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Os Oráculos Sibilinos

O
meu sincero desejo era traduzir e publicar gratuitamente
na internet uma edição integral de Os Oráculos Sibilinos,
porém, a obra é extensa e de uma linguagem realmente
difícil de ser compreendida e traduzida com fidelidade, e
ainda que não o fosse, eu jamais poderia levar o empreendimento a
cabo, pois as minhas ocupações são muitas e não sobraria tempo para
me dedicar a esta tarefa.

Decidi então presentear os meus leitores com uma edição


condensada, publicando apenas os textos que compõem àquilo que os
especialistas usam chamar de A Sibila Cristã. Trata-se de linhas e versos
que os eruditos dizem haver sido produzidos por judeus e cristãos,
acrescentados aos oráculos originais com o fim de responderem às
críticas feitas por pensadores do paganismo greco-romano.

A acusação que tem tudo para ser verdadeira é muito antiga, porém,
a defesa também o é, e mesmo que ficasse comprovado que os
primeiros cristãos não adulteraram as profecias das sibilas, uma
fustigante questão pairaria no ar: Por que os santos pais do cristianismo
primitivo admitiram estes versos como sendo verdadeiras profecias e
lhe conferiram a mesma autoridade que repousava sobre as Escrituras
Sagradas?

Não pretendo responder a essa questão, mas para que o meu


trabalho não induza o leitor à interpretações precipitadas, hei preparado
uma introdução, buscando com isso familiarizá-lo com o assunto e desta
maneira permitir que tire as suas próprias conclusões.

Se me perguntam qual a minha opinião sobre os Oráculos Sibilinos,


repondo apenas que sou um cristão conservador; aliás, o mais
conservador de todos, porquanto não conservo as convenções de uma
hierarquia religiosa nem me prendo aos temporais interesses da minha
própria denominação. Eu conservo a fé apostólica e não procuro adaptá-
la às necessidades intelectuais da época em que vivo.

A Bíblia com muita propriedade afirma que apenas Deus possui


onisciência, portanto, apenas Ele tem o poder de desvelar o futuro da
humanidade. Todavia, a palavra futuro nesse particular pode possuir um
sentido diverso do usual, e, por outro lado, são abundantes e até certo
ponto dignos de crédito os testemunhos da História em favor da
autenticidade e da fidelidade de algumas predições sibilinas, o que nos
obriga a darmos “o braço a torcer” e cogitar que às vezes é possível
prever o futuro sem a devida autorização do Altíssimo. Pensemos por
exemplo na pitonisa que previu a morte de Saul e Jônatas e também
naquela moça que fazia oráculos na cidade de Filipos perante o apóstolo
Paulo.

E mais. Quem somos nós para colocarmos limites ao poder de


Deus? Não nos esqueçamos jamais que foi o Deus dos hebreus quem
derramou o Espírito Santo sobre Balaão, um famoso feiticeiro do
mundo antigo e o autorizou a profetizar o futuro de Israel numa época
em que o ministério profético ainda engatinhava entre as tendas de Jacó.

Mas para sintetizar a minha tão prolixa resposta afirmarei que não
me impressionam nem interessam as origens ou a fidelidade dos
Oráculos Sibilinos, porque procuro examiná-los sob o ponto de vista de
um antropólogo, reconhecendo-lhe o valor e a importância que tiveram
para a formação do pensamento social e religioso das civilizações
antigas, principalmente se estas civilizações incluem o mundo greco-
romano e a cultura judaico-cristã. Não creio que devam ser estudados
segundo a perspectiva da teologia; eles até podem nos convidar à
expansão do pensamento, mas não devem ditar os parâmetros. Porém,
eu também não pretendo direcionar os passos do leitor para qualquer
destes rumos. Vamos então à introdução de Os Oráculos Sibilinos.

A Mitologia – irmã mais velha da verdadeira História, estabelece as


nascentes da profecia sibilina já na era antediluviana. Enoque, o
primeiro profeta bíblico, teria uma irmã que fazia previsão oracular, e
assim também a esposa do patriarca Noé daria continuidade ao ofício
depois que as águas do dilúvio esmaecessem e arca enfim repousasse
sobre a Cordilheira do Ararat.

Do ponto de vista histórico, os Oráculos Sibilinos apareceram pela


primeira vez na Pérsia, podendo ter então firmado as suas raízes no solo
original do zoroastrismo.

Reverenciados desde sempre, estes oráculos eram transmitidos


sempre por alguém do sexo feminino e apesar de haver existido uma
infinidade de pitonisas em todas as partes do mundo antigo, apenas dez
delas conseguiram galgar total respeito. Afirma-se que a primeira
pitonisa surgiu na Pérsia; a segunda veio da Líbia; a terceira foi o
famoso Oráculo de Delfos; a quarta foi a Cimeriana; a quinta foi Eritéia,
também conhecida como a Babilônica; a sexta era a Samiana; a sétima e
mais reverenciada de todas foi a sibila de Cumas, igualmente conhecida
como Almatéia; a oitava apareceu no Helesponto; a nona vaticinou na
Frigia, atual Turquia; a décima foi a Tiburina, também chamada de
Albunéia.

Até hoje há quem diga que a palavra sibila seja um nome próprio.
Outros há que prefiram associar o termo ao suposto chiado que a sibila
fazia quando entrava em transe antes de profetizar, mas também
existem aqueles que imaginam que essa palavra tem a ver com o rugido
dos ventos à entrada da caverna onde a pítia podia ser consultada.
Porém, Varro e Lactâncio nos dão uma explicação verdadeiramente
convincente. De acordo com eles, a palavra sibila vem da contração de
dois termos do grego antigo: zeus – deus + boule – conselho. A
pronúncia dos antigos diferia da nossa, portanto, não diziam theous –
zeus, mas sios; também não diziam boule, mas bile, daí: sibila, ou
conselho de deus.

Oráculos Sibilinos eram compostos de quinze livros e vários


fragmentos. Destes quinze livros, três se perderam para sempre. Conta-
se que Almatéia, a reverenciada pitonisa de Cumas, apresentou os livros
sibilinos ao rei Tarquínio Prisco de Roma, exigindo por eles a fantástica
soma de trezentas moedas de ouro, mas o rei, julgando que estivesse
louca, riu-se da mulher, que em resposta destruiu três dos livros na sua
presença. E outra vez lhe apresentou a oferta: trezentas moedas de ouro
pelos livros que restaram.

Como na primeira vez, Tarquínio preferiu acreditar que Almatéia


estivesse louca e isso lhe custou outros três livros, pois a pitonisa os
destruiu sem pestanejar, deixando bem claro que se o rei não a
atendesse todos os escritos sagrados restantes teriam o mesmo fim.
Tarquínio enfim entendeu que ele seria o verdadeiro louco naquela sala
se permitisse à pitonisa destruir todas aquelas preciosidades na sua
presença. Então ordenou que lhe pesassem o ouro e recebeu do Oráculo
os livros que sobreviveram.

A mais antiga versão sobre o Oráculo de Cumas reza que o deus


Apolo havia se enamorado de Almatéia e sugeriu que lhe pedisse
qualquer coisa que desejasse. A moça teria tomado um punhado de areia
em uma das mãos e pedido que os seus dias fossem tantos quantos
aqueles grãos de pó. Ele concedeu o desejo da fêmea, mas Almatéia
negou-lhe o seu amor. Infelizmente, a pitonisa havia pedido apenas vida
longa e não a juventude eterna. Sobreveio-lhe então a vingança de
Apolo que a castigou com uma longa e enfadonha velhice. Diz-se que
estava com setecentos anos de idade quando chegou à Itália
acompanhada do herói Enéas. Ali se instalou em uma caverna perto de
Nápoles e continuou a profetizar o destino de indivíduos, cidades e
reinos.

Os oráculos de nove sibilas podiam ser lidos e cantados por


qualquer indivíduo, mas os versos da pitonisa de Cumas eram mantidos
na mais alta estima e apenas o Quindemciviri (uma escola composta de
quinze sacerdotes) é que podia consultá-los. Tais livros eram tão
reverenciados que praticamente nenhuma decisão importante devia ser
tomada pelo governo de Roma sem a sua prévia consulta. Mas por volta
do ano 80 a.C. o Capitólio romano sofreu um incêndio e os textos
originais de Os Oráculos Sibilinos se perderam. Uma nova compilação
foi ordenada a partir de documentos existentes na Ásia Menor, mas já a
esse tempo os livros haviam sido corrompidos pela influência alheia.

A culpa pela corrupção dos escritos sibilinos recaiu principalmente


sobre Aristóbulo, um judeu-alexandrino que viveu na corte de Ptolomeu
VII por volta do ano 160 a.C. Aristóbulo alegava que a magna literatura
da Grécia estava em dívida com a inspiração judaica. Ele queria
convencer o paganismo acerca do zelo divino em prol de Israel e para
tanto teria apelado para o prestígio que os Oráculos Sibilinos
desfrutavam em todo o mundo helênico. Antes disso, ele teria
adulterado importantes obras de autores clássicos, incluído nelas vários
elementos da fé judaica e até citações dos profetas de Israel. Daí seria
apenas um passo até criar a nova edição dos versos sibilinos, agora
totalmente impregnada de pensamentos e sentimentos peculiares à
religião de seus ancestrais.

Se esse foi de fato o propósito de Aristóbulo, pode-se dizer que ele


obteve o melhor dos êxitos, pois os Oráculos Sibilinos caíram
imediatamente na graça do povo judeu, contribuindo em muito para o
desenvolvimento religioso de Israel durante o período interbíblico. Na
opinião de R. H. Charles, esse teria sido o passo fundamental para o
nascimento das literaturas apócrifas e apocalípticas entre os judeus.
Não existem indícios de que algum autor do Novo Testamento
tenha se inspirado em Os Oráculos Sibilinos, todavia, há quem diga que
a escatologia de Pedro contenha elementos compatíveis apenas com os
livros das sibilas e Clemente chegou a afirmar que Paulo fez uso destes
versos proféticos nas suas cartas. Nem uma coisa nem outra pode ser
confirmada, mas Clemente, querendo dar força aos argumentos em
favor da autoridade das sibilas, e assim poder justificar o seu corrente
uso entre os cristãos, apelou para a autoridade do Apóstolo dos Gentios.

De uma coisa, porém, podemos estar certos: os cristãos primitivos


criam piamente na divina inspiração das sibilas e podiam recitar os seus
versos com a mesma ênfase e reverência cabíveis apenas à palavra dos
profetas de Israel. Justino Mártir chega a lamentar que as autoridades
romanas tenham sob pena de morte proibido a leitura dos Oráculos
Sibilinos, das Profecias de Histaspes e das Escrituras Hebraicas, e faz
questão de esclarecer que apesar disso os cristãos continuavam a fazer
uma coisa e outra.

Quanto a Orígenes, foi questionado por Celso pelo fato de os


cristãos fazerem uso freqüentes dos escritos da sibilas e ele mesmo
insinuou que tais cristãos haviam adulterado os escritos originais para
conformá-los à sua fé. Orígenes sai em defesa dos irmãos e afirma
existirem provas de que os livros das sibilas permaneciam tão
inviolados quanto sempre, dando assim testemunho de que todas as suas
profecias haviam sido inspiradas pelo Verdadeiro Deus. Outros vultos
sagrados da igreja antiga que advogaram a autoridade das sibilas são:
Atenágoras, Teófilo, Tertuliano, Lactâncio e Ambrósio.

Não faço parte dessa escola, pois está muito claro que alguns versos
das sibilas são espúrios, mas nem por isso posso deixar de reconhecer a
importância do estudo desses escritos para a compreensão do
pensamento escatológico dos primeiros cristãos. Também não
estranharei se puder ficar comprovado que algumas daquelas profecias
cujos elementos se relacionam diretamente com a nossa fé tenham
nascido no coração de qualquer pitonisa.

Estejam então atentos, porque a qualquer momento estarei publicando a


primeira parte da Sibila Cristã. Até breve.

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