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TEXTO III

  Tudo que faço ou medito


Fica sempre na metade.
Querendo, quero o infinito.
Fazendo, nada é verdade.

5 Que nojo de mim me fica


Ao olhar para o que faço!
Minha alma é lúcida e rica,
E eu sou um mar de sargaço.

  Um mar onde bóiam lentos


10 Fragmentos de um mar de
além...
Vontades ou pensamentos?
Não o sei e sei-o bem.
Fernando Pessoa, Cancioneiro, in Obra Poética
(Prova Escrita de Português, 11.° ano, Cursos Complementares Diurnos, 1991, 1.a Fase,
2.a Chamada)
 
 
 
1. Na primeira estância apresenta-se uma oposição entre o "querer" e o "fazer".
Explicite essa oposição.
2. Ao tomar consciência das limitações da sua capacidade de agir, que sentimento
invade o sujeito lírico?
Transcreva as expressões em que se apoia a sua resposta.
3. A seguir, o mesmo sujeito parece querer justificar essas limitações. Que razão
apresenta?
4. Em que medida a afirmação "Um mar onde bóiam lentos / Fragmentos de um mar
de além" pode contribuir para atenuar o pessimismo do sujeito lírico?
5. Mostre a expressividade, a nível semântico e a nível fonético, das metáforas: "Minha
alma é lúcida e rica / E eu sou um mar de sargaço".
6. Identifique a figura de estilo presente no último verso do poema. Como a justifica?
TEXTO IV
  Bóiam leves, desatentos,
  Meus pensamentos de mágoa,
5 Como, no sono dos ventos,
As algas, cabelos lentos
Do corpo morto das águas.

  Bóiam como folhas mortas


  À tona de águas paradas.
10 São coisas vestindo nadas,
Pós remoinhando nas portas
Das casas abandonadas.

  Sono de ser, sem remédio,


  Vestígio do que não foi,
15 Leve mágoa, breve tédio,
Não sei se pára, se flui;
Não sei se existe ou se dói.
Fernando Pessoa, Cancioneiro, Comp. José Aguilar, Rio de Janeiro, 1972
(GAVE - Prova Escrita de Português A, 12.° ano, 1997, 1.a Fase, 2.a Chamada)
 
 
Elabore um comentário global do texto que acabou de ler, focando os seguintes
tópicos:
· marcas de objectividade/subjectividade na expressão lírica do Eu;
· campos semânticos da fragmentação e do negativismo;
· recursos estilísticos e sua expressividade;
· construção da musicalidade;
· marcas características da poesia ortónima pessoana.
 
TEXTO V
Mar. Manhã
 
Suavemente grande avança
Cheia de sol a onda do mar;
Pausadamente se balança,
E desce como a descansar.
 
Tão lenta e longa que parece
De uma criança de Titã
O glauco1, seio que adormece,
Arfando à brisa da manhã.
 
Parece ser um ente apenas
Este correr da onda do mar,
Como uma cobra que em serenas
Dobras se alongue a colear.
 
Unido e vasto e interminável
No são sossego azul do sol,
Arfa com um mover-se estável
O oceano ébrio de arrebol2.
 
E a minha sensação é nula,
Quer de prazer, quer de pesar
Ébria de alheia a mim ondula
Na onda lúcida do mar.
 
 
Fernando Pessoa, Cancioneiro, Comp. José Aguilar, Rio de Janeiro, 1972
(GAVE - Prova Escrita de Português B, 12.° ano, 1997, 1.a Fase, 2.a Chamada)
1 glauco: verde-mar.
2 arrebol: luz do amanhecer.
 
1. O poema transmite impressões causadas pelo movimento do mar.
· Descreva as impressões transmitidas.
· Transcreva do texto as expressões que personificam esse movimento.
2. "Como uma cobra que em serenas / Dobras se alongue a colear." (vv. 11, 12)
· Comente o valor expressivo destes versos.
· Indique os recursos estilísticos utilizados nos versos transcritos.
3. Justifique a constituição do título, através de transcrições do texto.
4. Substitua "do sol"... (v. 14) por uma palavra da mesma família de "sol", sem que o sentido se altere, e
indique a classe morfológica dessa palavra.
5. "Parece ser um ente apenas" (v. 9)
· Explicite o sentido do verso transcrito.
· Transcreva do texto um adjectivo que exprime a mesma ideia.
6. Na expressão... "com um mover-se"... (v. 15), há um infinitivo substantivado. Dê outro exemplo,
presente no texto, da mesma categoria morfológica.
7. O quadro descrito não deixa marcas emotivas no Eu.
Seleccione o momento do poema em que se baseia esta afirmação.
8. Indique marcas características da poesia ortónima de Fernando Pessoa, presentes no poema.

 
TEXTO III
1.
Imaginação = sonho, desejo de absoluto.
Realização = insatisfação, limitação, incompletude.
2. Desencanto, frustração.
Expressões: os dois primeiros versos da segunda estância.
3. A afirmação contida nos dois últimos versos da segunda estância.
4. Algo do absoluto sonhado permanece ainda em si.
5. - Nível semântico: contraste entre a limpidez e o valor conotados com a expressão "lúcida e rica" e o
opaco e o imundo de "mar de sargaço".
- Nível fonético: oposição entre as vogais doces i, u da primeira expressão e o fonema áspero aberto de
"mar de sargaço".
6. Antítese - para exprimir um conhecimento intuído que não percepcionado pela razão.

TEXTO IV
Integrados no comentário global do texto, devem ser focados os seguintes tópicos:
· Marcas de subjectividade/objectividade na expressão lírica do Eu
- Presença do "eu" na primeira pessoa pronominal e verbal;
- objectivação dos "pensamentos" como sujeito de 3.a pessoa;
- visualização do mundo subjectivo dos sentimentos ("mágoa", "tédio"), exteriorizado pelas imagens;
- desdobramento do Eu em sujeito e objecto ("Não sei".../ ..."coisas"...; ... "pós"...);
- reificação do mundo interior ("São coisas").
· Campos semânticos da fragmentação e do negativismo
- A relativização, a fragmentação dos "pensamentos de mágoa" estão presentes em: leves, algas,
cabelos, folhas, pós, remoinhando;
- O negativismo está presente em: morto, mortas, paradas, nadas, abandonadas, sem remédio.
 
· Recursos estilísticos e sua expressividade
- Adjectivação expressiva;
- oxímoro;
- comparação;
- imagens;
- metáfora;
- repetições, paralelismos.
(Deve ser comentado o efeito de intensificação expressiva dos recursos apontados.)
 
· Construção da musicalidade
- A componente musical, que faz parte do fluir dolente da expressão poética dos vagos sentimentos de
mágoa e tédio, é construída, por exemplo:
· pelas aliterações (em /l/ v. 4; em /s/ vv. 11, 14, 15);
· pelas assonâncias (vogais nasais nos vv. 1, 2, 3);
· pelo paralelismo anafórico (vv. 14, 15);
· pelo ritmo da estrofe (sempre a quintilha), da métrica (sempre o verso de 7 sílabas), da rima;
· pelo ritmo das estruturas frásica e discursiva (nas 1.a e 3.a estrofes a frase prolonga-se por toda a
estrofe).
 
· Marcas características da poesia ortónima pessoana
- Os elementos aquáticos da simbólica pessoana;
- o cruzamento do sentir e do pensar;
- o oxímoro;
- a simplicidade formal;

 
TEXTO V
1.
· Impressão visual do movimento progressivo lento, pontuado pelo balançar e pelo decrescer ao
terminar; impressão de respiração de uma criança adormecida; impressão do rastejar de um animal -
ritmo pausado, mas não interrompido, contínuo, suave, lento, arrastado, longo.
· Por exemplo: "como a descansar"; "seio"; "arfando"; "arfa"; "ébrio".
2. · O estabelecimento de uma relação de semelhança entre o movimento do mar e o da cobra permite
visualizar plasticamente as ondas e reforça expressivamente a impressão transmitida.
· Comparação, adjectivação expressiva, aliteração.
3. Constituição dupla: a palavra "mar", seguida de ponto, e a palavra "manhã".
Mar - Por exemplo: "onda do mar"; "oceano"; "ondula"; "onda".
Manhã - Por exemplo: "à brisa da manhã"; "arrebol".
4. Por exemplo, "solar". Adjectivo qualificativo.
5.
· Há uma impressão de continuidade, de unidade, sem fragmentação, sem divisão.
· "Unido" (v. 13).
6. "Este correr"... (v. 10).
7. A última quadra.
8. Por exemplo: a simplicidade formal (a quadra, a rima cruzada); a temática marinha; a perspectiva
racional, distanciada, sobre os sentimentos.

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