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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DO PLANTÃO

JUDICIÁRIO CRIMINAL DA COMARCA DA CAPITAL

Paciente: XXXXXXXXXXXXXXXXXXX
Impetrantes: XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX
Autoridade Coatora: Comandante Geral da Polícia Militar do Estado de Sã o Paulo

XXXXXXXXXXXXX, brasileiro, Defensor Pú blico do Estado de Sã o Paulo, com


domicílio para intimaçã o na Rua XXXXXXXXXXXXXXX, Sã o Paulo/SP, e
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXX, Defensora Pú blica do Estado de Sã o Paulo, com
domicílio para intimaçã o na Rua XXXXXXXXXXXXXX, vêm, respeitosamente, à
presença de V. Exa. com fundamento no art. 5º, inciso LXVIII, da Constituiçã o
Federal, e nos artigos 647 a 667 do Có digo de Processo Penal, impetrar o presente
pedido de ordem de

HABEAS CORPUS
com pedido de ordem liminar

em favor de XXXXXXXXXXXXXXXXX, RG n. XXXXXXXXXXXXXXXX, pelos


argumentos de fato e de direito a seguir apresentados, em face do Comando Geral

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da Polícia Militar de Estado de Sã o Paulo, na pessoa do Coronel XXXXXXXXXXXX,
situado na Praça Coronel Fernando Prestes nº 115, Bom Retiro, Sã o Paulo, SP, CEP:
01124-060

1. DOS FATOS

Como é do conhecimento de V. Exa., reportado diariamente pela mídia,


desde o início do corrente mês, a Polícia Militar do Estado deflagrou operaçã o no
bairro da Luz e adjacências, regiã o popularmente denominada de “Cracolâ ndia”,
com o objetivo declarado de coibir o trá fico de substâ ncias entorpecentes e
resgatar as pessoas em estado de vulnerabilidade. 1

A operaçã o foi intitulada de “Sufoco”, substantivo que, nos dicioná rios do


verná culo, tem como significado “ato ou efeito de oprimir, impedir, impressionar,
comover, causar profundo abalo no â nimo, afliçã o”.

O substantivo, portanto, fala por si.

Por certo, nenhum conflito com o ordenamento jurídico resultaria da


Operaçã o se a opressã o fosse exclusivamente dirigida ao trá fico de entorpecentes.

No entanto, o “sufoco” anunciado está sendo explicitamente dirigido a uma


parcela ampla de pessoas, dentre elas, aquelas nã o flagradas em cometimento de
delitos, tendo autoridade pú blica declarado explicitamente que o objetivo da
operaçã o é impingir “dor e sofrimento” (doc. 01)

Em realidade, além de outras violaçõ es sistemá ticas a direitos


fundamentais, que serã o brevemente contextualizadas para ilustrar um panorama

1
http://www.policiamilitar.sp.gov.br/unidades/ccomsoc/index.html
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geral do estado de coisas, está a ocorrer, de forma sistemá tica e diá ria,
constrangimento ao direito constitucional ao direito de ir, vir e estar em
logradouros públicos, constrangimento esse direcionado à populaçã o a toda
evidência hipossuficiente: maltrapilhos, moradores de rua e dependentes
químicos.

Tal constrangimento, além de notório, está testemunhado por jornais de


grande credibilidade e vem amparado por inú meros relatos em anexo, colhidos por
Defensores Pú blicos desde o início da operaçã o, adjetivada pelo Ministério
Público como “irresponsável, precipitada e desastrosa” (doc. 02), instituiçã o
respeitá vel que estuda barrar na Justiça o prosseguimento da operaçã o e que, para
tanto, instaurou inquérito civil para apuraçã o das ilegalidades noticiadas (doc. 03)

Nas palavras do Promotor de Justiça Eduardo Ferreira Valério: “nã o


concordamos, porque trá fico é questã o de polícia. Dependência química, nã o”(doc.
04)

E as fotos em anexo falam por si: policiais em motocicletas sobre a calçada,


coagindo pessoas miserá veis e doentes a se retirarem, sob pena de serem
atropeladas (docs. 05) .

1.1.Contexto geral das violações

Como também é fato notó rio, tã o logo foi deflagrada a Operaçã o, a


Defensoria Pú blica do Estado, que já desenvolve atendimento regular aos
moradores de rua2, se deslocou até o local no intuito de cumprir sua funçã o e dever
legal de assessoria jurídica e educaçã o em direitos aos pobres (doc. 06).

2
http://www.apadep.org.br/news/2011/defensoria-publica-de-sp-inicia-hoje-atendimento-juridico-
especializado-para-a-populacao-de-rua-da-capital
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Lá estando, finalizou ontem a primeira fase do atendimento, colhendo 70
(setenta) relatos formais entre 04 e 13 de janeiro, dia de ontem.

A leitura conjunta dos relatos revela uma grande quantidade de


reclamaçõ es sobre a atuaçã o policial, algumas isoladas, outras amparadas por fotos
e testemunhas, podendo-se perceber que determinados fatos foram recorrentes e
permeavam inú meros depoimentos. Relató rio parcial do trabalho segue em anexo
(doc. 07 a e b)

Dentre esses fatos trazidos em profusã o, chamou a atençã o da Defensoria


Pú blica o impedimento por parte da polícia militar ao exercício do direito de ir, vir
e permanecer de que sã o titulares todos os cidadã os, ainda que em situaçã o de
miséria, que nã o estejam cometendo delito ou sejam procurados pela Justiça.

Isso se conclui também de declaraçõ es dadas à imprensa pela autoridade


apontada como coatora: “a idéia é abordar sempre”, em matéria intitulada: “Em
nova fase, ação anticrack dispersará moradores de rua” (doc. 08).

Em outra matéria, com o título “Expulsos da Cracolândia se espalham


pelo Centro”, a autoridade coatora teria afirmado à imprensa: “manter a
população expulsa da Cracolândia em movimento é parte da estratégia da PM
para desarticular o tráfico de drogas na região.”(doc. 09)

XXXXXXXXXXXX, cidadã o em situaçã o de rua entrevistado pela Folha de Sã o


Paulo, o qual, por ter sido forçado a deixar a regiã o da cracolâ ndia pela polícia,
passou a morar nas ruas do bairro de Higienó polis, declarou: “A polícia disse se eu
voltar para lá [cracolândia], eles vão me bater.”(doc. 10)

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Especial atençã o merece o caso de uma adolescente que, segundo relatos
dela pró pria e de testemunhas, recebeu um disparo na boca de um policial militar
por ter se recusado a sair da via pú blica onde se encontrava (doc. 11 a, b, c). Note-
se que a referida adolescente foi atendida pela Defensoria na sexta-feira,
06/01/12, à tarde, momento em que foi orientada sobre seus direitos, dentre os
quais o direito de liberdade, ocasiã o em que se encontrava sem ferimentos; poucas
horas depois, na noite de sexta-feira, foi gravemente lesionada na boca, apó s
responder a uma abordagem policial que permaneceria naquele local, resguardada
pelo seu direito de locomoçã o.

Referido caso foi registrado no B.O nº XXXXXXXXXX no XXº DP, capitulado


como tortura e abuso de autoridade (docs. 12 e 13).

Ainda, jornalistas da Folha de Sã o Paulo testemunharam in loco, na ú ltima


terça-feira, uma tentativa de expulsã o de moradores de rua acolhidos na porta da
entidade caritativa e religiosa “Cristolâ ndia”. Segundo eles, “Uma ronda da PM
tentou retirar da calçada uma dezena de usuários de drogas”, no local que se
transformou num refú gio para moradores de rua apó s o início da operaçã o policial,
tendo polícia a sido impedida pelo Padre Julio Lancellotti, que proferiu a seguinte
frase “Aqui é solo sagrado” (doc. 14)

Assim é que a coaçã o ao direito de permanecer é evidenciada pela dispersã o


de ditos usuá rios pela cidade, seja por meio de proibiçõ es e intimidaçõ es verbais,
seja pela utilizaçã o de disparos de borracha e bombas de efeito moral sobre a
populaçã o. Nessa esteira, a imprensa cunhou o termo “procissõ es do crack”,
definidas pelos jornais e testemunhas como a conduçã o em massa de pessoas para
fora da á rea pelo acosso de viaturas da polícia militar (doc. 15).

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Depois do acosso para tentar dispersar os cidadã os, é desnecessá rio dizer,
tais pessoas, exercendo o seu direito de liberdade, retornam ao local pú blico onde
moram e estã o habituadas a freqü entar.

Pessoas que sã o expulsas e retornam em seguida, para novamente serem


expulsas e retornarem logo apó s, num círculo incessante e repetitivo que faz
recordar o mito grego de Sísifo, resgatado por Albert Camus.

Ad infinitum, Sísifo cumpre uma pena, realizando diariamente a cansativa e


absurda tarefa de carregar a pedra ao alto da montanha e vê-la, logo apó s, rolar de
volta à base, para entã o novamente carregá -la até o topo e vê-la, mais uma vez,
descer, repetindo o ato até a exaustã o eterna.

1.2.Do caso concreto

O paciente do presente habeas corpus, atendido pela Defensoria Pú blica do


Estado de Sã o Paulo, relatou, nesta semana, ter sofrido as seguintes ameaças em
sua liberdade de locomoçã o:

“3 abordagens em 7 dias, repetindo a averiguação do nome e nos


colocando para esperar em posição desconfortável, com xingamentos
como ‘cu de burro’ , ‘lixo’ etc” (doc. 16)

Relatou que, na Praça XXXXXXXXXXXXXX, um agente policial identificado


como Soldado XXXXXXXX“xingou-me e ameaçou de ‘dar uma porrada na cara’ do
rapaz que estava sendo abordado junto a mim”. Relatou, ainda, que os policiais
envolvidos na “operaçã o sufoco” têm utilizado spray de pimenta sobre a face dos
moradores da regiã o que se recusam a circular (docs. 17 e 18).

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Em vídeo gravado pela Defensoria Pú blica no ato de seu atendimento (doc.
19), o paciente complementa que: “quer dizer é, tratando como alguém que não tem
direito nenhum, ou que cometeu um crime, que no caso meu nome não consta, em
nenhum... e não tem processo” e “tô pedindo meu Direito Constitucional de ir e vir,
eu não posso ficar num lugar, outro dia eu não pude passar numa rua, que todos os
pedestres passavam” (doc. 20).

E, de fato, o paciente sequer possui inquérito policial contra si, muito menos
processo ou condenaçã o criminal, conforme demonstra “Sivec” em anexo (doc. 21)

É ó bvio que as condutas relatadas sã o ilegais, nã o podendo o Poder


Judiciá rio mostrar-se conivente com a promoçã o do estado de exceçã o sobre a
á rea.

A ameaça ao direito de permanecer é pú blica e notó ria e, ainda que assim


nã o fosse, vem demonstrada pelos relatos e demais documentos que instruem a
presente impetraçã o.

A impetraçã o desta medida se faz necessá ria uma vez que, nesta ú ltima
quinta-feira, 12/01/12, a autoridade ora apontada como coatora declarou à
imprensa que “a postura deve ser enérgica sem demonstração de agressividade,
porém ostensiva e desestimuladora” e que a operaçã o em questã o vai durar pelo
menos mais seis meses, o que demonstra a imprescindibilidade do salvo-conduto.
(doc. 22)

Com a devida vênia, nã o é permitido à polícia impedir a circulaçã o de


pessoas que nã o estã o usando nem vendendo drogas em vias pú blicas, mesmo que
essa pessoa se declare um consumidor habitual de drogas, como é o caso de Carlos
Eduardo. Fosse assim, inú meras pessoas de classe média e alta que consomem

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drogas em seus lares e festas poderiam ser proibidas de ir ao trabalho, o que, além
de inimaginá vel, causaria sérios impactos sobre a economia do país.

2. DA COMPETÊNCIA DO JUIZ DE DIREITO DO PLANTÃO


JUDICIÁRIO PARA O RECEBIMENTO DO PRESENTE HABEAS CORPUS

A competência do juiz de direito plantonista criminal no Estado de Sã o


Paulo vem estabelecida pelo ato n. 1156/2006, da lavra do Conselho Superior da
Magistratura.

O referido ato traz, em seu artigo 1º, alínea “a”:

Art. 1º - O Plantão Judiciário destina-se exclusivamente:


a) Ao conhecimento dos pedidos de habeas corpus em que figurar como
coatora autoridade policial;
(...)

Note-se, ainda, que o presente habeas corpus é fruto de atendimento


realizado pela Defensoria Pú blica na regiã o da “Cracolâ ndia” durante a semana de
9 a 13 de janeiro de 2012, de modo que a compilaçã o do material foi finalizada na
sexta-feira, fazendo-se necessá rio o ajuizamento do presente remédio
constitucional durante o fim de semana, já que a situaçã o, por sua gravidade, nã o
poderia ser relegada a esperar o pró ximo dia ú til.

Assim, tendo-se em vista o estabelecimento explícito da competência do


plantã o judiciá rio para a aná lise da matéria por ato do Conselho Superior da
Magistratura de Sã o Paulo, requer-se seja o presente pedido recebido e analisado
em cará ter de urgência.

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3. DO CABIMENTO E DO MÉRITO DO HABEAS CORPUS
PREVENTIVO

Dispõ e o artigo 5º, LXVIII, da Constituiçã o Federal que “conceder-se-á


Habeas Corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer
violência ou coação em sua liberdade de locomoçã o, por ilegalidade ou abuso de
poder” (g.n.).

A pró pria redaçã o do dispositivo deixa clara a ampla abrangência do


remédio constitucional, passível de ajuizamento sempre que houver qualquer
ameaça ao direito fundamental e imanente a todo ser humano de ir, vir e ficar.

Consoante assevera José Afonso da Silva, a liberdade de locomoçã o,


garantida no artigo 5º, XV, da Constituiçã o Federal, “constitui o cerne da liberdade
da pessoa física no sistema jurídico” (Curso de direito constitucional positivo, 32ª
Ed., Sã o Paulo: Malheiros, 2008, p. 237).

O direito à circulaçã o, corolá rio da liberdade de locomoçã o, inclui, nos


dizeres do mesmo autor, o direito de ir, vir, ficar, parar, estacionar (idem, p. 239).

É certo que os direitos fundamentais nã o sã o admitidos pela doutrina como


absolutos, podendo-se restringi-los em funçã o de outros direitos fundamentais,
respeitado o critério de proporcionalidade, desde que haja determinação legal
ou judicial para tanto.

No que concerne à s pessoas em situaçã o de rua, inexiste qualquer


disposiçã o em nosso ordenamento que determine a remoçã o compulsó ria dessas
pessoas dos locais onde estã o, especialmente por meio de expedientes violentos,
vexató rios ou intimidadores.

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Nos casos em que haja ameaça de constriçã o ao direito de permanecer sem
ordem legal ou judicial para tanto, caberá Habeas Corpus preventivo, a fim de que
cesse a ilegalidade e se restabeleça o direito do cidadã o de estar na via pú blica.

Sobre o cabimento do Habeas Corpus preventivo quando alguém for


ameaçado em seu direito de ir, vir e ficar, manifesta-se Aury Lopes Jú nior:

“Como explica CALAMANDREI, na tutela jurisdicional preventiva, o


interesse não surge do dano, senão dal pericolo di um danno
giuridico. A tutela nã o atua a posteriori do dano, como produto da lesã o
ao direito, senã o que se opera a priori, para evitar o dano que possa
derivar da lesã o a um direito, quando existe uma ameaça ainda nã o
realizada. Existe, portanto, interesse juridicamente tutelá vel antes da
lesã o ao direito, pelo simples fato de que a lesã o seja previsível,
pró xima e prová vel. Para isso está o habeas corpus preventivo” (Direito
processual penal e sua conformidade constitucional, vol. 2, 6ª Ed., Rio de
Janeiro: Lumen, 2011, p. 645).

Assim, havendo demonstraçã o, ainda que indiciá ria, de que alguém se


encontra na iminência ou em risco de sofrer coaçã o em sua liberdade de
locomoçã o, é dever do Poder Judiciá rio antecipar-se à lesã o, cumprindo o
mandamento constitucional que dispõ e explicitamente que, pela relevâ ncia do
direito atingido, não é facultado ao julgador esperar que a lesão ocorra para
que, apenas entã o, faça cumprir a lei.

Quanto ao grau de cogniçã o exigido para a concessã o de habeas corpus


preventivo, é certo que, por haver ameaça de lesã o, o juiz deverá avaliar a situaçã o
por sua verossimilhança, nã o exigindo certeza da ocorrência do evento futuro.

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Nesse sentido:

“A iminência do constrangimento ilegal deve ser valorada em grau de


probabilidade, um juízo de verossimilhança, não se podendo exigir
‘certeza’, pois esta somente será possível com a consumação do ato
que se pretende evitar” (idem, ibidem, g.n.).

Aliá s, ao tratar-se de habeas corpus preventivo, o C. STF já decidiu que,


quando a ameaça à liberdade de locomoçã o for notó ria, veiculada pela mídia,
dispensa-se qualquer comprovaçã o processual de que o indivíduo sofre acosso à
sua liberdade de ir, vir e ficar.

Em precedente célebre, o C STF concedeu habeas corpus para garantir o


direito de prostitutas de ficarem na via pú blica, conquanto nã o houvesse nenhuma
norma ou ordem judicial que as impedisse de ali estar e exercer seu ofício:

“Habeas Corpus preventivo. “Trottoir”. Prostitutas ameaçadas de prisã o


pela polícia paulista. Fato notório. Recurso provido” (STF – HC 58.974
– Sã o Paulo – Rel. Soares Muñ oz – j. 29.09.1981, g.n.)

Nesse sentido, também o C. STJ decidiu pela concessã o da ordem de habeas


corpus (HC 207720), considerando ilegal o “toque de recolher” estipulado por
municípios paulistas, reconhecendo que crianças e adolescentes tinham o direito
de permanecer nas ruas em qualquer horá rio do dia ou da noite. Julgou-se, ainda,
que, por ser o fato notó rio, a constataçã o da ameaça de lesã o ao direito de
locomoçã o nã o necessitava de qualquer aprofundamento probató rio.

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No caso de que trata a presente impetraçã o, nã o poderia ser mais notó rio o
fato de que os cidadã os que habitam a regiã o popularmente conhecida como
“Cracolâ ndia”, na capital paulista, vêm sendo constantemente ameaçados no seu
direito de ir, vir e ficar.

A documentaçã o juntada demonstra que as abordagens policiais, por


diversas vezes violentas, levadas a cabo na chamada “Operaçã o Sufoco”, têm como
escopo a remoçã o das pessoas daquela á rea, por vias ilegais e sem qualquer
mandamento judicial, sem que se coloque à disposiçã o da pessoa alternativa senã o
ocupar outros espaços da via pú blica, simplesmente provocando uma diá spora
que, longe de resolver um problema social, apenas o aprofunda.

Pessoas em situaçã o de rua sã o cidadã os e, por ó bvio, têm o direito de


permanecer na via pú blica, especialmente quando a pró pria Administraçã o Pú blica
nã o provê alternativas dignas de acolhimento e amparo comunitá rio a essas
pessoas.

O Judiciá rio Paulista, aliá s, já enfrentou a questã o do acosso para que


pessoas em situaçã o de rua deixem logradouros pú blicos com vistas à especulaçã o
imobiliá ria ou outra política higienista, medidas intolerá veis em um Estado
Democrá tico de Direito.

No HC XXXXXXXXXXXX, julgado pelo Departamento de Inquéritos Policiais e


Corregedoria Polícia Judiciá ria da Capital, o Judiciá rio manifestou-se no sentido de
que o paciente, morador de rua, era resguardado em seu direito de permanecer em
locais pú blicos de uso comum do povo, “sem qualquer restriçã o ou impedimento
por quem quer que seja”.

Transcreve-se trecho do referido julgado:

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“Na verdade, sendo o paciente morador de rua, não há motivos para
determinar a coercitiva retirada dele do Abrigo Boracéia. Não haveria
razões objetivas para essa ordem, não está demonstrado o cárcere
privado nem que o paciente esteja sendo maltratado. Por outro lado, não
há como avaliar se o paciente quer permanecer em tal local, para
onde foi encaminhado compulsoriamente, segundo a exordial.
Ademais, se foi liberado do Hospital Psiquiátrico é porque não houve
conclusão médica de que o paciente representa perigo à própria saúde ou
à saúde de outrem. Até que se prove o contrário, o paciente é homem
livre, não interditado, que não parece oferecer risco a quem quer
que seja. Por ser assim, somente a ele pode caber a decisão sobre o
que seja melhor para si; se quer voltar para as ruas, se quer
permanecer no abrigo ou, ainda, se prefere uma outra via pública
para estar.
Posto isso e por tudo mais que dos autos consta, CONCEDO A SEGURANÇA
para o fim colimado pelo impetrante para que o paciente Manoel
Menezes da Silva, enquanto livre e não interditado, tenha assegurado o
seu direito de ir, vir e ficar, sem qualquer restrição ou impedimento por
quem quer que seja” (DIPO - HC 050.05.041367-8 – j. 24.06.2005, g.n.).

Logo, por todo o exposto, vê-se que a demanda ora postulada é plenamente
cabível pela via do habeas corpus preventivo, requerendo-se à Vossa Excelência
que conheça do mérito da impetraçã o, concedendo a ordem a fim de que o paciente
obtenha salvo-conduto para que nã o seja acossado, intimidado ou violentado de
qualquer maneira por agentes pú blicos, nã o podendo ser removido contra sua
vontade do local pú blico, salvo em hipó tese de flagrâ ncia por crime (excetuados os
abarcados pela Lei 9.099/95) ou ordem judicial.

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4. DA MEDIDA LIMINAR

Estã o presentes os requisitos para a concessã o da liminar, com a imediata


expediçã o de salvo-conduto ao paciente, garantindo que ele possa permanecer,
durante o processamento deste writ, em locais pú blicos de uso comum do povo a
qualquer hora do dia, nã o podendo ser removido contra a sua vontade, salvo se em
flagrante delito ou por ordem judicial (CF, art. 5º, LXI).

No presente caso, verifica-se a existência do periculum in mora, pois o


perigo de dano grave e irrepará vel à liberdade de locomoçã o está cabalmente
demonstrado. Como fica claro da documentaçã o juntada, a chamada “operaçã o
sufoco” tem como meta a remoçã o das pessoas em situaçã o de rua da regiã o da
“Cracolâ ndia” em pouco tempo, lapso provavelmente superior à quele relativo ao
processamento do presente mandamus.

Ademais, a documentaçã o juntada dá conta de demonstrar que os


expedientes levados a cabo pela Polícia Militar para remover as pessoas da regiã o
incluem violência, o que pode, caso o Poder Judiciá rio permaneça inerte, significar
risco à pró pria integridade física do paciente, que nã o acatará a ordem ilegal de
deixar o local onde vive.
Está , ainda, presente o fumus boni iuris, face à injusta coaçã o e ameaça de
lesã o acima demonstrada, com a ausência de fundamentaçã o legal para o acosso
que vem sofrendo o paciente.

No mais, a notoriedade do fato, que vem sendo amplamente divulgado pela


mídia, já dá conta de satisfazer o requisito da verossimilhança, necessá rio e
suficiente para que se conceda a medida liminar em sede de habeas corpus.

5. PEDIDO

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Por todo o exposto, requer o impetrante a concessã o da ordem de habeas
corpus, confirmando-se a medida liminar, a fim que seja expedido salvo-conduto ao
paciente, garantindo que ele possa circular e permanecer em locais públicos de
uso comum do povo a qualquer hora do dia, nã o podendo ser removido contra a
sua vontade salvo se em flagrante delito ou por ordem judicial, estendendo-se os
efeitos da ordem aos cidadã os que se encontrem na mesma situaçã o.

Sã o Paulo, 14 de janeiro de 2012.

Defensor(a) Pú blico(a)
Unidade de XXXXXXXXX

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