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Apelação Criminal Nº 1.0000.23.

134686-7/001

<CABBCAADDAABCCBDCAABCCBABBCCBAACCBBAADDADAAAD>
EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL – TRÁFICO DE DROGAS –
ABSOLVIÇÃO – NECESSIDADE – INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA – IN
DUBIO PRO REO. Diante da insuficiência de provas judicializadas acerca
da autoria delitiva, a absolvição do apelante é medida que se impõe,
conforme determinam os artigos 155 e 386, VII, do Código de Processo
Penal. O depoimento de policial militar que não é corroborado por outros
elementos probatórios angariados em contraditório judicial não é capaz
de, isoladamente considerado, sustentar o édito condenatório. A
suspeita, por mais forte que seja, não é apta a embasar eventual
condenação, sob pena de flagrante violação ao princípio constitucional
do in dubio pro reo.

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1.0000.23.134686-7/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - APELANTE(S): GUSTAVO


GONCALVES DE PAULA FREITAS - APELADO(A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO - MPMG - CORRÉU: MATHEUS
MAGALHAES MORAES

ACÓRDÃO

Vistos etc., acorda, em Turma, a 8ª CÂMARA CRIMINAL do


Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da
ata dos julgamentos, em DAR PROVIMENTO AO RECURSO.

DES. HENRIQUE ABI-ACKEL TORRES


RELATOR

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Apelação Criminal Nº 1.0000.23.134686-7/001

DES. HENRIQUE ABI-ACKEL TORRES (RELATOR)

VOTO

Trata-se de Apelação Criminal interposta por GUSTAVO


GONÇALVES DE PAULA FREITAS contra a respeitável sentença de
ordem nº 50, proferida pelo ilustre Juiz de Direito da 4ª Vara de
Tóxicos, Organização Criminosa e Lavagem de Bens e Valores da
Comarca de Belo Horizonte/MG, que julgou parcialmente procedente a
pretensão punitiva estatal e o condenou, juntamente com Matheus
Magalhães Moraes, pela prática do crime previsto no art. 33, caput, da
Lei nº 11.343/06, à pena de 05 (cinco) anos de reclusão, em regime
inicial semiaberto, e 500 (quinhentos) dias-multa, no mínimo valor
unitário, mas o absolveu em relação ao delito tipificado pelo art. 35 da
Lei de Drogas.
Os benefícios previstos nos arts. 44 e 77 do Código Penal (CP)
foram vedados ao apelante, sendo-lhe concedido o direito de recorrer
em liberdade.
De acordo com a exordial acusatória, no dia 19/07/2018, por
volta de 21h26min, na Rua Antônio Brígio Pinto, nº 106, bairro Maria
Helena, em Belo Horizonte/MG, Matheus Magalhães Moraes e
Gustavo Gonçalves de Paula tinham em depósito 14 (quatorze) pinos
com 16,8g (dezesseis gramas e oito decigramas) de cocaína, sem
autorização e em desacordo com determinação legal e regulamentar.
A denúncia foi recebida em 08/01/2019 (ordem nº 13).
Concluída a instrução criminal, foi proferida a sentença de
ordem nº 50, no dia 14/09/2022.
Inconformada, a combativa Defensoria Pública interpôs
Apelação Criminal (ordem nº 52) e, nas razões recursais de ordem nº
53, almeja a absolvição de Gustavo, por insuficiência de provas.

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Alternativamente, requer o reconhecimento da causa de diminuição da


pena prevista no §4º do art. 33 da Lei de Drogas, com aplicação do
patamar redutor máximo; o abrandamento do regime prisional; e a
substituição da reprimenda privativa de liberdade por restritivas de
direitos. Por fim, almeja a isenção de custas processuais.
Contrarrazões ministeriais (ordem nº 57).
Nesta instância, a Procuradoria-Geral de Justiça opina pelo
parcial provimento do recurso, somente em relação à aplicação da
minorante prevista no art. 33, §4º, da Lei nº 11.343/06 (ordem nº 67).
É o breve relatório.

ADMISSIBILIDADE
Presentes os pressupostos legais de admissibilidade e
processamento, conheço do recurso.

MÉRITO
A Defensoria Pública almeja a absolvição de Gustavo Gonçalves
de Paula Freitas, por insuficiência probatória.
Com a devida vênia ao ilustre Magistrado, entendo que a
pretensão absolutória deve ser acolhida, diante da insuficiência de
provas para a condenação, nos termos dos arts. 155 e 386, VII, do
CPP.
De acordo com a denúncia:
“[...] Conforme restou apurado, na data dos fatos,
policiais militares realizavam operação denominada
‘Ocupação em Pontos Críticos de Criminalidade’. No
bairro Maria Helena, os policiais receberam notícias
anônima dando conta que dois indivíduos magros e
com o ‘cavanhaque ralo’ estariam realizando tráfico
de entorpecentes na Rua Antônio Brígio Pinto,
próximos à Escola Estadual Juscelino Kubitschek de
Oliveira.
Ato contínuo, os militares se deslocaram até o local
para averiguar a procedência das informações. Em lá

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chegando, se deparam com dois indivíduos com as


mesmas características trazidas na notícia anônima.
Naquele momento, os policiais avistaram um
transeunte entregando algo para um dos indivíduos,
posteriormente identificado como o denunciado
Gustavo Gonçalves de Paula Freitas e o denunciado
repassava imediatamente o material recebido para
outro indivíduo, posteriormente identificado como o
denunciado Matheus Magalhães Moraes. Diante da
suspeita, os militares prosseguiram com a abordagem
dos denunciados. O denunciado Matheus trajava uma
bermuda por debaixo de sua calça, e nesta bermuda
foi localizado a quantia de R$180,00 (cento e oitenta
reais) em notas miúdas de moeda corrente, além de
14 (quatorze) pinos de cocaína, totalizando 16,8g
(dezesseis gramas e oito decigramas) da substância.
O local dos fatos, conhecido pelo intenso tráfico de
drogas, quantidade e acondicionamento das drogas
são indicativos da prática do tráfico de entorpecentes
[...]” (ordem nº 03).

A materialidade do delito restou demonstrada pelo auto de


prisão em flagrante delito, laudo de constatação preliminar de drogas,
boletim de ocorrência, auto de apreensão e exames toxicológicos
preliminares e definitivos (ordem nº 04, 05 e 16), além da prova oral
(PJe-mídias).
Apesar de a materialidade delitiva estar comprovada nos autos,
não há prova robusta quanto à autoria de Gustavo no crime, de forma
que, em atenção ao princípio do in dubio pro reo, a absolvição é
medida que se impõe.
Em sede policial, Gustavo disse que não possuía qualquer
relação com a droga apreendida com Matheus, senão, confira-se:
“[...] que já foi preso por tráfico de drogas e porte de
arma; que sobre os fatos o declarante nega que
esteja traficando entorpecentes; que o declarante
nega sobre a versão de que teria tido contato com
uma terceira pessoa, e repassado algo para a mesma
ou a Matheus; que é colega de Matheus há cerca de 5
anos; que afirma que estava no local dos fatos só
pelo fato de que havia ido conversar, tomar café com
Matheus; que presenciou o momento em que
Matheus foi abordado e localizado a droga e dinheiro

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apreendido nos autos; que não tinha ciência de que o


mesmo estava portando os materiais [...]” (ordem nº
04)

Apesar de devidamente citado e intimado, o apelante não


compareceu à audiência de instrução e julgamento, sendo decretada
sua revelia (ordem nº 38).
Matheus, por sua vez, assumiu a propriedade sobre a droga,
salientando que Gustavo não sabia que ele trazia consigo a substância
entorpecente apreendida. Afirmou que Gustavo é seu amigo e, de fato,
estava próximo a ele quando foram abordados pelos policiais militares
(ordem nº 04).
Em juízo, Matheus reafirmou que Gustavo não possuía qualquer
envolvimento com o tráfico de drogas. Confessou que, de fato, trazia
consigo pinos contendo cocaína e certa quantia em dinheiro. Disse que
guardava a droga para um traficante conhecido pelo apelido de
“Batata”. Matheus explicou que escondia o entorpecente em uma
bermuda, por baixo de suas calças, enquanto “Batata” combinava a
venda da referida substância com usuários. Disse que, no momento da
abordagem policial, “Batata” conseguiu evadir. Ressaltou que Gustavo
estava apenas ao seu lado e que havia acabado de cumprimentá-lo,
reafirmando que ele não possuía relação com o comércio ilícito (PJe-
mídia).
Em sede policial, o PM Alexandre Rodrigues Pereira, condutor
do flagrante, declarou que:
“[...] durante operação policial, denominada ‘ocupação
em pontos críticos de criminalidade’, recebemos
informações uníssonas e convergentes de alguns
moradores daquele local, os quais, por receio de
futuras represálias, preferiram o anonimato,
noticiando que entre a Rua Antônio Miguel Brigio
Pinto, próximo as entidades empresárias de nomes
‘Vovó tela’ e ‘Bar Show’ e além disso, bem próximo da
instituição de ensino de nome ‘Escola Estadual
Juscelino Kubitschek de Oliveira’ e à entidade
empresária social, cultural, recreativa e esportiva

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denominada ‘Clube Topázio’, há alguns dias, em


conluio e de forma associada, dois indivíduos, ambos
de compleição magra e cavanhaque ralo, estariam
realizando o tráfico de droga; que diante da ‘noticia
criminis’ deslocamos para o local, ocasião em que
avistamos os cidadãos suspeitos; que naquela
oportunidade percebemos que um transeunte
acabava de realizar contato pessoal com o autor
Gustavo Gonçalves de Paula Freitas, e após o
contato pessoal, recebeu algum objeto, o qual
imediatamente foi repassado ao autor Matheus
Magalhães Moraes; que em virtude da fundada
suspeição, realizamos a abordagem policial em
ambos os autores, os quais encontravam-se sentados
e juntos na calçada; que Matheus estava trajando 01
(uma) calça jeans e, por baixo desta, 01 (uma) outra
vestimenta (bermuda); que ao ser realizada busca
pessoal no autor Matheus, na bermuda foi localizado
pelo Cb PM Charles, 14 (quatorze) microtubos,
contendo uma porção de substância análoga à
cocaína, todos embalados individualmente, conforme
comumente são comercializados, o valor de R$180,00
(cento e oitenta reais); que na busca pessoal de
Gustavo nada de ilícito foi encontrado; que Gustavo e
Matheus no momento em que foram ser abordados
estavam sentados um do lado do outro; que o
indivíduo que Gustavo realizou contato antes da
abordagem, não foi abordado, não estando no local
no momento das abordagens [...]” (ordem nº 04).

Os policiais militares que participaram da prisão em flagrante de


Gustavo e Matheus foram ouvidos em juízo quatro anos após os fatos
e demonstraram que não se recordavam com detalhes da diligência.
Os militares precisaram ler o histórico da ocorrência e o auto de
prisão em flagrante delito para prestar os depoimentos, afinal, em
razão do tempo decorrido, naturalmente, não se lembravam das
particularidades da abordagem (PJe-mídias).
O PM Alexandre Rodrigues Pereira disse que as informações a
respeito da realização do tráfico de drogas naquela localidade foram
fornecidas por um morador que não queria se identificar, mas não se
recorda se o informante noticiou os fatos por telefone ou
pessoalmente. Disse que a região é conhecida por ser local de venda

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de drogas e que os envolvidos não eram conhecidos no meio policial.


Afirmou que não foi possível ver o objeto repassado pelos autores,
mas acredita que se tratava de dinheiro. Ressaltou que tampouco se
recorda a qual distância estava quando o objeto fora repassado pelos
envolvidos. A respeito do “transeunte” que entregou o objeto, não
soube dizer, com certeza, se ele estava a pé ou de moto. Disse, ao
final, que os envolvidos confessaram informalmente que estavam
realizando o tráfico de drogas. Em razão do decurso do tempo,
demonstrou não ser capaz de identificar o réu que se encontrava na
audiência de instrução e julgamento (PJe-mídias).
O PM Charles Moreira de Carvalho também demonstrou que,
em razão do decurso do tempo, não se recordava dos detalhes da
diligência. Após ler os documentos colacionados ao inquérito policial,
disse que se lembrava dos fatos, mas também afirmou que não foi
possível ver o objeto que Gustavo repassou para Matheus. Disse que
encontrou, embaixo da vestimenta de Matheus, dinheiro e droga, e não
se recorda se havia algum objeto ilícito com Gustavo (PJe-mídias).
Essa é toda a prova oral produzida sob o crivo do contraditório.
Não se olvida que a palavra do policial que participou da
diligência deve merecer credibilidade e validade, porque se o Estado
confere aos seus agentes a atribuição de policiamento ostensivo, não
se pode, através da prestação jurisdicional, retirar a boa-fé das
informações prestadas acerca da autoria do crime.
Todavia, esse depoimento deve ser firme e estar em
consonância com o restante do conjunto probatório, sendo certo que,
no caso, verifica-se que os relatos dos policiais são vagos e
imprecisos, pois não se recordavam dos fatos com detalhes.
Vale ressaltar que a abordagem policial foi rápida, não houve
campana, e nenhum dos militares conseguiu ver com clareza qual o
suposto objeto repassado por Gustavo a Matheus.

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Ademais, a confissão extrajudicial noticiada pelo PM Alexandre


não pode servir, isoladamente, de arrimo para a condenação, sob pena
de violação ao art. 5º, LXIII, da Constituição da República de 1988.
Como é cediço, pelo princípio da presunção de não
culpabilidade e, ainda, sob a ótica do sistema acusatório, a presunção
iuris tantum de conformação e de reforço do papel social atribuído a
todos os cidadãos favorece ao réu, sendo que o seu afastamento, no
caso concreto, depende de demonstração inequívoca da prática
delitiva pelo parquet, o que não foi feito em relação ao apelante.
Destarte, entendo que não há provas judicializadas suficientes
acerca da autoria delitiva, de maneira que não é possível admitir
eventual condenação do apelante pelo crime ora em análise, sob pena
de flagrante violação ao princípio do in dubio pro reo, previsto no art.
5º, LVII, da Constituição da República.
Por certo, a mera suspeita, por mais forte que seja, não é apta a
fundamentar eventual condenação.
Sobre o tema, ensina Sérgio Rebouças:
“De acordo com a segunda vertente do princípio do
estado de inocência, por sua vez, a garantia impõe
que o ônus probatório quanto à materialidade e à
autoria do fato recaia inteiramente sobre o acusador.
Cuida-se da regra de julgamento, ou regra probatória,
segundo a qual só a prova cabal e inequívoca, pelo
acusador, dos fatos constitutivos de responsabilidade
penal poderá elidir o estado de inocência do
imputado. Nessa perspectiva, tem-se que o princípio
in dubio pro reo emana precisamente, em última
análise, da regra probatória da garantia do estado de
não culpabilidade.” (REBOUÇAS, Sérgio. Curso de
Direito Processual Penal. Salvador: Juspodivm, 2017,
p. 114 e 115).

Dessa forma, entendo que o Ministério Público, enquanto parte,


não cumpriu com o ônus probatório que lhe incumbia, de forma que
deve ser aplicado, ao caso, o art. 386, VII, do CPP, sobre o qual
leciona Renato Brasileiro de Lima:

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“Como se demanda um juízo de certeza para a


prolação de um decreto condenatório, caso persista
uma dúvida razoável por ocasião da prolação da
sentença, o caminho a ser adotado é a absolvição do
acusado.” (LIMA, Renato Brasileiro de. Código de
Processo Penal comentado. Salvador: Juspodivm,
2018, p. 386).

Assim, diante da insuficiência de provas judicializadas da


autoria, absolvo Gustavo Gonçalves de Paula Freitas das imputações
contidas na denúncia.
Restam prejudicados os demais pedidos defensivos.

DISPOSITIVO
Por essas razões, DOU PROVIMENTO AO RECURSO para
absolver, nos termos do art. 386, VII, do CPP, Gustavo Gonçalves de
Paula Freitas das imputações contidas na denúncia.
Não há necessidade de expedição de alvará de soltura em favor
do apelante, uma vez que foi reconhecido, na sentença, o seu direito
de recorrer em liberdade, encontrando-se, portanto, solto nestes autos.
Sem custas, diante do resultado do julgamento.
É como voto.

DESA. ÂMALIN AZIZ SANT'ANA (REVISORA) - De acordo com o(a)


Relator(a).

DES. DIRCEU WALACE BARONI - De acordo com o(a) Relator(a).

SÚMULA: "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO."

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