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O Jornalismo, a Democracia e Paulo Freire

O Jornalismo, os jornalistas e a democracia têm muito a aprender com Paulo


Freire, tanto no que diz respeito à compreensão do mundo, bem como no processo de
produção da notícia. A investigação é da essência do jornalismo porque diminui a
possibilidade do erro e do equívoco. Caso isso ocorra, ainda dentro das práticas
jornalísticas, faz-se necessário retificar a informação publicada que se revela inexata.
No entanto, uma das tarefas centrais do rigor do método, do conhecimento do
jornalismo, é evitar a ambiguidade na informação. Outro aspecto importante no atual
processo de produção da notícia é estar sob a ditadura da audiência, da concorrência, a
pressa que pode tornar mais precária a qualidade da informação noticiosa.

Por isso, apropriando-me dos ensinamentos de Paulo Freire, é importante nas


práticas sociais do jornalismo ir além da mera captação dos fatos, buscando não só a
interdependência entre eles, mas também o que há entre as parcialidades constitutivas
da totalidade de cada um. Nesse sentido, o jornalismo necessita estabelecer uma
vigilância constante sobre a sua própria atividade.

Ainda dentro da perspectiva de Freire, consideramos que a comparação que o


autor faz entre a ingenuidade e a criticidade pode contribuir para entendermos o
conhecimento do jornalismo – que trata dos acontecimentos do mundo, dos diversos
saberes, dos campos da experiência e do cotidiano. O autor esclarece que não há
diferença e nem distância entre a ingenuidade e a criticidade. Para Freire, entre o saber
da pura experiência e dos procedimentos metodicamente rigorosos ocorre uma
superação.

Abrir a ‘alma’ da cultura

Freire argumenta que não acontece uma ruptura porque a curiosidade ingênua,
sem deixar de ser curiosidade, continuando a ser curiosidade, se criticiza. Continuando a
explicação, diz que ao criticizar-se, tornando-se curiosidade epistemológica,
metodicamente ‘rigorizando-se’ na sua aproximação ao objeto, conota seus achados de
maior exatidão. A curiosidade metodicamente rigorosa do método cognoscível se torna
curiosidade epistemológica, mudando de qualidade, mas não na essência.
É dentro desse quadro que opera o conhecimento do jornalismo. Na produção da
notícia, o jornalista trabalha constantemente dentro dessa perspectiva de superação. Não
é permitido ao jornalista que seja ingênuo na cobertura dos fatos. A tomada de
consciência é o ponto de partida da sua atividade. Como é possível dar conta da
cobertura dos acontecimentos, da mediação entre eles e a sociedade, se antes de
construir a informação não conheço o objeto? É tomando consciência dele que me dou
conta do objeto, que é conhecido por mim.

A eficácia da atividade jornalística e o conhecimento do jornalismo estão


intimamente ligados ao que Freire colocava como a capacidade de abrir a ‘alma’ da
cultura, de aprender a racionalidade da experiência por meio de caminhos múltiplos,
deixando-se ‘molhar, ensopar’ das águas culturais e históricas dos indivíduos
envolvidos na experiência. É dimensão crítica do conhecimento jornalístico, num
imbricamento entre teoria e prática.

Utopia de um compromisso histórico

Por fim, não custa lembrar que esses ensinamentos a partir da leitura da obra de
Paulo Freire têm como preocupação mostrar que o jornalista que seja tentado a abrir
mão do rigor do método esquece o respeito ao outro, vítima, testemunha, parente,
espezinha o respeito que deve a si mesmo: não é mais que um instrumento – um meio! –
da informação.

É ainda o mestre Freire quem ensina. E isso é básico para o jornalismo. O


trabalho humanizante não poderá ser outro senão o trabalho de desmistificação. Por
isso, a conscientização é o olhar mais crítico possível da realidade, que a ‘desvela’ para
conhecê-la e para conhecer os mitos que enganam e que ajudam a manter a realidade da
estrutura dominante.
Jornalismo e Democracia

Sem dúvida, a contribuição de Paulo Freire a democracia é inestimável. Mas,


mais forte ainda é com a democracia. Freire traz para todos nós a mensagem que a vida
é a arte de insistir e resistir. A luta é permanente. Como ele em observa: “Ai daqueles
que pararem com sua capacidade de sonhar, de invejar sua coragem de anunciar e
denunciar. Ai daqueles que, em lugar de visitar de vez em quando o amanhã pelo
profundo engajamento com o hoje, com o aqui e o agora, se atrelarem a um passado de
exploração e de rotina”.
Como diz Freire, a esperança é um ato revolucionário no Brasil. Sem dúvida, no
Brasil em que vivemos do governo Bolsonaro onde se instalou a cultura do ódio, da
desesperança, da discriminação de que o inimigo o outro é preciso acreditar na
esperança, na mudança. Na defesa das Instituições, da democracia. É o que Paulo Freire
ensina: “A melhor maneira que a gente tem de fazer possível amanhã alguma coisa que
não é possível de ser feita hoje é fazendo hoje aquilo que hoje pode ser feito. Mas se eu
não fizer hoje aquilo que hoje pode ser feito e tentar fazer hoje aquilo que hoje não pode
ser feito, dificilmente eu faço amanhã aquilo que hoje não pude fazer”.
Democracia e Jornalismo caminham juntos. A busca da verdade, a ética, a paz, o
amor, a solidariedade e a fraternidade são centrais. Utopias a serem perseguidas
diariamente. Nesse sentido, concluo com Paulo Freire: ‘…o utópico não é o irrealizável;
a utopia não é o idealismo, é a dialetização dos atos de denunciar a estrutura
desumanizante e anunciar a estrutura humanizante. Por esta razão, a utopia é também
um compromisso histórico.’ O jornalismo é utopia realizável de um compromisso
histórico com a verdade, a ética, a liberdade e a democracia.

Alfredo Vizeu – jornalismo, professor do curso de Jornalismo e


PPGCOM/UFPE; PPJOR/UFPE; bolsista produtividade CNPQ

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