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Rodrigo Moretto

Modelo para alunos

AUTORIDADE JUDICIAL DA 1ª VARA CRIMINAL DO FORO REGIONAL


DO ALTO PETRÓPOLIS - PORTO ALEGRE(RS)

Processo no XXXXX
Por: XXXXXX XXXX XXXXXX XXXXXX
Objeto: MEMORIAIS.

XXXXXX XXXXXX XXXXXX, devidamente qualificado no


expediente criminal supra, vem, perante Vossa Excelência,
TEMPESTIVAMENTE, por seus Procuradores subscreventes,
apresentar MEMORIAIS, pugnando, com força nos depoimentos
constantes nos autos bem como filmagem juntada, a sua absolvição ():

I. PRELIMINAR: SUSPEIÇÃO DO JUÍZO NATURAL.


PREQUESTIONAMENTO. NULIDADE ABSOLUTA. EVENTUAL RECURSO
ESPECIAL E EXTRAORDINÁRIO

XXXXX.
Nesta seara a defesa requer preliminarmente que seja declarada, de ofício, a suspeição
deste Magistrado.

II. BREVE SÍNTESE PROCESSUAL

Em 19/04/2010, o Ministério Público apresentou denúncia contra XXXXXX


XXXXXX XXXXXX, por incurso no delito do art. 33, caput, da Lei 11.343/06, cujo verbo do
tipo utilizado pelo MP é trazer consigo (fls. 02-04).
A defesa por sua vez postulou a liberdade provisória do indiciado em 10/04/2010,
tendo em vista que o indiciado trata-se de dependente químico de crack há 7 anos, sendo
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primário e não representando qualquer espécie de perigo à sociedade, exceto para si mesmo
(fls. 51-52).
O Parquet manifestou-se pelo indeferimento da liberdade provisória em 10/04/2010,
tendo em vista que as circunstâncias do fato tornam inequívoca a ocorrência do delito (fls. 56-
57).
O juiz plantonista indeferiu a liberdade do indiciado até a citação pessoal de XXXXXX,
em 10/04/2010 (fls.58).
O flagrante foi homologado em 10/04/2010 (fl. 60).
Em 22/04/2010, o juízo processante manifestou-se pelo indeferimento da liberdade
provisória, bem como determinou a notificação do indiciado nos termos do art. 55 da Lei
11.343/06 (fls. 82 -82v).
O indiciado foi notificado em 26/04/2010, mandado cumprido pessoalmente, vez que
réu preso.
A defesa, por sua vez, postulou em 29/04/2010, a manifestação deste juízo quanto à
decisão de fls. 58, haja vista que esta decisão tratava-se de liberdade concedida pelo juiz
plantonista (fls. 85-87).
O órgão Ministerial em 30/04/2010 à fl. 90 manifestou-se que se tratando de reiteração
de pedido de liberdade provisória realizado pela defesa opinou pelo indeferimento, reiterando
os motivos exarados às fls. 05-07.
Aberto o prazo para a defesa juntar memoriais.
Esta a breve síntese processual.

III. DOS FUNDAMENTO FÁTICOS


O indiciado XXXXXX XXXXXX XXXXXX, está sendo denunciado pelo Ministério
Público pela suposta prática do crime de tráfico de drogas, delito este tipificado no art. 33 da Lei
11.343/06, tendo em vista que XXXXXX teria no dia 09 de abril de 2010, nesta Capital, por
volta das 19h50min. na trazido consigo 26 (vinte e seis) “pedras” de crack, pesando
aproximadamente 7,85g, e 26 (vinte e seis) “buchas” de cocaína, pesando aproximadamente
11,30g, consoante narra a denúncia (fl. 02/03).
Nesta ocasião, segundo o MP, XXXXXX teria saído correndo quando avistou a
chegada da polícia, a qual estaria averiguando uma denúncia anônima de ocorrência de tráfico
de drogas naquelas imediações, cujo indivíduo descrito na denúncia anônima, teria, supostamente,
as mesmas características de XXXXXX. Quando realizada a abordagem pelos polícias, teriam
estes encontrado um saquinho, de cor verde, contendo a droga descrita, a qual se encontrava

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embalada de forma individual, tendo ainda achado a importância de R$32,00 (trinte e dois
reais). Ato contínuo, os policiais encaminharam XXXXXX para a Delegacia de Polícia.
xxxxxxxx
A síntese processual demonstra o desenvolvimento do histórico processual, de modo
que é possível perceber os problemas que dele são oriundos. A saber, o fato narrado na
denúncia atribui a XXXXXX a prática do crime de tráfico de drogas, no entanto, a droga
“encontrada” foi enxertada pelos policiais, por isso, não há como o indiciado ser denunciado
por um delito que não cometeu (crime impossível). De outra forma, mesmo que caracterizado
o delito de tráfico de drogas, a conduta descrita na denúncia refere que XXXXXX trazia consigo,
a qual, como se pretende demonstrar, não pertence etimologicamente ao que caracteriza
mercancia, portanto não podendo ser enquadrada como delito de comercialização de
substâncias ilícitas. Ademais, o indiciado é primário, possui residência fixa (fl. 69), trabalha
como lavador de carros, possui dois filhos e necessita de tratamento para sua dependência pelo
crack.
Ínsito a estas circunstâncias, cabe referir que, por tratar-se de um drogodependente de
crack, é responsabilidade do Estado não manter em prisão pessoa que necessita de redução
de danos, as quais se encontram em consonância com o apregoado pelo Sistema Nacional de
Políticas Públicas Sobre Drogas – SISNAD.

IV. QUESTÕES DE MÉRITO

IV. I. DENÚNCIA BASEADA EM PROVAS CRIADAS PELA AUTORIDADE


POLICIAL. IMPOSSIBILIDADE DOS POLICIAIS FIGURAREM COMO
TESTEMUNHAS DA ACUSÇÃO. CREDIBILIDADE DA PALAVRA DO
INDICIADO. PRÁTICA DE ENXERTO ALEGADA PELO DÉBIL.

A denúncia oferecida pelo MP (fls. 2/4) baseia-se na droga apreendida pelos


policiais, de modo a dar ensejo à autoria no delito de tráfico de drogas. Ocorre que, segundo o
que se apurou no processo (fls. 17/18 e fls.42/43) o indiciado não estava de posse das referidas
drogas, qual seja, crack e cocaína, posto que as mesmas teriam sido enxertadas pelos policiais
durante o percurso entre a saída do local dos fatos e a chegada destes na Delegacia de Polícia,
fato este público e notório.
Sobre este aspecto, é oportuno referir que, diante das circunstâncias da abordagem
policial, houve certa discussão entre um amigo de XXXXXX, de nome Fabiano, e os policiais.
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Neste momento, houve, por parte da autoridade policial, certo excesso nos limites
consideráveis como permitidos em sua atuação.
Nesta ocasião, as pessoas que moram próximas à Rua Ernestina Amaro Torelly,
gravaram no celular a oportunidade em que os policiais algemaram Fabiano e XXXXXX (fl.
198) que está sendo juntado nesta defesa. Ouvindo-se o áudio e vendo as imagens é possível
perceber o momento em que a autoridade policial recolhe o dinheiro de Fabiano e que a
população que estava presente naquela oportunidade, manifesta-se de maneira indignada sobre
a atitude praticada por parte dos policiais. Nesta gravação, escuta-se também o que retrata ser o
momento em que os policiais machucam o braço da esposa de Fabiano, que foi oportunamente
narrado por ele na declaração de fl. 42.
Com a mídia, torna-se indiscutível que houve uma discussão com os policiais,
indiscutível também que é feita a retirada do dinheiro de Fabiano, bem como a agressão
perpetrada pela polícia contra sua esposa. Segundo o discorrido pelo indiciado e por seu amigo
Fabiano, houve o enxerto realizado pela polícia, o que não se torna impossível diante da
constatação desta captação ambiental, que demonstra o excesso realizado por parte dos
policiais.
Antes que se diga que a palavra do indiciado de nada vale, já tendo em vista que não
se considerará ele culpado, colacionamos:

‘ENXERTO DE DROGAS’. PARA QUE O ARGUMENTO


DEFENSIVO TENHA CREDIBILIDADE, À EVIDÊNCIA NÃO SE
PODE CONSIDERAR TÃO SIMPLESMENTE A PALAVRA DO RÉU,
QUE OBVIAMENTE NÃO ALMEJA SUA PRÓPRIA CONDENAÇÃO,
MAS DEVE SER TRAZIDO AOS AUTOS TAMBÉM ALGUM
CONJUNTO PROBATÓRIO QUE RATIFIQUE AS DECLARAÇÕES
DA SEDIZENTE VÍTIMA DO ENXERTO. (APELAÇÃO CRIMINAL
Nº70033496910, JULAGADO EM 31.02.2010 - 1º CÂMARA
CRIMINAL/TJRS).

Por isso é que não há margem para se dizer que apenas a palavra do indiciado
XXXXXX não venha a valer neste processo, primeiro porque, se fosse a única (mesmo assim)
deveria ser levada em consideração, já que o ônus da acusação incumbe a quem alega, sendo
tarefa única e exclusiva do MP provar a culpabilidade de qualquer que seja seu denunciado.
Neste sentido, o MP não comprova a autoria do delito em meras quantidades de drogas, já que,
diante do conjunto fático, existe a alegação, não apenas do incidiado XXXXXX, como a
palavra de Fabiano expressando o acontecimento do enxerto das drogas, não constituindo
versão isolada. Ademais, ao parquet como custos legis, deveria caber o interesse em averiguar

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melhor as provas e se cientificar que não se trata de um traficante de drogas, mas tão somente de
um dependente químico que necessita de acompanhamento e não de punição.
No entanto, neste caso em específico, primeiramente o que se está a debater é o fato da
droga, em que pese XXXXXX se tratar de um drogodependente, que ela foi atribuída (pelos
policiais) como sendo sua, quando realizado o enxerto.
Outro fator que deve ser levado em consideração é que, se houve a discussão referida,
tanto por parte dos policiais, fls. (13/16), quanto pelo indiciado (fls. 17/18), como por Fabiano
(que não faz parte deste processo) (fls. 40/43)(204/207), bem como a gravação do DVD-R
juntado (fls 167 /198), então, há que se destacar que, no mínimo, existiu uma rixa com os
policiais, o que os torna, ao menos, suspeitos para serem tratados como testemunhas de
acusação e, portanto, que se possa dar qualquer credibilidade a tais palavras, e ainda,
sedimenta a narratória do enxerto feita por XXXXXX e xxxx, não restando a tese do
enxerto, como única e exclusiva do indiciado.
Atrelado a este fator, há que se expressar que os depoimentos dos policiais na fase pré-
processual são incompatíveis entre si, uma vez que, segundo o policial Willian (fls. 13/14) não
foi citado o nome de XXXXXX na denúncia anônima, já os policiais Gerson e Bruno, referem
que o nome de XXXXXX foi destacado na denúncia anônima (fls. 15/16). Outro aspecto é o
fato dos Policiais Willian e Gerson (fls. 13/15) sustentarem em seus depoimentos que
XXXXXX, quando avistou os policiais, saiu correndo para dentro de um bar, já na declaração
prestada por Bruno, não há esta referência (fl. 16).
Nesta linha, os policiais em questão, William Oliveira Escobar, Gerson dos Santos
Sundin e Bruno Machado dos Santos não estão isentos de suspeição, ademais, seus argumentos
não são harmônicos com os demais elementos de prova. A desarmonia resta demonstrada
diante de suas próprias declarações, já a suspeição, cabendo contraditá-las, é caso que pode ser
demonstrado com a própria mídia registrada pelos populares quando de sua prisão, havendo
deste modo, credibilidade nas palavras do indiciado XXXXXX, até mesmo porque não é
narratória isolada, havendo também a declaração do próprio Fabiano.
Há ainda que referirmos a questão das testemunhas de acusação, e isto porque, quando
se trata de crime de tráfico de drogas, as testemunhas de acusação, acabam sendo quase que em
sua totalidade, policiais, e isto porque as apreensões acabam decorrendo de denúncia anônima ou
de operações policiais. Já que são os policiais são os primeiros a ter contato direto com os
indiciados, são eles sempre os responsáveis pelo seu enquadramento legal, ou os considerando
como usuário/dependente químico ou como traficantes de drogas. Ocorre que, dependendo da
forma como será realizada a apreensão das substâncias (o de quem se está a prender!!), então

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estaremos diante de um consumidor, ou então de um traficante de drogas, o que muitas vezes


acaba desconsiderando a própria quantidade da droga que é encontrada, e que não deveria
acontecer, dados os preceitos da Lei 11.343/06, bem como do próprio Sistema Nacional de
Política Públicas Sobre Drogas – SISNAD.
Se os policiais, no caso do delito de tráfico de drogas, são os únicos a ter contato com a
apreensão das drogas ilícitas e são os responsáveis pela prisão dos etiquetados traficantes de
drogas, são eles os personagens centrais da seletividade operada pelo direito penal. É
imprescindível começar a modificarmos nossas posturas sob este aspecto, ainda mais quando
estamos diante de uma (mesmo que mera) alegação de enxerto, e isso porque se sabe que, na
prática, é comum que isto aconteça, não sendo nenhuma possibilidade infundada, até mesmo
quando a única palavra é a do bode expiatório, por isso é que, se o MP quer ‘provar’ alguma coisa,
e levando-se em consideração que o ônus é seu, deveria ele averiguar melhor esta situação e
não simplesmente denunciando, parcamente e sem necessidade, pessoa que, primeiro não
deveria jamais ter sido denunciada tendo em vista fortes evidências da atuação da polícia,
segundo que não se trata de traficante, mas sim de dependente químico.
Neste sentido, desde já cabe contraditar tais policiais já que possuem fato pretérito que
os deixa impossibilitados de qualquer parcialidade, ainda mais quando sobre eles pesa a
acusação de enxerto de drogas.
Se de um lado muitos irão sempre se posicionar negativamente com as palavras dos
indiciados ou acusados por tráfico de drogas, já que julgam que estes não irão se considerar
culpados, e principalmente porque são eles os débeis do processo penal, de outro lado,
posicionam sempre de maneira favorável as palavras dos policiais, essencialmente pela posição
que ostentam. Se o raciocínio é este, logo, nunca haverá indiciado ou acusado (que denunciam a
prática do enxerto) que serão considerados inocentes, em contrapartida, nunca haverá policiais
considerados como suspeitos, ao menos nos delitos de tráfico de drogas, motivo pelo qual se
contraditam tais policiais.

IV. II INDICIADO INOCENTE DAS ACUSAÇÕES IMPOSTAS. DROGA


ENXERTADA. INEXISTÊNCIA DE TIPICIDADE DA CONDUTA. OFENSA AO
BEM JURÍDICO TUTELADO. CRIME IMPOSSÍVEL. FLAGRANTE PREPARADO

Trata-se de caso nítido de indiciado inocente da prática a ele imposta, porque no caso
em tela, XXXXXX alega que não havia com ele nenhuma droga, apesar de ter feito uso de
crack antes de sua prisão por se tratar de dependente químico.

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O indiciado, segundo fls. 17/18 – 183/187, menciona que a droga foi enxertada pelos
policiais quando faziam o percurso até a Delegacia de Polícia. O mesmo foi relatado pelo
Fabiano (que não é réu deste processo) nas fls. 42/43 -204/207, momento em que refere não
ter visto em momento algum as referidas drogas.
Neste caso em específico, já que a palavra dos policiais é suspeita e encontra-se em
desarmonia entre as declarações dos próprios policiais, não há como serem levadas em
consideração, já que eivadas de parcialidade.
Já que a droga não pertencia a XXXXXX, não há que a ele se imputar a autoria do
crime de tráfico de drogas. Como restou demonstrado, XXXXXX vive de “bicos” sendo
lavador de carros, possui dois filhos, os quais necessitam da presença paterna, bem como do
auxílio financeiro ofertado pelo pai.
O indiciado trabalhava, consoante fls. 127/131 que segue em anexo, quando não
afetado pela utilização que faz do crack. XXXXXX sempre trabalhou como auxiliar de serviços
gerais, lavador, polidor, manobrista e motorista de entrega e busca (fls. 132/133).
Nos últimos tempos vinha desenvolvendo a atividade de lavador de carros próximo à
sua residência, até mesmo porque, quando estamos diante de um drogodependente é difícil que
o indivíduo consiga permanecer em qualquer espécie de emprego, dada a fragilidade ocasionada
pelas utilização de drogas, restando, nestes casos, empregos informais, ou relegados a categoria
de “bico”. No dia de seu recolhimento à prisão, XXXXXX estava anteriormente trabalhando
(lavando carros nas ruas), ocasião em que conseguiu auferir R$32,00 (trinte e dois reais), que
foram apreendidos pelos policais, dinheiro do qual necessita.
Neste termos, é indispensável que se (re)veja a questão da autoria, uma vez que
XXXXXX está sendo acusado de supostamente ter praticado o crime de tráfico de drogas, sendo
que, até o presente momento o que temos é a grave situação a que se encontram os policiais
que fizeram parte da “apreensão” da droga e prisão do indiciado, devendo então ser
(re)examinada a autoria.
Merece destaque que, em mesmo que XXXXXX estivesse com as drogas referidas no
processo, mesmo assim não estaria configurado o crime de tráfico de drogas, posto que
etimologicamente, para que esteja configurado o delito de tráfico de drogas, é indispensável que
a conduta praticada se enquadre naquilo que efetivamente configura tráfico de drogas.
O delito de comercialização de drogas ilegais, deve, necessariamente, possuir as
condutas de importar, exportar, vender e expor à venda drogas, demais condutas não
configuram tráfico de drogas, posto que para ser caracterizado o tráfico é indispensável que

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tenha ocorrido atos de mercancia. No caso de XXXXXX, este é acusado de, supostamente trazer
consigo, o que logicamente, não se enquadra na etimologia tráfico.
Ademais, há o aspecto do que se configura consumo e do que caracteriza tráfico de
drogas, posto que no delito tipificado no art. 28 da Lei 11.343/06, temos como condutas,
adquirir, guardar, ter em depósito, transportar, trazer consigo, para consumo pessoal, condutas estas que
são classificadas também como tráfico de drogas previstas no art. 33 da referida lei, adquirir,
trazer consigo, guardar e ter em depósito. Conclui-se que, as mesmas condutas tipificados no art. 28
são igualmente repetidas no art. 33, no entanto, a um se aplica as penas restritivas de direito,
opta-se pela redução de danos, criando-se, assim um Sistema Nacional de Políticas Públicas
Sobre Drogas – SISNAD, preocupado com o consumidor de substâncias ilegais e cria-se um
mecanismo de prevenção ao uso indevido, em contrapartida, ao traficante de drogas, comina-se
pena de prisão, cria-se um proibicionismo exacerbado e uma política destinada, única e
exclusivamente à repressão penal.
Neste sentido, adverte Salo de Carvalho1 que uma análise detalhada permite apontar
como principal mecanismo corretivo da desproporcionalidade do tipo penal do art. 33 da Lei
11.343/06, a especificação do dolo naquelas figuras que igualmente aparecem incriminadas no art.
28, quais sejam, adquiri, guardar, ter em depósito, transportar e trazer consigo drogas. Por isso, propõe
critério interpretativo que corrija a desproporcionalidade no tratamento punitivo de condutas
objetivamente idênticas, no entanto díspares no que tange a ofensividade ao bem jurídico
tutelado.
Outra questão que merece, oportunamente destaque, é a ofensividade ao bem jurídico
tutelado, porque aquele que faz uso da droga para consumo próprio, acaba atingindo apenas a
sua saúde e não a dos demais. Quanto aquele que comercializa as drogas, a ofensa ao bem
jurídico tutelado dependerá do que se estará a comercializar, devendo ser analisada a
quantidade de droga apreendida, a circunstâncias de sua comercialização. Quanto mais drogas
estiverem a ser comercializadas, mais haverá chance em ofender a saúde pública, quanto menos
droga estiver sendo vendido, menor a capacidade de atingir a saúde pública.
No caso em destaque, o indiciado não estava com a posse das drogas (crack e
cocaína), tratando-se única e exclusivamente de dependente químico severo, o qual necessita de
tratamento, sendo esta obrigação do Estado. Mesmo que a drogas enxertada fosse sua, a
quantidade “dita” apreendida é ínfima, se encaixando perfeitamente em padrão aceitável de
utilização pessoal. Ademais, estaria ele ferindo apenas a sua saúde, e mesmo que tivesse

1 CARVALHO, Salo de. A Política Criminal de Drogas no Brasil: Estudo Criminológico e Dogmático. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2007, p. 200-203.
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intencionalidade na venda, já que a quantidade é muito pequena (7,85g de crack e 11,30g de


cocaína) não há grande expansibilidade de perigo.
Deste modo, no caso em questão, XXXXXX não há como ser considerado traficante
de drogas, haja vista que a droga não foi encontrada com ele, mas enxertada nele, o que
é severamente diferente. Mesmo em querendo enquadrá-lo como conduta típica de tráfico de
drogas, etimologicamente não se enquadra o indiciado nas possibilidades de mercancia, não
havendo como enquadrá-lo no delito tipificado no art. 33 da Lei 11.343/06. É necessário que
se dispense o tratamento útil ao indiciado, qual seja, de encaminhamento para redução do
danos oriundos da utilização do crack (que já faz uso há 7 anos).

IV. III INDICIADO SENDO CONSIDERADO TRAFICANTE DE DROGAS E TRATADO


COMO TAL. INOBSERVÂNCIA DO QUE PRECEITUA A LEI 11.343/06. VIOLAÇÃO
CONSTITUCIONAL. REALIDADE DE UM DROGODEPENDENTE.
(INE)FETIVIDADE, POR ESTE JUÍZO, DO QUE ESTABELECE A LEI DE DROGAS.

Seguindo-se ao rito especial da Lei de Drogas, é necessário analisar o norte preconizado


por esta Lei, de modo que se possa entender o seu real funcionamento. A Lei 11.343/06
instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – SISNAD, prescrevendo
medidas para prevenção ao uso indevido, atenção e reinserção social de usários e dependentes
químicos, estabelecendo normas de repressão ao tráfico de drogas. Deste modo, temos duas
facetas, de um lado a prevenção ao usuário/dependente, de outro a repressão à comercialização
das drogas (art. 1º).
Dentre os princípios estabelecidos pelo SISNAD, está a articulação com os órgãos do
Ministério Público e dos Poderes Legislativo e Judiciário, visando a cooperação mútua
as atividades do SISNAD (art. 4º, VIII). Temos, então, que não está havendo (ao menos até
o presente momento) uma articulação ao que preceitua a Política sobre Drogas, havendo
desrespeito e inobservância no tratamento dispensado ao indiciado XXXXXX, e afronta aos
princípios constitucionais – que são caros ao direito penal – como o princípio da dignidade da
pessoa humana (art. 1º, III da CF), ninguém será submetido a tortura nem a tratamento
desumano ou degradante (art. 5º III da CF), tendo em vista que XXXXXX permanece preso
em estabelecimento penal impróprio dado que, primeiro não praticou crime, tendo sido a droga
enxertada nele, segundo que mesmo que estivesse com a droga, a conduta de trazer consigo, não
caracteriza mercancia, terceiro, que mesmo que tudo permitisse sua incriminação, não se trata
de traficante de drogas mas de drogodependente que necessita de redução de dados, de
tratamento correto fornecidos pelo Estado e gratuito, no entanto, este juízo, erronaeamente,
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insiste em mantê-lo no pior presídio da América Latina. Há ainda violação do caput do art. 5º da
CF, uma vez que, todos são iguais perante a lei, mas que na prática acaba não sendo observado,
como o presente caso.
Outras são as afrontas ao que preceitua a Lei de Drogas, posto que segundo o art. 4º,
IX, não houve interesse algum, pelo menos até este momento pelas autoridades em se
preocupar em lidar com a vida de um dependente químico de crack, já que simbolizam
‘repúdio’ ao tráfico de drogas, deveriam então, repudiar tratamento indigno aquele que faz uso
indevido delas. É necessário que haja um tratamento multidisciplinar capaz de tratar – com
atividades preventivas – um drogodepenetende, e não com atividades recrudescidas de
criminalização exacerbada e rigor punitivo a ensejar a manutenção de uma prisão infundada.
Não bastasse a quantidade de violações que estão caracterizadas no presente processo,
há ainda a inobservância do equilíbrio entre as atividades de prevenção ao uso indevido,
atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas e de repressão ao tráfico ilícito
de drogas (art. 4º X da Lei 11.343/06).
No caso em tela, o indiciado XXXXXX está sendo (des)respeitado, uma vez que a Lei
de Drogas está sendo aplicada em seu desfavor com completo (des)conhecimento, dado que
aquele que consome drogas necessita de outro tratamento que não a prisão, que o isola
(des)umaniza, (des)socializa e marginaliza ainda mais. Ao invés de receber tratamento
adequado, e de ser destinada atividades de prevenção, está a ser considerado como se traficante
fosse, aplicando-se a ele severa desproporcionalidade de tratamento, violando, assim, a Lei
11.343/06 e a Constituição Federal, e as determinações de redução de danos determinadas pelo
SISNAD e CNJ. Ao que nos indica, a leitura de leis infraconstitucionais, devem ser realizada
pelo operador do direito, em consonância aos ditames constitucionais, o que não está
ocorrendo no caso de XXXXXX.
A Lei de Drogas estabelece as diretrizes norteadoras a serem seguidas e destinadas
àqueles que fazem uso de substâncias ilícitas, como é o caso da redução dos fatores de
vulnerabilidade e risco (art. 18), sendo que as atividades de prevenção ao uso indevido devem
seguir o que estabelece os incisos I, a XIII do art. 19. Deve haver atividades de atenção e
reinserção social de usuários ou dependentes de drogas, que desenvolvam a melhoria da
qualidade de vida, e à redução de riscos associados a utilização das drogas (art. 20), devendo
haver observância dos arts. 21, 22 23, 24, 25, 26 e 27 da Lei de drogas que se destinam a
promoção da prevenção ao drogodependente.
Temos um caso de flagrante (des)respeito à Constituição Federal e a própria Lei
11.343/06, o qual ainda é passível de ser sanado (no ínicio) deste processo crime, mas que

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depende de oportuna avaliação que merece ser (re)dimencionada, sob pena de violação a tais
dispositivos legais que devem ser preservados e utilizados.

IV. IV DA QUANTIDADE E QUALIDADE DA DROGA APREENDIDA. EM PODER DE


QUEM? “PEDRAS” E “BUCHAS”. AUSÊNCIA DE DISCERNIMENTO DO QUE CADA
UMA SIGNIFICA. DIFERENÇAS ENTRE USUÁRIO/DEPENDENTE QUÍMICO E
TRAFICANTE DE DROGAS.

Nossa intenção primeira neste item e averiguar como se desenvolveu o caso do


indiciado XXXXXX no presente processo. Primeiramente, importa destacar a quantidade de
droga que se “atribuiu” a XXXXXX, qual seja a realidade de 26 “pedras” de crack e 26
“buchas” de cocaína, ao que se pesou destas quantidades, restou demonstrado por perícia que
se trata da quantidade de 7,85g de crack e 11,30g de cocaína, o que se considera como ínfima
quantidade.
Se unidas as quantidades das duas drogas, temos que estas totalizam 19,15g – entre
crack e cocaína, portanto mínima inclusive em sua totalidade, não chegando unidas, nem a 20g
de drogas.
Veja-se que, para um usuário ocasional de drogas, esta quantidade é plenamente
possível de ser consumida com brevidade, quando se trata de um dependente químico, pode ele
a consumi-la em um único dia com mais brevidade do que um consumidor ocasional. Desta
forma, a expansibilidade de perigo ao bem jurídico tutelado (a famigerada saúde pública), resta
drasticamente reduzida, porque o perigo é causado pelo próprio usuário/dependente da droga,
não alcançando terceiros.
Se o Estado é tão preocupado com esta mesma saúde pública, deve ele dispor de meios
suficientes para ofertá-la a toda a sua população, o que no caso brasileiro não nos é noticiado,
pelo contrário, a severa minimização de recurso destinados á saúde pública, ainda mais quando
se trata da área destinada aos consumidores de drogas. Se o Estado pretende cobrar isso, seja
através de lei ou qualquer outro mecanismo, deve primeiro priorizar a saúde e dar tratamento
digno a toda a população que diariamente necessita de atendimento. Em outro sentido, mas
também não muito distante, Ministério Público e Juízes possuem a obrigação de cuidar de caso
a caso e visualizar estes problemas e não maximizá-los.
Pertine esclarecer a diferenciação entre aquele que faz uso das drogas e entre aquele que
comercializa estas substâncias, posto que são condutas que não possuem identidade devendo
ser tratados de maneira diferenciada, por isso é que não pode – em nenhuma hipótese – haver
margem para tratamento igualitário em situação distinta.
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Ocorre que a Lei de Drogas não estabelece esta diferenciação, de modo que podemos
perceber que os mesmos verbos nucleares do tipo do art. 28 são repetidos no art. 33, por isso,
na prática, fica a cargo do MP e do juiz esta determinação já que não há estabelecimento de
quantidades mínimas e máximas que possam caracterizar tráfico ou configurar consumo
pessoal.
Diante desta dificuldade, é necessários que o aplicador do direito conheça o que
significa para um usuário e um dependente químico as quantidades de drogas utilizadas, bem
como a super dosagem e as adições feitas. Se o aplicador do direito não entender o quanto e o
que significa cada droga e sua quantidade, conduzindo o processo de maneira equivocada,
gerando dificuldades, muitas vezes insanáveis, para aquele indivíduo que sofre o processo.
No caso do indiciado XXXXXX, temos que a quantidade de droga supostamente
apreendida com ele é ínfima, posto que somadas não chegam a 20g. Cientes de que XXXXXX
não estava traficando e nem de posse da droga “apreendida”, e mesmo que assim o
tivesse trazer consigo não se encaixa etimologicamente a uma postura de tráfico de drogas e,
portanto, de mercancia. Se, no caso em tela, houvesse a possibilidade de tratá-lo como um
traficante de drogas, estaria ele na posse de ínfima quantidade, desmerecendo neste caso a prisão,
dado que a expansibilidade de perigo que ele supostamente poder(ria) atacar é muito baixa,
ferindo apenas uma pessoa por exemplo, dado que não se trata de nem 20g de droga.
Existem casos em que há severa dependência química por drogas, havendo em
decorrência desta dependência química a necessidade de comercialização de drogas para ser
possível que se continue com a utilização que se faz da substância ilícita. Por isso, muitos dos
que são considerados hoje como traficantes de drogas, são em realidade drogodependentes que
começaram a cometer outro tipo de delito para conseguir manter a dependência química. O
que seria o caso de traficante-dependente, o que não se amolda ao caso de XXXXXX, posto que
com ele não havia droga, sendo esta enxertada.
Tendo em vista que XXXXXX não estava com a droga e que esta foi atribuída como se
dele fosse, e levando-se em consideração que estamos diante de um indivíduo
drogodependente, que já foi internado em diversas oportunidades, consoantes (Doc. IV) que
está sendo juntado nesta oportunidade, não estamos lidando com um traficante de drogas, não
devendo o indiciado sofrer as mazelas do cárcere que não devem ser utilizadas em caso de
dependência química.
XXXXXX já passou pelo Pronto Atendimento Cruzeiro do Sul, internação na Pacto na
Fazenda do Senhor Jesus, no Centro de Recuperação para tratamento de dependência química

12
Rodrigo Moretto
Modelo para alunos

– Comunidade Terapêutica Bem viver, passando também pela Cruz Vermelha Brasileira e a
Associação Hospitalar Vila Nova (Doc. IV).
Os registros relativos ao Hospital de Pronto Socorro estão anexados (DOC. IV), tendo
em vista que nas oportunidades em que lá estava, XXXXXX machucava-se em decorrência da
utilização do que faz do crack: o paciente encontra-se sob o efeito de crack, sendo sempre este o seu
registro.
Resta fartamente comprovada a dependência química do indiciado XXXXXX, motivo
pelo qual não há margem para ser tratado como se traficante fosse, ainda mais que a droga
“apreendida” com ele pertencia aos policiais. Ao invés de se estar mantendo um
dependente químico de crack (dependência que perdura 7 anos) na prisão, deveria,
segundo muito bem preceitua a Lei 11.343/06, ser encaminhado para tratamento
adequado, já que é uma obrigação do Estado fazer isso.
Conforme o §5º do art. 55 da lei de Drogas, cabe ao juiz determinar a apresentação do
preso para realização de diligências, exames e perícias. Assim, ai invés de manter XXXXXX
(dependente químico severo de crack) preso no Presídio Central de Porto Alegre, a
preocupação deve pautar na saúde deste indivíduo, em encaminhá-lo para um tratamento
adequado, em minimizar as sequelas desta marginalização, propiciando outro percurso na vida
de XXXXXX, que deverá atender a prevenção do uso de drogas, e redução de danos,
minimizando a vulnerabilidade na qual se encontra. Até mesmo porque, como sabemos, há no
presídio vasta quantidade de drogas, não sendo possível obstaculizar que a droga chegue até a
utilização do indiciado, de modo que mantê-lo lá segregado, além de violação a dignidade da
pessoa humana e afronta ao que preceitua a Lei 11.343/06, faz com que XXXXXX seja
favorecido na utilização das drogas, uma vez que se encontra preso e compartilhando de
substâncias ilícitas.
Não há como manter preso indivíduo severamente agredido pela utilização de crack,
nem pode isso acontecer, dado as diretrizes estabelecidas pelo Sistema Nacional de Políticas
sobre Drogas, devendo imediatamente ser posto em liberdade para que assim possa vir a se
tratar corretamente como já fazia junto com sua família.

VI. V. DENÚNCIA BASEADA EM DENÚNCIA ANÔNIMA. PALAVRA DO


INDICIADO CORROBORADA PELA PALAVRA DAS TESTEMUNHAS E DA
FILMAGEM JUNTADA. IMPUTAÇÃO DE TRÁFICO - DESPROPORCIONAL E
DESMEDIDA.

13
Rodrigo Moretto
Modelo para alunos

A denúncia oferecida pelo MP baseia-se na droga apreendida pelos policiais, de modo a


dar ensejo à autoria e materialidade no delito de tráfico de drogas. Ocorre que, segundo o que
se apurou no processo, a droga foi enxertada em XXXXXX.

Já de início cabe deixar claro, segundo a própria manifestação dos policiais que
abordaram o acusado XXXXXX afirmam que a droga estava na cueca do acusado, quando este
não utiliza roupas intimas, como provado pela palavra das testemunhas, bem como se a droga
estava nas roupas por qual motivo no momento da filmagem a droga não apareceu?

Sobre este aspecto, é oportuno referir que, diante das circunstâncias da abordagem
policial, da denúncia anônima, etc... o que se verifica foi uma denuncia, provavelmente de
algum inimigo de XXXXXX ou de alguém que não suporta ver o acusado utilizando drogas
perto de seu estabelecimento comercial, tentando prejudicá-lo, mas, como bem alegam as
Testemunhas, XXXXXX não é o traficante, e sim uma pessoa drogodependente.

Assim, resta claro, que ao invés de punir XXXXXX, como requerido pelo MP nos seus
memoriais, a postura correta que incumbe ao Estado, levando-se em consideração o Sistema
Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, é de dar sustentáculo para afastá-lo de onde a
droga circula, inibindo, assim, qualquer espécie de vulnerabilidade que possa atingi-lo, i.e., a
condenação do acusado somente vem a prejudicá-lo, tornando impraticável a sua reinserção
social e laborativa, pois é público e notório, que o meio prisional é um local de destruição do
‘Eu’ e de quebra dos vínculos sociais e de trabalho, jogando o cidadão ao submundo da cultura
prisional, onde as regras são impostas pelos detentos e onde a droga é o elixir para manter os
segregados “na paz” aguardando o tempo de improdução passar até que chegue a sua liberdade,
mas sempre uma liberdade ‘restrita’, pois aquele que passou pelo sistema sabe que toda a saída
deixa vínculos eternos por favores a quem lhe deu guarida dentro do sistema.

Ademais, neste momento é que podemos perceber, e isto está explícito na postura do
MP, que aquilo que a Instituição da Promotoria tanto ‘prega’ que é do famoso discurso (re),
(re)educar, (re)socializar, é em si mesmo mentiroso, posto que, se resta claramente demonstrado
que o réu não se trata de um traficante de drogas, incluindo-se nesta afirmação a própria
palavras dos policiais que o abordaram, e demonstrado durante a instrução tratar-se o réu
XXXXXX de um dependente químico, então, isto demonstra que o MP, ao pronunciar-se pela
sua condenação por tráfico de drogas, indica a falha de sua postura e, incluindo-se nela, uma
postura falaciosa de (re)inserção social. Ora, como (re)inserir alguém condenando-o e
segregando-o como se traficante fosse? O que seria melhor ao réu (deveria pensar o MP), seria
condená-lo e segregá-lo ou então olhar o que o réu tem feito para o melhoramento de sua vida
14
Rodrigo Moretto
Modelo para alunos

e oportunizar aquilo que seria, levando-se em consideração a busca do réu pela sua melhora,
mais apropriado para ele? Neste momento conseguimos visualizar o desrespeito do MP com o
Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, e a total falta de atenção e zelo em olhar
o outro com dignidade.

Há ainda que referirmos a questão das testemunhas de acusação, e isto porque, quando se
trata de crime de tráfico de drogas, as testemunhas de acusação, acabam sendo quase que em sua
totalidade, policiais, e isto porque as apreensões acabam decorrendo de denúncia anônima ou de
operações policiais, sendo eles os primeiros a ter contato com a seleção. Já que são os policiais
são os primeiros a ter contato direto com os indiciados, são eles sempre os responsáveis pelo
seu enquadramento legal, ou os considerando como usuário/dependente químico ou como
traficantes de drogas. Ocorre que, dependendo da forma como será realizada a apreensão das
substâncias ou o enxerto, o qual não pode ser descartado, então estaremos diante de um
consumidor, ou então de um traficante de drogas, o que muitas vezes acaba desconsiderando a
própria quantidade da droga que é encontrada, e que não deveria acontecer, dados os preceitos
da Lei 11.343/06, bem como do próprio Sistema Nacional de Política Públicas Sobre Drogas –
SISNAD.

Se de um lado o MP e muitos juízes irão se posicionar negativamente com as palavras dos


indiciados ou acusados por tráfico de drogas, já que julgam que estes não irão se considerar
culpados, e principalmente porque são eles os débeis do processo penal, de outro lado,
posicionam sempre de maneira favorável as palavras dos policiais, essencialmente pela posição
que ostentam. Se o raciocínio é este, logo, cabe aqui considerar que XXXXXX não é ou foi, em
toda sua vida, traficante e que esta droga foi enxertado pelos Policiais, como deixou claro a
testemunha Fabiano

IV. VI. INEXISTÊNCIA DE TIPICIDADE DA CONDUTA. FATO ATÍPICO.


FALTA DE ELEMENTO SUBJETIVO E NORMATIVO. OFENSA AO BEM
JURÍDICO TUTELADO.

Já que a droga não pertencia a XXXXXX, não há que a ele se imputar a autoria do
crime de tráfico de drogas.

Neste termos, é indispensável que se (re)veja a questão da tipicidade, uma vez que
XXXXXX está sendo acusado de supostamente ter praticado o crime de tráfico de drogas,
sendo que, até o presente momento o que temos é a grave situação que se encontrava o

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Rodrigo Moretto
Modelo para alunos

acusado, o qual no momento do fato delituoso encontrava-se em estado de vulnerabilidade


para o uso de drogas. Imputar a um usuário, como confirmam as internações pela qual passou
XXXXXX, a conduta de tráfico de drogas é no mínimo irresponsável, pois isto o levaria não a
uma política de redução de danos, segundo preceitua a Lei 11.343/06 no tocante aos
usuários/dependentes químicos, mas sim a prisão, a repressão, a restrição da liberdade, fatores
que desestimulariam por completo a sua ressocialização e seu interesse em progredir na sua
vida pessoal, social, e laborativa.

O delito de comercialização de drogas ilegais deve, necessariamente, possuir as


condutas de importar, exportar, vender e expor à venda drogas, demais condutas não
configuram tráfico de drogas, posto que para esteja caracterizado o crime de tráfico é
indispensável que tenha ocorrido atos de mercancia. No caso de XXXXXX, este é acusado
de, supostamente trazer consigo, o que logicamente, não se enquadra na etimologia tráfico.

Ademais, há o aspecto do que se configura consumo e do que caracteriza tráfico de


drogas, posto que no delito tipificado no art. 28 da Lei 11.343/06, temos como condutas,
adquirir, guardar, ter em depósito, transportar, trazer consigo, para consumo pessoal, condutas estas que
são classificadas também como tráfico de drogas previstas no art. 33 da referida Lei, adquirir,
trazer consigo, guardar e ter em depósito. Conclui-se que, as mesmas condutas tipificados no art. 28
são igualmente repetidas no art. 33, no entanto, a um se aplica as penas restritivas de direito,
optando-se pela redução de danos, criando-se, assim um Sistema Nacional de Políticas Públicas
Sobre Drogas – SISNAD, preocupado com o consumidor de substâncias ilegais, no caso o
acusado, e cria-se um mecanismo de prevenção ao uso indevido, em contrapartida, ao outro, o
traficante de drogas, comina-se pena de prisão, cria-se um proibicionismo exacerbado e uma
política destinada, única e exclusivamente à repressão penal, de modo que esta imputação ao
acusado desrespeita frontalmente aos princípios básicos do direito penal e de execução penal,
qual seja a prevenção especial positiva e negativa e, por conseguinte, a sua ressocialização, uma
vez que o acusado ao tempo do suposto delito estava vulnerável as consequências criadas pelo
uso de drogas. Uma vez reconhecido que, após o tempo de prisão preventiva em que o acusado
foi submetido, a imposição de uma pena privativa de liberdade faz com que se perca a ideia
central da atual Lei de drogas e o modelo adotado pela OMS, sendo desproporcional e
improdutiva.

16
Rodrigo Moretto
Modelo para alunos

Neste sentido, adverte Salo de Carvalho2 que uma análise detalhada permite apontar
como principal mecanismo corretivo da desproporcionalidade do tipo penal do art. 33 da Lei
11.343/06, a especificação do dolo naquelas figuras que igualmente aparecem incriminadas no art.
28, quais sejam, adquiri, guardar, ter em depósito, transportar e trazer consigo drogas. Por isso, propõe
critério interpretativo que corrija a desproporcionalidade no tratamento punitivo de condutas
objetivamente idênticas, no entanto díspares no que tange a ofensividade ao bem jurídico
tutelado.

Deste modo, no caso em questão, XXXXXX não há como ser considerado


traficante de drogas, até mesmo pelo fato de que a droga foi enxertada. Mesmo em querendo
enquadrá-lo como conduta típica de tráfico de drogas, etimologicamente não se enquadra o
indiciado nas possibilidades de mercancia, esta, por sua vez, exprime adequadamente o que
caracteriza a comercialização, não havendo como enquadrá-lo no delito tipificado no art. 33 da
Lei 11.343/06. É necessário que se dispense o tratamento útil ao acusado, qual seja, a
manutenção em seu trabalho e tratamento, em um verdadeiro sentido de (re)ssocialização.

IV. VII INDICIADO SENDO CONSIDERADO TRAFICANTE DE DROGAS E TRATADO


COMO TAL. INOBSERVÂNCIA DO QUE PRECEITUA A LEI 11.343/06. VIOLAÇÃO
CONSTITUCIONAL. REALIDADE DE UM DROGOVULNERÁVEL. (INE)FETIVIDADE
DO QUE ESTABELECE A LEI DE DROGAS.

Seguindo-se ao rito especial da Lei de Drogas, é necessário analisar o norte


preconizado por esta Lei, de modo que se possa entender o seu real funcionamento. A Lei
11.343/06 instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – SISNAD,
prescrevendo medidas para prevenção ao uso indevido, atenção e reinserção social de
usuários e dependentes químicos, estabelecendo normas de repressão ao tráfico de drogas.
Deste modo, temos duas facetas, de um lado a prevenção ao usuário/dependente, de outro a
repressão à comercialização das drogas (art. 1º).

Dentre os princípios estabelecidos pelo SISNAD, está a articulação com os órgãos


do Ministério Público e dos Poderes Legislativo e Judiciário, visando a cooperação
mútua as atividades do SISNAD (art. 4º, VIII). Temos, então, que na audiência em que
determinou a liberdade do réu uma verdadeira atuação por parte do Judiciário e do MP no que
preceitua a Política sobre Drogas, havendo naquele momento, ainda que tardio, respeito e

2CARVALHO, Salo de. A Política Criminal de Drogas no Brasil: Estudo Criminológico e Dogmático. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2007, p. 200-203.
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Rodrigo Moretto
Modelo para alunos

observância no tratamento dispensado aos drogovulneráveis, no caso o acusado, garantindo-se


a aplicabilidade de princípios constitucionais – que são caros ao direito penal – como o
princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF), ninguém será submetido a tortura
nem a tratamento desumano ou degradante (art. 5º III da CF).

Cabe novamente deixar claro que XXXXXX não praticou crime, pois mesmo que
estivesse com a droga, a conduta de trazer consigo, não caracteriza mercancia e que mesmo que
tudo permitisse sua incriminação, não se trata de traficante de drogas, como deixaram claro os
policiais que fizeram a sua prisão, mas de drogovulnerável que necessita de redução de danos,
de tratamento correto fornecidos pelo Estado e gratuito, no entanto, este Parquet,
erroneamente, apresenta memoriais requerendo sua condenação pelo crime de tráfico de
drogas, podendo levá-lo e mantê-lo no pior presídio da América Latina.

No mesmo sentido a peça Ministerial apresenta afronta ao que preceitua a Lei de


Drogas, posto que segundo o art. 4º, IX, não houve, neste momento final do processo,
interesse algum, pelo Parquet em se preocupar em lidar com a vida de um drogovulnerável,
demonstrando, inclusive, estar despreparado em lidar com este tipo de situação. É necessário
que haja um tratamento multidisciplinar capaz de tratar – com atividades preventivas – um
drogodepenetende, e não com atividades recrudescidas de criminalização exacerbada e rigor
punitivo a ensejar mandar um cidadão ressocializado, em todos os sentidos, a uma prisão, nos
moldes que se encontram as prisões no Brasil.

Não bastasse a quantidade de violações que uma eventual condenação por pena
privativa de liberdade ensejaria uma inobservância do equilíbrio entre as atividades de
prevenção ao uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas e
de repressão ao que seria ou deveria ser um “verdadeiro” traficante de drogas (art. 4º X da Lei
11.343/06) que, segundo manifestam-se os policiais, não é o caso.

No caso em tela, uma condenação por tráfico estaria a desrespeitar a Política


Mundial de Drogas, uma vez que a Lei de Drogas estaria sendo aplicada em seu desfavor com
completo (des)conhecimento e (dês)respeito, dado que aquele que consome drogas é
drogovulnerável, necessitando assim de outro tratamento que não seja a prisão, que o isola
(des)umaniza, (des)socializa e marginaliza ainda mais. Ao invés de receber tratamento
adequado, e de ser destinado atividades de prevenção, estaria a ser considerado como se
traficante fosse, aplicando-se a ele severa desproporcionalidade de tratamento, violando, assim,
a Lei 11.343/06 e a Constituição Federal, e as determinações de redução de danos
determinadas pelo CNJ. Ao que nos indica a leitura de leis infraconstitucionais devem ser
18
Rodrigo Moretto
Modelo para alunos

realizada pelo operador do direito, em consonância aos ditames constitucionais, o que não
estaria a ocorrer caso XXXXXX fosse condenado por tráfico a uma pena privativa de
liberdade.

A Lei de Drogas estabelece as diretrizes norteadoras a serem seguidas e destinadas


àqueles que fazem uso de substâncias ilícitas, como é o caso da redução dos fatores de
vulnerabilidade e risco (art. 18), sendo que as atividades de prevenção ao uso indevido devem
seguir o que estabelece os incisos I, a XIII do art. 19. Deve haver atividades de atenção e
reinserção social de usuários ou dependentes de drogas, que desenvolvam a melhoria da
qualidade de vida, e à redução de riscos associados à utilização das drogas (art. 20), devendo
haver observância dos arts. 21, 22 23, 24, 25, 26 e 27 da Lei 11.343/06 que se destinam a
promoção da prevenção ao drogodependente e drogovulneráveis.

Assim, ai invés de condenar a uma pena privativa de liberdade levando-o para o


Presídio Central de Porto Alegre, a preocupação deve pautar na saúde deste indivíduo, em
encaminhá-lo para um tratamento adequado, em minimizar as sequelas desta marginalização,
propiciando outro percurso na vida, como o próprio fez após sair da prisão, até mesmo porque,
como sabemos, há no presídio vasta quantidade de drogas, não sendo possível obstaculizar que
a droga chegue até a utilização do drogovulnerável, de modo que mantê-lo lá segregado, além
de violação a dignidade da pessoa humana e afronta ao que preceitua a Lei 11.343/06, faz com
que XXXXXX possa ser favorecido a utilizar drogas, uma vez que se encontraria preso e
compartilhando de substâncias ilícitas juntamente com os demais presos.

Não há como mandar para a prisão um indivíduo drogovulnerável, nem pode isso
acontecer, dado as diretrizes estabelecidas pelo Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre
Drogas, devendo ser isento de pena segundo o que preceitua o art. 45, da lei 11.343/06 ou em
caso diverso que a condenação seja reduzida ao máximo (2/3) segundo preceitua o artigo 33§
4°, da lei 11.343/06, e determinada a sua substituição em penas alternativas ou sursi, o que
melhor couber ao caso concreto, garantindo-se assim a manutenção de sua reinserção familiar,
social e laborativa.

V. DAS CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS DO INDICIADO. MOBILIZAÇÃO


DE POPULARES QUE NÃO ACEITAM A SITUAÇÃO PELA QUAL O INDICIADO
ESTÁ PASSANDO. COMPROVAÇÃO DA DROGODEPENDÊNCIA DE XXXXXX
POR VIZINHOS QUE O CONHECEM. CAPACIDADE EDUCACIONAL
EXCELENTE, IMPOSSIBILITADA EM VIRTUDE DA UTILIZAÇÃO QUE FAZ
DA DROGA.

19
Rodrigo Moretto
Modelo para alunos

O indiciado XXXXXX é pessoa boa e honesta, a qual apenas tem como negativo em
sua conduta o fato de se utilizar de crack em decorrência de já fazer uso desta droga há 7 anos,
constituindo-se em drogodependente que merece ser tratado devidamente para que tenha
redução de danos oriundos da utilização que faz desta droga, devendo para isso retornar para a
sua família.
Sobre sua conduta, temos que foi realizado um abaixo assinada pela comunidade onde
mora XXXXXX, nesta ocasião, todos os populares que moram próximos a XXXXXX e que o
conhecem, referem ser ele pessoa honesta e trabalhadora, nada tendo a dizer que venha a
prejudicar a conduta do indiciado, sendo XXXXXX um bom pai e um bom filho, além de um
bom vizinho. Todos ali assinam referindo que sabem da situação de vulnerabilidade de
XXXXXX com as drogas, i.e., possuem ciência de que o indiciado é dependente químico de
crack, tendo sido internado por diversas vezes por seus familiares.
Por isso é que resolvemos anexar estas assinaturas, cujo escopo é a demonstração de
que XXXXXX não se trata de um traficante de drogas, mas de boa pessoa que é
drogodependente e que merece tratamento digno à sua condição peculiar de dependente
químico severo de crack, haja vista fazer uso da droga há 7 anos. Neste aspecto, foram
recolhidas, pela mãe de XXXXXX, 24 assinaturas das pessoas que conhecem o indiciado e que
moram próximas a ele, totalizando-se em um número expressivo de populares que não aceitam
a situação de processo criminal considerando-o como se traficante de drogas fosse, muito
menos por estar passando por situação desumana dentro de um presídio, quando na realidade
necessita é de tratamento, havendo para isso extrema necessidade de ser posto em liberdade
para que a família possa tratar de sua internação de maneira adequada e respeitando as
diretrizes da Lei de Drogas.
Já que muitas pessoas participaram deste ‘abaixo assinado’ demonstrando sua
indignação com a (in)justiça que está sendo praticada, esta é efetivamente uma circunstância de
alto valor probatório, e isso porque se esta acusação fosse verdadeira, os populares que moram
próximos do indiciado, não teriam interesse, ou teriam eles medo (se XXXXXX fosse um
traficante), de assinar o que atesta a boa conduta. Já que são eles moradores, ninguém melhor
do que eles para expressar, através deste documento, a realidade da dinâmica que ali ocorre. Se
XXXXXX fosse traficante, não estaria ele sendo atestado como pessoa de boa conduta, nem
estariam estas pessoas referindo a sua dependência química, pelo contrário, poucas, ou até
mesmo nenhuma pessoa – diríamos – se responsabilizariam por este ‘abaixo assinado’, por isso é
que ele se carrega de farta veracidade.

20
Rodrigo Moretto
Modelo para alunos

Além destas circunstâncias, há que se imprimir neste contexto probatório, a trajetória


educacional do indiciado, posto que os registros de suas notas no ensino médio e no ensino
fundamental, foram sempre notas boas, girando em torno de médias 8 e 10 em sua grande
maioria.
Seu percurso educacional relata uma trajetória onde, com a ausência da droga é mais
fácil de lidar com os afazer da vida em geral, sendo difícil conciliar estudo, trabalho e drogas.
Tendo em vista que XXXXXX é um rapaz de potencial, e trata-se de pessoa jovem que possui
dois filhos e que se dispõe a fazer um tratamento com o auxílio de sua família que se
compromete a ajudá-lo, é muito melhor que se conceda a sua liberdade provisória, até mesmo
porque esta já havia sido determinada na fl. 58 depois que o indiciado fosse cientificado do
processo que contra ele corre, sobretudo porque a manutenção de sua prisão vai contra a tudo
que a própria Lei de Drogas estabelece quando se trata de um usuário ou de um dependente
químico, i.e., a prevenção através de planejamento que reduza os danos de indivíduo
marginalizado e seus fatores de vulnerabilidade.

VI. EM CASO DE EVENTUAL CONDENAÇÃO, DAS CIRCUNSTÂNCIAS


MINIMIZADORAS DA PENA

VI. I. CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 33, §4º, DA LEI 11.343/06.


APLICABILIDADE OBRIGATÓRIA NO CASO CONCRETO. DIREITO
SUBJETIVO. DEMONSTRAÇÃO E PREQUESTIONAMENTO

Somente como ilação mental, uma vez acredita-se na absolvição de XXXXXX, verifica-
se a possibilidade de aplicabilidade do §4º do art. 33 da Lei. 11.343/06, vez que se
encontram preenchidos os quatro requisitos para a sua concessão, a saber: que o
agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas,
nem integre organização criminosa.

Nos delitos de tráfico de drogas (art.33, caput) e nas formas equiparadas (§1º), as penas
podem ser reduzidas de 1/6 a 2/3 se o agente preencher os requisitos legais dispostos no
próprio §4º do art. 33 da Lei de Drogas, razão pela qual sua concessão torna-se obrigatória,
pois se trata de requisitos subjetivos e cumulativos.

Desta forma, o acusado vem a preencher os quatro requisitos necessários à concessão da


diminuição de pena, pois se trata de réu primário, vez que contra ela inexiste condenação
criminal com trânsito em julgado, possui bons antecedentes não havendo contra ele nada que

21
Rodrigo Moretto
Modelo para alunos

venha a desabonar a sua conduta, e assim merecendo a redução até mesmo em atendimento ao
princípio de inocência ou não culpabilidade, insculpido no art. 5º, LVII da CF, assim também
não se trata de acusado que se dedica à atividade criminosa e tão pouco integra
organização criminosa, motivo pelo qual, é merecedor da redução da pena, neste sentido se
manifesta o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul

APELAÇÃO CRIME. TRÁFICO DE DROGAS. 1. MÉRITO. Em que pese a


pouca quantidade da droga apreendida, as circunstâncias do fato e os relatos
harmônicos e uníssonos dos policiais convergem no sentido da traficância.
Condenação impositiva. 2. PENA. Possibilidade, no caso concreto, de
aplicação da redução penal de 1/6 até 2/3, conforme dispõe o art. 33, § 4º, da
nova Lei Antitóxicos (Lei 11.343/06), pois se trata de agente primário, de bons
antecedentes e que não se dedica à atividade criminosa, nem integra
organização criminosa. Redimensionamento da pena privativa de liberdade e da
multa. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. UNÂNIME. (Apelação Crime
Nº 70033952664, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
José Antônio Hirt Preiss, Julgado em 16/06/2010)

APELAÇÃO-CRIME - TRÁFICO DE DROGAS - PROVA - CAUSA


ESPECIAL DE REDUÇÃO DO § 4º DO ARTIGO 33 DA LEI N.º
11.343/06 - DELITO DE RECEPTAÇÃO. O conjunto da prova coligida aos
autos é bastante para firmar um juízo de condenação com relação ao delito de
tráfico de drogas de receptação, inviável a absolvição pretendida pelo acusado.
Réu primário, de bons antecedentes, e nada indicando que pertençam à
organização criminosa ou façam do tráfico sua atividade principal, cabível a
aplicação do § 4º do artigo 33 da Lei 11.343/06. A intenção do legislador foi de
desencorajar a permanência no tráfico de drogas. NEGADO PROVIMENTO
AO APELO DEFENSIVO. DE OFÍCIO, REDUZIRAM AS PENAS
APLICADAS AO DELITO DE TRÁFICO DE DROGAS. (Apelação Crime
Nº 70030970172, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator:
Jaime Piterman, Julgado em 13/05/2010)

Por outro lado, é totalmente incabível a posição de inaplicabilidade do art. 33, §4º, da Lei
11.343/06, pois tenta fundamentar a inconstitucionalidade de tal dispositivo na hediondez do
delito e na redução trazida pela nova legislação.

Sob este viés, o artigo em tela, visando uma política de redução de danos e reinserção
social, coaduna-se com o princípio fundante da Constituição, ou seja, da preservação da
Dignidade da Pessoa Humana. Neste sentido cabe trazer a baila o pensamento sobre as novas
políticas penais:

Na esteira vem a Justiça Terapêutica, evoluindo-se de um processo punitivo


para processos terapêutico e pedagógico no intuito de reduzir os danos físicos e
sociais, individuais e coletivos causados pelo uso de drogas.
Não seria a descriminalização, mas, sim, pena consistente no tratamento
do usuário, visando a sua recuperação. Afigura-se desarrazoado seu
recolhimento aos presídios e às penitenciárias, notoriamente
superlotadas, viabilizando o efeito prisionização - consistente na

22
Rodrigo Moretto
Modelo para alunos

incorporação de maus hábitos e valores, em essência, já arraigados por


infratores com longo histórico criminal - quando, embora infringindo a
lei, o usuário de drogas não agrediu a sociedade de forma tão violenta a
justificar a pena privativa de liberdade.
(...)
No entender de Ricardo de Oliveira Silva, Procurador de Justiça do MP/RS e
Presidente da ANJT, o modelo diz com proposta na qual a legislação há de
ser cumprida harmonicamente com medidas sociais e tratamento às
pessoas que praticam crimes cujo componente drogas, no sentido lato,
esteja presente.
(...)
Nesse passo, a concepção repressora deve-se ao caráter transnacional do crime
organizado, porquanto não respeita fronteiras, apresentando características
similares em várias nações. Por concentrar poder, com base em estratégia
global, nutre-se de fraquezas estruturais do sistema penal. Donde, a toda a
evidência, o dano social assume vulto, dada à grande facilidade de expansão,
atingindo vítimas determinadas e difusas.
(...)
Nesse quadro, sobrelevam os princípios da proporcionalidade e da
razoabilidade também na esfera criminal. Como bem ensina Humberto
Ávila, o primeiro diz com o dever de congruência, exigindo-se uma correlação
entre o critério distintivo utilizado pela norma e a medida por ela adotada,
enquanto o segundo pressupõe relação entre meio e fim, ou seja, de causalidade
entre o efeito da ação (meio) e a promoção de um estado de coisa (fim). E tais
princípios devem nortear tanto o legislador quando da elaboração e aprovação
das leis, quanto o julgador no momento de aplicá-las ao caso concreto,
adequando-as, mediante processo interpretativo, à realidade social. O abalizado
jurista E. Betti já ponderava que os princípios são “os valores dos critérios diretivos
para interpretação e dos critérios programáticos para o processo da legislação”. Destarte,
segundo leciona Joseph Esser, atuam normativamente, constituindo parte
jurídica e dogmática do sistema de normas, ponto de partida para o
desdobramento de um problema. Donde a cogência, impondo-se a observância
para a melhor solução do conflito verificado no caso concreto.3

Nestes termos, em caso de eventual condenação ou que não venha a ser declarada extinta
a punibilidade por falta de elemento essência da culpabilidade, que seja aplicada a redução
máxima insculpida no art. 33, §4º, da Lei 11.343/06, como garantia de reconhecimentos dos
princípios constitucionais da dignidade humana, da proporcionalidade, da razoabilidade e o
direito subjetivo do denunciado. Nestes termos:

Habeas Corpus. Execução Penal. Paciente afetado pelo efeito associado de


drogas (álcool, maconha, cocaína e crack), desde antes da condenação criminal.
Situação agravada no albergue. Pedido de internação em instituição de
recuperação de dependentes químicos. Indeferimento e expedição de mandado
de prisão. Coação ilegal configurada. Aplicação dos arts. 115, I, e 117, II, da
LEP. Opção pela Justiça Restaurativa. ‘Quando um crime é cometido, nós
assumimos que a coisa mais importante que pode acontecer é
estabelecer a culpa. Este é o ponto focal de todo o processo criminal:
estabelecer quem praticou o crime. Sua preocupação, então, é com o

3FERREIRA, Leandro da Rosa. Juiz de Direito Substituto.


www.tj.rs.gov.br/institu/c_estudos/doutrina/Principios_da_Proporcionalidade.doc.
23
Rodrigo Moretto
Modelo para alunos

passado, não com o futuro. Outra afirmação que incorporamos é que as


pessoas devem ter aquilo que merecem; todos devem receber as
conseqüências dos seus atos... e o que merecem é a dor. A lei penal
poderia ser mais honestamente chamada de ‘lei da dor” porque, em
essência, esse é um sistema que impõe medidas de dor.’ zero hora. (2003),
“retributive justice, restorative justice” in gerry johstone (ed.) ‘a restorative justice reader’,
cullompton, willan publishing, p.71. Ordem concedida. 4(g.n.)

VI. II. FIXAÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. POSSIBILIDADE DE


SUBSTITUIÇÃO POR PENA RESTRITIVA. PREQUESTIONAMENTO PARA
EVENTUAL RECURSO ESPECIAL E EXTRAORDINÁRIO.

No tocante a vedação de penas restritivas de direito, estabelecida no §4º do art. 33 da Lei.


11.343/06 proibição esta repetida no art. 44 da referida lei, destaca-se que com a redução da pena
privativa de liberdade ao primário e de bons antecedentes, estariam preenchidos os requisitos
objetivos e subjetivos, os quais são permissivos da substituição da reprimenda por restritivas de
direitos do art. 44 e ss. do CP.

Mesmo havendo vedação expressa do §4º do art. 33 e sua repetição no art. 44 da Lei de
Drogas, há que se questionar a constitucionalidade desta vedação. Assim, vejamos: antes da Lei.
11.464/07, muito se discutia acerca da possibilidade ou não da concessão de penas restritivas de
direitos para os crimes hediondos ou equiparados. Apesar de não haver proibição expressa,
houve a abolição do regime integralmente fechado, o qual obstaculizava a concessão do
benefício. Com o advento da Lei 11.464/07 tal discussão acaba perdendo importância, pois o
regime integralmente fechado fora abolido, de maneira que desaparece com ele o ventilado óbice.

Desta forma, questiona-se acerca da vedação trazida pela nova lei de drogas, pois não
seria legítimo impedir o benefício somente para o tráfico, delito também equiparado a
hediondo, sob pena do art. 44 da Lei. 11.343/06 estar tratando situações iguais de maneira
desigual, ferindo cruelmente o princípio da isonomia5.

Neste sentido posicionou-se o STF, relativo ao HC 88879, julgado pela 1ª Turma em


06/02/2007, Relator Min. Ricardo Lewandowski

EMENTA: PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO


DE ENTORPECENTES. SUBSTITUIÇÃO DE PENA PRIVATIVA DE
LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. APLICAÇÃO DO

4 TJRS, Habeas Corpus n 70008308967. Desembargador Marco Antônio Bandeira Scapini. 6ª Câmara Criminal do
TJRS
5 CUNHA, Rogério Sanches. Lei de Drogas Comentada, 2007.

24
Rodrigo Moretto
Modelo para alunos

ART. 44 DO CÓDIGO PENAL. REQUISITOS PRESENTES.


SUPERAÇÃO DO ART. 2º, § 1º, LEI 8.072/90, QUANTO AO
CUMPRIMENTO DA PENA EM REGIME INTEGRALMENTE
FECHADO. ORDEM CONCEDIDA.
I - A regra do art. 44 do Código Penal é aplicável ao crime de tráfico de
entorpecentes, observados os seus pressupostos de incidência.
II - A regra do art. 2º, § 1º, da Lei 8.071/90, pode ser superada quando inexistir
impedimento à substituição. III - Ordem concedida.

No mesmo sentido há manifestação do STJ, no REsp 843508 / RN, Julgado pela 5ª


Turma, em 23.08.2007, Relatora Ministra Laurita Vaz:

RECURSO ESPECIAL. PENAL. CRIME DE TRÁFICO DE


ENTORPECENTES. SÚMULA N.º 7 DESTA CORTE. CRIME
HEDIONDO. POSSIBILIDADE DE PROGRESSÃO. SUBSTITUIÇÃO
DA PENA. PERMISSÃO. ART. 44 DO CÓDIGO PENAL. ART. 18,
INCISO III (PARTE INICIAL), DA LEI N.º 6.368/76. NOVA LEI DE
TÓXICO. RETROATIVIDADE DE LEI MAIS BENÉFICA. ORDEM
CONCEDIDA DE OFÍCIO.
1. A tese defensiva de desconhecimento do fato delituoso implicaria no
reexame do conjunto fático-probatório dos autos, o que se afigura inviável em
sede de recurso especial, a teor do verbete sumular n.º 7 desta Corte.
2. Diante da declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal
Federal do § 1º do art. 2º da Lei 8.072/90, fica afastado o óbice que impedia a
progressão de regime aos condenados por crimes hediondos.
3. A vedação de conversão das penas cominadas ao crime de tráfico ilícito de
entorpecentes em restritivas de direitos, imposta pela nova lei de tóxicos (Lei
n.º 11.343/06, art. 44), como lex gravior, não pode retroagir para alcançar fatos
anteriores à sua vigência e prejudicar a Ré.
4. A causa especial de aumento pela associação eventual de agentes para a
prática dos crimes da Lei de Tóxicos, anteriormente prevista no art. 18, inciso
III (parte inicial), da Lei n.º 6.368/76, não foi mencionada na nova legislação,
devendo, pois, ser retirada da condenação da ora Recorrente, em observância à
retroatividade da lei penal mais benéfica.
5. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, provido para assegurar à ora
Recorrente a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por
pena restritiva de direitos. Concedido habeas corpus de ofício, para excluir da
condenação a majorante do art. 18, inciso III, da Lei n.º 6.368/76, decorrente
da associação eventual para a prática do crime de tráfico ilícito de entorpecentes

Como já demonstrado a hediondez estipulada pela lei não é óbice para sua concessão. Nos
termos do art. 44 do Código Penal, está estipulada que a pena não superior ao patamar de 04
anos pode ser substituída, conforme a previsão originária da Lei n° 9.714/98, não se
estabelecendo limitação à natureza do delito. Neste sentido, parte da jurisprudência vem
entendendo ser cabível substituição inclusive nos casos de condenação por tráfico de
entorpecentes:

TRÁFICO DE ENTORPECENTES. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE


LIBERDADE. POSSIBILIDADE. Da interpretação que se faz da Lei n. 9714/98,
relativamente à substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de
25
Rodrigo Moretto
Modelo para alunos

direitos, tem-se que ela também é aplicável aos delitos definidos em legislação especial.
A nova legislação a respeito veio no sentido de ampliar a incidência das penas restritivas
de direitos, de modo que devem ser estendidos à legislação especial, até porque não
existe ressalva a este respeito. Assim, ainda que trate de crime de tráfico de
entorpecente, se o agente preenche os requisitos subjetivos e objetivos do art. 44
do CP, e a substituição é recomendável dentro do critério de suficiência na
reprovação e prevenção do crime (art. 59 do CP), não há porque não fazê-lo.6.
(g.n.)

O Superior Tribunal de Justiça, inclusive, manifestou este entendimento:

A lei nº 9.714, de 25 de novembro de 1998, recomendada pela Criminologia, face à


caótica situação do sistema penitenciário nacional, em boa hora, como recomendam
resoluções da ONU, de que as Regras de Tóquio são ilustração bastante, ampliou
significativamente a extensão das penas restritivas de direitos, conferindo nova redação
a artigos do Código Penal brasileiro. O art. 44 relaciona as condições: I- aplicada pena
privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com
violência ou grave ameaça à pessoa ou qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for
culposo; II – o réu não for reincidente em crime doloso; III – a culpabilidade, os
antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos
e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente. Reclamam-se, pois,
condições objetiva e subjetivas; conferem, aliás, como acentuam os modernos roteiros
de Direito Penal, amplo poder discricionário ao Juiz. O magistrado, assim, assume
significativa função, exigindo-se-lhe realizar a justiça material. O crime hediondo não
é óbice à substituição. A lei, exaustivamente, relaciona as hipóteses impeditivas (art.
44). 7 (g.n.)

Igualmente os Tribunais Federais e Superiores:

As controvertidas disposições da Lei dos Crimes Hediondos, editada para conter a


criminalidade violenta crescente, por certo deverão buscar atingir seu objetivo, contudo,
não se lhe conferem o condão de obstaculizar a Justiça. Nessa linha de entendimento,
tendo presente a novel legislação, Lei 9.714/98, cumprindo tendências inovadoras das
penas alternativas à prisão, introduziu significativas disposições (...) A única ressalva da
Lei se refere ao crime cometido com violência ou grave ameaça à pessoa (...)8
A lei nº 9.714, de 25 de novembro de 1998, recomendada pela Criminologia,
face à caótica situação do sistema penitenciário nacional, em boa hora, como
recomendam resoluções da ONU, de que as Regras de Tóquio são ilustração
bastante, ampliou significativamente a extensão das penas restritivas de direitos,
conferindo nova redação a artigos do Código Penal brasileiro. O art. 44
relaciona as condições: I- aplicada pena privativa de liberdade não superior a
quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à
pessoa ou qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo; II – o réu
não for reincidente em crime doloso; III – a culpabilidade, os antecedentes, a
conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as
circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente. Reclamam-se,
pois, condições objetiva e subjetivas; conferem, aliás, como acentuam os
modernos roteiros de Direito Penal, amplo poder discricionário ao Juiz.
O magistrado, assim, assume significativa função, exigindo-se-lhe

6 TJRS, Apelação Crime nº 6990118297, Câmara de Férias Criminal, TJRS, Relator: Des. Sylvio Baptista Neto,
julgado em 26/05/1999
7 STJ, 6ª Turma – HC nº 8753/RJ, rel. Min. Luiz Vicente Cernichiaro, j. 15.04.99, v.u., DJU 17.05.99, p. 00244
8 TRF4, - HC 19990401018587-9/PR – Rel. Tânia Escobar – DJU 13.04.99, p. 327

26
Rodrigo Moretto
Modelo para alunos

realizar a justiça material. O crime hediondo não é óbice à substituição.


A lei, exaustivamente, relaciona as hipóteses impeditivas (art. 44)9. (g.n.)

Inegável, portanto, que uma vez trazida a pena aos patamares da razoabilidade e da
proporcionalidade, com a revisão da pena aplicada, que se tenha como possível a aplicação da
substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos, sob pena de ofensa à
Lei 9.714/98, o que requer seja observado como préquestionamento, para eventual recurso
especial e extraordinário.

VI. III. CONFUSÃO TERMINOLÓGICA. POSSIBILIDADE DE CONVERSÃO EM


PENAS ALTERNATIVAS

Como já manifestado em texto publicado na revista do Instituto Brasileiro de Ciências


Criminais – IBCCRIM10 não há óbice para a conversão em penas alternativas, bem como para a
aplicação de Sursi, senão vejamos o que já foi manifestado:

Não é de (hoje), mas há muito que se vem discutindo acerca da viabilidade em


se conceder - ou não - a pena restritiva de direitos (PRD) ao delito de tráfico de
drogas expresso no art. 33 da Lei 11.343/06. Antes de iniciar a discussão, é
imprescindível que se analise de pronto o que se está a (im)possibilitar: se a
substituição ou a conversão das penas restritivas de direito para a comercialização
das drogas.
Substituição e conversão de penas são institutos jurídicos diferenciados que
pertencem a momentos distintos, de modo que a substituição está compreendida
na fase de aplicação da pena, sendo utilizada na sentença penal, quando o juiz
define a pena, determina a quantidade e acaba fixando o regime (incisos, I, II, e
III do art. 59 do CP). Já a conversão pertence à fase de execução criminal, onde se
dá o desenvolvimento da pena já aplicada, e com o processo de execução
criminal – PEC é que a pena privativa de liberdade poderá ser convertida em
uma pena restritiva de direitos11, observada a LEP12.
Malgrado se tenha insistido em dizer que não é possível a substituição de pena
no delito de tráfico, primamos em estabelecer primeiro esta distinção de
institutos diversos para, então, passar por uma leitura à luz dos ditames
constitucionais, seguindo-se à apreciação do funcionamento da Lei 11.343/06.
Ao nos utilizarmos da Lei de Drogas, algumas ponderações precisam ser
impressas, sobretudo porque compreender e posicionar-se acerca da

9 STJ, 6ª Turma – HC nº 8753/RJ, rel. Min. Luiz Vicente Cernichiaro, j. 15.04.99, v.u., DJU 17.05.99, p. 00244
10 MELLO, Thaís Zanetti e MORETTO, Rodrigo. “Eliminando as ‘amarras’ vedatórias que criaram
(im)possibilidades à aplicação de pena alternativa ao delito de tráfico de drogas”. Disponível em:
http://www.ibccrim.org.br/site/artigos/capa.php?jur_id=10364
11 Lei 7.210/84: Art. 66. Compete ao Juiz da execução:

V - determinar:
b) a conversão da pena restritiva de direitos e de multa em privativa de liberdade;
c) a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos;
12 Neste sentido, conferir o julgamento realizado pela 1ª Turma do STF do HC 84.928-8, de 27/09/2005 e também

Carvalho, a quem já trabalhou esta distinção entre substituição e conversão, IN: CARVALHO, Salo de. A política
criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
27
Rodrigo Moretto
Modelo para alunos

possibilidade de se substituir a pena de prisão por restritiva de direitos no delito


de comércio de drogas, merece certo cuidado!
Norteando-nos pelas regras constitucionais, é necessária a observância e
respeito ao princípio da individualização da pena (art. 5º, XLVI), devendo-se
considerar, ainda, que não há qualquer espécie de restrição sobre a substituição da
pena privativa de liberdade aos delitos de tráfico de drogas (art. 5º, XLIII).
Seguindo-se ao norte preconizado pela Lei 11.343/06, esta, por sua vez, tratou
de vedar a conversão no §4º do art. 33, mas não a substituição. Posteriormente, ao
examinarmos o art. 44 da Lei 11.343/06 veremos vedação expressa ao instituto
da conversão, tão somente aos crimes previstos nos arts. 33, caput e §1º, e 34 a 37
da Lei de Drogas. Em outras palavras, isso significa que o legislador utilizou-se
do instituto da conversão em momento destinado à fase de aplicação da pena, e
não em seu momento próprio (execução criminal). Mesmo procedendo desta
maneira, o resultado conclusivo é que, não há – nem mesmo na própria Lei de
Drogas – que é especial, qualquer forma de (im)possibilidade na aplicabilidade
da substituição da pena de prisão por restritivas de direitos no crime de
comercialização das drogas ilícitas, fase esta da individualização da pena na
sentença penal condenatória.
Saliente o equívoco por parte do legislador, e desta forma reproduzido por
muitos juristas, os institutos diferenciados que são, acabaram sendo, com a Lei
de Drogas, considerados com identidade. Isto acabou ‘garantindo’ a
(im)possibilidade de aplicarmos a substituição da pena de prisão como se ela
estivesse expressa em texto próprio (Lei 11.343/06), que sequer cuidou de
tratar da proibição do instituto da substituição.
Levando-se em consideração que a Lei de Drogas em seu art. 33, sofreu severa
majoração da pena mínima abstratamente cominada, aplicar pena alternativa ao
delito de tráfico de drogas passou a ser um descrédito postulatório, tendo em
vista que a pena de prisão passou de 3 para 5 anos de reclusão. Tal questão
acabou interferindo na análise da substituição, e isto porque o próprio aumento,
por si só, tornou inviável esta possibilidade, mas não por outro motivo. No
entanto, quando analisada a causa especial de diminuição da pena prevista no §
4º do art. 33, é que – aí sim - a discussão merece ser (re)avaliada13, porque se a
pena privativa de liberdade fixada na sentença, ficar abaixo do mínimo legal
estipulado pela lei de drogas (5 anos), em virtude do reconhecimento da causa
especial de diminuição do § 4º do art. 33, sendo assim reduzida, então, tornar-
se-ia imprescindível o reconhecimento da pena alternativa.
Desta discussão extrai-se que a força (im)possibilitadora de se aplicar uma pena
alternativa ao delito de comércio das drogas perde, por completo, sua
legitimidade, deixando de existir óbice legal para não se substituir uma pena de
prisão por uma pena restritiva de direitos, já que não há previsão legal que a
(im)possibilite.
Ademais, além de não haver proibição constitucional, nem impedimento na
própria Lei de Drogas, (específica que é), e tampouco havendo óbice na
hedionda Lei 8.072/90, até mesmo após a sua alteração dada pela Lei 11.464/07,
que, por sua vez não tratou de qualquer espécie de coibição a substituição ou
até mesmo a própria conversão da pena de prisão por restritiva de direitos,
inexiste fundamentação legal para que se perquira na (im)possibilidade de
substituição da pena privativa de liberdade por penas alternativas ao delito de
tráfico.

13CARVALHO, Salo de. A política criminal de drogas no Brasil: estudo criminológico e dogmático. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2007, pp. 244-245.
28
Rodrigo Moretto
Modelo para alunos

A problemática que envolve a discussão em torno da constitucionalidade do art.


44 da Lei 11.343/06, hoje é realizada em cima da substituição e da conversão, como
se fossem institutos idênticos, por isso é que inexiste necessidade em se
perquirir na vedação sobre a substituição, sendo perda de tempo, para não se
alegar outra coisa, ‘brigar’ pela constitucionalidade de um instituto que não se
encontra vedado (em nenhuma lei), como é o caso da substituição. Em não
havendo proibição, não serão os juízes de 1º Grau, nem aos Tribunais de
Justiça ou até mesmo os Tribunais Superiores, facultados a esticar a
interpretação ao ponto de proibir a substituição, até mesmo porque é de praxe
doutrinária a impossibilidade de analogia in malam partem no Direito Penal14,
sendo inadmissível interpretação extensiva que sirva para prejudicar a situação
do débil no processo penal.
Sanada as incongruências não há mais que se falar na impossibilidade de pena
alternativa para o delito de tráfico de drogas, sobre isto, recente decisão do STJ
possibilitou a aplicação de penas restritivas de direitos para a comercialização
das drogas, tendo em vista o tratamento igualitário dispensado para condutas
diferentes, aplicando-se penas restritivas de direitos para o delito de tráfico de
drogas15.
Sinalizada a operacionalidade que se deu aos dois institutos, o debate que
recebe relevo concerne à concessão de suspensão condicional da pena – sursis,
que não possui óbice legal pela Lei de Drogas no §4º do art. 33, podendo ser
concedido, para os delitos ali enquadrados, já que a impossibilidade do sursis
retratada pela Lei 11.343/06, encontra sua (im)possibilidade no art. 44, o qual
refere que nos delitos previstos no art. 33, caput e §1º, e 34 a 37, são insuscetíveis de
sursis, não havendo referência expressa ao §4º do art. 33. Sendo assim, se o réu
receber uma pena privativa de liberdade que não exceda 2 anos, fará jus ao
sursis, segundo art. 77 do CP, caso não seja suficiente a substituição por
restritivas de direitos16.

VI. IV. FIXAÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE. POSSIBILIDADE DE


SUBSTITUIÇÃO POR SUSPENSÃO CONDICIONAL DA PENA - SURSI

Sinalizada a operacionalidade que se deu aos dois institutos, o debate que recebe relevo
concerne à concessão de suspensão condicional da pena – sursis, que não possui óbice legal pela
Lei de Drogas no §4º do art. 33, podendo ser concedido, para os delitos ali enquadrados, já que a
impossibilidade do sursis retratada pela Lei 11.343/06, encontra sua (im)possibilidade no art. 44,
o qual refere que nos delitos previstos no art. 33, caput e §1º, e 34 a 37, são insuscetíveis de
sursis, não havendo referência expressa ao §4º do art. 33. Sendo assim, se o réu receber uma pena

14 Segundo o art. 3º do CPP, A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento
dos princípios gerais de direito. É reconhecida a analogia no Direito Penal, mas desde que venha a beneficiar o réu (in
bonam partem), jamais para prejudicá-lo. Neste sentido, pode-se conferir: QUEIROZ, Paulo. Direito Penal Parte Geral.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, pp. 78-80.
15 Decisão referente ao HC 118776 do STF
16 O juiz criminal atuante em Santa Catarina, Alexandre Morais da Rosa, tem procedido desta maneira em diversas

decisões suas que tratam sobre o delito de tráfico de drogas.


29
Rodrigo Moretto
Modelo para alunos

privativa de liberdade que não exceda 2 anos, fará jus ao sursis, segundo art. 77 do CP, caso não
seja suficiente a substituição por restritivas de direitos.17

VII. DO PEDIDO

P O S T O I S T O, requer,

(a) no mérito, postula a ABSOLVIÇÃO do denunciado por força do artigo 386, I, do


CPP, força ter sido a droga enxertada;

(b) em caso de entendimento diverso que seja extinta a punibilidade por força do artigo
45 da lei 11.343/06;

(c) outrossim, em caso de condenação, requer seja minimizada a pena aquém do mínimo
legal para o delito de tráfico, uma vez que verificado o caso descrito no art. 33, §4º e art. 41da
Lei 11.343/06.

(d) na hipótese de condenado a pena inferior a quatro anos, requer que lhe seja aplicado
pena restritiva de direitos nos termos da Lei n° 9.714/98, uma vez que não há na lei proibição
expressa de aplicação da substituição, somente a conversão, instituto diverso;

(e) se mesmo não entender cabível a substituição, que seja aplicado a suspensão
condicional da pena – sursi, uma vez que não há proibição na lei 11.343/06.

Nestes termos, pede deferimento.

Porto Alegre, 07 de setembro de 2010

Rodrigo Moretto
OAB/RS 53.967

17O juiz criminal atuante em Santa Catarina, Alexandre Morais da Rosa, tem procedido desta maneira em diversas
decisões suas que tratam sobre o delito de tráfico de drogas.
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