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Livro: A BUSCA DA ELEGÂNCIA EM

PSICOTERAPIA: uma abordagem


gestáltica com casais, famílias e
sistemas íntimos – Joseph C. Zinker, Ed.
Summus, 2001.

PARTE 1 - Teoria
Estilo do trabalho de Zinker:
• Sua atuação profissional é marcada pela
dedicação em realizar um aprofundamento
teórico da Gestalt-terapia, elaborando um
corpo conceitual coeso e consistente, que
integra de forma estética com sua prática
clínica. Ele se deixa levar pelo movimento do
sistema (forma/processo), observando suas
sutilezas, seus pontos fixos (não
estéticos/disfucionais) e seus pontos fortes.
• Sua forma de trabalhar evoca sustentação para
que cada um possa evoluir em sua performance,
através de intervenções hábeis em um clima de
aceitação e respeito.
• Utiliza a qualidade da presença, se permitindo
transformar com a mudança provocada no outro
através do processo terapêutico em andamento
(que vai alternando sucessivamente novas
configurações e dessa forma gerando novas
possibilidades de resolução para antigas
questões). Esse atributo permite que o terapeuta
da abordagem gestáltica utilize a si mesmo como
instrumento de trabalho.
• Zinker utiliza o conceito de “sistemas íntimos”
que define como: “todo tipo de relações
interpessoais que se constrói entre pessoas
próximas que se caracterizam por uma
continuidade”.
• Relação Terapêutica – “Encontro amoroso e
criativo, onde terapeuta e cliente se permitem
explorar os temas que emergem durante as
sessões”. Em que o terapeuta deve, “desejar o
bem ao outro de forma não manipulativa,
possessiva e sem exigir nada em troca”, a partir
da crença de que sempre se pode escolher “pela
busca do bom e da beleza no outro”. Dessa forma
o terapeuta estabelece com seus clientes um
processo de co-criação (jamais direcionamos o
trabalho – podemos dar contorno - sentido).
• A ênfase na importância da criatividade,
atributo essencial do homem para o processo
de crescimento.
• A Gestalt-terapia proporciona uma ferramenta
extremamente adequada para essa postura
terapêutica – a arte do experimento. O uso
dessa ferramenta pressupõe uma visão de
homem que confia no seu impulso natural
para o crescimento, integração e satisfação de
suas necessidades da forma mais estética
possível em dado contexto e momento.
• O autor tem o mérito de ampliar o conceito de
“Ciclo de Contato” da Gestalt-terapia
(percebido pela abordagem como uma
ferramenta para descrever e entender os
processos individuais de atuação e
resistência/crescimento), para compreender
os processos inter-relacionais em uma
perspectiva sistêmica, denominado Curva de
Zinker.
• De uma forma geral podemos dizer que seu
trabalho se caracteriza pela articulação da
abordagem humanista e holística à
psicoterapia e ao desenvolvimento humano.
• Há ainda outra característica que determina a
forma de trabalho do autor: o uso que faz do
conceito de boa forma, que entende como a e
forma mais estética fluida de atuar no mundo
e de estabelecer relações. Ao aplicar esse
conceito nos sistemas íntimos em conjunto
com a forma de contatar do ser humano,
entende como as famílias e casais podem
estar apoiando ou boicotando/tolhendo o
processo de criação do outro e impedindo o
sistema de manifestar uma forma estética e
interferindo na qualidade de vida de todos os
seus componentes.
Valores fundamentais para ser um curador:
1 – Respeite a experiência da pessoa como ela é
(fenomenologia);
2 – Demonstre consideração por todo “sintoma”, como um
esforço criativo de a pessoa tornar sua vida melhor
(hierarquia de necessidades/ajustamento criativo);
3 – Toda discordância ou falta de confluência com o
terapeuta é “boa” e representa uma afirmação da força
do paciente e de sua capacidade pra aprender por si
mesmo (existencialismo);
4 –Dê suporte à resistência de um casal ou de uma família;
5 – Estabeleça limites claros entre seus sentimentos
pessoais e o mundo fenomenológico do paciente;
6 – Dê suporte à competência;
7 – Proporcione um ambiente e uma presença em que o pior
ofensor possa entrar em contato com sua dor e com sua
vulnerabilidade (postura respeitosa e acolhedora);
8 – Todos nós somos capazes de ações terríveis. O terapeuta
deve ter compaixão tanto pela vítima quanto pelo
vitimador (ambos formam a Gestalt que se apresenta, ou
seja ambos são responsáveis pela contexto atual da relação
– forma como ela se apresenta e funciona nesse
momento);
9 – O terapeuta protege ou cria limites protetores entre as
pessoas nas famílias. A experiência de cada pessoa é real e
precisa ser levada em conta (trabalha nas fronteira de
contato – único lugar onde pode ocorrer awareness e
consequentemente mudança);
• 10 – A presença do terapeuta e a afirmação de uma família
permitem que todos cresçam (se sentem vistos, ouvidos,
confirmados, acolhidos e protegidos);
11 – Tomar uma posição clara quanto a não permitir
comportamentos abusivos entre os membros da
família. Estabeleça limites claros (todas as intervenções
do terapeuta devem ser claras);
12 – O terapeuta modela um líder e professor que é bom
e paciente (modelo);
13 – O terapeuta dá suporte sem ser sentimental, super
protetor ou auto-indulgente (mantém a
responsabilidade de cada um por seus atos, porém
confirma seus posicionamentos como legítimos e ajuda
cada um a perceber consequências deles );
14 – Cada família tem suas próprias origens étnicas, sua
própria textura cultural. Não importa seus valores
sociais ou técnicos a uma família: eles podem não
servir.
Passo a passo da forma de trabalhar de J. Zinker
e Sandra Zinker:
Primeiro passo – Contar ao casal tudo que
julgamos importante. Conversar com todos os
membros da família. Procurar não permitir
que um membro da família fale por outro ou
que um interrompa o outro. Cumprir sempre
as promessas (Contato inicial e contrato
devem ser estabelecidos em clima de
confiança, portanto é importante clareza e
comprometimento de todos).
Segundo passo – Fazer com que as pessoas da
família falem umas com as outras, deixando
com que se voltem para nós em busca de
auxílio quando sentirem necessidade.
Podemos também interromper para fazer
informações que julguemos necessárias
(permite observação da forma de funcionar da
família e algumas intervenções, sempre no
sentido de buscar a boa forma).
Terceiro passo – Depois dessa observação inicial,
entrar junto com a família um tema para a
sessão. Verificar se esse tema faz sentido (o
uso de metáforas pode ajudar muito nesse
momento).
Quarto passo – Apresentar as competências da
família. A partir daí geralmente surge o lado
fraco da competência familiar. Nesse
momento pode se fazer necessário a checar o
encontrado com o(s) membro(s) da família
envolvidos. “O que observo está fazendo
sentido? (primeiro ratifica as resistências).
Quinto passo – Deixar a família falar sobre os
assuntos abordados até o momento sobre a ética
do “falar tudo”, o que pode fazer com que alguns
membros se sintam criticados ou magoados
nesse processo de serem verdadeiros.
Sexto passo – Sugerir algum experimento que
facilite a saída do impasse. Nesse caso, algo que
permita a expressão de sentimentos verdadeiros
e que proporcione a cada membro do sistema a
proteção de que necessita. Geralmente é
escolher um experimento simples e fácil de
executar. Explicar para a família a proposta e o
objetivo do trabalho, se certificando de que todos
entenderam (o experimento deve estar em
acordo com o contexto).
Oitavo passo: Nesse momento a família já
apresenta algum resultado e obteve algum
grau de sucesso ao aprender a regular sua
expressão de sentimentos, respeitando a
vulnerabilidade de cada um de seus membros
(início da awaraness).
Último passo: Dar um feedback a respeito de
como realizaram o experimento. Fechar a
sessão e recomendar que pratiquem a nova
habilidade aprendida em sua rotina familiar
(permite a digestão do que foi percebido e
aprendido).
Resumindo...
• Conversa leve (pré-contato inicial);
• Apresentação e boas-vindas à família;
• Pedir a cada individuo que nos conte como
vivencia o problema da família;
• Observar cuidadosamente o comportamento dos
membros da família uns com os outros;
• Oferecer uma intervenção que nomeie um tema
e uma competência da família;
• Depois de alguma discussão, propor que a família
adquira uma habilidade que ainda não está
totalmente desenvolvida;
• Ensinar como realizar um experimento com o objetivo de
aprimorar seu funcionamento na área pouco desenvolvida;
• “Vender” o experimento à família e assegurar-se de que seu
objetivo seja entendido;
• Observar o trabalho da família durante o experimento e,
ocasionalmente, apoiá-la se houver um impasse;
• Perguntar sobre o que foi aprendido com o experimento e
como a família pode praticar sua nova habilidade em casa;
• Ao término da sessão oferecer a todos os membros da família
a oportunidade de dizer como se sentem (fechamento –
permite encontrar um novo sentido);
• Sempre devermos levar em consideração os esforços
genuínos de uma família no sentido de melhorar e se
desenvolver. Sempre devemos apreciar genuinamente esses
esforços
• Nossas intervenções sempre devem ser claras e ter um
objetivo definido.
Cap 1 – Nosso terreno comum
• Estabelece as bases teóricas para o
desenvolvimento dos capítulos seguintes. Faz
uma breve apresentação de Fritz e Laura Perls.
Esclarece como “criaram” uma nova forma de
trabalho no campo psicológico articulando
diversas teorias disponíveis na época – em
verdade, Zinker defende que foram além da
teoria, quando fazem a distinção entre atuação e
expressão. Essa distinção e crucial para a prática
clínica, uma vez que estabelece a diferença entre
ação com ou sem base na awareness.
Cap 2 – Em busca da boa forma
• Discute a estética do processo, que pode ser
usada como instrumento diagnóstico, não se
apoiando em sistemas arbitrários ou
incômodos de regras comportamentais e
dados históricos, sempre insuficientes para a
intervenção clínica, especialmente em
sistemas íntimos (isso não quer dizer que
abandone a teoria).
Cap 3 – Sistemas: casais e famílias como
fenômenos holísticos
• Trabalhas as questões relativas a fronteiras,
utilizando a Teoria de Campo de Kurt Lewin.
Sua forma de ver o sistema se caracteriza por
uma união fecunda entre o sistêmico e o
estético, uma vez que o ver na perspectiva
gestáltica não se restringe meramente a uma
percepção passiva. O autor nos fornece um
guia de como olhar e o que procurar.
Cap 4 – O ciclo interativo

“Não há nada tão prático quanto uma boa teoria” (Kurt


Lewin)

O autor nos convida a ver o “quadro todo” do processo


do sistema íntimo e também as partes que o formam.
Atribui a Nevis o desenvolvimento do “Ciclo Interativo do
Contato”. Utiliza esse instrumento como lente para
observar o processo em andamento, detectando onde
está a interrupção.
Nesse capítulo trabalha ainda, os conceitos de contato e
awareness, ampliando suas aplicações para os sistemas
íntimos.
Para os terapeutas de casais e de famílias o trabalho é
bastante complexo e fascinante. Porém essa
complexidade pode se apresentar, em um primeiro
momento, como confusão gerando o risco do
terapeuta ficar imobilizado pelo volume de
informações nas interações que se apresentam e, com
as inúmeras possibilidades de intervenções que
poderiam melhorar a qualidade de vida de todos os
membros do sistema. Daí a necessidade de uma teoria
das interações humanas que identifique e explique
quais interações são funcionais e quais criam
dificuldades.
Para dar conta de todas essas questões o autor utiliza a
teoria da gestalt-terapia como base.
No nível intrapsíquico, descreve fenomenologicamente o
processo através do Ciclo Gestáltico do Contato.
(1) Awareness – o que é relevante no momento
(figura - forma rica e clara) – interesse que passa
a ser investido de energia (percebe no processo
do sistema).
(2) Energia – nos permite realizar a ação, em
direção aquilo que desejamos. A awareness plena
leva a um contato claro. O contato sempre ocorre
na fronteira entre o eu e o ambiente ou com o
outro (observa a energia disponível no sistema e
se está sincronizada ou não – apenas um bom
nível de consciência – awareness pode formar
uma figura bem delimitada).
(3) Contato – nos proporcionam senso de satisfação,
resolução, fechamento. Somos capazes de nos afastar
da situação e deixá-la ir (onde ocorre a mudança – na
fronteira).
(4) Resolução/fechamento – Gestalt fechada, resolvida.
Passa a não mobilizar energia.
(5) Retraimento (avaliação da conclusão - significado).
(6) “Nova” awareness – só pode ocorrer de forma clara,
quando a Gestalt anterior for fechada e integrada.

Lembramos que o ciclo não ocorre de forma tão didática,


as fases são contínuas, se superpõem, na maioria das
vezes entrelaçam e gestalts permanecem em aberto.
No ciclo funcional ou “normal” – a awareness é
ampla, plena de sentido e proporciona
sustentação para a ação. O retraimento ocorre
depois da satisfação da necessidade e está no
ponto mais baixo da curva, onde a energia é mais
baixa, permitindo o relaxamento, antes do
surgimento da consciência de uma nova
necessidade (nova awareness).
No trabalho com casais e famílias Zinker, utiliza esse
“molde” para:
(a) descrever e entender as relações entre
pequenos sistemas íntimos, focalizando a
interação entre duas ou mais pessoas.
(b) perceber de forma quase que evidente quais
suas habilidades e limitações. Quais
competências são necessárias.
Um ciclo que é interrompido ou é vivido em cada uma de
suas fases de forma incompleta, gera desconforto,
evidencia as resistências que não permitem o contato
pleno e interrompem uma possível resolução. A
gestalt (figura) não se forma com clareza, portanto, não
concentra a energia necessária para que o contato seja
satisfatório e permanece inacabado (não gerando
significado). O sistema (ou indivíduo) permanece com
uma “gestalt inacabada” que continua demandando
energia para sua resolução. A possibilidade de contatos
futuros segue sem satisfação plena, portanto sem
resolução – disfuncional.
O objetivo do processo terapêutico é identificar as
interrupções no fluxo do contato (resistências) e ajudar
em sua resolução, para que o processo possa fluir de
forma satisfatória.
Awareness
A awareness se caracteriza por contato,
excitação e formação de Gestalt. Seu
funcionamento adequado determina o
funcionamento “normal” da psique, qualquer
perturbação pode ser considerada como
psicopatologia (conceito de normal e
patológico – funcional/disfuncional).
A awareness intrapsíquica se dá antes da interação
com o mundo e com outro. Os indivíduos são
autônomos e separados. Alguns sentimentos são
claros outros não são percebidos pelo indivíduo
(embora muitas vezes seja visível para os outros).
No momento em que nos voltamos para o outro
inicia-se a fase awareness do Ciclo Interativo
(Curva de Zinker). As vezes para que o indivíduo
chegue nesse momento é necessário muito
trabalho, até que fiquem claros os próprios
sentimentos. Além disso, nesse caso, existe ainda
o trabalho (disponibilidade e sabedoria) de
escutar o outro, seu desejo e sobre seu mundo.
Inicia-se um jogo de ver e ser visto, falar e ouvir,
poder tocar e se deixar se tocado. Tudo isso
aumenta o auto-conhecimento e o conhecimento
sobre o outro. Isso por si só leva ao surgimento
de novas vontades e desejos (através do aumento
da awareness), a partir de nova configuração que
agora pode ser percebida. Ocorre também uma
percepção nova da configuração. A figura se
delimita de forma mais clara em relação ao
fundo.
Nesse momento o terapeuta é capaz de identificar
o tema que caracteriza a não funcionalidade do
sistema.
Uma awareness limitada disponibiliza pouca
energia para a ação. Portanto, assim como no
trabalho individual em gestalt-terapia o terapeuta
de casal e família deve, após o estabelecimento
do vínculo e a detecção do “tema” do sistema,
investir na awareness.
O sistema passa a reconhecer semelhanças e
diferenças e surgem de forma clara (figura), além
de vontades e desejos que não podiam ser
expressos.
Quando há pouca awareness, há pouca energia o
contato fica estereotipado (com poucas
possibilidades satisfatórias). Experiências ficam
sem sabor e comportamentos repetitivos.
Para Zinker um sistema define uma “boa forma”
quando é capaz de interações ricas e variadas.
Seus membros são capazes de dar suporte um
ao outro nas diversas fases da vida. Para que
isso ocorra é necessário tempo para explorar
as situações (permanência na awareness por
tempo suficiente) que se apresentam nas
diversas fases de desenvolvimento familiar ou
durante a realização de tarefas difíceis, bem
como durante resolução de problemas
comuns ou individuais.
Primeira tarefa do terapeuta nessa fase:
incentivar articulações mais complexas –
faixas mais amplas de auto-awareness. Em
seguida, ensinar habilidades para ouvir e
observar o outro, sempre valorizando as
competências de cada um e do sistema e com
a atenção em onde e como ocorrem as
interrupções (resistências).
Em cada etapa do Ciclo Interativo podem
ocorrem cada uma ou várias resistências.
Zinker focaliza o tipo de resistência mais
comum em cada fase do ciclo.
No momento da awareness as resistências mais
comuns são a introjeção e a projeção. São os
processo nos fenômenos interpessoais
observados que nos mostram de forma muito
clara como a falta de awareness cria respostas
aprendidas e repetidas (não questionadas).
Introjeção – “engolir inteiro”. Nas famílias aparecem
como alguém que quer “alimentar” a força e
alguém que está disposto a “engolir” sem
questionar. Não há questionamento. Todos se
sentem insatisfeitos, mas ninguém muda o
comportamento. As resistências ao contato estão
sempre em interação, é necessário que exista os
dois lados para que possam ocorrer (não há um
culpado, a responsabilidade pela interação
disfuncional é de todos). Há uma espécie de
pacto para que não se chegue à consciência
(awareness). Esse tipo de comportamento faz
parte da natureza humana, todos temos muita
dificuldade de sair da aparente segurança que
conseguimos em nossa “zona de conforto”
(conhecido), mesmo que isso nos custe caro.
Projeção – transferência inconsciente de
características indesejadas de si mesmo aos
outros. Um dos membros da relação fornece
pouca informação (defletindo ou desestimulando
questionamentos) e outra que esteja pronta para
preencher o vazio.
A partir da observação dessa dinâmica o terapeuta
obtém pistas sobre as formas de interações do
sistema e quais intervenções podem influenciar o
sistema e conduzindo-o para a awareness de
como se movem no Ciclo. Observa forma de ação
de cada um de seus membros e como afeta o os
outros. Essa consciência desperta a curiosidade
sobre a forma como funcionam (não há mais
necessidade de apontar alguém como culpado
pelo que não funciona).
Energia/Ação
Aqui energia cresce no sentido de organizar a
awareness. Uma figura pode ser delimitada. A
energia pode ser investida em algo que se torna
dominante. No funcionalmente saudável
podemos formar e focalizar figuras (claras) que
emergem de um fundo variado e rico. Essa figura
deve ser compartilhada por todos os membros do
sistema (ainda que o interesse por ela possa
ocorrer em graus diferente e de formas
diferentes). Nesse momento, surge uma
possibilidade de movimentação diferenciada e se
abre espaço para que se chegue ao contato e à
resolução.
A figura comum ultrapassa as diferenças
individuais para o bem comum.
Dificuldades dessa etapa: baixa energia (não
permite a formação de figuras claras) e
impaciência (ansiedade para chegar a
resolução pulando a awareness).
Habilidades necessárias para trabalhar essa fase
do ciclo: ativas – sugerir, criar, influenciar ou
provocar e passivas – disponibilidade para ser
influenciado e cooperar e apoiar os outros
membros.
Tarefa do terapeuta: apoiar o respeito entre os membros
do sistema. Deixar que todos façam esforços e tentar
garantir que ninguém se fira.
Interrupções: queda da energia quando surgem as
diferenças, ou aceitam algo sem envolvimento ou se
retiram da interação.
Principais resistências: confluência – perda de do limite
(fronteira de contato) entre o eu e o outro. As
interações acontecem no nível do seduzir e retroflexão
– voltar energia para dentro. Ninguém busca o outro.
Não há calor nas interações. Algumas famílias ainda se
isolam do meio externo (ênfase na privacidade).
Apresentam dificuldade em aceita ajuda externa
(incluindo a ajuda do terapeuta).
Contato
Caracteriza-se em um primeiro momento, pela consciência da
diferença, ocorrendo na fronteira. Quanto maior a
awareness, maior a intencionalidade em relação ao que
cruza a fronteira e capacidade para rejeição do que não
pode ser assimilado.
A figura criada é fruto do esforço de todos (energia/ação) e
pertence a todos, tendo sido formada por um processo de
influência mutua. Há satisfação pelo trabalho realizado, há
possibilidade de acordos e insights para o futuro. Os
acordos são cumpridos.
Tarefa do terapeuta: estar alerta aos sinais de mutualidade
saudável e movimentos em direção ao outro. Estar alerta as
resistências (não funcionalidade), que podem resultar em
uma figura ambígua (com contornos confusos e
indefinidos). Perceber quando o objetivo comum não é
apoiado por todos ou por um interesse e concordância
apáticos.
Um membro do sistema é capaz de mobilizar, “tocar” o
outro. Há um sentimento de pertencimento mutuo e
todos são capazes de criar uma situação nova que
possa proporcionar prazer a todos. Se a resolução for
boa serão capazes de repetir esta experiência bem
sucedida.
Sistemas confluentes valorizam a concordância e chegam
rápido ao contato para evitar discordâncias. Evitam
trabalho para encarar problemas (mantendo o padrão
estereotipado de contatos anteriores). O interesse e a
vivacidade são muito baixos. Figuras emergentes são
esquecidas rapidamente. Geralmente discordam do
terapeuta.
Nos sistemas que mantém o padrão de retroflexão o
contato não chega a ocorrer e o retraimento é
prematuro (podem abandonar a terapia).
Em sistemas disfuncionais, onde o Ciclo é
interrompido as tensões das situações
inacabadas se acumulam.
Tarefa do terapeuta: fazer com que os membros
do sistema se voltem para sinais de resistência
e se interessem por seu padrão de interação
ou para como interferem individualmente no
sistema, para poder trabalhar a resistência
(não desqualificando sua função) para que o
contato e a resolução possam ocorrer.
Resolução/Conclusão
O sistema revê o que ocorreu e expressa a
experiência, buscando uma compreensão ou
significado comum. Os membros do sistema
devem ser capazes de fazer o contato e se afastar
(sucessivamente, como uma dança, um pulsar).
Cada membro do sistema contrai suas fronteiras
e depois volta a expandi-las (funcionamento
saudável).
Podemos observar independência e autosuficiência.
Observamos o fim de uma experiência. As
tensões no sistema desaparecem. Há abertura
para nova experiência, que será marcada pela
nova necessidade do sistema.
Quando há relutância na capacidade de
afastamento, podemos observar dependência
e apego ou um retraimento prolongado (há
afastamento entre os membros do sistema e o
sentimento é de solidão. Um membro não é
capaz de se voltar para o outro ou de contar
com o outro).
Awareness e mudança

Desenvolve de forma mais extensa o conceito gestáltico de


awareness, enfatizando o processo de mudança que se origina a
partir daí.
Organizamos nosso comportamento, em termos da organização de
nossa própria awareness sobre nós mesmos e sobre nossos
sentimentos e desejos, sobre nosso mundo e as possibilidades
que nele percebemos, e sobre as inter-relações entre as coisas
(nossos objetivos, metas e em direção que caminhamos).
Para mudarmos nosso comportamento de modo duradouro e
organizado, precisamos mudar nossa awareness – a respeito das
possibilidades de satisfação existentes no mundo e de quais são
os objetivos e sentimentos possíveis e permissíveis para nós
mesmos. Trabalhar comportamentalmente, contra a natureza de
nosa própria percepção dos perigos e possibilidades existentes
no mundo, é criar “resistência”, o que para significa pedir às
pessoas para fazer coisas para as quais elas não têm suporte, em
sua própria visão de mundo e em si mesmas”.
A partir do exposto acima, o autor, no primeiro
momento, apóia a resistência. Entende que ela
tem um significado e uma função naquele
contexto do sistema.
Cada sistema tem seu próprio estilo de passar pelas
fases do Ciclo, tanto quando estão atuando de
forma funcional quanto quando estão atuando de
forma disfuncional. É importante que tenham
consciência disso, para encontrarem formas mais
saudáveis de funcionar baseadas nesse estilo e
que serão estabilizadoras.
Fases necessárias para negocias nas diferentes fases
do Ciclo, com o mínimo de resistência:
Fases necessárias para negociar nas diferentes fases do Ciclo, com o
mínimo de resistência:
As fronteiras dos indivíduos, dos subsistemas e do sistema inteiro serão
claras e flexíveis, de forma que seja possível um contato gracioso;
Os membros do sistema permitirão que o outro se diferencie. Aprenderão
a apreciar as diferenças e a incentivar a expressão do que é visto,
sentido e pensado;
Os membros do sistema irão aprender a incentivar o outro, demonstrar
apreço, apoiar e cuidar uns dos outros de diversas formas;
Os membros do sistema apreciarão seu próprio esforço e terão compaixão
pelo esforço do outro. Aprenderão respeito mútuo e lealdade;
Aprenderão a permanecer no presente e a terminar uma interação antes
de iniciar algo novo e a identificar as interrupções em seu processo;
Serão mais pacientes e permanecerão firmes quando a vida for difícil e a
soltar-se quando necessário;
Serão autenticamente interessados e respeitosos a respeito dos
sentimentos e opiniões do outro. Serão corajosos para criar soluções
criativas (pois foi estabelecida a sensação de confiança e segurança).
O papel do terapeuta na terapia de casal e
família:
O terapeuta deve observar o sistema
interagindo, com a base ou pano de fundo do
Ciclo Interativo. Uma fase específica se torna
figura, quando há competência no sistema
para viver essa fase e não se dá conta disso ou
quando existem interrupções. As intervenções
objetivam a awaraness sobre a forma que
interagem (seu estilo de funcionamento).
Observa-se suas competências (o que sabem
fazer) e fraquezas (o que precisam aprender).
Primeira tarefa: estimular a curiosidade (pelo
seu processo individual) e a forma como se
relacionam.
Segunda tarefa: Estimular o sistema a se
esforçar para melhorar seu movimento.
Observa competências e fraquezas. O
terapeuta é um observador participante, com
ênfase no observador. Pode usar suas próprias
respostas ao sistema como parte importante
dos dados fenomenológicos disponíveis.
Terceira tarefa: Na função de participante, organiza a situação
terapêutica para que os membros do sistema interajam
entre si. Assim, podem manter a ênfase na observação e
então “escolher” um ponto figural. Escolhe uma
intervenção que ressalte algum aspecto do processo que
possa utilizar para saber mais sobre seu funcionamento,
criando uma nova awareness, que amplia a percepção de
todos e lhes dá mais escolhas. Checa com o sistema sua
percepção, antes de prosseguir.
Quarta tarefa: Sugere algum experimento (preferencialmente
o mais simples), para retirar o sistema de suas fixações,
possibilitando a criação de novas situações e o aprendizado
de novos comportamentos, sentimentos e novos insigts. A
família e cada um de seus membros, aprendem novas
awareness, no aqui e agora, com a presença de uma
testemunha (terapeuta) e podem ampliar suas
competências. Os experimentos podem ser incluídos pelos
terapeutas em qualquer fase do Ciclo.
Quinta tarefa: Podem incluir sua experiência
pessoal, usando metáforas. Também
observam e trabalham polaridades. Ressaltam
as possibilidades criativas inerentes a
qualquer aspecto de um dilema ou impasse.
Sexta tarefa: Devem ter presença firme e
acolhedora. Funcionam como modelo.
Cap 5 – Awareness e Mudança
Você não pode pisar duas vezes no mesmo rio;
pois águas sempre novas estão fluindo por
ele. (Heráclito)
Neste capítulo o autor enfatiza o processo de
mudança, conceito central da Gestalt.
Organizamos nosso comportamento a partir da
nossa awareness (como percebemos,
sentimos, o que desejamos e as possibilidades
que percebemos). Para mudar nosso
comportamento precisamos mudar nossa
awareness. A terapia para Zinker possibilita a
mudança de awareness quando inicialmente
apoia a resistência.
Ao longo de nossa vida passamos por diversas fases
de desenvolvimento e amadurecimento. Para as
famílias isso também é vivenciado (crianças
nascem, ocorrem separações, filhos casam,
ocorrem doenças e mortes, por exemplo).
Devemos como sistema ser capazes de assimilar
essa mudanças. Quando o sistema não é flexível
ocorrem os problemas, no nível do sistema,
subsistemas e individual. A energia fica separada
da awareness e os comportamentos não podem
acontecer em acordo com as necessidades. Abre-
se espaço para ansiedade e sintomas (emocionais
ou físicos – energia está bloqueada e a figura não
está bem formada).
Com ajuda do processo terapêutico podemos
ajudar na retomada da awareness (adequada
para cada fase do desenvolvimento do
sistema), inicialmente buscando fomentar o
interesse de cada membro pelo processo
interativo, em seguida pode surgir uma nova
awareness, que permite a percepção dos
bloqueios e fixações (resitências), e
consequentemente a mudança para uma
interação e um comportamento mais
adequado (funcional/saudável).
Determinismo e Idealismo
Historicamente o conceito de terapia foi construído em
função da noção de crescimento e mudança e
awareness. Os meios para chegar a esse fim podem
variar de acordo com a abordagem utilizada.
Awareness possibilita uma escolha mais plena menos
ingênua, mais consciente (livre-arbítrio). Isso trás
consigo uma maior responsabilidade pela escolha.
Ao trabalhar com sistema reais, no entanto, não podemos
pensar de forma determinista (visando apenas a
mudança comportamental e ignorando a awareness e
as resistências), pois eles são muito complexos e os
modelos de causa e efeito, portanto uma abordagem
que os simplifique, geralmente trabalha “atropelando”
as resistências e impossibilita a escolha plena. As
pessoas mudam, mas não sabem, não sentem o
porquê. A mudança não é significada e/ou vivenciada.
A fenomenologia do Aqui-e-Agora
O método fenomenológico se baseia na descrição
do que está acontecendo nesse momento. O
mundo fenomenológico é o mundo
experienciado pela pessoa.
Essa experiência do aqui-e-agora se inicia com a
descrição. Quando “falamos sobre” reduzimos o
impacto imediato da realidade pessoal, portanto
a realidade fenomenológica sempre existe no
tempo presente e no espaço do aqui (quando
lembramos o fazemos no agora e quando
fazemos planos também os fazemos a partir da
realidade que estamos percebendo e vivendo).
O ponto dinâmico onde ocorre o encontro entre
nós e nossa sensações e é denominado
fronteira de contato. É nessa fronteira
também que ocorrem as interações
interpessoais.
A forma como o presente é experienciado é
individual/pessoal e o conteúdo é tão válido
para mim quanto o experienciar de outra
pessoa é válido para ela (conceito de realidade
fenomenológica).
Awareness, Energia e Ação
A awareness é dinâmica e não linear, especialmente
quando trabalhamos com sistemas. Ela funciona em
processo, organizando os estímulos, formando figuras,
disponibilizando energia para o contato em seguida se
dispersando e abrindo possibilidade para examinar
novos estímulos. Podemos viver esse processo em
numerosas experiências simultaneamente.
A awareness ocorre em um incessante pulsar (contração
e expansão), a cada momento em acordo com cada
situação (contexto), novas configurações se foram e
pode surgir uma ação potencial. Há um padrão rítmico
de organizar a experiência, escolher, agir e assim por
diante.
Uma awareness limitante em profundidade, gera ações
hesitantes ou não muito adequadas. O comportamento
se manifesta de forma ambivalente.
Em um sistema quando um não escuta, vê ou se interessa
pelo outro não há chance da formação de uma
awareness profunda, as ações e interações entre seus
membros são fracas, sem apoio e insatisfatórias. Pode
ocorre de nem todos estarem envolvidos, não
vivenciam muito prazer e a convivência torna-se
desagradável, há dificuldade na tomada de decisões. A
equipe fica pouco eficiente para realizar o trabalho
(awareness falha – gera pouca energia – ação fraca ou
inadequada).
Quando a sistema flui a awareness muda
constantemente. Os indivíduos se sentem validados e
adquirem maior autoconfiança. Há competência. Todos
podem estar disponíveis para a relação e se interessam
pelo que vem a seguir. A awareness é expansiva e pode
prover faixas de escolhas mais amplas (mais
possibilidades), aumentando a liberdade de escolha
para realizarem o que parece certo.
Paradoxo e Mudança
“A mudança acontece quando a pessoa se torna aquilo
que é, não quando tenta se transformar naquilo que
não é” (Teoria paradoxal da mudança).
Isso significa que a pessoa deve investir sem ser tornar
quem é e em seus posicionamentos atuais. Daí a
importância de no processo terapêutico propiciarmos
que a pessoa ou o sistema explore e tome consciência
daquilo que é experienciado e como o é.
Comumente o sistema experimenta como figura aquilo
que causa desconforto, não vendo boas qualidades no
que faz. Quando as pessoas passam a ver qualidades
em seu funcionamento fica mais fácil se apropriar
disso. Há afirmação de sua dignidade, podem perceber
sentido também no que não é funcional (mais
disponíveis para awareness).
Awareness e Resistência
A mudança geralmente são desagradáveis, pois nos
tiram da nossa zona de conforto e tornam figura
imagens equivocadas que temos de nós mesmos.
Nosso comportamento, nossa auto-imagem, nossas
referências enquanto indivíduos e sobre a forma
que nos relacionamos foram formadas em
alguma etapa anterior do nosso
desenvolvimento. Tudo isso foi que foi útil em
naquele momento pode não mais ser adequado
agora, ou ser apenas parcialmente adequado
(formação e funcionamento das resistências), era
a melhor forma possível naquele momento. O
mesmo acontece com a autoimagem de um casal
ou de uma família.
Quando o sistema está disfuncional paga uma alto
preço para se manter nesse estado, achando que
está fazendo o seu melhor (importância de
validar a resistência – ela tem função e foi já o
melhor caminho). Temos uma sabedoria
adaptativa e somos capazes de realizar esforços
criativos para lidar com dilemas de nossa história.
O Gestalt-terapeuta dá uma oportunidade para que
o sistema se observe com respeito, dignidade e
curiosidade, podendo perceber seu estilo de
estarem e se manterem juntos. Descobrem
competências ignoradas, podem se sentir a
vontade olhar o mais difícil (disfuncional) e
podem a partir daí criar maneiras de melhorar a
convivência.
Forma de trabalhar do Gestalt-terapeuta:
- Conversem uns com os outros sobre algo que
todos se preocupem (aqui-e-agora – permite
autoexame e testemunho de todos);
- O que é importante para vocês? (apoiar aquilo que
é de delimitar um tema, checando com a família
sua validade). A família acha a energia em si
mesma e pode realizar a awareness por si só.
Percebem como são para o bem e para o mal;
- O terapeuta deve estabelecer vínculo com o
sistema, o que pode ser feito através do método
fenomenológico (com pequenas observações que
ressaltem o que está acontecendo);
- O terapeuta deve ajudar o sistema a ver o outro
lado da moeda, apenas usando a descrição do
que está acontecendo e procurando facilitar a
formação da figura daquilo que não acontece
(qual preço vocês pagam por isso?);
- O terapeuta não deve ficar polarizado. Deve dar
suporte a todos os membros da família,
reconhecendo que há um equilíbrio delicado
entre as necessidades dos diferentes membros
do sistema. A intervenção deve ser equilibrada;
A resistência sinaliza que o sistema precisa de mais
tempo para chegar a awareness, necessitando de
mais suporte para desconstruir o que parecia
funcionar até então.
Resumindo a intervenção do Gestalt-terapeuta
em três passos:
• Ao colocara família para conversar sobre um
tema o terapeuta pode perceber o nível de
awareness do sistema, dentro de suas
próprias fronteiras. Obtém dados
fenomenológicos e pode fazer algumas
observações (primeira intervenção). Apoia o
senso de criatividade. O que existe é trazido
para a awareness da família. Observa o tempo
de resposta, como e que são. A família
sustentada pode se vincular ao processo
terapêutico;
• O terapeuta focaliza a saúde da família e
quanto pagam por suas qualidades (lado
negativo). Está é a segunda intervenção. Traz à
tona a dificuldade e deve encontrar negação,
vergonha, culpa, raiva ou simplesmente falta
de awareness. Apoia o que está acontecendo
e incentiva a família a mastigar os dados
gerados. Apoia à todos, minimizando a
polarização. Apenas quando as necessidades
de todos são validadas o sistema se abre para
o mundo.
• O terapeuta passa a levantar questões a
respeito do que pode ser feito, para mudar
contratos implícitos de enredamento de
comportamento. Para isso usa o experimento.
A awareness pode ser enriquecida, isso
possibilita ações mais assertivas de todos e
consequentemente mudança no sistema, que
funcionará de forma mais fluente, dentro e
fora de suas fronteiras.
Nossos paradoxos para a teoria da mudança:
• A mudança irá acontecer se você apoiar o que
é não o que deveria ser;
• Se você apoiar a resistência à mudança, ela
encontrará pouca resistência e a mudança irá
acontecer.
Cap 6 – Resistências ao Contato
“Todas as famílias felizes se parecem; cada família
infeliz é infeliz a seu modo”. (Leon Tolstoy)
O autor aprofunda o conceito de resistência dentro
da perspectiva gestáltica. A resistência é
compreendida como algo que a pessoa está
tentando administrar, alcançar ou manter
distância. Mais uma vez, a prática clínica se apoia
na awareness, não para remover a resistência
(não é considerado nem possível, nem desejável),
mas para elevar a possibilidade de escolha a
amplitude de sua eficácia, trazendo maior
integração entre os objetivos e estilo de contato
do sistema.
Características de um casal feliz:
• Ouvem uns aos ao outros;
• Responsabilizam-se por seus sentimentos e ideias;
• Trocam ideias de modo a alcanças uma boa combinação;
• Fazem perguntas uns aos outros em vez de fazer suposições;
• Discordam e aceitam as diferenças, sem medo;
• Adaptam uns aos outros;
• Lutam por aquilo que parece “certo” ou “bom” para cada um;
• Começam, desenvolvem e terminam uma conversa ou um
evento e depois deixam que isto fique no passado;
• Compartilham dores, curiosidades, remorsos, ressentimentos,
ternura – uma ampla diversidade de necessidades e desejos;
• Aprendem a aceitar um “sim” com gratidão e um “não” com
graça, sem cultivar ressentimentos;
• Passam de uma experiência para outra sem ficar num
impasse;
• Desistem do algo que esteja completa
complemente inacessível;
• Riem de si mesmos;
• Influenciam uns aos outros;
• Apoiam os interesses e os projetos uns dos
outros;
• Mostram orgulho e compaixão pelas realizações e
fracassos uns dos outros;
• Respeitam a privacidade de cada um e, ao
mesmo tempo, interferem quando o outro se
retrai ao sentir dor;
• Preocupam-se com negócios, quando se trata de
questões importantes;
• Toleram ideias estranhas e novas, e sonham
juntos.
Obviamente praticar esses comportamentos é
difícil e demanda muito trabalho,
comprometimento e um objetivo comum.
Além disso devemos levar em consideração
que a educação de cada geração e fruto da
geração anterior. O funcionamento pobre é
transmitido da geração anterior para a
posterior na forma de doença. É necessário
muito esforço para romper o que está
estabelecido de forma insciente (acorre em
transtornos psiquiátricos). Algumas awareness
são muito dolorosas e não podem ser
suportadas ou ações são difíceis demais para
serem realizadas.
Awareness Intoleráveis e Ações Difíceis Demais.
Muitas vezes é muito doloroso ouvir o que o outro
tem para nos dizer, além disso geralmente não
nos responsabilizamos por nossos sentimentos
negativos. Desta forma não trocamos para nos
ajustar, para nos manter no mesmo lugar. Não
fazemos perguntas e não falamos. A awareness
nesses momentos dói muito. Não nos sentimos
estimulados a lutar por algo quando
repetidamente “perdemos” no passado ou não
fomos ouvidos, quando ainda não tinhamos
recursos para nos impor. A lista de objeções
inconsciente é infindável, fomos rejeitados e
carregamos essas magoas.
Não é fácil aceitar a própria responsabilidade pelo
que se faz e pelo que não se faz. A awareness
pode ser um fardo pesado. Nosso
adormecimento é uma adaptação criativa à dor,
que a como resistência ao contato e à awareness,
ou seja, uma forma disfuncional de estar no
mundo, porém com um propósito adaptativo de
sobrevivência.
Em um sistema nunca estamos sozinhos em nossas
resistências. Elas se desenvolvem com a
cooperação de toda nossa família e se estendem
até os relacionamentos significativos no presente,
pois são sistematicamente mantidas e herdadas e
levadas para outros sistemas.
A Fenomelogia da Resistência
Todo movimento provoca resistência (como acontece com a
lei da inércia na física), ainda que estaja agindo para nos
preservar, aprimorar ou ampliar nossa integridade
psicológica – essa é a definição fenomenológica da
resistência (é definida no nível de sua utilidade).
Nosso processo de ser e experienciar é constantemente
colorido pelo estado de nossas necessidades e por seu ciclo
de frustração-satisfação. Como organismos complexos
podemos aprender a bloquear nossas necessidades de
satisfação. O bloqueio pode ocorrer em qualquer etapa do
ciclo de ingestão e assimilação (fixações – gerando
psicopatologias). O comportamento disfuncional tem suas
próprias características. Em um sistema estar “doente”
significa estar acomodado a uma necessidade que não é a
nossa ou ao bloqueio do outro.
Tipos de Resistências
Veremos as resistências como ocorrem nas diversas fases
do Ciclo Interativo.
Na fase da awareness: A sensação é organizada numa
experiência entre duas pessoas. A awareness é
atingida pelos estímulos interativos que ocorrem entre
elas. Sentimentos tornam-se figura e ideias são
desenvolvidas e realizadas posteriormente. A
resistência aqui é chamada de dessensibilização. Há
pouca interação e interesse mutuo. Os membros do
sistema se sente entediados, pouco envolvidos,
adormecidos ou ausentes uns para os outros,
chegando a um impasse. Não se estimulam
mutuamente. Tudo é morno, monótono. Permanecem
seguros cada um dentro de sua fronteira. Evitam ferir
ou serem feridos não sentido, o preço é a perda da
vida.
A projeção ocorre quando um não se expressa e
o outro preenche o que não foi dito ou feito.
Um atribui o outro o que deseja, esse
movimento se repete até atingir um ponto
“mortal”. O casal e a família estão
dessincronizados. Cada um em seu mundo e
nada acontece. Há acumulo de
ressentimentos expulsões de raiva que nada
tem haver com o que as provocou. Os acordos
são fracos, sem vitalidade e não cumpridos.
Na melhor das hipóteses há tédio, na pior um
desastre.
A introjeção é a forma que um sistema
preguiçoso tem para se defender quando a
awareness começa a ser energizada. A solução
é sugerida ou imposta por alguém e engolida
pelos outros. Não há tempo para que a
awareness se complete, pois a introjeção
requer pouca energia, evita a expansão da
energia por meio de um acordo arbitrário.
Projeção e introjeção tiram o calor das relações,
o sistema continua fazendo as coisas da forma
usual matem a awareness grupal estreita,
estável e imutável. Todos se submetem a uma
autoridade com o padrão de comportamento
estabelecido.
Na fase do contato: a resistência utilizada é a
retroflexão. Ocorre na fase do ciclo interativo
entre o acumulo de energia e ação. A energia
precisa ser liberada do nível individual e investida
numa causa comum. As pessoas se voltam para
si, carregando a energia petrificada em seus
corpos (aparece em sintomas físicos). Todos
permanecem isolados, não expressam raiva ou
fragilidade. Não se confortam. As fronteiras são
rígidas (solidão). Não há possibilidade de pedir
ajuda (valorizam a autonomia). Há um clima de
culpa e ressentimento, um não sabe o que outro
pensa. O contato é limitado ao essencial. Pagam
um preço alto por seu senso de segurança.
Deflexão: outra forma de evitar o
enriquecimento na fase do contato. Mudam o
contato para outro ponto onde ocorra menos
ansiedade. As situações inacabadas
permanecem. Não há construção de um tema
sólido. As fronteiras permanecem fracas e
indefinidas, para evitar o desconforto. A
deflexão deixa as pessoas sem orientação (é
enlouquecedora). Ninguém tem a sensação de
pertencimento ou de ser entendido.
Confluência: outra forma de evitar o
desconforto. É comum na fase da awareness
(chegam ao acordo rapidamente, sem
amadurecimento) e nas fases da resolução e
do afastamento, quando a separação e a
diferenciação são necessários para a boa
saúde e para que o processo continue.
As famílias confluentes também tendem a ser
retrofletoras. Não mastigam, não trabalham
para chegar a um acordo e pensar sobre o que
realmente está acontecendo (tema). Não
percebem que as relações sempre envolvem
discordâncias. A energia é neutralizada. O
trabalho não resulta em proximidade e
confiança. Tem dificuldade de soltar-se uns
dos outros. Temem que a separação
resultante de uma experiência resulta e perda
de suporte mutuo.
Testemunhamos a projeção protege do risco de
dor psíquica. Preço pago – inquietude.
(Quadro páginas 148 e 149).
Uma parte da terapia com casais e com família
focaliza essas forças inconscientes, trazendo
essas resistências à awareness, para que a
família possa optar por formar-se uma
unidade (sistema) mais eficiente para realizar
o cotato. É evitado o caminho que difícil, o
preço para pra permanecer.
Cap 7 – Fronteiras e Manejo de Fronteiras.
“Uma fronteira define uma coisa” (Fritz Perls)
O autor aprofunda o conceito de fronteira,
conceito-chave na terapia de casal e família.
Zinker mostra que a qualidade e quantidade de
energia disponível em um sistema para
realizar o trabalho de viver juntos são
dependentes das condições das fronteiras no
sistema – fronteira dentro das pessoas, entre
as pessoas entre os diversos subsistemas que
se sobrepões e podem ser importantes para a
família em diversos momentos.
Quando estabelecemos fronteiras
estabelecemos o que dá significado a um
conjunto de experiências e fatos que
diferencia o sistema de seu ambiente e damos
significado aos subsistemas.
Ver fronteiras = estabelecer difença e abrir a
possibilidade para o contato (troca).
Elas não são visíveis, mas existem. São campos
de energia. Também determinam o espaço
pessoal.
O tipo de defesa também determina a qualidade
da fronteira existente. (Projeção e introjeção –
fronteiras finas; Deflexão e retroflexão –
mantém a fronteira espessa; Confluência – a
fronteira não é bem determinada).
Quando aprendemos a experienciar as fronteira,
percebemos a variedade de sua natureza,
onde estão, quando faltam, quais nunca são
estabelecidas, quem está fixado, quem está
fora do sistema e quem não tem permissão
para entrar. Termos uma visão melhor das
interações do sistema.
Discernindo e Prestando Atenção às Fronteiras
Caso Clínico – Família Madiars
Construíram um porto seguro, com fronteiras
rígidas. Energia voltada para dentro. Pouca
energia disponível para o mundo. Fronteira
espessa e rígida. O contato com o mundo é
mínimo, apenas para realizar trocas
necessárias (trabalho e estudo). Raramente se
voltam para o terapeuta e não querem ser
influenciados por ele (não confiam).
Quando a awareness se inicia percebem que
precisam se dirigir uns aos outros e se abrir
um pouco mais para o mundo, mas ainda o
fazem de forma deselegante e rígida.
Comunicação ligada a papéis e não flui com
liberdade.
O terapeuta no início do trabalho (observando o
sistema e checando o que lhe parece
pertinente) percebe as fronteiras do sistema e
do subsistema obtendo bastante informação
sobre o seu “funcionamento disfuncional”.
(Figura página 167). Prossegue com o trabalho
mobilizando energia para awareness.
Após algumas sessões começa a perceber
algumas mudanças nas fronteiras entre os
subsistemas. Elas estão ficando mais frouxas,
algumas mudaram. Há mais variação e
flexibilidade.
O terapeuta se mantém afastado para não
distrair os membros da família durante a
observação e a realização dos experimentos
propostos.
Qualquer tentativa de contato é vista como uma
tentativa válida e muda a dinâmica entre as
fronteiras internas da família.
Inicia-se a abertura para que sentimentos mais
pesados possam ser expressados (magoa do
pai, por exemplo). Essa nova fronteira é
valiosa, como qualquer outra que venha a se
formar a partir de tentativas legítimas de
melhora nas relações.
Na abordagem gestáltica sempre tendemos a
apoiar e a fortalecer primeiro o
relacionamento adulto primário (nesse caso,
entre o casal), antes de um trabalho futuro
com os outros subsistemas. Os pais
estabelecem vínculos mais saudáveis entre si
e assim se fortalecem uns aos outros. Em um
primeiro momento, precisam manter a
fronteira por um tempo necessário para
conversarem. É função do terapeuta “esticar”
essa fronteira, para que possa haver uma
confrontação momentânea (conversa sobre
tema relevante) e alcançar contato mais pleno
e profundo.
O terapeuta se arrisca a contar com o bom
senso deles (sistema possui uma sabedoria
própria – como terapeutas temos que confiar
no potencial do ser humano para buscar
satisfação e saúde – forma mais estética).
Pode ocorrer o reconhecimento mutuo entre
o casal, o vínculo está mais forte e pode ser
melhor percebido pelos filhos.
O terapeuta permanece durante todo o tempo
em postura respeitosa e ensina isso à família,
também ali presente e disponível para ajudar.
Inicia-se o trabalho para flexibilização das
fronteiras entre os subsistemas (quando o pai
se expõe para a mãe, há pouco
reconhecimento do que ocorreu entre ele e
sua filha). Necessidade dos filhos adolescente
de interação com o mundo apesar do receio
dos pais. Como podem perceber um vínculo
mais forte entre seus pais, se sentem mais
seguros para explorar o mundo.
Um bom funcionamento familiar tem
capacidade de desestruturar e formar novos
subsistemas em acordo com as necessidades
do momento. Em famílias saudáveis esse
processo é estético (boa forma).
Quando a questão (tema) com os filhos é
resolvida eles naturalmente saem da sessão e
o casal pode explorar suas questões exclusivas
com mais privacidade. O terapeuta percebe
uma mudança dramática no comportamento
deles. Formam um subsistema que pela
primeira vez inclui um estranho (terapeuta). Se
deixam ajudar. Estão ficando prontos para
formar novas fronteiras com o mundo
(praticando em um ambiente seguro). A
fronteira externa está ficando mais fluida e
flexível. Passam também a poder tratar os
filhos com mais dignidade e menos autoridade.
Intervenção final: fechamento e significado.
Levar o novo aprendizado para casa (Figura da
página 175, mostra como mudaram as
fronteiras dessa família).
O sistema como um todo está mais funcional. A
fronteira em torno do casal está mais forte e
do sistema para o mundo também (não mais
rígida: mais forte – com significado, sentido,
permitido escolhas).
Com as fronteiras mais fluidas os problemas e
desafios podem ser abordados, representam
menos ameaças e risco e mais possibilidades.
Eles se sentem mais seguros, pois
estabeleceram confiança entre si. Todos tem
suporte e podem dar suporte um ao outro.
Observar fronteira deixa a vida mais clara e
permita menos gasto de energia para
resolução de problemas.
As Fronteiras dos Terapeutas: Criando uma
Presença e Administrando Fronteiras
(terapeuta como seu próprio instrumento de
trabalho)

Os terapeutas no trabalho com casais e famílias


deixam de ser observadores e cumprem o
papel de ser “uma presença” para os outros.
Presença significa um estado especial onde
estamos aqui com todo nosso ser, disponíveis
para a experiência que irá se apresentar
(aberto para as possibilidades, estimulando o
movimento das partes mais profundas do eu
das pessoas). Somos o fundo contra o qual a
figura do outro ou dos outros pode se
destacar plena e claramente. Todos se sentem
livres para se expressar autenticamente.
Aquilo que não é presença:
• Não é uma postura, uma pose autoconsciente,
nem uma atitude forçada diante do outro; não é
teatral;
• Não é um estilo (é um estado);
• Não é carisma, pois não pede admiração ou
atenção. O carisma e auto-refenrente. No carisma
uma figura compete com a outra. Na presença há
base (fundo), pedindo para que a figura se forme;
• Não se distraem;
• Não é uma humildade afetada (é um orgulho
secreto);
• Não é polêmica. Não toma partido. Vê totalidade.
Dificilmente os terapeutas tem essa postura
simples. Aqueles que têm essa característica
parecem ter nascido assim. Podemos
desenvolver-la com a ação contínua do tempo
(experiência conta!). Vem quando estamos
mais maduros.
É mais fácil desenvolver essa característica
quando já recebemos confirmação e
afirmação, não precisando mais da aceitação
indevida de alguém. Lidamos com a dor do
outro sem tentar salvá-los ou resgatá-los.
Passamos segurança e confiança.
Com a experiência entendemos que há um
tempo certo para cada intervenção.
Desenvolvemos a qualidade da paciência. Os
clientes não se sentem pressionados, se
sentem compreendidos e podem atuar
espontaneamente. Essa experiência por si só
evoca mudança.
O terapeuta também tem um campo de energia
que precisa ser administrado. Ele precisa
estabelecer o ritmo da awareness. Voltar-se
para o sistema e fazer uma intervenção,
depois voltar para o seu campo, retrair-se e
deixar o sistema se movimentar. A fronteira
deve ser clara e o terapeuta deve ser capaz de
administrar sua própria energia,
estabelecendo um estado de indiferença
criativa (alerta, aberto e não mobilizado –
pronto para observar as modificações no
sistema e poder realizar outra intervenção
pertinente).
Para interferir no sistema deve entrar em sua
fronteira. Deve haver tensão na fronteira:
família pronta para ouvir o terapeuta e que
está pronto para dizer algo (contato). Deve
haver interesse.
Os experimentos mais poderosos são
intervenções na fronteira, porém o terapeuta
pode apenas fazer colocações permanecendo
fora do sistema e deixando que a atenção
permaneça dentro da família, mas sem desviar
sua atenção dela (o contexto e o movimento
do sistema estabelecem quando o uso de cada
um dos posicionamentos é mais adequado).
O terapeuta também deve trabalhar a auto-
awareness. Ela também nos fornece dados
sobre o sistema (como nos afeta pode ser
também a forma como afeta os outros).
Manejamos fronteira quando trabalhamos com
indivíduos, casais e famílias.
Cada método é apropriado para momentos e
situações diferente (contexto), e todos são
essenciais no repertório de um terapeuta. É
simplesmente uma questão de escolher como
manejar a fronteira, visando o conforto, a
awareness, o contato, a fluidez, em fim que o
sistema se torne elegante.

Fevereiro/2017
• Flavia Gonzalez Freire
• Eunice Gonçalves

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