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Organização
André Bueno
Organização
André Bueno
UNIÃO DA VITÓRIA
2014
ANTIGAS LEITURAS:
UNESPAR
Reitor
Vice-reitor
Vice-diretor
ORGANIZAÇÃO DO VOLUME
André Bueno
ORGANIZAÇÃO DA SÉRIE
LEITORADO ANTIGUO
ORGANIZAÇÃO DO LIVRO
Projeto ORIENTALISMO
LAPHIS - Laboratório de Aprendizagem Histórica
Universidade Estadual do Paraná — Campus União da Vitória
UN PARANÁ
Universidade Estadual do Paraná
GOVERNO DO ESTADO
HCURSO DE HISTÓRIA
mºmínimam…"
UNESPAR-FAHU-UNIA|A WITORIA
UNIVERSIDADE
DE FERNAMBUCO LEITORADOANTIGUO
ÍNDICE
INTRODUÇÃO
José Maria Neto, 9
SOBRE O HUMANISMO NA CHINA; OU, DE
COMO A POESIA ORIENTOU O CÉU
Alicia Relinque Eleta, 20
O CULTO DA MULHER NO NEOLÍTICO CHINÊS
Ana Maria Amaro, 41
SINOLOGIA E CONFUCIONISMO: A
IMPORTÂNCIA DOS ESTUDOS
CONFUCIONISTAS PARA A COMPREENSÃO DA
CIVILIZAÇÃO CHINESA
André Bueno, 56
LAO ZI E O TAOISMO
António Graça de Abreu, 74
O “RITO DE PASSAGEM DO ESCRITO AMARELO
DA CLARIDADE SUPERIOR': RELIGIÃO E
SEXUALIDADE NA CHINA ANTIGA
Bony Schachter, 98
ZHUANGZIE ARISTÓTELES: SOBRE SER UMA
COISA
Chenyang Li, 118
A RELAÇÃO ENTRELINGUAGEM E
PENSAMENTO NA ANTIGA E PISTEMOLOGIA
CHINESA
Jana S. Rosker, 142
REFLEXOES GENEALÓGICAS E CIRCULARES
SOBRE A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO
CHINÊS ANTIGO
Jesualdo Correia, 156
O PENSAMENTO CHINÊS DURANTE A
DINASTIA HAN
André Bueno, 178
O CAVALO NA ANTIGUIDADE CHINESA: ENTRE
O INSTITUCIONAL E O NATURAL
Márcia Schmaltz, 201
OS QUATRO ANIMAIS COSMOLÓGICOS EM
TÚMULOS HAN COM MURAIS
Natasa Vampeli Suhadolnik, 219
A REDESCOBERTA DA UNIDADE CÉU-HOMEM
Wang Keping, 251
O MESSIANISMO DO PRIMEIRO IMPERADOR
Yuri Pines, 277
BIOS, 312
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INTRODUÇÃO
“Homens do passado, homens de hoje — torrente que flui”
Urra o sapo-boi:
— “Meu pai foi rei” – “Foi I»
– “Não foi!” – “Foi!” – “Não foi!”
E quanto à China? Por que (ou para quê) estudar uma civilização
espacial e temporalmente tão diversa da nossa? Em 1942, o célebre literato
chinês Lin Yutang escrevia:
reciprocamente dependentes."
grandes transformações."
Terra “fecunda e boa, que a todos alimenta e finalmente recolhe no seu seio,
renovando, em cada primavera, o ciclo da vida”.
Para quem conhece o trabalho do prof. André Bueno, o tema do
primeiro dos seus capítulos, Sinologia e Confucionismo: a importância dos
estudos confucionistas para a compreensão da civilização chinesa não
surpreende: é o tour de force deste jovem acadêmico carioca, que advoga em
seus escritos (alguns impressos, outros publicados em seu site) a relevância
do conhecimento da cultura chinesa, suas particularidades, e a significação
15
de Confúcio como eixo central dessa história, ontem como hoje, pois, como
bem nos ensina, “praticamente impossível apreender a China de hoje sem Antigas
Leituras
Alguns anos antes, por volta de 1996, chegou até mim um dos livros
18 mais importantes à minha formação: Poemas chineses, tradução de Cecília
Meireles da poesia de Li Po e Tu Fu (sic). Em que pese serem traduções de
Antigas
Leituras
VISOES DA
terceira mão — Cecília não conhecia o chinês, como tampouco Manuel
CHINA
Bandeira lia o persa, e para verter o Rubayat de Omar Khayyan, partiu da
ANTIGA
versão francesa —, esta obra me jogou nos braços do magnífico ébrio Li Bo,
uma paixão que atravessa os anos sem demonstrar arrefecimento. Encantou
me, particularmente, a singeleza como a poetisa das Gerais descreveu os
versos de seu colega oriental:
alegria.
estranha festa
Diz um poema:
aqueles."
aos ritos; não ouça nada contrário aos ritos; não diga
nada contrário aos ritos, não faça nada contrário aos
27
ritos."
Antigas
Leituras
Yan Yuan disse: "Posso não ser muito perspicaz, mas VISOES DA
CHINA
tentarei colocar em prática estas palavras" (12,1) ANTIGA
a cultura política pela exortação moral"; e frente a essa como "uma filosofia
que enfrenta como problema a relação do homem com o homem, e do
estabelecimento entre eles de uma situação e uma história que são lhes
comuns", poderíamos identificar a primeira posição com o conceito de ren
II • II • =\ •
A Transmissão da Virtude
Até agora, vimos que é o Mandato do Céu que determina quem deve
governar sobre os outros, mas para recebermos tal Dom é necessário um
"homem de virtude", e o que o qualifica como tal é determinado
fundamentalmente por sua humanidade, manifestada através dos ritos. O
que é realmente importante neste ponto de vista é que a qualidade pode ser
aprendida, pode ser praticada e pode ser ensinada.
Provavelmente, um dos mecanismos mais revolucionários do
também, da mesma maneira que todo o ser humano é capaz de aprender, é VISOES DA
CHINA
também capaz de ensinar com seu exemplo; e aprender é o que levará a ANTIGA
Murmurando,
sussurrando,
tramais a traição.
Mas guarde suas palavras,
Pois nada as garantirão.
Rumores, murmurando
Tramais a mentira
Quem sabe se vocês
sofrerão as traições
que vocês tramam.
Os soberbos desfrutam
e sofrer os esforçados.
Céu azul!, Céu azul!
Vigia ao soberbo,
Se compadece dos esforçados.
O assistente Mengzi
compôs este poema (zuo Wei ci shif=#K+),
para que tantos homens de virtude
O escutem com atenção.
A clara crítica que supõe este poema se opõe, como no outro lado da
mesma moeda, aos outros dois poemas que pertencem as grandes odes.
Nelas, os "poemas compostos" estão em um claro tom de exaltação às
virtudes dos grandes homens. O primeiro, n.252, supostamente feito pelo
Senhor de Shao para o jovem governante Cheng (1115-1078 AEC), se
encontra a meio caminho entre a loa e aconselhamento:
Na curva da colina
33
Seu mandato será longo, felicidade e riqueza o
fortalecerão. Soberano feliz, Antigas
Leituras
Encham-se os dias de sua vida, e as bênçãos o VISOES DA
CHINA
cubram ANTIGA
Excelso, o cume
Sagrado erguido
atinge o céu.
O cume enviou um espírito
que deu origem a Fu e Shen.
Este tipo de fórmula final não utiliza com exclusividade o termo shi.
Em alguns outros poemas, distribuídos nas quatro seções, aparecem
expressões semelhantes em que se define explicitamente o objetivo final de
toda a composição:
Existem também muitos outros poemas que, sem incluir este tipo de
fórmula, expressam uma queixa clara contra os comportamentos abusivos
daqueles que possuem algum tipo de poder".
Provavelmente, reduzir todos os poemas da antologia à crítica ou
exaltação distorce o seu amplo conteúdo". Mas o que nos interessa aqui é a
posição privilegiada que Confúcio concede a essa antologia na formação do
homem de virtude, o aspirante ao governo do mundo:
Notas
1. Li Bai, “Um ponto de partida”. 100 poemas de Li Bai, trans. A-H. Suárez
Girard, Madrid, Buenos Aires, Valencia, Pré-Textos, 2005, p. 151.
2. W. T. Chan, A Source Book in Chinese Philosophy, Princeton, Princeton
University Press, 1973, p. Três.
3. Todavia, em três estudos recentes se utiliza a retórica do "mandato do
16. Esta seção é baseada, em parte, no capítulo “La gran tarea del Estado. La
literatura en China” publicado em J. Beltrán Antolín ed., Perspectivas chinas,
Barcelona, Bellaterra, 2006, pp. 43-61.
17. Pequenas e grandes odes (Xiaoya e Daya, respectivamente) são duas das
quatro seções em que os 305 poemas são divididos, sendo as outras O Vento
dos reinos (Guofeng) e os hinos (músicas).
18. Embora esteja além do escopo deste artigo, é interessante notar que o
que está subjacente na expulsão dos poetas da República de Platão são dois
conflitos que também surgem na China pré-Imperial: em primeiro lugar, a
oposição entre poetas e filósofos em seu papel de educadores; em segundo
lugar, a capacidade de linguagem (a escrita) para "representar" corretamente
o mundo das idéias e das realidades e, como pano de fundo em ambos os
casos, a interpretação alegórica dos textos.
19. Wang Ching-Hsien destaca a importância das fórmulas na composição
dos poemas de Shijing, fornecendo perspectivas interessantes sobre a sua
estrutura e possível autoria. Vid. Wang C.H. The Bell and the Drum: Shih
Ching as Formulaic Poetry in an Oral Tradition, Berkeley, University of
California Press, 1974.
NEOLÍTICO CHINÊS
Ana Maria Amaro
duma antiga rede humana, muito mais densa naquele território do que a
escassez de vestígios fazia até hoje supor. Desde o final do Pleistoceno Médio
e durante todo o Paleolítico Inferior (c. 500000 a 200000 anos
aproximadamente), o Homo Erectus Pekinensis habitou nos arredores da
atual capital da China, na bacia do Rio Amarelo. A sua utensilagem era
semelhante à acheulense sendo as suas armas simples, mas aperfeiçoadas ou
endurecidas pelo fogo. Considerado único na China durante muito tempo,
este grupo de Hominídeos, cujos primeiros restos fósseis foram exumados
nas grutas de Zougoudian nos anos 20, está hoje longe de ser assim
43
considerado, pois foram já exploradas numerosas outras jazidas, quer no
Norte, nomeadamente em Shaanxi, quer no Sul da China. Os achados Antigas
Leituras
Tão forte parece ter sido o papel da mulher na antiga China, se China
se pode chamar aos antigos Estados dispersos pelo vasto território
posteriormente unificado, estados que, então, se digladiavam pela posse de
bens e de terras que, mesmo depois de se ter transformado a sociedade
chinesa numa sociedade de estrutura patriarcal por influência de Confúcio
(século VI a.C.), no século VII d.C. foi ainda celebrada e ficou na história
uma imperatriz" que dirigiu sabiamente um mundo de homens. Surgiram,
ainda nessa altura, numerosos poemas de poetas célebres, como Li Bai, que
exaltavam a mulher, ao tempo relegada a uma condição social de pura
inferioridade.
Terra com as suas montanhas, rios, flores e árvores pujantes, onde pássaros e
Antigas
Leituras
VISOES DA
outros animais se multiplicavam. No entanto, parecia-lhe que havia algo que
CHINA faltava nesta obra monumental. Havia necessidade de um novo ser à
ANTIGA
semelhança dos deuses, mais inteligente do que os outros animais, e capaz de
se autobastar e governar "todas as criaturas que se encontravam debaixo do
Céu"."
ocidentais e estas Vênus chinesas, já utilizadas, ao que parece, por uma VISOES DA
CHINA
cultura organizada em Estado que venerava uma Deusa-Mãe, única cabeça ANTIGA
que se encontrou no altar do templo que se crê ter sido levantado em sua
honra? A sociedade chinesa seria, nesta altura, matriarcal e/ou matrilinear?
Bibliografia
Aux Origines d Homo Sapiens, direção de Jean-Jacques Hublin e Anne
Marie Tillier, Paris, PUF, 1991.
54 BULTÉ, Jeanne. Talismans Egyptiens d'Heureuse Maternité, Paris, C. N. R. S.,
1991.
Antigas
Leituras
VISOES DA
CASSIRER, Ernst, Antropologia Filosófica, São Paulo,Mestre Jou, 1972.
CHINA
CHEN, T., YUAN, S., GAO, S. Huy, “Uranium Series Dating of Fossil Bones
ANTIGA
from Hexian and Chaoxian Fossil Human”, in Acta Anthropological Sinica,
1987, vol. 6, pp. 249-54.
“China em Construção”, Pequim. (7) Dez. 1986. pp.3340.
CHU Binjie. Relatos Mitologicos de la Antigua China, 2° ed., Pequim, Fênix,
1989.
JIA Lianpo. Early man in China, 2a ed. Beijing, Foreign Languages Press,
1989.
55
Antigas
Leituras
VISOES DA
CHINA
ANTIGA
SINOLOGIA E CONFUCIONISMO:
CIVILIZAÇÃO CHINESA
André Bueno
Introdução
O Modelo do Sábio
[...]
Zilu perguntou: como se serve aos deuses e espíritos?
O Mestre disse: aprenda a servir às pessoas, depois
pense em servir aos deuses.
Zilu perguntou sobre a morte.
O Mestre disse: aprenda antes a viver, depois
aprenda sobre a morte.
religioso? Confúcio não invocou o poder dos deuses para fazer funcionar a VISOES DA
CHINA
sua doutrina. Na verdade, ele nada impôs: apenas informou que a ANTIGA
Os Estudos Acadêmicos
O Projeto Social
Antigas
Leituras
VISOES DA O Mestre estava doente. Zilu queria rezar por ele. O
CHINA Mestre disse: e como é isso? Zilu disse: invocamos os
ANTIGA
espíritos de cima e de baixo. O Mestre disse: já faço
isso há muito tempo, não vai dar certo.
A base Familiar
experiência chinesa: esse país milenário passou por percalços históricos aos
quais podemos evitar, se deles pudermos extrair lições históricas que evitem
nossos possíveis erros. O estudo da sinologia, pois, não é um mero exercício
diletante de investigar o outro; mas é, fundamentalmente, buscar no outro
uma via de re-significação de si mesmo. O modelo da Educação, tão bem
sucedido entre eles, mostra que essa pode ser uma aposta correta: mas
depende de uma vontade social, ligada ao desejo de auto-aprimoramento,
que alicerça o desejo de continuidade — e ao mesmo tempo, de mudança —
dentro da sociedade.
(Conversas #)
72
Notas
Antigas
Leituras
VISOES DA 1.De fato, a classificação de Jaspers é abrangente, e possui uma série de
CHINA
ANTIGA contradições na escolha e definição dos grandes nomes da antiguidade.
Usamo-la aqui apenas como referência para discussão.
2. Liji'#Etem sido tradicionalmente traduzido como “Livro dos Ritos, mas
julgo inadequada e reducionista a tradução do termo “Li apenas como
“ritual”. Um exame breve dessa fonte nos permite constatar que Confúcio
abordava a cultura no geral, razão pela qual optei por “cultura no lugar de
“rito”.
Bibliografia
De minha autoria:
http://andrebueno-sinologia.blogspot.com.br
Uma história das traduções de Confúcio, bem como dos estudos
confucionistas no Brasil pode ser vista no meu artigo: “Confúcio no Brasil:
um problema epistemológico”, disponível em:
http://orientalismo.blogspot.com.br/2014/01/confucio-no-brasil-um
problema.html
Os clássicos chineses, coligidos por Confúcio, podem ser vistos em: 73
http://chines-classico.blogspot.com
Antigas
Leituras
VISOES DA
Outros autores: CHINA
ANTIGA
Boff, L. (org.) China é Cristianismo. Petrópolis: Vozes, 1979.
Cheng, A. História do pensamento chinês. Petrópolis: Vozes, 2010. Jaspers,
Karl Way to Wisdom: An Introduction to Philosophy. Yale: Yale University
Press, 1951.
76 São estes os únicos dados conhecidos sobre a vida de Lao Zi que, livre
das paixões do mundo, desapareceu em direcção às regiões do Ocidente (a
Antigas
Leituras
VISOES DA
India? o Tibete?) e esfumou-se na brima e no espaço.
CHINA
O historiador Sima Qian nas suas biografias recorria largamente às
ANTIGA
narrativas da tradição oral - daí as suas frequentes palavras “ouvi contar”,
“ouvi dizer” —, mas trabalhava com grande rigor e os seus textos costumam
ser precisos e fiáveis. Apesar destes considerandos, a brevíssima biografia de
Lao Zi escrita por Sima Qian não esclarece muito sobre a mítica figura do
fundador do taoísmo. São inúmeras as controvérsias e debates que duram
até hoje sobre Lao Zi, o texto do mestre e a natureza do Tao entre os mais
diversos estudiosos do taoismo, chineses e ocidentais.
Paul Pelliot descobriu na cave 17, - uma das fabulosas grutas de Dunhuang,
na província de Gansu -, um manuscrito datado provavelmente do início da
era cristã, com o Tao Te Ching em exactamente 4.999 caracteres. Com
alterações pouco significativas, as diferentes versões da obra costumam
rondar os 5000 caracteres chineses.
DO Tao
O que é o Tao?
No texto tradicional do Tao Te Ching, o carácter taoi#í aparece 76
vezes. O ideograma jí é composto por dois elementos. Um significa “cabeça
ou chefe”, o outro “caminhar, concluir uma viagem.” O Tao é pois o
caminho a percorrer, é fazer o caminho, chegar ao fim e iniciar sempre um
novo caminho.
O Tao é também a força natural que existe por toda a parte, o fluir e
a harmonia da Natureza, uma espécie de poder omnipotente que
acompanha a nossa vida. O homem assume-se como uma pequeníssima
78 parte do mundo natural.
Lao Zi, no capítulo 25 do Tao Te Ching, fala da natureza do Tao:
Antigas
Leituras
VISOES DA
CHINA Misteriosamente formado,
ANTIGA
nascido antes do Céu e da terra,
sem forma nem imagem que não pode ser visto, nem VISOES DA
CHINA
ouvido. Possui em si as dez mil virtudes e felicidades. ANTIGA
DO Te
tudo alimenta.
taoísmo religioso.
Consideremos, por exemplo, a compreensão da imortalidade para o
taoismo mágico-religioso. A imortalidade será o resultado de práticas
ascéticas combinadas com a frugalidade e o tomar de certos pós e ervas que
• • --, • • Axº • •
DO NOme
Lao Zi e Confúcio
Lao Zi seria uns bons anos mais velho que Confúcio que nasceu em
551 AEC Ter-se-ão encontrado uma ou duas vezes, como de resto narra o
No Livro V, capítulo VIII do Lie Zi, outra obra taoista que terá sido
escrita no sec. III AEC, talvez também da autoria de Zhuang Zi,
encontramos uma interessantíssima crítica a Confúcio feita por dois
meninos. Assim:
Conclusão
Notas
1.Wang Keping, The Classic of Dao, Pequim, Foreign Languages Press, 1998,
introdução, pag. i.
2.Entre outros, por exemplo, Patrick Carré, Lao Zi, em Dictionaire de la
Literatture Chinoise, Paris, PUF, 2000, pag.157. Também Fung Yu-lan, A
History of Chinese Philosophy, Peiping, Henri Vetch, 1937, pag. 170 e sgs. E
Anne Cheng, Histoire de la Pensée Chinoise, Paris, Ed. du Seuil, 1997, pag.
176 e segs.
3.As “Memórias Históricas” englobam cento e trinta capítulos com
biografias de personalidades famosas e incursões no modo de governar, nas
realidades quotidianas, desde a alta antiguidade chinesa até ao reinado do
imperador Han Wudi (140 AEC — 87 AEC). A obra foi começada por Sima
Tan (? — 110 AEC) e concluída pelo seu filho Sima Qian.
4.No actual distrito de Luyi, na província de Henan.
5.A actual cidade de Luoyang, na província de Henan.
6.Citado por Jean Grenier, em L’esprit du Tao, Paris, Falmmarion, 1973, pgs.
29 e 30, que segue a velha tradução das “Memórias Históricas” de Sima
Qian, que data de 1842 feita por Stanislau Julien (1797-1873), um dos
primeiros grandes sinólogos franceses. Ver também a tradução de Luís
Gonzaga Gomes em O Livro da Via e da Virtude de Láucio, Macau, Separata
da Revista Mosaico, 1952, pag. 7 e 8.
7.Não por acaso, o chinês Gao Xingjian #fffÉ, prémio Nobel da Literatura 91
2000, também divide #III Lingshan #III, “A Montanha da Alma”, o seu
Antigas
mais famoso romance, por oitenta e um capítulos. O poeta Casimiro de Leituras
VISOES DA
Brito no seu Na Via do Mestre, Guimarães, Ed. Pedra Formosa, 2000, escreve CHINA
ANTIGA
também oitenta e um poemas que confessa terem nascido quase de um
diálogo continuado com Lao Zi.
Apenas uma curiosidade: o número 81 é tão importante para o taoismo
mágico-religioso que vários textos posteriores ao Tao Te Ching consideram
que uma boa relação sexual deve ter em conta, o vai-e-vem do falo do
homem no sexo da mulher repetido oitenta e uma vezes. Assim se alcançará
o êxtase, um bem sucedido orgasmo.
8.Os deuses da Rota da Seda concederam ao autor deste estudo e texto, o
14. Para uma análise de conjunto das práticas e rituais do taoísmo religioso
na China, ver Taoism, (vários autores) Pequim, Foreign Languages Press,
2002.
Bibliografia
Em chinês
Em português
Alp. Sair, A Filosofia de Lao-tseu e as suas Relações com o Orientalismo
Hermético, Lisboa, Livraria Clássica, 1921.
Ana Cristina Alves, A Sabedoria Chinesa, Cruz Quebrada, Casa das Letras,
2005.
....., Excertos de Filosofia Taoísta, segundo o “Tao Hing” de Lao Tze e o “Nan
Hua King”de Chuang Tze, Macau, Tipografia do Orfanato da Imaculada
Conceição, 1930.
.....,Colectânea de Artigos, vol I., Macau, Notícias de Macau, 1963.
O Livro da Via e da Virtude de Láucio, (bilingue), (trad. Luís Gonzaga
Gomes), Macau, Separata da Revista Macau, 1952.
O Livro de Tao (bilingue) (trad. João C. Reis e Maria Helena O. Reis),
Macau, Mar-Oceano, 2º. edição, 1998.
94 Sabedoria Tao Te Ching, Cacém, Texto Editora, 1998.
Tao Te Ching, Lao-Tzu, (trad. Paulo Moreira e Maria Margarida), Lisboa,
Antigas
Leituras Plátano Editora, 2009.
VISOES DA
CHINA Tao Te King, (trad. António Melo), Lisboa, Editorial Estampa, 1989.
ANTIGA
Tao Te King, O Caminho da Virtude (bilingue), (trad. Maria Cláudia
Fernandes), Mem Martins, Livros de Vida Editores, 1997.
Tao-Te King, (texto de Richard Wilhelm), S. Paulo, Ed. Pensamento, 1995.
Wu Jyh Cherng, Iniciação ao Taoísmo, Rio de Janeiro, Sociedade Taoísta do
Brasil, 1998.
Em castelhano
António Vera Ramirez, Preguntale a Lao Tse, Madrid, Ed. Tikal, 1999.
Lao Tse, Tao-Te-Ching, (trad. Carmelo Elorduy), Oña, 1961.
Tao Te King, (trad. Ramón Hervás), Barcelona, Ed. 29, 1986.
Tao Te King, Barcelona, Ed. Indigo, 2002.
Tao Te King, Madrid, Editoral Ricardo Aguilera, 1982.
Em francês
Léon Wieger, Les Pères du Système Taoiste, (bilingue) Paris, Cathasia, 1983.
Max Kaltenmak, Lao Tseu et leTaoisme, Paris, Ed. Seuil, 1965.
Tao Poétique, Vrais poèmes du vide parfait, (trad. Cheng Wing Fun e Hervé
Collet), Millemont, Moundarren, 1986.
Tao Te King (trad. Claude Larre), Paris, Desclée de Brouwer, 1994.
Em italiano
95
Martin Palmer, Il Taoismo, Conoscenza e Immortalita, Milão, Xenia Ed., Antigas
Leituras
1993. VISOES DA
• • • • • CHINA
Lao-Tzu, Il Libro della Virtú e della Via, secondo il manuscrito de Ma-Wang- ANTIGA
Tui, (trad. Lionello Lanciotti, com o texto em chinês), Milão, Ed. Se, 1993.
Em inglês
A Taoist Classic, the Book of Laozi, (bilingue), Pequim, Foreign Languages
Press, 1993.
Chad Hensen, Tao Te Ching, on the Art of Harmony, Londres, Duncan Baird
Publishers, 2009.
D. Howard Smith, The Wisdom of the Taoists, Nova Iorque, New Directions
Books, 1980.
The Texts of Taoism I, (trad. James Legge), Nova Iorque, Dover Publications,
1962.
97
Antigas
Leituras
VISOES DA
CHINA
ANTIGA
O “RITO DE PASSAGEM DO ESCRITO AMARELO DA
Bony Schachter
Introdução
social chinesa, isto é, a família (jia).? De acordo com textos como o Grande
Ensinamento X#, a família 3 é o cerne da vida pública e privada: o
soberano ideal é aquele que regula o reino como faria com a sua própria vida
doméstica." De qualquer modo, durante a antiguidade chinesa, a existência
do matrimônio enquanto instituição não tornava o indivíduo do gênero
masculino automaticamente subordinado a práticas estritamente
heterossexuais, posto que há registros históricos de práticas homossexuais
realizadas antes com o fim do amor, do entretenimento e da admiração
mútua entre homens do que por qualquer outro vínculo legitimador." Em
outras circunstâncias, pode ocorrer de o “homem” definir a si mesmo como
a “mulher”, ou vice-versa. Este é o caso do poeta Quyuan, que ao discursar
sobre o seu rei fala acerca de si mesmo como sendo a sua “beldade”#/\,
numa alusão às relações de amor entre ambos, onde ele assumia um papel
que não lhe estava necessariamente nem reservado nem negado pela cultura
antiga. Neste sentido, o rito de passagem sexual é uma manifestação do que
há de mais convencional no mores chinês, pois os participantes do mesmo
tem a sua relação de gênero definida, ao fim e ao cabo, pela mesma lógica do
matrimônio, segundo a qual o coito legítimo é aquele executado entre o
macho e a fêmea. Nem o sexo oral, nem o coito anal ou relações entre
indivíduos do mesmo gênero ou a livre iniciativa são pressupostos pelo rito
sexual daoísta. Do mesmo modo, nem a modalidade médica, nem a
| ()() Em fins do século II, o império chinês já não era mais capaz de exercer
a sua autoridade por todo o seu extenso território. Rebeliões populares
Antigas
Leituras
VISOES DA
começaram a eclodir, muitas vezes tendo como fundo temas religiosos. Este
CHINA
ANTIGA
é o caso da Rebelião dos Turbantes Amarelos # [[##, liderada por Zhang
Jue #ff. Não se sabe quando o líder dos Turbantes Amarelos nasceu, mas a
data da sua morte, o ano de 184, é certa, e foi neste ano que a sua
impressionante rebelião foi reprimida com sucesso. O pano ideológico da
revolução liderada por Zhang Jue era, provavelmente, o Tratado da Suprema
Paz K**Á. Por este motivo, a Rebelião dos Turbantes Amarelos também
ficou conhecida como Caminho da Suprema Paz K*ifí. Tal livro propunha
a visão de uma sociedade ideal onde os princípios confucionistas aliados a
uma leitura esotérica da história chinesa substituiriam os sofrimentos
Antigas
nove litros) de arroz por ano para a instituição por parte dos seus membros.
Leituras
VISOES DA A Ordem Ortodoxa Unitária IE…)É contemporânea clama uma ligação
CHINA
ANTIGA direta com o movimento religioso do Mestre Celestial Zhang Daoling,
embora a legitimidade e a validade histórica de tal ancestralidade seja
questionada por historiadores da religião, que muitas vezes, e felizmente,
não possuem compromisso com qualquer programa de ordem religiosa.
Em termos doutrinários, além da proibição de sacrifícios animais
/
deveriam ser combatidos para que dessem lugar aos três pneumas =#{
puros do Caminho, chamados por pneuma do Início fi, do Princípio JL e
do Mistério 2, e aos quais corresponderiam três cores, a saber, branco, azul
e amarelo, visualizadas por ocasião dos rituais. Outro aspecto importante da
teologia do daoismo nesta fase será a personificação dos pneumas e a sua
burocratização. Os pneumas não apenas assumem a forma de deuses nos
quais os seres humanos podem identificar a si mesmos como, também, a sua
estrutura de organização nos documentos daoístas irá se comportar como
uma imagem espelhada da burocracia estatal. Assim, os deuses são
representados como soberanos, generais, oficiais, soldados, conselheiros.
Registros, talismãs, espadas, selos, carimbos, água consagrada, invocações e
rituais eram as armas usadas pelos daoístas na batalha diária contra os
demônios que lhes traziam doenças, sofrimentos e, em última instância,
sustentavam o governo Han.
Em um ambiente marcado por tão densa atmosfera religiosa, a prática
sexual certamente seria de alguma maneira ressignificada. Os registros que
104
nos chegaram do Caminho do Mestre Celestial indicam que também o sexo
Antigas era entendido como um elemento da vida comunal, e não apenas do âmbito
Leituras
VISOES DA
do privado, um conceito cuja própria existência no contexto referido nós
CHINA
ANTIGA temos razões significativas para questionar. É um consenso entre os scholars
que a prática ritual do sexo era realizada com o objetivo de regular os ciclos
de alteração cósmica, de criar proximidade entre os membros e de promover
iniciações. O termo “ciclos de alteração cósmica” não apenas parece místico
demais para o contexto acadêmico, ele de fato exige explicações.
Determinados documentos mostram que os daoístas do Caminho do Mestre
Celestial entendiam que o sexo ritual deveria ser praticado em determinadas
datas, em dias “auspiciosos” tais como indicados por meio de determinados
cálculos calêndricos. De qualquer modo, o ato sexual praticado durante o
rito não se resumia à penetração e não era realizado necessariamente com o
objetivo da longevidade ou da procriação. Na verdade, a penetração era
apenas uma das etapas de um complexo programa que envolvia visualizações
E, estímulos sonoros, exercícios respiratórios, massagens, toques.
O corpo, no âmbito deste ritual, não era o corpo moderno, mas sim
um corpo comunal, onde a experiência do sexo é esvaziada de elementos
recreativos para revestir-se com a importância de um ato capaz de alterar os
ciclos do tempo, as estações do ano, sendo representado tanto como a
origem de bençãos quanto de desgraças para toda a comunidade. Não era
tanto o encontro de um corpo com o outro, mas sim a atualização dos laços
de toda a comunidade com o âmbito divino por meio de recursos
simbólicos, imaginativos e físicos. Neste sentido, não havia espaço para a
iniciativa individual. Segundo Robinet, tanto a escolha dos parceiros quanto
o próprio modo como o ato ritual era executado eram minuciosamente
coordenados pelo sacerdote responsável, que acompanhava todo o processo.
Há razões para supor que tal rito tenha suas origens nas práticas orgiásticas
chinesas descritas por Maspero, embora não se possa tirar conclusões
precipitadas sem as provas arqueológicas que ainda faltariam para tal. O rito
sexual tal como descrito nos documentos do Mestre Celestial não envolve o
prima pela simetria e pela estetização do sexo praticado num ambiente onde VISOES DA
CHINA
O uso do corpo e a mobilização de seu potencial erótico não pertencem à ANTIGA
Etapas do rito
X #5 W. H. H. É NE EH EXRjùjá ###### D) }}
J\+ #ff=#{###í{{X}}##############
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#>R# EH # HäEV}}{# E já # HYH # =f^{R#
Antigas
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Leituras
VISOES DA
CHINA
ANTIGA Entrar no oratório. O homem [yang] fica de pé
sobre a posição Yin. A mulher yin] fica de pé
sobre a posição Shen. Aquele que pede a
participação no rito de passagem se ajoelha,
dizendo: “O iniciado Fulano teve a sorte que só
se encontra uma vez em mil anos de ser
H = {{WL}J/E#######
| 07
[...] Cada um toca o tambor doze vezes. Cada um Antigas
Leituras
visualiza os Emissários do Mérito Superior, os VISOES DA
CHINA
Generais, Oficiais e Soldados com suas coroas e ANTIGA
JL H + I = VL|YEH #fffff|}|{{L########
— UJ}{XSP}{R}IIIHE-jù IE
expiação dos pecados. Esta etapa envolve a visualização dos pneumas, sua
absorção pelos canais de circulação dos mesmos e o uso de invocações:
| 09
44 H = JL4E4EU TE H2S E J#|TH # É ER] [[]]HHD), H.
Antigas
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VISOES DA
CHINA
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ANTIGA
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G. Pular a rede terrestre ###. Esta etapa ainda inclui a liberação da rede
celeste###. Os participantes realizam uma invocação com o objetivo de
excluir a si mesmos do livro da morte e serem inscritos no registro da
vida#####_E#E$#. A referência aos livros da vida e da morte será
J. Dez Deuses +3+, combinar os nomes dos Vinte Veneráveis #E=Fiº#44, |]]
visualizar os Cinco Deuses BH3+. Esta etapa repete procedimentos já Antigas
Leituras
VISOES DA
executados em etapas anteriores (implorar para participar do rito, pedir pela CHINA
exclusão do nome nos livros da morte, eliminação dos desastres e ANTIGA
mais grave a partir do século V. Nas Declarações dos Autênticos Hí# — uma
coletânea de revelações feitas pelos deuses daoístas a Yang Xi #, coletânea
esta fortemente ligada ao estabelecimento da linhagem da Claridade
Superior — há comentários relativos os ritos de natureza sexual praticados no
âmbito do movimento do Mestre Celestial. Para o Homem Perfeito do Puro
##{Zíff. Os “três Zhang” são Zhang Daoling, Zhang Heng e Zhang Lu.
Kou Qianzhi, com a autoridade conferida pela suposta revelação de Laojun,
declarou a si mesmo como o novo Mestre Celestial, começando não apenas
a eliminação do rito de junção dos pneumas como, também, dos ritos de
auto-imolação e dos banquetes comunais praticados no contexto daquela
comunidade.
Considerações finais
7.Pangu era uma figura mítica da China. Diz-se que ele nasceu dentro do
116
“caos”. Após milhares de anos de indiferenciação, o caos começou a tomar
Antigas forma. O pneuma puro subiu e se tornou o céu, o pneuma túrbido desceu e
Leituras
VISOES DA se transformou na terra. O céu se tornava cada vez “mais alto”, enquanto a
CHINA
ANTIGA terra se tornava cada vez “mais funda”. Pangu sustentava o céu sobre a terra e
crescia à medida em que ambos se separavam. Depois que o gigante morreu,
seu pneuma se transformou no vento vento e nas nuvens. Sua voz se
transformou no trovão. O olho esquerdo se transformou no sol. O olho
direito, na lua. Seus membros se transformaram em montanhas. Seu sangue,
nos rios e ravinas. Seus tendões compuseram a textura terrestre. Seus
músculos, a terra ela mesma. Seus cabelos formaram as estrelas. Sua pele, a
grama. Seus dentes, ouro e pedras preciosas.
Bibliografia
BOKENKAMP, Stephen. Sources of the Ling-pao Scriptures, In: Strickmann
1981–85, 2, pg. 434—86, 1983.
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Numinoso), Acta Asiatica 27, 33–56, 1974. _____ . }}|J}}}ODifí# (Daoismo ANTIGA
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University of Chicago Press, 2004.
SOMMER, Matthew H. Sex, Law and Society in Late Imperial China,
Stanford University Press, Stanford, California, 2000.
ZHUANGZIE ARISTÓTELES:
SOBRE SER UMA COISA
Chenyang Li
Antigas
Leituras
VISOES DA
A mesa que estou usando para escrever este artigo pode ser vista de
CHINA duas maneiras. Primeiro, é uma mesa do senso-comum que tem extensão,
ANTIGA
ocupa um pedaço de espaço, e é substancial. Em segundo lugar, é realmente
uma massa de elétrons com um amplo espaço vazio neles. Presumivelmente,
há apenas uma mesa aqui. Agora, qual delas é a coisa? Algumas pessoas
dizem que só há uma coisa que é auto-idêntica, e tem atributos ou
propriedades. Então a questão é, o que é isso? No caso acima, é a mesa uma
propriedade da massa de elétrons, ou é a massa de elétrons uma propriedade
da mesa? Outros podem insistir que há realmente duas coisas que coincidem
no espaço. Então, há apenas dois delas, ou há mais? Qual é a relação entre
elas, além de sua coincidência espacial? Geralmente estas perguntas são
investigadas através dos conceitos de ser e identidade.
A questão do ser é de extrema importância, pois, se estamos
conscientes disso ou não, muitos dos pontos de vista de uma pessoa sobre
outros aspectos do mundo são dependentes de seus pontos de vista sobre
esta questão. Por uma questão de fato, todas as pessoas, filósofa ou não, da
mesma forma, tem alguma opinião sobre isso, embora a maioria das pessoas
tenha suas opiniões tacitamente. As implicações de diferentes pontos de vista
sobre esta questão fundamental são profundas. As pessoas que têm
perspectivas diferentes sobre esta questão mantém, fundamentalmente,
diferentes visões de mundo . Suas visões de mundo pode ser tão
radicalmente diferente que dificilmente compartilham uma base comum,
suficiente para transmitir um ao outro, suas posições sobre questões
relacionadas.
derivada de Aristóteles. Eu vou mostrar que eles não são apenas diferentes,
mas também, como a ontologia de Zhuangzi é uma alternativa viável para a
ontologia aristotélica.
O Ser do boi
mundo tem sua raiz no Dao. Neste sentido, todos são um, e as diferenças
entre as coisas são insignificantes do ponto de vista do Dao. No nível da
entidade, cada pessoa física pode ser tanto um "isto" e um "aquilo". Ser "isto"
não exclui a sua também ser um "aquilo". Os dois níveis estão ligados entre
si, e um indivíduo ser “isto” e ser “aquilo” são formas de o Dao de se
apresentar. A seguir vou me concentrar no segundo nível, sobre a questão
da identidade de uma entidade.
Não há nada que não seja "isto"; não há nada que VISOES DA
CHINA
não seja "aquilo". O que não pode ser visto por ANTIGA
Ver as coisas dentro das relações e situações é ver as coisas numa rede em VISOES DA
CHINA
que vários fatores interagem uns com os outros, é ver as coisas em contexto, ANTIGA
em perspectiva.
Então, como é que a entidade é um boi e que a entidade é um pacote
de carne e ossos e ambos estão corretos? Zhuangzi acredita que "um
caminho começa a existir através das pessoas que passam por ele; uma coisa
é assim porque as pessoas dizem que é" (Zhuangzi-“Qiwulun”).
Originalmente não havia caminhos no mundo. Um caminho emerge
somente após andarmos nele. "Dizer" (wei), que também pode ser traduzido
como "nomear" aqui, pode ser entendido como o reconhecimento. Uma
coisa é (disse) assim porque nós a reconhecemos desta forma. A entidade
individual é um boi quando a reconhecemos assim, e é um pacote de carne e
ossos quando a reconhecemos assim. Isto pode soar um pouco subjetivista.
Mas não deve ser tomado no sentido de que podemos ver uma entidade de
forma arbitrária. Zhuangzi continua o comentário dizendo: "Por que isso?
Por ser assim. Por que não? Por não ser assim”. É inerente a uma coisa que
ela seja de algum lugar que é dela, de algum lugar que é permitido a ela. Não
é arbitrário para alguém reconhecer uma entidade como “alguma coisa”,
pois a entidade tem a sua própria natureza e sua própria função. A partir
disso, pode-se dizer que uma coisa ser em si não é uma pura invenção nossa.
O Dao tem seus meios. Temos a visão de que um boi é mais um boi do que
um pacote de carne e ossos, ou vice-versa, porque chegamos a reconhecê-lo
dessa forma. Podemos fazer isso por causa de seu "ser assim". No entanto,
não é verdade que só existe uma maneira certa de reconhecer as coisas.
A visão de Zhuangzi parece ainda mais atraente quando olhamos
para entidades artificiais. Em analogia ao exemplo da estátua de bronze de
Aristóteles, eu posso fazer uma pergunta semelhante: é o meu anel de uma
substância primária, que tem uma propriedade de ser ouro, ou é este pedaço
de ouro a principal substância que tem a propriedade de ser um anel? Por
um lado, esta peça de ouro é uma substância primária, se alguma coisa é
uma substância primária, no sentido aristotélico; por outro lado, não há
nenhuma razão para que o meu anel não deva ser uma substância primária
quando outras entidades individuais, tais como tijolos e estátuas, são
substâncias primárias. Se houver apenas uma substância primordial nesta
130 entidade, o que é isso? Zhuangzi não teria nenhum problema em dizer que
ele é ao mesmo tempo ambas, com nenhum ser mais primário do que o
Antigas
Leituras
VISOES DA
outro sem um contexto. Neste ponto, um aristotélico pode querer recuar e
CHINA afirmar que apenas entidades naturais são substâncias. Se assim for, pelo
ANTIGA
menos, a ontologia de Zhuangzi teria a vantagem de cobrir ambas as
entidades naturais e entidades artificiais. Zhuangzi se opõe ao pensamento
dogmático. Ele afirma:
(Zhuangzi-“Qiwulun”).
Antigas
Leituras
VISOES DA
CHINA
Aqui Zhuangzi defende a ideia de que tudo pertence ao Dao. Ele
ANTIGA
critica aqueles que não conseguem perceber isso como "três pela manhã
(macacos)". A crítica de Zhuangzi também se aplica aos aristotélicos que
sustentam que uma entidade individual tem apenas um ser primário. Os
aristotélicos estão presos em uma forma hierárquica de pensar. Para eles, é
preciso dar um definitivo "um/outro" tipo de resposta entre coisas como
"três todas as manhãs e quatro todas as noites" e "quatro todas as manhãs e
três todas as noites", e apenas uma resposta pode estar certa.
Zhuangzi não nega que existe alguma diferença entre "três a cada
manhã e quatro todas as noites", de um lado, e "quatro todas as manhãs e
três todas as noites", por outro. Mas ele acredita que a diferença não é
significativa o suficiente para que se mantenha uma adesão obstinada de um
contra o outro. Do ponto de vista do Dao os dois estão enraizados na
mesma. Os macacos não conseguem ver que "três todas as manhãs e quatro
todas as noites" e "quatro todas as manhãs e três todas as noites" são o
mesmo em quantidade. Aristotélicos também são "três a cada manhã",
porque eles afirmam que apenas uma resposta é em última análise correta, e
eles não conseguem ver que, do ponto de vista do Dao, “ser um boi com a
propriedade de ter o pacote de carne e ossos" e "ser um agregado de partes e
ter a propriedade de ser um boi" são o mesmo em quantidade. Estas são duas
formas diferentes de ser a mesma coisa. Disputar quem tem a primazia
absoluta é como os macacos brigando se eles têm três nozes todas as manhãs
e quatro todas as noites, ou quatro todas as manhãs e três todas as noites.O
sábio, compreendendo o pivô do Dao, veria a Unidade dos dois lados e
permaneceria flexível.
Reconhecendo que uma entidade pode ser tanto um “isto" e um
"aquilo”, Zhuangzi está disposto a julgar como melhor ou pior visões do que
uma entidade seria com base na prática. Isto é o que ele quer dizer ao
afirmar que o "o que isto é" das coisas "vai pela circunstância".
Em Zhuangzi, encontramos uma conversa entre Nie Que e seu
mestre Wang Ni:
133
"Você sabe alguma coisa sobre a qual todas as coisas Antigas
Leituras
concordam "É isto?" VISOES DA
CHINA
"Como eu poderia saber isso?" ANTIGA
II II
Aqui pela boca de Wang Ni, Zhuangzi expressa seu próprio ponto de
vista. Ele tem como alvo a questão de um universal "É isto", em um sentido
mais amplo, estendendo-se a ética bem como para a estética. Ele certamente
inclui a metafísica. Para ele, não há um consenso sobre um universal "É
isto", o que mostra não só que não podemos chegar a tal estado, devido ao
fato de que cada um de nós está sempre situado em circunstâncias, mas
também que não existe tal realidade. Uma entidade tem o seu ser e funções.
Como nos aproximamos e avaliamos, isso realmente depende da prática em
que estamos envolvidos. Dizer que a entidade é um boi e dizer que é um
pacote de carne e ossos são duas formas de abordar a mesma entidade.
134 Quanto ao caminho que é certo, ele realmente depende do contexto em que
a entidade é reconhecida. A maneira apropriada de reconhecer uma entidade
Antigas
Leituras
VISOES DA
depende do propósito que temos para ela, e o propósito varia ao longo do
CHINA tempo e de lugar para lugar. Por exemplo, se usarmos a entidade como
ANTIGA
animal de fazenda, é melhor reconhecê-la como um boi; para o Cozinheiro
Ding, não ver somente um boi mostra que ele encontrou o seu caminho no
mundo. É muito importante para o cozinheiro Ding que um boi não seja
apenas um animal inteiro, mas também um agregado de partes. Por apenas
não ser como um todo, mas um pacote de carne e ossos, é possível ao
Cozinheiro Ding encontrar "muito espaço" no meio para passar sua lâmina.
Para ele, a entidade como um pacote de carne e ossos não é uma forma
meramente potencial como Aristóteles sustentava. É um ser real para se
lidar. Desta forma, a metafísica relativista de Zhuangzi e sua ênfase na
prática estão ligadas.
Um aristotélico talvez não negasse diretamente que às vezes faz mais
sentido tratar a entidade como um pacote de carne e ossos, ao invés de como
um boi inteiro. Ele pode tentar, de duas maneiras, evitar uma flagrante
contradição em sua visão metafísica que a entidade é principalmente um
boi. Primeiro, ele pode sustentar que há duas entidades, um boi e um
agregado de partes, enquanto o boi é principalmente um boi, o pacote de
carne e ossos é principalmente um agregado de partes. Como já apontado
anteriormente, desta forma, o aristotélico não só vai contra o próprio
Aristóteles, mas também infla o número de entidades em todo o mundo
coisa. O relato de Zhuangzi, por isso, funciona melhor aqui. Em segundo VISOES DA
CHINA
lugar, e mais importante, tratando o pacote de carne e ossos apenas como ANTIGA
Transformação da Borboleta
primária, a entidade não pode ser a mesma entidade, sem ser um boi.
Zhuangzi novamente discorda. Em Zhuangzi temos a famosa história
de seu sonho de borboleta:
Aqui Zhuangzi sugere que ele pode ser Zhuangzi (Zhou), que sonha
que é uma borboleta, ou que ele é uma borboleta que sonha que é Zhuangzi.
Ele nunca poderia saber, mas, em qualquer caso, ele seria o mesmo
indivíduo. Perder o seu status como um espécime humano não significa
destruição, mas uma forma diferente de ser do mesmo indivíduo. Isto é, não
é necessário que ele seja um homem, mas não uma borboleta. Ele pode ser
uma borboleta e ainda manter sua identidade como o mesmo indivíduo.
137
Se uma entidade pode sobreviver a uma mudança de categoria de
substância sortal categoria e continuar a ser a mesma pessoa como Zhuangzi Antigas
Leituras
acredita, pode-se querer pressionar ainda mais, pedindo "a mesma coisa?". A VISOES DA
CHINA
esta questão nem ao menos "o mesmo homem", nem "a mesma borboleta" ANTIGA
pode ser a resposta certa. Mesmo "o mesmo animal" não faria isso, porque
nós normalmente não consideramos um homem e uma borboleta como o
mesmo animal. Zhuangzi, no entanto, não segue esta maneira de pensar. Ele
não nega que há alguma diferença entre um ser humano e ser uma
borboleta. Mas ele acredita que, do ponto de vista do Dao, a diferença só
mostra "as transformações das coisas". Em Zhuangzi, as transformações das
coisas acontecem quando a fronteira entre "isto" e "aquilo" é dissolvida, e a
Unidade do mundo é revelada. Em tal estado, se ele é um ser humano ou
uma borboleta não importa muito, não só porque do ponto de vista do Dao,
cada coisa no mundo pertence à Unidade do Dao, mas também porque isso
poderiam ser duas maneiras de ser a mesma coisa. A noção das
transformações das coisas torna-se mais plausível à luz da visão de Zhuangzi
na unidade do “aquilo" e "isto" da mesma entidade. Ele nega que há essência
e que a identidade de uma entidade é determinada por qualquer coisa como
essência. Assim, dizer que uma entidade é essencialmente ou primariamente
um homem ou uma borboleta já é estar enganado. Para ele, uma entidade
pode ser tanto um "isto" e um "aquilo"; pode continuar a ser a mesma
entidade ao transformar-se de uma categoria para outra.
Este ponto de vista é provavelmente o mais difícil de aceitar para
aqueles que estão acostumados à maneira aristotélica de pensar. É, no
entanto, uma extensão da dimensão temporal ou cronológica do que
Zhuangzi disse sobre a coincidência simultânea de diferentes modos de ser
de uma entidade. A visão de que uma coisa pode sobreviver a uma mudança
de categoria substancial é baseada em tradições do pensamento chinês. Na
mitologia clássica chinesa, nos é dito repetidas vezes que um indivíduo
mantém a sua identidade depois de passar por mudança categorial de
substância. Por exemplo, sobre o Rei Macaco da Jornada do Oeste, se diz que
nasceu de uma ágata, e que era capaz de se transformar de setenta e duas
formas variadas. Ele poderia ser um peixe ou um templo, um velho ou uma
jovem. No entanto, é o mesmo do Rei Macaco. Sua identidade como pessoa
física transcende qualquer categoria particular com a qual a entidade está
138 associada. Sobre o herói de O Sonho do Quarto Vermelho, Jia Baoyu, é dito
que foi transformado a partir de um pedaço de jade. A heroína do Romance
Antigas
Leituras
VISOES DA
da Cobra Branca teria vindo do processo de transformação de uma cobra
CHINA branca em uma linda mulher. Isto não é um argumento real para Zhuangzi e
ANTIGA
contra Aristóteles. Ele sugere, no entanto, que nesta cultura não é
inconcebível para uma entidade manter a sua identidade através de uma
mudança de categoria. Pelo contrário, esse tipo de transformabilidade é
profundamente enraizado no pensamento das pessoas.
Suponha que no tempo t1 uma entidade é um membro de uma
espécie S, e no tempo t2 ele deixa de ser um S e torna-se um A. Após t2,
podemos apontar para a entidade e dizer "que costumava ser (ou era) um S
em t1, mas agora ele não é mais um S, mas uma A". Esta frase faz todo o
sentido. Para que a sentença faça sentido para os dois "é isso", ela deve
referir-se a mesma coisa. O que é "isso?”. Zhuangzi diria que não pode ser
um/outro, e tem que ser os dois. Por exemplo, no caso do boi, que é tanto
um boi e um pacote de carne e ossos. Esta intuição apoiaria Zhuangzi
quando ele contou a sua história do sonho, embora ele não tenha ido mais
longe para dar um argumento para isso.
Em Zhuangzi, a questão como "isto" (substância) e "aquilo"
(substância) são idênticos não se coloca. Se for perguntado como "isto"
modo de ser e "aquilo" modo de ser são idênticos, a resposta é simplesmente
que eles não são idênticos. Mas a entidade que tem dois modos de ser é
idêntica em si. É a mesma entidade. Este ponto de vista do ser se encaixa
bem na cena descrita pela física contemporânea. No nível micro do mundo,
não há um tijolo “substância última do mundo”. As partículas são também
energia. Indagar sobre a substância ou o ser primário do mundo é inútil.
Não são as partículas mais do que pacotes de energia, nem pacotes de
energia mais do que as partículas. Elas são o mesmo. O fato de que estamos
mais confortáveis com a idéia de que é partículas não é uma razão legítima
para que possamos tomar as partículas como substâncias primárias e pacotes
de energia como secundários.
A partir da discussão acima, podemos ver que, apesar de Zhuangzi
não fornecer uma teoria metafísica sistemática como Aristóteles fez, no
Zhuangzi, as coisas têm suas maneiras de ser. Uma coisa pode ser um "isto" e VISOES DA
CHINA
um "aquilo". Apesar de "isto" ser uma maneira para que se seja, ser um ANTIGA
140 "Dois cursos" aqui, claro, não significa literalmente apenas "dois".
Podem ser mais de dois. Embora Confúcio não tenha elaborado sua
Antigas
Leituras
VISOES DA
ontologia, a partir dessa afirmação, podemos dizer que, no espírito, ele está
CHINA
de acordo com a ontologia de Zhuangzi. Por exemplo, para os
ANTIGA
confucionistas, uma pessoa é um filho, um pai, um marido, um professor,
etc. Ser um filho ou pai não é meramente uma propriedade em adição ao seu
ser; eles são partes de suas identidades; eles são seus modos de ser. Sem esta
ontologia, a teoria sócio-ética confucionista estaria sem base. Esta ontologia
estabelece uma base metafísica para as visões de mundo de confucionistas,
bem como para daoístas, e afeta diretamente seus modos de vida.
Notas
Jana S. Rosker
Z[S]/ H].
XX #í...AS # [] # Ry.
serviram de base para categorizar a realidade (ibid.: 51), uma posição que o
colocou em oposição direta às teorias moístas.
Os argumentos de Gongsun Long foram fundados em cima da
premissa de Confúcio, de que a aplicação ideal da linguagem foi baseada em
uma congruência mútua completa do nome e do objeto ao qual ela se refere.
Apesar de sua postura idealista, ele acreditava que a função crucial da
linguagem permanecia a de denominar a realidade. Esta é a hipótese que
sustenta seus principais argumentos sobre o tema, intitulado A disputa nos
Nomes e Atualidades (Ming shilun #ff#).Com relação à situação concreta
em que a linguagem seria aplicada, cada coisa única só poderia ter um
significado único:
## H.#####?
Antigas
Leituras E já que são determinadas pelas limitações dos nossos sentidos, nós
VISOES DA
CHINA naturalmente tendemos a reconhecer a verdade naqueles tipos de
ANTIGA
reconhecimentos que acontecem para coincidir com os nossos próprios
sistemas de valores (ibid, Yu Yan: 1). Assim, em última análise, é a
subjetividade humana que determina o que deve ser considerado como o
verdadeiro conhecimento. A aparente objetividade e independência da
mente humana tem sido repetidamente provada como sendo falsa, uma
quimera ilusória, que só leva ao auto-engano. A qualidade, as características
e a extensão de nossa percepção são sempre determinadas pelas condições
reais de nossa existência. Por isso, nossas percepções - e as ações delas
decorrentes — são sempre dependentes de fatores externos, mesmo que, em
última análise, toda forma de dependência é, na verdade, uma forma de
auto-dependência. Tal dependência e determinação estão ligadas a nossa
incapacidade de reconhecer a essência do ser (ibid., Jiwulun, 13).
Esta posição relativista foi comum a Hui Shi e Zhuangzi. Mas
seguindo a tradição do taoísmo clássico, Zhuangzi também acreditava na
inexpressibilidade inerente à essência holística de todo ser. Isso o levou a
abraçar o método taoísta clássico de compreensão, ou seja, a introspecção
(ibid.: 5). Deste ponto de vista, ele tentou criar uma nova abordagem para o
problema complexo de interações humanas (ibid.: 9). Para ele, a
interiorização da linguagem é um processo inerente à natureza humana,
assim como comer, beber e respirar, como qualquer outra condição de nossa
sobrevivência (ibid.: 4). No entanto, a conexão incerta entre linguagem e
pensamento não é uma via de sentido único (Allinson, 1989: 11) e , de fato,
O potencial comunicativo da linguagem foi preso na estreita ponte entre o
transmissor e o receptor. Portanto, Zhuangzi vê a linguagem como
inseparavelmente ligada à compreensão; em essência, as suas qualidades são
as mesmas (Zhuangzi, 2014 Jiwu lun: 2). Assim como o Dao em sua função
de fundamento original, a abrangente essência de todos os seres, assim como
o nosso reconhecimento a este caminho original, a própria linguagem
também é absoluta no sentido de unidade de todas as contradições de que a
compõem (ibid: 12).
153
Zhuangzi mostrou pouco interesse pelos problemas que ocuparam a
maioria dos filósofos do seu tempo, isto é, os problemas de conexão Antigas
Leituras
Conclusão
Bibliografia
Allinson, Robert E. 1989. “An Overview of the Chinese Mind,” in Allinson,
155
Antigas
Leituras
VISOES DA
CHINA
ANTIGA
REFLEXÕES GENEALÓGICAS E CIRCULARES SOBRE
JR #17ÍSA , DJ #4/]}{4}} {}
Céu e Terra não são bondosos, as dez mil coisas lhes
JNi#íJ#, {{{ #
A visão inaugural
159
O propósito desta reflexão é o de situar a genealogia e alguns dos
fundamentos e vertentes daquilo que constitui os fundamentos do Antigas
Leituras
uma razão e que se a mente se projetar continuamente sobre as razões das VISOES DA
CHINA
coisas ela poderá ampliar a consciência cognitiva infinitamente. Séculos mais ANTIGA
queda do regime feudal e a unificação da China em 221 AEC E tal eixo VISOES DA
CHINA
modus de percepção de mundo permanecerá vigente por cerca de 30 ANTIGA
A metáfora que é trazida à tona, curta e direta, arcaica, seja nas imagens
abstratas toscas, seja naquelas provinda dos fenômenos da natureza e
extraídas das profundezas da experiência da vida no campo, constitue o
arcabouço epistêmico desse livro inaugural. A imagem da água reprezada em
algum lugar, sem se escoar ou evaporar, propicia uma cesta de informações
sobre aquilo que é contrário ao fluir da vida e representa um momento de
estagnação nos assuntos do império ou na vida pessoal do consulente. O
pássaro que voa, instiga a que se considere a possibilidade de criar um
dispositivo semelhante ao de suas asas, a folha que flutua, uma embarcação,
a pedra que adquire velocidade cada vez maior ao rolar montanha abaixo
enseja uma compreensão das leis da física, mas também a criação de um
caracter que evoca a idéia de empuxo crescente, momentum, e
preponderância — shi, título do quinto capítulo do Sun Zi Bingfa. Esses
procedimentos de apreensão e representação da realidade serão pouco a
pouco fundamentados em variantes cognitivas aprofundadas e explicitadas
nos moldes do gênio e idiossincrasia da lingua. A altura de Mozi (Mo Tzu ou
Modi), contemporâneo e contestador de Confucio, já existe em curso a
construção de um sistema lógico, do qual procedimentos de inferência serão
desenvolvidos pelo Mohismo posterior. Banidos em parte pelos Qin, mas
retomados a partir dos Han e mais plenamente resgatado quando da
penetração da do Budismo, essa corrente ainda é tida por emblemática das
origens do pensamento lógico chinês na primeira fase do período
plenamente clássico. De certo que o impacto causado mais tarde pela
epistemologia budista, através seja da radical dialética negativa do
Madhyamika, seja sobretudo pela lógica-epistemológico do Yogacara (cuja
vertente mais psicológica foi adaptada ao espírito chinês pelas bravas e
idiosincráticas traduções feitas por Xiang Zang), haveria de produzir uma
marcante influência sobre aquilo que poderíamos chamar de um sistema
epistemologico chinês mais amplo. Mas tal influência budista só haveria de
ocorrer a partir do século III da Era Cristã (e sobretudo nos séculos VI e
VII), não sobrevivendo muito além da dinastia Tang, ainda que residual e
subrepticiamente presente nas dinastias posteriores e algo ecoante até hoje.
166 O peso sui generis das idiosincrasias e das limitações sintáticas da lingua
desempenhou sempre um intergiversável e insofismável papel na construção
Antigas
Leituras
VISOES DA
das idéias e das tendências aos modi cognoscendi, mas também certa
CHINA
barreira à absorção de idéias exógenas, sendo a famosa querelle filológica dos
ANTIGA
Ge Yi (“equiparação dos sentidos”) em torno dos problemas de tradução dos
textos budistas, provenientes do sânscrito, testemunha eloquente dessa
dificuldade nos primódios do período medieval. Mas tal assertiva de
intransponibilidade de sentidos não pode ser de modo algum mantida como
absoluta, visto que na era atual ocorreu uma transposição desobstruída das
idéias ocidentais em chinês moderno, agora já plenamente provido do
recurso de dois ou mais caracteres para traduzir conceitos e uma expandida
sintaxe, se aqui e ali artificial ao gênio da lingua. Muitos conceitos científicos
adquirem mesmo maior expressividade quando de suas traduções em chinês
moderno. A tradução do Finnegans Wake, de James Joyce, constituiu uma
temerária mas respeitável prova disso. Assim sendo, a crítica que Marcel
Granet faz, de maneira a meu juizo excessivamente radical, quanto a
inadaptabilidade conceitual da lingua, foi de fato precipitada para um
sinólogo da sua envergadura (La Pensé Chinoise, 1934). A propensão à
exegese, à ortodoxia e, por conseguinte, à escolástica à la chinoise, passou a
cristalizar-se como outro traço marcante do pensamento chinês, latente no
auge do período clássico e adquirindo plena eclosão a partir da dinastia Han
em diante. Para tal haveria sobremaneira de contribuir aquela imutável e
conservadora classe de “buracratas celestiais”, os mandarins. Cronicar,
semióticas. Tal fato propicia e exige que se as compreenda por modulações e VISOES DA
CHINA
recorrer ao dicionário e pinçar essa ou aquela definição da primeira entrada ANTIGA
Maspero, Henri: Notes sur la logique de Mo-tseu et son école. Toung Pao,
Antigas
Leituras 1927.
VISOES DA
C H IN A Granet, Marcel. La Pensée Chinoise. (1934), Paris: Albin Michel, 1999.
ANTIGA
Granet, Marcel. Fétes et chansons anciennes de la Chine (1919). Paris: Albin
Michel, 1982.
André Bueno
POis
O Panorama Geral
188 O Huainanzi
Antigas
Leituras
VISOES DA No mesmo período, um livro intitulado Huainanzi #F##(ou
CHINA
ANTIGA
“Sábios de Huainan”) corrobora a idéia de um ecletismo filosófico pelos
intelectuais Han, marcado igualmente pela influência da escola cosmológica
do wuxing, mas influenciado de forma mais profunda pelo daoísmo. A
produção do texto teria sido feita por um príncipe, Liuan #|<(? -139), que
teria caído em desgraça após colocar-se contra o poder imperial. As atas de
suas discussões com um grupo de mestres daoístas preservou-se, porém, e
nos trouxe a luz um conjunto de escritos variados que abordam desde
estratégia, cosmologia até política e reflexão sobre a vida. O Huainanzi
parecia se tratar, antes de tudo, de uma reação à preeminência política dos
confucionistas neste período, elaborando uma proposta que buscava unir as
perspectivas dos antigos daoístas ao ambiente social do império Han.
Suas contribuições para entender o raciocínio científico da época são
importantes, como podemos ver neste verso, por exemplo:
Os Han posteriores
192
Antigas Perto do interregno promovido pela efêmera dinastia Xin # (+12
Leituras
VISOES DA +23), a produção literária e intelectual dos Han continuava bastante ativa.
CHINA
ANTIGA Liu Xiang #|fl (morto em -5) foi um destes autores prolixos, que legou
uma obra vasta e diversificada para a literatura chinesa. Ele teria sido autor
de uma obra historiográfica chamada Xinxu # (Novas Introduções), uma
obra de cunho político, o Shuoyan #35 (Jardim das Persuasões) e uma
inédita biografia de mulheres exemplares, o Lienu Zhuan 5]{{#. Ainda
teria produzido uma biografia sobre os “imortais” (Liexian Zhuan 5]íl{}),
recolhido e editado também as histórias que compõe duas fontes
fundamentais da história chinesa, o Zhanguoce #REV|ff (Discursos dos
Estados Combatentes) e o Guoyu EViñ(Ditos dos Estados). Liu Xiang
apresenta-nos suas histórias num tom anedótico, porém baseadas em fontes
que considerava fidedignas:
Tal como Sima Qian, Liu Xiang estava preocupado em resgatar a VISOES DA
CHINA
história como uma narrativa de cunho moral e intelectual, fornecendo as ANTIGA
Conclusões
Bibliografia
Os manuais citados são:
Fontes:
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New York: Columbia University Press, 1999. vº
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Antigas
Leituras
VISOES DA
Xu, Gan. Balanced Discourses. A Bilingual Edition. (trans. Makeham, John;
C H IN A
intro. Shengyuan, Dan and Makeham, John). New Haven, CT Yale
ANTIGA
University Press, 2003.
O CAVALO NA ANTIGUIDADE CHINESA:
Márcia Schmaltz
Introdução
cavalo. Neste ensaio, destaco a título ilustrativo: o Lushu Bºi, descrito com
o porte físico similar a de um cavalo, cuja cabeça seria branca com crina
vermelha, pelagem de fundo alaranjada e listras pretas como a de um tigre. O
som de seu relinchar soava tão agradável como uma música, e quem se
cobrisse com seu couro encher-se-ia de descendentes, por isso era caçado
(Shanhaijing, 2007, p. 29, 529). O taotu 5# é descrito “com a aparência
como a de um cavalo, sendo garboso e indomável. O Taotu apenas surge na
Planície Central"H)# quando da boa governança de um imperador” (Idem,
p. 375 e 558). O bo # seria “um cambraia com dentes de serra e que come
tigre e onça” (Ibidem) e, no livro ainda consta que quem conseguisse montar
um jiliang #H, uma cambraia com crina vermelha e olhos amarelos, viveria
por mil anos (Idem, p. 420, 560). O filósofo Zhang refere-se à lenda do
cavalo-dragão}}. H, que entregou o Quadro do rio IIKlao mítico herói Yu
X# para minimizar as cheias do rio Amarelo. A unificação do dragão com
o cavalo, confere força e velocidade inigualável ao mítico animal; por isso, o
provérbio longma jingshen Jè Biff é empregado como desejo que reine a
Grande Virtude J# sobre a Terra (2003, p. 42-43).
reinado.
5è.
208 Em outra historieta narrada por Han Feizi #HE-f (?280 — 233 AEC),
o filósofo da Escola das Leis [### Fajia], propõe “um certo savoir-faire que
Antigas
Leituras correspondia ao melhor saber-ser, um modo de governar a si mesmo que
VISOES DA
CHINA constituía uma receita de governar” (GRANET, 1997, p. 254). Conta o Han
ANTIGA
Feizi que o rei Xiang do reino de Zhao aprendeu a arte de conduzir carros a
cavalo com Wang Yuqi. Depois de algum tempo, o rei apostou uma corrida
com Wang e, mesmo tendo o rei trocado os cavalos por três vezes, perdeu a
corrida para o Wang. O rei irritado acusou treinador de não lhe ensinar tudo
O que sabia. Wang refuta a acusação, alegando que o rei não usou
corretamente as habilidades aprendidas e complementa:
HZ e
R = X_]sit[1 e
IEtb º lt.UN+)\2.jsítiº e
Conclusão
escolas partem de uma visão dialética, a primeira consta o cavalo como o VISOES DA
CHINA
domínio do homem sobre si e exalta a ordem social, enquanto a segunda ANTIGA
Notas
Referências bibliográficas:
BUENO, André. Cem textos da história chinesa. Disponível em:
http://escritosinicos.blogspot.com/2011/06/cem-textos-de-historia
chinesa.html. Acessado em 08/05/2014.
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GRANET, Marcel. O Pensamento Chinês, tradução de Vera Ribeiro. Rio de v### A
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A história do cavalo na China]. Hong Kong: Comercial, 2008.
Zhou Li [Ritos de Zhou]. Disponível em: http://ctext.org/rites-of-zhou/zhs,
acesso em 20 de abril de 2014.
2 18
Antigas
Leituras
VISOES DA
CHINA
ANTIGA
OS QUATRO ANIMAIS COSMOLÓGICOS EM
TÚMULOS HAN COM MURAIS
Introdução
outras noções mais concretas. Acreditava-se que ambas as forças estariam ANTIGA
Quatro
Temporada InVerno Primavera Verão OutOno direções
(quatro
estações)
Chen Xing Sui Xing Ying Huo Tai bai Zhen Xing
Espíritos JEHE '# H. ### XH {H H
planetários (Estrela (Estrela do (Vagar (Grande (Estrela Calma
Cronográfica- Ano-Júpiter) brilhante — branca-Vênus) - Saturno)
Mercúrio) Marte)
.::
* ** * *--
228
Antigas
Leituras
VISOES DA
CHINA
ANTIGA
l
** ||
".
11
Feng Shi comparou a imagem do dragão tal como ela aparece nos
caracteres antigos encontrados ossos oraculares Shang e nas inscrições em
bronze dos Zhou Ocidental com as sete casas do palácio do leste. (Feng,
2011, 306-307). As configurações das estrelas nas casas individuais, bem
como a ligação de casas individuais por meio da estrela determinante
(FHE juxing) da casa do Quarto (fang), revelam uma imagem fascinante que
é idêntica aos antigos pictogramas do drgaão encontrados nos ossos
Oraculares e inscrições de bronze. Esta semelhança indica que o pictograma
do dragão nas inscrições antigas deriva das estrelas e da observação
astronômica. Também pode indicar que a imagem do dragão tem sua base
nas estrelas ou, o que é mais provável, que a imagem do dragão, que
desempenhou um papel tão importante na vida dos povos Shang e Zhou, foi
projetada no céu.
Ainda mais explícita, uma associação antiga entre o dragão com as
estrelas do leste é encontrada no hexagrama qian #3 no Livro das
Mutações. O hexagrama qian é composto de seis linhas inteiras, enquanto os
comentários para cada linha revelam as diferentes posições do dragão da
primavera ao outono, como Shaughnessy (1997, 197-219) apontou. Por
exemplo, a parte inferior linha, chamada dragão submerso #, mostra a
constelação do dragão no inverno, quando ela não é visível acima do
horizonte leste. A segunda linha, ver o dragão no campo #fÉH indica a
aparência do chifre do dragão (casa lunar Chifre) acima do horizonte no
início de março. As linhas, agora pulando na profundidade ER##### e
229
dragão voando nos céus #fÉJK descreve a aparição gradual da
constelação do dragão no céu, enquanto as duas últimas linhas, pescoço do Antigas
Leituras
VISOES DA
dragão JLíE e ver o bando de dragões sem cabeça #####í, indicam o seu CHINA
ANTIGA
mergulho e desaparecimento de vista.
233
Fig. 6: Pintura no teto da tumba Henan Yongcheng com murais
(Yan 2001, 363) Antigas
Leituras
VISOES DA
CHINA
Este fenômeno também pode ser observado em outras tumbas e
ANTIGA
pinturas da Dinastia Han anterior. Um espelho de bronze do túmulo
n. 1612, no Estado de Guo #EX, nos cemitérios em Sanmenxia EF"|%,
Henan, e que data do nono ao sétimo séculos AEC", fornece uma imagem
ainda mais nítida de um antigo protótipo do animal do norte. Os Quatro
animais são representados nos quatro lados do espelho (Fig. 7), mas em
frente ao pássaro sul, encontramos uma criatura que se parece com um
cervo. De acordo com Feng (2001, 315), as decorações pintadas em uma
caixa laqueada escavado no túmulo de Zeng Hou Yi #fé Z, na província de
Hubei #lt", de 433 AEC, também apresentam a imagem de um cervo, que
aparece ao lado das casas Wei e Xu do norte, igualmente no lado norte da
caixa (Fig.8).
Fig. 7: Espelho de bronze dos cemitérios em Sanmenxia, no estado de Guo,
Henan (Zhongguo kexueyuan kaoguyanjiusuo 1959, 27)
234
Antigas
Leituras
VISOES DA
CHINA
ANTIGA
###### # ·
*
235
Fig. 9: Pintura no teto da tumba Bu Qianqiu
(He 2001, 29) Antigas
Leituras
VISOES DA
CHINA
Tem havido um debate entre os estudiosos quanto ao que as duas ANTIGA
- - - - Li_ |-
como Fangxiangshija JJ filº. Para Guo Moruo (1964, 4), a cena tem
um significado cosmológico, com o entrelaçamento de duas forças cósmicas
que são assistidos pelo divino, por animais simbólicos. Ele identificou as
duas figuras próximas aos dois objetos redondos como um homem e uma
mulher, que encarnam yin e yang, enquanto os objetos redondos poderiam
simbolizar o sol e a lua. He Xilin (2001, 21-22) desenvolveu essa
interpretação, e identificou as duas figuras como Fuxi e Nüwa, que detêm o
sol e a lua em suas mãos. As duas imagens com o sol e a lua refletem, assim,
o entrelaçamento de duas forças cósmicas, enquanto os outros animais
encarnam o espaço cósmico e o tempo. Enquanto He Xilin reconhece a
presença do dragão, do pássaro e do tigre, ele não faz nenhuma menção do
animal do norte, e identifica o animal misterioso no canto superior direito,
como o híbrido coruja-ovelha, xiaoyang (He 2001, 21). No entanto, dada a
presença dos outros três animais e o significado cosmológico de toda a cena,
o animal no canto superior direito só pode representar o animal norte na
forma de um unicórnio. Esta criatura se assemelha ao encontrado nas
proximidades do túmulo Bu Qianqiu, completando assim o esquema dos
quatro animais e as conotações de espaço/tempo da composição completa.
Com base nesses exemplos, podemos concluir que a representação
do animal do norte, nas tumbas do final dos Han Ocidentais, segue a
tradição anterior. Um dos primeiros exemplos de a imagem da tartaruga é
encontrado nos túmulos do período Xin Mang. Os murais da câmara dos
fundos da tumba em Jinguyuan ###], de Luoyang, são datados do
período Xin Mang, ocupando o centro, a linha longitudinal do teto e as
porções superiores das paredes do leste, oeste e norte. Estes murais retratam
os assistentes divinos e tutores de animais de todos os cinco palácios
celestiais", enquanto a tartaruga preta e uma cobra aparecem na parede
norte (Fig. 11). A tartaruga preta também aparece no túmulo Pinglu *k+,
em Shanxi LIVH, que data da primeira metade do século I", e entre as
estrelas no teto do túmulo Yintun acima mencionado. Em túmulos
caminhando para o reino imortal de Xiwangmu, com Fuxi e Nüwa no final VISOES DA
CHINA
da seqüência pictórica, é encontrada no teto da tumba Bu Qianqiu (Fig. ANTIGA
circulação das cinco fases é representada pelos cinco assistentes dos cinco
palácios (Hou Tu JH E, Gou Mang f]*, Zhu Rong #1, Ru Shou
}}, Xuan Ming 2: #), e os cinco animais divinos (dragão amarelo, dragão
verde-azul, pássaro vermelho, tigre branco e guerreiro negro),
[representados] entre os quatro animais, também reforçam as conotações
espaciais e temporais. Esta circulação temporal é ainda mais evidente na
pintura do teto de um túmulo descoberto pela Universidade Jiaotong, em
Xi'an. Aqui, os segmentos zoomórficos e antropomórficos estão
representados dentro de dois círculos concêntricos, cujo centro coincide
com o centro do teto redondo (fig. 3). Nesta configuração, os Quatro
animais são especialmente proeminentes, e seu arranjo específico define a
orientação espacial. Como Wu Hung mostrou (2010, 154-155), seus
242
movimentos geram progressões lineares que, por meio de movimentos yin e
Antigas Xang no ciclo dinâmico das cinco fases, reforçam uma sensação de
Leituras
VISOES DA movimento contínuo, circular. Toda a composição pictórica reflete muito
CHINA
ANTIGA claramente a cosmologia desse período. O posicionamento do sol com o
pássaro no sul (yang), a lua com o sapo e lebre no norte (yin) e os animais
que representam as 28 casas (e, portanto, os palácios celestiais), distribuídos
entre os quatro pontos cardeais, refletem a integralidade da percepção do
componente espaço-tempo do universo e do entrelaçamento
de yin e yang. Os Quatro animais não simbolizam apenas o conceito
espacial, mas por meio da progressão temporal, também simbolizam as
quatro estações do ano e uma concepção cíclica do tempo. O movimento
temporal também é corroborado pela representação gráfica de dois círculos
concêntricos, os quais, de acordo com a teoria Gai tian, aludem a um céu
circular.
5. Conclusão
de guiar a alma com segurança ao seu destino final, seja a terra imortal ou
outra morada dentro do cosmos eterno. Como esta viagem era repleta de
perigos, eles também funcionavam como protetores, que defendiam a alma
dos maus espíritos e traziam sorte. O seu papel multifuncional (como
símbolos das direções e estações, guias e protetores) cresceu, portanto, para
além de sua associação com grupos de estrelas específicas nos quatro
quadrantes do céu, e sua circulação ao redor céu.
O povo Han recriou a estrutura cósmica na forma de um teto 243
redondo sobre a forma quadrada da câmara, enquanto que com os códigos
simbólicos da teoria yin yang wuxing, eles representavam a dinâmica de todo Antigas
o universo. Dentro deste contexto ideal, a representação dos Quatro animais v#A
não só encarnava o tempo e espaço, mas também - como eles eram #A
particularmente adequados para o papel de orientar e proteger a alma do
falecido — situava-os em um contexto cósmico eterno.
Notas
20. Ver a tumba Ligong daxue n. 1 HELIX# (Xi'an shiwenwu baohu kaogu
suo 2006) e a tumba Cuizhuyuan #4TH (Xi'an shiwenwu baohu kaogu
suo, 2010). Além disso, a tumba Qujiangchi n. 1 HYLYE omite a
representação dos quatro animais por completo, no entanto, este túmulo
está seriamente danificado. Dado que nenhum objeto de sepultamento foi
encontrado, e o estilo da pintura difere de outros túmulos, a datação
permanece discutível (Xu, 1987).
21. Para um relatório, consulte Henan sheng wenhuaju Wenwu gongzuodui 245
1964. Antigas
22. Para mais detalhes, consulte Luoyang Bowuguan 1985 e He 2001, 50. v#A
23. Ver também Shanxi sheng wenwu guanli weiyuanhui 1959. CHINA
ANTIGA
24. Por exemplo, o túmulo Helingeer na Mongólia Interior (Nei menggu
Zizhiqu wenwu gongzuo dui, ed. 1978), tumba Haotan no.1 túmulo,
de Dingbian County, Shaanxi (KRWITE#####1}f}) (Shaanxi sheng kaogu
yanjiusuo 2004), tumba Minyue Baguaying n.1 (R$/\###1}f}) (Shi,
1993), e outros.
26. Para uma discussão sobre Fuxi e Nüwa e seu papel simbólico de yin e
yang ver Vampelj Suhadolnik 2011; ver também Feng 2001, 13-38; Tseng
2011, 277-297.
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Shehui kexue wenxian chuban she.
250
Antigas
Leituras
VISOES DA
CHINA
ANTIGA
A REDESCOBERTA DA UNIDADE CÉU-HOMEM
Wang Keping
O Significado Tríplice
medida; sua realização virtuosa flui acima e abaixo, como o de Céu e da VISOES DA
CHINA
Terra"." O Caminho Humano está incorporado em tudo que o homem ANTIGA
assumido como sendo uma pessoa com a sinceridade mais completa que
existe debaixo do céu. Quando ele alcança o pleno desenvolvimento de sua
própria natureza, ele pode fazer o mesmo com a natureza dos outros
homens. Quando ele alcança o seu pleno desenvolvimento com a natureza
dos outros homens, ele pode desenvolver por completo a natureza dos
animais e coisas. Quando ele pode fazer este trabalho, ele pode ajudar a
transformar e nutrir os poderes do Céu e da Terra. Quando ele pode ajudar
desta maneira, ele pode com o Céu e a Terra formar uma trindade
[ternion]." O processo demonstra uma seqüência hipotética sobre como o
Caminho Humano se mistura com o Caminho Celestial. Ele começa com a
virtude da sinceridade, que é capaz de transformar a si mesmo e aos outros
para melhor; ele passa por uma série de etapas, em virtude da aplicação do
altruísmo para outros homens, animais e coisas, etc. Finalmente chega ao
estado mais elevado possível de formar um termion. O ternion neste
contexto envolve a união entre os três componentes, incluindo Céu, Terra e
Humanidade. Na verdade, indica mais uma vez a união céu-humano, e um
sentido de missão por parte do humano como humano. Para cumprir esta
unidade e missão, ele chama para uma transcendência gradual e o auto
desenvolvimento de baixo para cima.
O Confucionismo presta mais atenção à interação recíproca entre
o Caminho Celestial e a Caminho Humano. Esta tradição foi levada avante
por confucionistas do passado para o presente. Entre os neo-confucionistas
na Dinastia Song, há um acordo geral sobre anular a distinção entre o
Caminho Celestial e a Caminho Humano. Isto quer dizer, que eles tendem a
identificar a primeira com a segunda e verificar a unidade entre os dois. Por
exemplo, Zhang Zai (1020-1077 EC), argumenta que o Caminho Celestial e
o Caminho Humano parecem ser diferentes em tamanho, mas permanecem
258 os mesmos na sua essência, pois é através do humano que se pode conhecer
e experimentar o céu." Cheng Hao (1032-1085 EC), simplesmente se
Antigas
Leituras
VISOES DA
recusou a distinguir um do outro. Por que ele achava que o céu e a
CHINA
humanidade não eram originalmente dois, mas um, seria, portanto,
ANTIGA
desnecessário ponderar sobre a sua síntese de todo." Cheng Yi (1033-1107
EC) foi ainda mais longe para definir a relação em termos tão concisos como
se segue: O Caminho (dao) é livre de qualquer distinção entre o Céu e a
humanidade. No entanto, ele é chamado de Caminho Celestial quando é
com o Céu, e Caminho da Terra quando é com a Terra, e o Caminho
Humano quando é com humano. O caminho é um só. Ele é compartilhado
pelo Céu, a Terra e a humanidade por completo."
Nas últimas décadas, confucionistas modernos tentaram reviver o
mentalidade cultural entre os letrados em particular. Ela sempre fica aberta, VISOES DA
CHINA
a ser redescoberta e reinterpretada com o passar do tempo, no entanto. ANTIGA
A Orientação Bidimensional
Vale ressaltar que após a fundação em 1949 da Nova China, como foi
chamada, a lógica da unidade céu-humano foi atacada pela ideologia
oficial. O Maoísmo foi longe, a ponto de declarar uma espécie de "guerra
civil" contra o Céu ou a Natureza. Isso normalmente é evidenciado em um
essencial do sentimento estético. Todos eles são atingidos através de toda a VISOES DA
CHINA
história da práxis social"." Com outros argumentos similares, isso exprime o ANTIGA
(intuição livre) quanto para o reino ético (livre arbítrio). Tudo isso é VISOES DA
CHINA
estendido e misturado com a "naturalização da humanidade" (ren ziranhua), ANTIGA
pode sobreviver sem respirar o oxigênio em grande parte produzido pelas VISOES DA
CHINA
plantas.Por isso, é o mesmo que cuidar das plantas, como cuidar dos ANTIGA
Notas
4. Ibid., Wei ren zhe tian #)\# 7 (heaven serves man), p. 64; Wangdao
tong San EjäjäE(the kingly way), p. 67.
5. Ibid., Yin Yang yi (?&# (the meaning of Yin and Yang),” p. 71.
6. Cf. Méncio, The Works of Mencius (trans. James Legge), 13.1.
7. Ibid., 13.45.
8. Ibid., 1.4.
9. Cf. The Book of Changes (trans. James Legge), Hexagram 1: Qian £(34.).
Ver também The Classic of Changes (Trans. Richard John Lynn, New York:
Columbia University Press, 1994), p. 138.
10. Cf. The Book of Changes (trans. James Legge), Qian # (the creative). Ver
também The Classic of Changes (trans. Richard John Lynn), Hexagram 1:
Qian, p. 130.
11. Ibid., The Book of Changes, Kun #(the receptive). Ver também The
Classic of Changes, Hexagram 2; Kun, p. 144.
12. Cf. Méncio, The Works of Mencius (trans. James Legge), 13.12.
13. Cf. The Doctrine of the Mean (trans. James Legge), 22.
14. Cf. Zhang Zai, Zhangzi zhengmeng ##IE * (The just enlightenment,
ed. Wang Fuzhi, Beijing: Zhonghua Shuju, 1975), p. 94.
15. Cf. Cheng Hao & Cheng Yi, Yulu äääk (collected sayings), vol.s 2, 11.
Ver também Chinese Philosophy Section under Chinese Academy of Social
Sciences, ed., Zhongguo zhexueshi ziliao xuanji Hylº flººkišā (Fontes
selecionadas para a história da Filosofia chinesa, Beijing: Zhonghua Shuju,
1982), parte 1 das dinastias Song, Yuan e Ming, p. 220.
16. Ibid., vol.s 2, 18.
275
17. Cf. Mou Zongsan, Zhongguo zhexuede tezhi Hyliſſ ºff Jºjº'ſ
(Shanghai: Shanghai guji chubanshe, 1997), pp. 20-32, 74-81, 114-117. A.
€11111 (IS
18. Cf. Confucius, The Analects (trans. D. C. Lau, London: Penguin Books, Yº
1979), Book XIV, 35. Ver também Confucius, The Confucian Analects (trans. ANTIGA
Yuri Pines
dirigidas para o passado, mas para o futuro: ele era visto como uma figura
salvadora - aquele que surge “uma vez em quinhentos anos", e cuja chegada
está muito atrasada.
Essas expectativas quase messiânicas do Verdadeiro Monarca foram
devidamente enfatizadas por representações utópicas difundidas de paz
universal, prosperidade, à boa ordem e conformidade, todos geradas por seu
governo.
homem apropriado]."
seus superiores.
Esta perfeita ordem em que cada grupo social - de elite aos plebeus -
se uniformemente regulada pelo Verdadeiro Monarca, deriva
exclusivamente das qualidades morais e intelectuais soberbas deste último.
Esta superioridade moral e intelectual é a terceira característica que
distingue o Verdadeiro Monarca de outros soberanos:
submissão que o Verdadeiro Monarca pode esperar. Além disso, como as VISOES DA
CHINA
suas capacidades não poderiam se comparar com as de um sábio no trono, ANTIGA
família -
permanentes.
286
Esta inscrição é um excelente testemunho da mentalidade dos líderes
Antigas
Leituras
VISOES DA
de Qin no final da unificação imperial. Em primeiro lugar, identificam o
CHINA passado, incluindo a idade dos Cinco Soberanos, como uma persistente e
ANTIGA
debilitante guerra. Em segundo lugar, vem o Primeiro Imperador para trazer
unidade, paz e estabilidade, superando as realizações de seus predecessores.
Em terceiro lugar, promete que as conquistas do imperador serão
"duradouras e permanentes", e "a guerra não surgirá de novo". Em algumas
frases da inscrição enquadramos a visão de passado, presente e futuro de
Qin.
Analiso este conceito particular de história expressa na inscrição do
Monte Yi, na próxima seção; aqui me concentro em uma única
conseqüência da Proclamação ousada dos oficiais de Qin, de que as
realizações de seu imperador diminuíam a dos Cinco Soberanos. Na medida
em que esses sábios governantes lendários eram rotineiramente identificados
como "Verdadeiros Monarcas" do passado, proclamando sua superioridade
sobre eles, o Imperador Qin claramente se identificou como o Verdadeiro
Monarca do presente. Esta noção está devidamente apresentada através das
inscrições na estela. Eles sempre associam o reinado do Primeiro Imperador
com cada uma das principais características do Verdadeiro Monarca: a
universalidade das leis, a sua capacidade para atingir ordem sociopolítica
perfeita, a superioridade moral e intelectual do imperador, e, finalmente,
suas qualidades super-humanas. Agora, eu examinarei brevemente estes
topoi que são onipresentes em cada uma das sete inscrições.
O primeiro e mais importante tema que permeia as inscrições é a
noção de universalidade do regime imperial, da paz e da estabilidade que
resultam da mesma. Assim, na inscrição Langye #21 (-219), o Augusto
Soberano proclama orgulhosamente:
verdadeiramente universal.
menos que dez vezes em sete Inscriçoes Imperiais. Como O primeiro rei
sábio, ele adota uma série de medidas para reforçar seu status de super
humano: de remodelar a terra de "Tudo-abaixo-do- Céu", como fez o sábio
divindades locais, faça qualquer referência sobre o apoio divino para o ANTIGA
Um Monarca Messiânico
modelos antigos; mas os líderes Qin optaram por não fazê-lo. Eu acredito
que esta rejeição de um antigo dispositivo de legitimação mostrasse uma
aposta bem calculada: isso permitiria ao Primeiro Imperador e sua corte
apresentar o império como uma entidade inteiramente nova, a redenção
final da humanidade e "o fim da história".
ruptura com o passado, e o início de uma nova Era (cf. Sanft, no prelo).
Nenhum regime na longa história da China, antes da Revolução Comunista,
escarnecia tão conscientemente do passado (gu H), afirmando-o
infinitamente inferior ao "presente" (jin 3)." A própria linguagem das
inscrições imperiais, que está repleta de termos como zuo (ff, “criar”, cinco
vezes), chu (})], pela primeira vez”, quatro vezes) e shi (lí, a princípio',
quatro vezes), enfatiza a determinação do regime de traçar uma linha clara
entre o que foi e o que será.
Os líderes Qin não só rejeitaram o passado, mas também, com
firmeza, se apropriaram do futuro, corajosamente declarando que a história
294 tinha terminado. Sua propaganda não deixava qualquer referência à
possibilidade de perder seu poder, no futuro, um topos que figura tão
Antigas
Leituras proeminente nos supostamente antigos documentos Zhou do Shangshu e
VISOES DA
CHINA
algumas odes do Shi jing ###." Os líderes Qin percebiam a história não
ANTIGA
como uma alteração cíclica de ordem e desordem como assumido por
Mengzi (Teng Wen Gong #X2\, xia, 6.9: 154), mas, ao invés disso, como
uma longa época de desordem sob várias dinastias, que termina com uma
nova e eterna Era Qin (Pines, 2012c). Este desejo de conquistar o futuro foi
expresso logo após a unificação, quando o imperador decidiu abolir a
tradição de dar nomes póstumos ao últimos monarcas que, doravante,
seriam numerados, na posteridade, de acordo com a sua geração: "A segunda
geração [Imperador], A terceira geração [Imperador] e assim por diante
para as gerações inumeráveis, herdando-as indefinidamente" (Shiji, 6: 236).
Este infinitude, eternidade, e longevidade são repetidamente mencionadas
nas inscrições Qin, e vão muito mais longe do que o tradicional esperanças
de longevidade de uma linhagem expressa nos textos dos bronzes Zhou."
Para os líderes de Qin, não poderia haver retorno ao passado, com a sua
fragmentação e desordem.
Alguns colegas podem contradizer minha afirmação sobre a auto
imagem histórica de Qin, apontando para a adesão do Qin à noção cíclica do
desenvolvimento histórico, como exemplificado pela adoção da água como
seu elemento cósmico, de acordo com as chamados Cinco fases (wu xing
Tiff), teoria associada com Zou Yan #ff(-305-240) e seus seguidores (ver
mais em Van Ess, 2014, cap. 7). Esta opção, no entanto, não significa que
Qin deverá ser substituído por um futuro ("terra") regime.
A aceitação de água por Qin, deve ser considera no contexto dos
"Cinco Ciclos", teoria apresentada no "Ying tong" #F], capítulo do Lushi
Chunqiu. O esquema histórico do "Ying tong" pode ter sido deliberadamente
construído de modo a permitir uma explicação duplamente cíclica e linear:
pela eliminação de Yao # e Shun # da lista dos governantes do passado, os
autores construiram alterações no passado dos ciclos, de tal forma que
deixaram que o elemento futuro, a água, se tornasse o último dos cinco,
deixando a possibilidade de que todo o ciclo terminaria de uma vez e para
sempre. Michael Puett (2001:143-144 ) pode estar bem correto, então, de 295
que adoção da água líderes Qin implicava que a dinastia nunca seria Antigas
Leituras
substituída.
VISOES DA
CHINA
Finalmente, é importante notar os claros motivos utópicos na auto
ANTIGA
representação de Qin, que buscava mais uma vez associar o regime com o
conceito de salvação final e completa.
Como observado anteriormente, Qin incorporou firmemente as
expectativas utópicas dos pensadores Reinos Combatentes em sua auto
imagem, apresentando-se como o regime que permitiria a cada indivíduo "a
viver a sua vida plena, e alcançar suas ambições", que estende a sua
generosidade para "Bois e cavalos", e que conquista a submissão universal e
absoluta.
proclamado, com toda clareza, que a nova Era do Sábio Monarca tinha VISOES DA
CHINA
finalmente chegado. ANTIGA
Antigas
fLER, um descendente de Confúcio da oitava geração, de juntar-se ao
Leituras
VISOES DA camponês rebelde Chen She ER#5(-208), tornando Chen um erudito (Shiji
CHINA
ANTIGA 121: 3116), é digno de nota. Os membros da elite educada estavam
claramente insatisfeitos com o regime do "Sábio de Qin".
A postura ativa do Primeiro Imperador se tornou uma de suas
principais falhas aos olhos das gerações futuras. Jia Yi #(-200-168), o
único crítico mais influente de Qin, identificou o excesso de confiança do
imperador em suas habilidades, e a desconfiança nos ministros meritórios,
como uma das principais razões para o mau funcionamento de sua
dinastia." Jia Yi e outros pensadores interpretaram o colapso desastroso do
império em alguns meses, sob a inaptidão e o destempero do Segundo
Imperador, como uma prova do erro da hiperatividade monárquica. Em
retrospecto, a criatividade do imperador Qin foi longe demais. Os
governantes de Han, confrontados com esmagadora críticas de seu
antecessor, tiveram que modificar o modelo de Qin para atender as
expectativas de seus cortesãos para uma forma mais colegiada de tomadas de
decisão.
Epílogo: Os “verdadeiros Monarcas sob os Han
imperadores Han tornaram-se mais sagrados, mas menos sagaz que seu
orgulhoso antecessor Qin (cf. Loewe, 1994: 85-111; 121-122).
O status sagrado dos imperadores Han (e dos subsequentes) foi
construído sobre uma reafirmação das ligações entre o imperador com a
divindade suprema, o Céu. A idéia do Decreto do Céu (ou Mandato,
Tianming Kífi) ressuscitou sob Liu Bang, cujo hinos rituais agradeciam
repetidamente ao Céu e ao [supremo] soberano (#) por apoiar o esforço
300
Han (Kern, 1996); e, eventualmente, essa idéia se tornou a pedra angular da
Antigas legitimidade dinástica ao longo dos milênios imperiais. Em sua capacidade
Leituras
VISOES DA
renovada como "Filhos do Céu", os imperadores agiam como mediadores
CHINA
ANTIGA únicos entre a divindade suprema e o reino mundano, presidindo questões
humanas e divinas, remodelando repetidamente o panteão, e gerenciando as
múltiplas atividades sacrificiais.
Além disso, os imperadores eram percebidos como ligados ao Céu
por uma forma adicional: através de um sistema de ressonância, O que
significa que o Céu enviava presságios e portentos para aprovar ou
desaprovar sua conduta "do filho" (Loewe, 1994: 121-141). Esta noção de
acrescentar uma dimensão sacra adicional ao regime imperial, tornou o
corpo do imperador, e, mutatis mutandis, seus parentes, assessores,
utensílios rituais, selos e outros apetrechos, sagrados. Este estatuto sagrado
foi enfatizado pelo crescente uso das cláusulas de lesa-majestade no direito
penal: qualquer crime contra a pessoa do imperador foi posteriormente
tratado com o máximo rigor (Pines 2012a: 44-75).
Sendo firmemente incorporado a ideologia do Estado e da prática
ritual, o conceito de status divino do imperador tornou-se parte integrante
da cultura política imperial. No entanto, as suas implicações foram bastante
equivocadas. Rearmar a existência da divindade suprema acima do
imperador, e a crença de que esta divindade pode expressar o
descontentamento com o seu homólogo humano e até mesmo substituí-lo,
serviu como um poderoso freio contra as atrocidades dos monarcas. Não
por acaso, os imperadores Han, desde o imperador Wen #X # (r. 180
157), emitiam repetidamente "Éditos de Mea Culpa" (# EifI),
responsabilizando-se por desastres naturais ou presságios desfavoráveis, e
prometendo melhorar suas condutas, especialmente promovendo a ascensão
de funcionários (Liu Zehua, 1996: 239-247). Parece , então, que a
redefinição do status divino do imperador sob o Han reforçou o prestígio do
imperialismo em geral, mas de certa forma reduziu o poder dos monarcas
individuais. A mesma bifurcação entre os aspectos institucionais e
individuais do imperialismo fica evidente no conceito de sagacidade
imperial sob Han. Aparentemente, os imperadores Han rejeitaram a
arrogância do Primeiro Imperador, e repetidamente, afirmaram sua 301
fraqueza e inadequação. Esta mudança é mais evidente em sua postura vis-à
Antigas
-vis os governantes sábios do passado , especialmente os Cinco Soberanos. Leituras
VISOES DA
Nos Han , esses modelos foram descritos em termos sobre-humanos, como CHINA
ANTIGA
geradores de uma ordem cósmica, e não apenas de uma harmonia social e
política, enquanto os monarcas reinantes modestamente reconheciam sua
incapacidade de corresponder a esse ideal. Esta modéstia está viva , por
exemplo, em um edital de jovem imperador Wu #R# (r. 141-87), no
qual ele chamou "os notáveis" para irem até a corte e ajudá-lo na condução
dos assuntos do governo:
bem conhecido que o trono não era ocupado, com frequência, por pessoas ANTIGA
Notas
Esta pesquisa foi apoiada pela Fundação para a Ciência de Israel (Grant
1217/07) e pela Cadeira Michael William Lipson em Estudos Chineses da
Universidade Hebraica de Jerusalém.
24. Ver Kern 2000: 12-13 para a primeira; Shiji 6: 236 para a segunda.
Enquanto o imperador realizava devidamente sacrifícios múltiplos, ele
poderia ter focado na busca de ganhos pessoais das divindades (por
307
exemplo, a imortalidade, ver Poo, capítulo 5 deste volume), em vez de apoio
a seu esforço político. Antigas
Leituras
Bibliografia
O presente artigo está presente no livro:
PINES, Yuri; FALKENHAUSEN, Lothar Von; SHELACH, Gideon; YATES,
Antigas
—. 2000. The Stele Inscriptions of Ch'in Shih-huang: Text and Ritual in
Leituras
VISOES DA Early Chinese Imperial Representation. New Haven: American Oriental
CHINA
Society.
ANTIGA
Liu Zehua ###. 1991. Zhongguo chuantongzhengzhi siwei
HEV|f+%#IEG####. Changchun: Jilin jiaoyu.
—. 1996. Zhongguo zhengzhi sixiangshi (Qin Han Wei Jin Nanbeichao
juan) HEVIEG###5E(############). Hangzhou; Zhejiang renmin
chubanshe.
Prof. Suhadolnik angariou uma ampla experiência com o tema, tendo feito
estudos de aperfeiçoamento em várias universidades chinesas e européias.
Entre seus mais diversos artigos e livros, podemos destacar The Yields of
Transition: Literature, Art and Philosophy in Early Medieval China [2011], e
Modernisation of Chinese Culture: Continuity and Change [2013], realizados
em parceria com a prof. Rosker.