivesse presente n iondeüaçScs pronunciadas antes
c depois desns datas.
9. Coras, pp, 4B-56, 72-4, 76-7. Imbcri e Levasseur, Le Poutoir,
No ¿ai ¿ s í páginas 101-107 1?}

pp. 163-9. ¡¡oman, ''Criminal Juiiaprudence ", pp. 55-6, u ''J uícím
etinmdle", a uLt.
10. C o m í , pp. 34.5, 47, 59, ÈB-70, 85.
1 1 - C o m í , pp. 33-6, 62, 69.79. Le Sutut, Historia, p. 14.
12. C gm s , pp. 39-66, 71-2, 73-9-
13. C o m , p 87.

3. O Retorno <lc Martin Oucrrc

1 . L é Su íu í , Huwiria, p. 4 ; Histoirer A iíF. Sobre o relHtivo


«cito dos ^íttij^Eííkk niilitaMS ligados ao eníirira espanhol cm Fbm-
dies, ver Gcofírey Padtfcr, Tfív Atttty of Flanders and the Spantsb
\doad, 1567-IíJ.P (Cajnbridgc'. Ingl-, 1972), p, 16B. No séeuta 17,
(o i mancada uma casa tsperral na Bélgica pura suldadus Mu« pítdUra
oi membros. L. P. Wrigbr, "'The Miütary Drdeis Ln SLsteenth and
StYínWeiHlrCcnuiry íspaniati Socierv”, Past and F r ííít f , 43 (maio
de 19691, 66 .
2 . L í S uc-l.It, Historia, p. 15, Martin Feroandez Navarrera er al.,
Cüitnión de Documentos Inéditos paw ta historia de Eipaõa (M sdji.
1643), vol, 3 , pp. 41 B'47 , O pírijfO dt proccsao poi naiçãa não £ de
re minimLZET; um certo Martin de Gutrre foL entorcado em 1555
em Rouen, por ter traído Metas da Lapaníii, par Hayonne, a oomer-
c[antes espsnbfls em Riu**, “alumenta prejudiciais a nós Lo rei] e
nnsaa república" (AN, Jj2é3l , 2 7 1r-272,l, DíKünhmA-se a teiíÇãQ,
ia é que cuisce, entra esie Martin de Guene : nosso Martin C-uerre
3. Viala, Perrítment. p. 409. M. A. Du BtXrf#, tiiJtQire du
¡rind-prieurê de Tonlouse ei des divertes prossejtidFS de ¡'ordte ¿e
Seint-Jean de Jrrustdetft dons le md-Ouest de ia Fraune {Tou(ouae,
1603), cap. 5.
4. Coras, pp. 80-9. De Sueur, fflífOTíct, p. 13; Wstoire, D iir.
5. C o m , pp. 69-90, 149. Le Sueur, Historia, p. 17; Histoire,
D iii’-D tvr. Uma daí questões secretas se tifteriii a cUralba aohrc
a rrisrus de Marrin Guerra. Poi alguma razão, eia foi feita em Pa
Itiien e não em Rieus, sede do bispado, ou em A-tigut, durunctf
uqih visita co vigário do biapo. Algumas dís aldeias da átea faziam
parle da diocese civil de Rieui e da diocese espiritual de Pamifis,
mas Ardgat não chcívb enire tias; C. Bairüre-Flavy, J'Le Diocese
176 Nûtai' d a i paginas 107-114

Je Famtcis au seizième siècle, d'après les procèa-vcrfcaux de 15 5 1’’,


Rivai d u Pyrénées, 4 (1894), 85-106- T ü b tt n? jufees achassem
rpre sens, uni s ótima pergunta para testai o pnsioneiro, mas, con­
tudo, de dm o lugai m m ia .
6 . Corsa, pp. 97-9. Le Soeur, Hiiioria, pp. 15-6; Histoire,
D 11". Imbert c Levasseur, Le Pottaoif, pp. 166-7. B. Schnapper,
'Testes inhabiles: Les Témoins reprodiablcs dans l'ancien droit
pénal'1, Tijdscbrift coor Reehtsgescbiedenis, » ( 1965 ), pp, 594-
604.
7. A D IIG , B, La Tournelle, vg|. 73, 2 e 3 de março de 1359 /
60; vol, 76, 6 de setembro de 1360- Le Sueur, Historia, p. 16.
6 . Coras, pp. 98-107, Le Sueur, fiijiort'a, pp. 16-7; fítftóff,
D iiv-D iiir.
9. Siu as palavras que cfetivaroenre constam do registro do
Tribunal (HE/jinpOtture et M e supposition de nom ci personne
et adultere''J. A D H G , B. La Tournelle, 76, 12 de setembro de 1560-
10 . Schnapper, "La Justice criminelle", quadra 4; "Les Peines
arbitraires du X IIJ* au X V JlI* siècle", Tijduhrifl voot Recbtsges-
chiedenis, 42 (1974), 93-100. Somap, "Criminal Jurisprudence",
pp. 50-4. Corsa, pp. 1 1 1 -2 . Isauibert, Recuei! général des anciennes
lois, vqJ. 1 2 , pp, 337-8, A. Carpentier c G - Fretejouan de Saint,
Répertoire générai alphabétique du droit français (Paris, 1901), vol.
22, "Faux1’. Hélène Midland, La Grand Chancellerie a les écritures
royales eu ifi' siècle (Paris, 1967), pp. 356-7. AN, X ^ 119 , 15 de
junho de 1337; X to914, 15 de junho de 1557. ADR. BP443, 294’ -
296r.
1 1 . Contt, pp. 1 1 1 , 118-23- La Rochc-Flavin, drrer« notables
du Parlement de Tolose, p. 14-
12. G o ™ , pp, 24, 26-7, 109, 132-4- Imhert, Pradique indiciai­
re, pp. 48R'9Ü.
IJ . A D H G , B, La Toumclk, vol. 72, 29 de janeiro de 1559 /
60. Imbert, Prattiqne indiciaire, p. 316, Imbert e Levasseur, Le
Pouvoir, p . 1 7 3 -

14. Cocas, pp, 133-42,


1.5. Le Sueur, Historia, p. 18; Histoire, D ivv-E i r. Coras, p.
128.
16. Le Sueur, Historia, p. 19; ffj'rfwi're, E iY. E, Telle, "Mon­
taigne et le procès Martin Guerre", Bibliothèque d'humanisme et
N otas du j fiîgfMii.T 114-119 377

reruùsrattce, 37 (1973), pp. 387419. E n piincipio', apenw o piu-


nundanaento da sercteirça en. absrto sto pùbUco rum easo Eliminai;
ae Montaigne presiiuciou qualquer piocedimento anterior, foi em vio-
Jaçïo b- regras du. oatte.
17. Coraa. pp. 144-60. Le Sueur, Historia, pp. J0-2- Histoire,
E ü"

10. O Cuntador ck Estdria

1, Coras, p, 78.
2, Le Sueur., Histofin, pagina de rosto c p. 21. Louct-Eugène
de ¡a Goigue-Rosny, Rechcribes généalogiques sur ier comtés de
Ponthiru, de Boulogne, ¡¡e Guides et pays csrcorsvoisins (Paris. 1874-
1877), vol. 3, pp, 1399400. ADPC, 9B24, 120r-1 2 1 T. A. D ’Haute-
ÉeuïLIe e L . Bénard, Histoire de Boulogne-sur-Mer (Boulogne-sur-
Mci, 1806), vol. 1, pp. 314-5, 377. Dictionnaire historique et ar­
chéologique du département du Pui dcGalaii. Arrondissement de
Boulogne (Arras, 1862), vol- 1, pp- 267-9. Les Bibliothèques fran-
(oisrs de Lu Croix du Mp w et Du Verdier (Parti, 1772), vol. L, p.
349. Liber qui vuigo Ter Lus Mecç&baeontm inscrthiiur, Latin i-ersi-
hut à Graeca oraiion e ex prèssus, A Gultelmo Sttdono, Caentsum
uptfd Bolouiens, Belg. putronc (Paria: Robert I I Esticnnc, 1366),
dédirait!*i a a Michel de L'Hôpital- Antiquité? de Boulogne-sur-mer
pur Guillaume Le Sueur, l i % , ed- E . Desçitlc, in Mémoires de la
société académique de ¡'arrondissement de Boulogne'sur-Mer (197S-
9), 1-312.
3, IMunit Coreiyi TalosatL, lurisconsulti Clarissimi, in Nobdis-
simunt Tifidum Puudectarutn, De vttbor. obligeUionibus, Scbvlia
(Lyon; Guillaume Rouilla, 15.50). loannis Corasii . . . vite: per An-
tonium Utffhtrr - ■ ■ in seboli Monspcliensï iuris civilis professorem,
édita. 1559, in Jean de Coras, De iutis Atie libellus (Lyon: Antoine
Vincent, 1560). O prLifirio Coras relarou suas façanhas académicas
de juventode nun» curtp de Pudua, de 22 de maio de 1535, a Jac­
ques de Minut, priroeiro présidente do Tribunal de Toulouse; foi
edrtada com as cem senten;« no final do scu Miscellaneorum Iuris
Civilis, Libri Sex (Lyon. G . Rouillé, 1332). Coras, p. 36, Henri de
Mes me, Mémoires inédites, ed. E. Frétny (Paris, */d>, pp, 139-40,
178 Notas das páginas 119-121

143; Cora* foi um dus professores de- Mtsmc tm Toulüuae. Jacques


Gâches, iliémotres sur les Guerres de ReSigioa à Castres et dans le
Languedoc, 1555-1610, ed. C. Pradel (Paris, 1879), p. 117 , n. 1.
Jeau de Coras, Opera tfuae habeti possunt a muta (^uîerbeig, 1603),
vol, 2, p. S92. O jurîau humanista Jean de Boyssoni, cs-professor
cm Toulouse, também EaJou da glória de Coras coma conferencista;
Gatsen Amoat, “ Cinq lrtctes de Poysonné p Jajn de Coras’1,. Revue
historique de Tarn, 3 (1880-1881), L6G-3.
4. A D H G , 1ÎÎ7 Jarrets civils), 12 de iulhode 1344. O nonie da
m3c Je Coras aqui citadu é Jeanne, Usilis registrei CCVQO Catherine.
Jean de Coras, In Titulam Codkis lutlitswoi, De Jure Emphytíutko
(Lyon: Guillaume Rouillé, 1550), verso da página de rosto: '‘Domi-
no ToBnni Coraiio patri suo ubsetvanclissltno. ioanncs Corasius filius
S. D ”, rlutado -de Lyon, setembro de Il 549.
5. Coms, Optra omnia, vol. I, pp. 54?, 690. Archives Munici­
pales de Toulouse, AALQ3^ A D H G , 3E12D04, 56r (referências gen-
tilmente forneridiiE por Barbara B. Davis},
6. Marcel Fournier, “Gujas, Cuiras, Pstdus. Trois conduites de
professeurs de dioic par les villes de Montpellier et Valence au scs-
¡itme siècle'1, Rruiie ¿fer Pyrénées, 2 (¡8901, 328-34. Jean de Corw,
De lmpuberuf» . . . Commentant (Toulouse. Guy Boudeville, 1341);
p. Lih-H- ru copia da Bibliothèque Municipale de Toulouse uaz “Cor-
rwissimi” na margem- A obra é dedienda a Jean Bertrand, presiden
te, Tribunal de Paris; De orqvt pvsrtttronc é dedicada a Maniencal
cm 1542. A dedicatória ao Cardeal de CháálloD data de 1548, ao
Cardeal de Lorraine, de 1549. Cotas, Opera Or»nia, vol. 1, pp. 22,
162, 191, 225.
7. UilB», “Vira", JADHG, B46, f, 172.
8. A D H G , E9L6. Essas cartas foram pardalmente. publicadas
por Charles Pradel, Latires de Coras, celles de sa femme, de son fils
et de ses amis (Albi, 1680), e estudada* por F. Neubcn, "Zut pro-
blematik franxüsichcr ReiHÍssanccbrieíe”, Bibliothèque íí^awaíiiíníe
et tenaistatiL-e, 26 (1964), 28-34, Gâches, Mémoires, p, 120, n- 2-
Coras casara com Jacquetue em junho de 1557, data cm que escre­
veu uma afetuosa dedicatória a Antoine de Saint-Paul, "maître des
requêtes ordinaires de l’hûtei du toi- , du de Jücuuette {Opera um
nia, vol. 2, p. 894). Pradel, Lettres, p. 13, n. 1; p. 32, n, 1 IA D H G ,
B7.Î, f, 167,
S o ta s das páginas 122-1 2 6 179

9. Lettres de Coras. pp. 10, 12-3, 15, 20-1, 20-8, 55-6. A D H G ,


cart« de 10 de abril, 12 de julho e 8 de dtt*mhro dt 1567.
10. Jean de Coras, Jn Vniversattt sacerdoúorutn matetiam . . .
parapbfam (Pari;: Arnaud 1'Aíigelicr, L549), capítulo sobre o Papa.
Cotas , Des Mariages clandestinement ti irretntremmeni contractes
par ¡es enfin; de famille au décru eu contre íe gré, vouloir et consen­
tement de leurs Pere; ei Afetes, petit discours . . . A trëcretien . , .
peinte Henri deuxieme , . , Roy de France {Toulouse: Pierre du
Puis, 1557), p. 92.
1 1 . Des Mariages clandestinement . . . contractes, dedicatória a
Henrique II. Altercation en forme de Dialogue de ¡'Empereur Admn
et du Philosophe Epictéte . . , rendu de Latin en FVfiWfoii par mon­
trent maître Jean de Coras (Toulouse: Antoine André, 1558); o
privilégio de nove ht>os é datado de 4 de abril Je 1557/58 De ntris
Ane libellas (Lyon: Antoine Vincent, 1560). Esta obia e o pensa'
mento jurídico de Jean de Coras são 0 teroa de A, London Fcll Jr,,
Origins of Legislative Sovcteignty and the Legislative State (Kiinigs-
tein a Cambridge, Mass., 1983)-
12. Jean dt Coras, Remonstrance Discourue pat Monsieur
Maistre Jean de Corat, Conseiller du Roy au Parlement de 7 olose.
tut l’installation par luy faïe te de Messire Honorât de Martin t et de
Grille en l'estai de Seneschd de Beauscatre, I.e 4 Novembre 1566 2
JVywfi (Lyon: Guillaume Rouillé, 1567), pp 17-9. G . Bosquet, fiA-
loin sur Us troubles Advenus en la ville de T olose l'an 1562 (Tou-
1<*i k , 1595), p. 157. Á P H G , B56 (arrêt civils), 5.57r-558', Ger­
main ï-a Faille, Annales de la ville de Toulouse (Toulouse, 1687-
1701), vol. 2, pp. 220, 261, V=r também uku capítulo 12, cm espe­
cial il. 2. Lettres de Coras, p, 13.
13. Le Sueur, fíjrforôi, p, 12. Corsa, p. 64,
14- Corai, p. 87. Le Sueur, Historia, p. 14.
15. Cotas, Altercation, pp. 59-63.
16. Coras, p, 12; Le Sueur, Historia, p. 18; bfrrioire, D hr',
Stephen Greenblatt, Renaissance Self-Fashinning: F totn More to Sha­
kespeare (Chicago, 1980), Fera uma abordagem um pouco diversa,
ver Norbert Elias, The Civilhing Procesi: Tbe Development of Mati­
nées, trad, E . Tcphcott (Nova Ioitjue, 1977). Michel de Montaigne,
Oeuvres complètes, ad. Albert Thibsudct c Maurice Rat (Bibliothè­
que de la Pléiade; Paris, 1962), livra 2, cap. 18: "Du démentir”,
180 Notài diti pàgina^ 130-133

11. Histoire prodigieuse, Histoire tragique

1. Admtriinila biitùtu, verso da pagina de resto. Histoire Admi­


rable d'un Faux ut Supposi Mary, E iiïv, privilegio de Settenas por
seis anos, datado de 25 de janetar» du 156 0 /6 1. Jean-Pierre Seguin,
L'information en Frante avant le périodique. 317 Canards imprimai
entre 1321f et 1631 (Paris, s/<J); L'Information en Frante de Louis
XII à Henn II (Gtntbtl, 1961),
2. E. Droz, "Antoine Virent: La Propagande protestante par
le Psautier", in Aspects de Sa propagande rij'r^jfüje, études publiées
pot G'. Ëerlhoud et al. (Genebra, 1357), pp. 276-93. N . Z. Davis,
'‘Le Monde de l’imprimerie humaniste: Lyon", in Hiuoite de t'édi-
Siots française, ed, Henri-Jean Mat tin e Roger Chartier (Pans, 1382),
vol. 1, pp. 255-77,
3. Seguin, L'In formation . . . de Louis XIS a Henri II, rcinado
de Francisco 1: n," 55, 142; rei nudo Je Htnriquc II : n.D 29. Jean
Papon, Recueil d'arresti notables des courts souveraines de France
(Lyon: Jean de Tournes, 1.557).
4. Jean C£*td, La Sature et Us prodiges: L'Insoliie au XVI*
siècle en Frante (Genebra, 177, pp, 252-65, Michel Simonin, “Notes
sur Pierre Boaisruau'\ Bibliothèque d'humanisme et retmuattct. 33
(1976), 323-33. Seguin, L'information . .. de Lords XII 2 Henri H,
reinutlo de Hcnrique I I : n.u 22, Pietre fiouistuau, Histoires prodi­
gieuses Us plus mémorables qui ayent esté obseri-ées depuis la Nati­
vité de Iesus Christ iniques 2 nostre siècle (Paris: Vincent Sertirai,
1.560)- Jeun de Tournes pu Viicara Des prtxdiges de Jules Obsequent
em 1555, cinco anos antes de Admiranda historié, Je Guillaume Le
Sueur. Le Sueur, Histoire, verso da pagina de tosto. Coras, pp. 11-2,
5. Coras, p. 1.
6. Cotas, pp. 2-7, 40-5, 118-23,
7. Coras, pp, 44-5, 96-
B. O privilègio de Antoine Vincent para o Salmirio data de
19 de ouiubro de 156 1. Sobre Jean de Monluc, ver AN, MM249,
130v-13 3 r, 136r"1 e Vidal, Schisme et hérésie, pp, 165-6- “Projet
d'ordonnance sui les mariages1', in Calvino, Opera omnia, vol- 38,
Pp, 33-44-
9. Cotai, Arresi Mémorable (1561), f,* 2rt. Agratleço a Annie
Notas das paginas 133-138 lí!

Cliaron jjtlaK iní-armaç-ões lobe* h ligações católicas de Vincent S«i-


llhjh t çdjioTH parisienses de Arrest Memorable de Caraa.
10. Le Sueur, Historia. pp. I I , IS. -Gotas., pp. 90-, 1Û S-9,123-8.
A D H G , R, í.tt Tournelle, val. 74, 20 dc maio de l?60; vol. 76, Í2
de setembro de 1560.
1 1 . Caias, pp. 11-22, 13 ?, 14?.
12. Cent Nouvelle.t Nouvelles, conta 33. Compare-se o líepta-
tnéroti de Marguerite cte Navarre, Segundo Dia, conta 14 (o Hint de
Bannivet suhxmui o Hmante Ltaliann de unta mulher milar-csa);
Quinta Dia, conta 48 (dais íranciscanoa iubarituem t> n w ; marido
de uma naiva aldeã dc Fbrigord); All'i Wr[l That Ends Well, de Sha­
kespeare (Helen substitui Diana nu encontro amoroso com Bertram)
e Measure for Measure (Mariana substiroi Isabelle no encontro amo­
roso com Angelo). Em rodos eaara casos, a pcaaoa enganada ad aubc
da ™ d a d c cjuando Ihe- oonurn Jtpoii. Siith Thnrnpscm non di ne-
nhuma reíerâncL* Je canto çom o rnmnn tipo de impostura da
hisidria da Martin Guerre; o «templo mais próiimo 6 a de um
gfemw tjue engana a mulher do seu irmão; Motrf-lndcx of Folk
Literature (Bloomington, 1955-1958). Ü 19 I5 -19 17 , K 1 U 1 .
13. Vtadimii Propp. Morphologie du conte, riad. Marguerite
Denida (Paria, 1970),
14. Coias, Arrest MetuvraNr (1561), {.** pp. 70-1.
15. Coias, Arrest Memorable [Lvon: Antoine Vincent, 1563),
pp. 158-78, anotação 104, Gotas (1372), £.* ü™. Le Sueur, Jíírforw,
pp. 4, 1 1 , 22; Histoire, A iiir, Cïiiv. Henry C. Lancaster, The French
Tragi-Comedy: Its Origin and Development front 1352 Je 162 S
(Baltimore, 1907); Marvin T. Heitlel:, Tragicomedy: Sti Origin and
Development m Italy, France end England (Urbana, 1355); Susan
Snyder, The Comte Matrix of Shakespeare's Tragedies (Princeton,
1979),
16. Histoires tragiques, Extraites des oeuvres Ihtliennes de
Handel, el mises en langue Françoise: Les six premieres, per Pierre
Boaistuau . . . ei Us suatwnies par François de Belieforest (Paria,
1580);. Richard A . CatT, Pierre Boaistuau's “Histoires Tragiques": A
Study of Narrative Form and Tragic Vision (Ghapet HDl, 1979);
Coras, p. 147,
17 Coras, pp. 107,-138. Lettres de Coras, p. 16 A seif-fas blo­
wing BcTtrande nab aparccc no rejtto de L í Sueur.
132 Notai dai paginai 139-140

12 . D o s C oîcqs

1. AO-HG, E916, fl de dtiembiQ J* 1567. Uma inscrição Jan­


na. na guHida da eriiçãn de 157? da Bibliothèque do L'Arsenal diz
que e tsemplnr foi comprado pt>r 1Ü sam cm feveteito da I5 fli,.
preço razoável paca esse tipo de bvro.
2. ADHGr B56 (arti(a errili), 557T-53Sr; B57, 63f, W 7V;
H&7, m ' - W - 1ADHG, B64, Í. 69; B62, f. 75 j B6B, f. 4*9. ir -
thives Municipales de Toulouse. GG626, depoimento de 26 de cubïo
de 13Ó2 (reierfnun xen Lilmenie fornecida por Joflfl Qavtca). (Jean
de Coras?), Les Irtiçultez, Abus, Nidifiez, Injustices, opprenions et
Tyrannies de VArresi d o t a i eu Parlemeni ¿e Toioie, contre l a Cofi-
tniîerr de ici Retigiots, Icvereito de 1566, in Histoire de Nostre
Temps, Contener^ un Recatii des Choses Mémorables pan tes et
publiées pour le falci de le F.eiigiùti et estai de la France, depuis
TEdict de pacification du 23 tour de Mars 1363 iuHtucs au bu r
prevení, ita primé Nout>eîIetn*tit, Md D- UCX (La Rochelle: Barthé­
lemy Bertoü), pp. 321.54. E. Efroz, Barthélemy Berta*, 136Ì-1573
(L'Imprimerie À U R ocktie, 1; G n e t a , i960), pp. 93-106, J. de
Galle, L|Le Conard] de la Reine de Navarre, i La Rochelle . .. 1369’
70", Bullciiti de la société de Vhistoire du protestantisme frtnçÀi, 1
(1055), 125-37. Lettres de Cores, pp. 23-B. Jacques Gâches, Mémoi
res, pp 73, ]17-2Û, 193, 417-3, Û cczociro juiz assHssinHdo pela mub
tidâo foi Antoine I de Lae#ft, itmio mais velbo de Antoine 11 de
Lâcher, c marido de Jeanne, fithu dû Cotas.
3- Vtt rainha bibliografia sobre essas ediçõ™. Q exemplar da
pd^îo la;ina, Frankfurt, 1376, da Bibliothèque Matonaie (F326C19)
trae a assinatura da StiiKliut Dighy, colecionador ingira do siculo 17.
4- EsemplHles do Arresi Memorati* de piapdedBde dr advo­
gados: 1361, Bibliothèque Municipale de Lille; Lyon, 1565r Biblio-
thèipje Municipale de Poitiers. Esemplare» enntdetnados coni Pa­
r a p h a * jk r Pedici des met tares dmãeítínfíM rtt contracta, Pütia,
1572: Bibhciihtque Nationale (F32é04h Bibliothèque Municipale
tic Lyon (337624); Paris, 1579; Robinson Collection, Faeulty of
Law. IJjiLwCz-si Ly of 1liUiorLiïu, Berkeley. Excmplsjes traode madus
m n obras sribft: a lüL de LiuriiLatüi: Lyon, 1565, Btitisb Libraty,
ptopri* titio otjHctinl IraiiL-és (G 19.341): Lyon, 16(13; Saint Gifle,
viève. A edição de 1561 encadernada com Admiratsde historie de Le
Notas dai páginas 140-14 7 183

Suçfur está na Eibltothèque Nationale (Fl 3876) e traz- a assinatur*


do grande apreciador de livroE Claude Dupuys.
J. Ver rtiitiha blMiograíiü.
6. Jean Papón, Recueil d'Attetis Hot obles Jet Courts soute-
minei J e Fratrie (París: NLtüLns í j-jesneuu. 1363), *152v-456''- Gánud
de Maynard, Notajes et tingulietet Questioni du Droict Escril
(Pari*, 1623), pp. 500-7; C. Droirher, Le poète Frongoit Moinard
¡1583P-1646). (Parli, s/d), pp, 7-8. Piiiquier, Recherches de ta
France,. Jivto fi, gip, 33,
7. Hcrfidoto, Historiar libri IX et de vita Ho,meri iibclhii . , .
Apologia Hear. Stfphani pro Ilcrodoto (Gcncbra: Henri Estienne,
1566), f.**** ii'. Henri Estienne, L'introduction au traité de ta con­
formité des merveilles anciennes avec Us modernes (1566), ed. P.
Aisteibuber (Paris, 1879), pp 2 + 3 , Gilbert Cousin, Narrationum
sylta ¿¡tiù! Magna Rerum (Bisel, 1567), livro 8, Antoine Du Verdier,
Les Diverses Leçons (Lyon: Barthélemy Hononar, 1577), livro 4,
capt. 21 »7, Histoire} prodigieuses, extraie tes de ptusirrs fameux
Autbeurs . . . dsorsees en deux Tomes. Le premier mis en lumiere
par P. Boaistiiau . . . Le second par Claude de Tesserarti, et augmen
té de dix histoires par François de Belle-Foresi Conrìrtgeoif (Puis,
Jean de Bordeaux, 1374). vol, 2, £, 279‘-2ïi9r. Cosmographie uniper
sette . . . enrichie par François de Retirforesi, p. 172. Céard, Les
Prodiges, pp. 326-35-
8. Papou, 456r"f; Ehr Verdict, pp. 30CM; Faaquier, pp. 570-1,
Alfred Somari, KL* Sorcellerie vue du PHHtìnetn de Fan i an déhnr
du X V Í1* attelé*, in La Gironde de 1610 à nos jours. Questions
diverses. Actes du 104* Congrès national des Sociétés Savantes, Bor­
deaux, 1975 (Paria, 1981), pp. 393-403-
9. Auget Gaillard, Oeuvres Complètes, pubi, e trad. Ernest
Nigre (Pària, 1970), pp. 514, 533-6.
10. Montaigne, O cwhtcj complètes, livro 3, c ïç . 1 1 , U k > a tr+
duçio contemporànea de John Florio, The Etsayes or Morali, Poli-
tibe and Milìitarie Discourses of Lord Michael de Montaigne (Lon­
dre!, 1610), * 0 f thè Latine or Grippie", pp. 612-7.
U . CoraH, pp. 52, 74, 88. Montaigne, Essayes, prp. 614, 616.
Quinti Horatii Flacci Enti te.mata (Àncutrpia: Philippe Lisien,
1612), pp. 130 -1: "'Rari an Lecedeotero Eceleatum } Deaçniit pede
i’ pocita daudoM, das Odes, Üvti> 3, oJe 2. Ceaate Ripe, Iconologie
184 Nüíss dai págimli 147-150

oivra DesmUitute ¿ell'ímti%ini utiivetitiii ¿'dinrrt dtdlAxtkkrfii et âii


JÜtri 1-uoghi (Roma. HeideLros Gio. Cigliocti, 1593), p. 37: Bugia.
A per*unificação da Mrrtira cem Jinp perna de pau poique ‘‘la bugia
ha )e gumhc cortrJh. Outros exemplos de significados mistos de uma
ptma iiê pau ou alstrão; Sammo com perna de pau (Adhémar, Inven-
itiire, voJ. 2, p. 272J: aleijão cu deformidade dos çcs associada ao
extravio da verdade divina e 1 injustiça [Giovanni Piero Valertano
Bulzuní, HierQglypbiUa (Lyt>n: Paul Frcljon, 1602), pp, 366-7J,

Epílogo
1. ADA*, 5E6653, 63r, 97r-9Br. Coras, pp. 23-4.
2. F. Pasquier, "Coutumea du Possai", pp. 278-320. Philippe
Wolffr Rcsprái íitf lc Midi m$diífnt fTculouse, 1978), pp. 412-4.
3. Frarsçois Rabelais, flnítw í, cd. J. Boulangcr (BibJiothcquc
de la. PlíLade, Parts, 1933), PtHtògtwef, prílogO, p. 169. Esse pro­
vérbio í aiuubnente corrente no I-anguedc* ■ F- Mistral, JU>rr Trejor
dóst Filibyivt oti Dictítjtrjciire ProveTiçal■ FVii.Tyirif (Aixen-Pruvence,
1979), I I , 302.
4. A D H G , B, Jnsinuatíons, vol, 6, ?3v-97r. Apenas Pietre, o jv-
é descrito como o filho ca viúva de Martin Guerrt, Jebanne
CaioJIe. Ainda é menor, com dois n/ratears, o que sugere que tem
eutte 15 c 25 anos de idade e vive com a mãe. A família Lí .rol
(também Garrei, Gatolz) era de Artigat, embora dc menor staius do
que oi Rols (ADAr, 3E6Ó36, ? ) .
3. ACArt, registro de casamentos e batismos da patbquLí de
Àrtigac, 1632-1642. Tcirier de 16 5 1; Dominitrue Guerre; Gaspard
Guerra, aliás Bcuinellc: Ramond Gueiiei Jean Gueiret Jamiiies
Guerrc, François Gocrre e Martin Guerrc, irmãos; ca herdeiros de
Mark Cncrrc. Pierte RoLr Kiunicin vários campeã em comum com
os herdei™ dc Maria- Guerie. Us Guerra du Arügp-t sobreviveram
áC-i .acua p roccaacn co m m u n ir faL-JIüJiidt: (]n c u e <j i D-j|(ufctT-t: d c
Hendaye i i perse^plições à fdtlçsria no I^tbutLtd, «n 1609- Mbtíê
e Johaniwa Daguerra estavam entre testemunhas, e Fem Dajptírre,
cum 73 anos de idade, foi descrito pelo ¡ui* de Bordem* <0m0 "o mft-
tre-tfc-cerimfinitts c governador do h W", e íul ctecutado. Em 1620
ainda havia Baguerre em HaudayÉ, um bastante importante embota
Noim das páginas 150-151 185

não jurât da aldeia (de Lancre, Tableau de 1'incoHttanee, p, 71 , 12 ?,


21 7; ADPyA, IJ160, n.* 46, 14 de janeiro de 1620). O í du TilK
continuaram em Sujai « Le Pin nos sículos 17 c Ifi, mas seu stauu
ainda era modesto (A D H G r 2L240>h 43M 5r, 4E2016).
6. AGArt, Registro de 1634: "luxcpu um bastardo
. . . Jean, filbo de Rsunond Gnetre" Pouquíssimos Uabalhadcwí
imigrantes na Espanha lã formaram uma segunda família, para depoit
voltarem à sua nuilber e filhos no Languedoc (comunicação on] de
Jean-Pierre Poussou).
Sobre a autora

■^íatalie Zemon Davis é, atualmente, urna das mais desta­


cadas historiadoras sociais. Tendo nascido cm novembro de
1928, foi educida no Smith College, Massachusets, onde
graduou-se sumara cura {gude ern 1949. No ano seguinte,
graduou-se tambem pelo Radcliffe Ooíkgc. Recebeu seu
Pb. D., em 1959, na Universidade Michigan e, desde eni5o,
tem lecionado nas Universidades Bruwn fl 959-1963), de
Toronto (19634971), da California, Berkclcy (1971-1977)
e Píinccton, onde foi professora de História de 197 & a
1981; atualmente é professora de História na Hcnry Zharles
Lca.
Paralelamente às atividades mais dituiamente ligadas
ao ensino, dirigiu por um ano, o Associated Studies da École
des Haures ÉtLides en Sciences Sociales. Foi fundadora e co
editora (1964-1968) do " Renaissa jice atui Reformación'
tendo participado também do conselho editorial dc diversas
publicações especializadas. Foi membro e presidente de inú­
meras associações profissionais.
Natalie Davis tem recebido incontáveis honrarias no
longo de sua carreira. É autora dc vários ensaios c artigos,
particularmente sobre aspectos da vida na França do século
XV I. Seu primeiro livro, Sctièty and CuUurt' ia Earty
M odera Fraitce, foi publicado nos EUA cm 1975. O RETOR-
188 Sobre a autora

NO DE MARTIN GUERRE, seu segundo trabalho, é uma


extensão da pesquisa por ela desenvolvida quando das filma­
gens da aclamada versão cinematográfica desta estória, diri­
gida na França por Daniel Vigne.
Seu último estudo histórico-antropológico, The Gift
m Sixteenth-Century France, acaba de ser concluído. Nata­
lie Zcmon Davis é casada com o matemático Chandler Davis
e tem três filhos.

f
©
fA ZETEIIA
U«.| K.«nr»
a wv*v
VV JJ

E ste livro surgiu da aventura entre um histo­


riador e uma forma diferente de falar sobre o
passade. A estória de Martin Guerre foi muitas
vezes recontada. Nos anos 1540, no l^anguc-
doc, um camponês rico abandona sua muihci,
filho e propriedades, e durante anos n3o há no­
tícias suas; de volta — ou é o que todos pen­
sam — mas, depois de très ou quatro anos de
agradável casamento, a esposa diz que foi enga­
nada por um impostor e leva-o a julgamento. O
homem quase convence a corte de que é Martin
Guerre mas no último momento surge o verda
deiro Martin Guerre.

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