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A ESCOLA E

A FAVELA

organização
Angela Randolpho Paiva e Marcelo Baumann Burgos

Editora

PUC RIO
------- BôlLAS
Rio de Janeiro, 2009

69769
O impacto do tráfico de drogas na rotina escolar

Ana Claudia de Souza Penha'


Maria das Dores Figueiredo"

1. Introdução
Este capítulo está organizado em duas partes. A primeira levanta questões
relacionadas à presença multidimensional do tráfico na rotina de escolas que
atendem a moradores de favelas submetidas a gangues de traficantes. Nesse
caso, a favela que serviu de referência ao estudo situa-se na Zona Oeste da cida­
de do Rio de Janeiro e encontrava-se, durante a pesquisa, submetida ao convívio
com bandos de traficantes. Nela, foram pesquisadas três escolas públicas, todas
localizadas no interior da favela. Com base em entrevistas realizadas com pro­
fessores e diretores dessas escolas, procura-se compreender, a partir da análise
de suas percepções, as diferentes manifestações da violência referentes ao tráfi­
co de drogas na rotina escolar.
Na segunda parte do artigo, mobiliza-se o caso da outra favela da Zona Oeste
contemplada pela pesquisa, e que é dominada pela milícia,1 a fim de comparar
a representação que os professores constroem, em cada caso, sobre o seu aluno.
Nesse caso, foram pesquisadas duas escolas públicas, ambas dentro da favela.
O tráfico de drogas e a milícia tendem a estabelecer um padrão de sociabili­
dade baseada no uso da força, que se contrapõe à sociabilidade fundamentada
no princípio da cidadania, baseada na igualdade assegurada pelo respeito aos
direitos, os quais dependem, em última instância, do monopólio da violência
pelo Estado (Machado, 2008, p. 37 e segs.). E um dos papéis que se espera da
escola é justamente o de contribuir para a formação de alunos cidadãos. Mas,
como se verá ao longo deste capítulo, para escolas como as estudadas, essa atu­
ação se mostra, segundo os professores, comprometida pela exposição à violên­
cia do tráfico e da milícia, que seria proporcional à fragilidade da presença do
Estado como garantidor da igualdade e da cidadania. Nesse caso, a hierarquiza­
ção torna a cidadania símbolo de privilégio, pois, como lembram Gilberto Ve­
lho e Marcos Alvito (2000): “Se ele tem privilégio e o outro não tem, não existe
cidadania. Porque a ideia de cidadania é basicamente a ideia de que o outro tem,
pelo menos potencialmente, os mesmos direitos e deveres” (p. 236).

* ** Bacharel cm Ciências Sociais, PUC-Rio.


1 Essa palavra, criada pela mídia e consagrada pela Comissão Parlamentar de Inquérito da As­
sembléia Legislativa do Rio de Janeiro, realizada em 2008, tem sido utilizada para qualificar
grupos - em geral compostos por policiais e ex-policiais, bombeiros e ex-bombeiros - que se
posicionam como verdadeiros “donos” do território, impondo regras e normas às favelas que
estão sob o seu domínio.

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A ESCOLA E A FAVELA

2. O tráfico e suas normas


Como já assinalamos, a organização da favela estudada nesta primeira parte
estava, à época da pesquisa, fortemente comprometida pela presença do tráfico
de drogas, que exercia seu poderio pela utilização ostensiva da violência. De
acordo com os professores entrevistados, a interferência na favela acontecia de
forma clara e abrangente, como fica evidente na fala deste entrevistado, quando
perguntado sobre os constrangimentos com relação ao tráfico de drogas.

R:- Como diz a expressão: “Quem faz a lei é nós" Você percebe que quem
faz a lei é nós,2 porque você, quando entra pela rua principal, você vê meio-
fio, barreiras, vocês não viram? Não existe regra (diretora, 2° segmento).

A violência atribuída ao tráfico de drogas teria como reflexo externo um


ciclo vicioso, do qual o aluno, na percepção dos professores, tem muita dificul­
dade de se libertar, por conviver com relações de poder que reconfiguram os
valores, invertendo os padrões formais aceitos e ditados pela sociedade.
O entendimento desses professores é o de que os alunos nessa favela estão
expostos, permanentemente, à ameaça de sofrer violência, resultando em um
quadro que delimita o processo através do qual se dá a socialização escolar
desses alunos, na medida em que também impõe à escola e aos professores
regras de conduta.
Ainda segundo os professores, o status conferido pela proximidade com
membros do tráfico de drogas dá aos alunos a possibilidade de uma afirmação
identitária e a subversão de padrões de civilidade e de hierarquia que se esten­
dem também ao seu relacionamento com os professores. Como assevera um
professor do 2S segmento, o tráfico está por trás de tudo:

R: Do poder do dinheiro. Porque, hoje em dia, se tem uma briga de dois ga­
rotos aífora... “Ah, vou mandar meu tio te pegar! Sabe quem é meu lio? Sabe
quem é meu irmão? Sabe quem é meu pai?" Então, os valores do poder, do
respeito, estão muito voltados para essa parte. Quem tem poder de fazer algu­
ma coisa é quem está mais ligado ao tráfico (professora, 2-a segmento).

Eloísa Guimarães (2003), em seu estudo sobre escolas, em circunstâncias


similares às encontradas em nossa pesquisa, constata que as normas de convi­
vência com o mundo do crime devem ser aprendidas e respeitadas pela escola.

Expressam (...) estratégias de incorporação da escola aos sistemas de con­


trole e subordinação do mundo do crime, ao mesmo tempo que propor-
2 Expressão atribuída aos integrantes do tráfico.

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O IMPACTO DO TRÁFICO DE DROGAS NA ROTINA ESCOLAR

cionam a esses grupos certa legitimidade ao serem admitidos e reconhe­


cidos como protetores ou como mediadores dos conflitos que envolve
a escola, sem que as formas que tais intervenções assumem revelem tal
intencionalidade (Guimarães, 2003, p. 202).

Ainda de acordo com Guimarães, é necessário a todos os atores envolvidos


com a favela e seus moradores o conhecimento da cultura do tráfico, de sua
hierarquia, de seu funcionamento e regras, tais como as infrações que devem
ser evitadas no interior da favela e as punições impostas aos infratores. Esse
conhecimento é que lhes possibilita a sobrevivência no local.

2.1. O tráfico como fonte de conflitos


Portanto, nesse ambiente há necessidade de lidar com dois padrões distintos
de sociabilidade: o da sociedade em geral e os impostos pelo tráfico de drogas,
através da “sociabilidade violenta”, de que fala Machado (op. cit.). Nesse sentido,
importa recuperar, mais uma vez, as observações feitas por Guimarães (2003)
sobre os dilemas enfrentados pela escola na sua relação com o tráfico: “Quanto
às instituições escolares, o narcotráfico aparece, na figura dos donos dos morros,
ora como protetor, ora como mediador de grupos em conflito e a escola, ou sinteti­
zando as duas funções" (p. 12).
Ao estabelecer algum tipo de acordo com o tráfico, a escola mergulha, neces­
sariamente, em um conflito de identidade institucional, no qual as fronteiras se
tornam ambíguas, como indica este professor do 2“ segmento:

P: E em relação ao tráfico, há constrangimento decorrente da existência do


tráfico na favela em relação à escola. (...) Aqui, o constrangimento seria,
assim, impedimento?
R: Não, eles não interferem, assim, de chegar à direção. Aqui, inclusive, já
houve casos em que a direção uma vez interveio através de um aluno, um
ex-aluno queria de qualquer maneira ser inscrito e a (nome da diretora)
dificultou e era um rapaz que já tinha 16, 17 anos, sabe como é que é. O
cara era difícil, então deu um chute no computador, quebrou o mouse e a
(nome da diretora) tomou uma posição, falou ao (nome do dono da boca)
qual a situação. Eu sei que, de repente, ligaram para a mãe dele. Na mesma
hora ela mudou a postura: “Não a senhora está certa." Isto mostra o quê?
Que eles defendem a escola (professor, 2“ segmento).

Outro exemplo claro de situação envolvendo o tráfico foi dado por esta
professora:

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A ESCOLA E A FAVELA

P: É comum não haver aula por causa do tráfico? (...) E ainda mais pela
localidade da escola, não é?
R: É, tem épocas que está mais forte. Aí o Caveirão entra e é tiroteio para lá
e tiroteio para cá, essas coisas... Então, isso interfere muito, isso é uma coisa
muito forte aqui dentro. (...) A gente está cercado aqui... cercado por várias
bocas, mas a gente ainda consegue manter um território neutro. As vezes,
quando agente tem um problema sério, a diretora... não é que ela não con­
siga resolver, mas precisa de ajuda de fora. Ela consegue um contato... e aí
o pessoal vem: “Não, a escola não, vamos respeitar os professores, a direção.
Aqui dentro não quero bagunça" (professora, 2a segmento).

O ponto é reiterado por essa outra professora:

P: Constrangimentos com os professores já houve? (...) E que tipo de cons­


trangimentos, como é que isso acontece?
R: Já teve, sim. (...) Olha, algum tempo atrás teve tiroteio aqui na frente e a
maior parte dos professores resolveu ir embora daqui, porque tem gente que
não consegue se adaptar a este tipo de violência. Aí, eu fiquei com outros
dois ou três professores e quando o pessoal da área soube que a escola pode­
ría atéfechar por causa da violência... Isso aconteceu comigo, eu estava aqui
na quadra, aí entrou o bando todo, eram vários rapazes do movimento. Aí,
eles mandaram chamar a diretora e disseram: "Professora, pode voltar para
a sua quadra, pode voltar a dar sua aula que está tudo tranquilo aqui." E
falaram para a diretora: "Aqui dentro da escola não vai acontecer nada,
pode continuar, nós não queremos que a escola feche, não queremos que
vocês sejam incomodados." Então, a gente sabe que existe uma proteção...
em manter a escola um território neutro (professora, 2" segmento).

Como nos mostram esses relatos, a escola se utiliza algumas vezes do poder
de coerção do tráfico para resolver questões que lhe fogem ao alcance. Fica evi­
denciada a imersão da escola nesse processo valorativo conflituoso. Tal falo de­
correría da necessidade de adaptação ao meio, mas seu risco é evidente, a saber,
o cancelamento de sua autonomia institucional. Concordando com Guimarães
(op. cit.):

[Rompem-se], então, os padrões morais mais gerais que presidem a or­


ganização da instituição escolar em suas funções de transmissão da edu­
cação letrada e na de construção/inculcação no sujeito das categorias de
pensamentos e dos esquemas perceptivos que tornam possível a comuni­
cação e, em algum nível, o consenso cultural (p. 15).

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O IMPACTO DO TRAFICO DE DROGAS NA ROTINA ESCOLAR

A forte exposição da escola aos ditames do tráfico revela de forma dramática


o nível de segregação urbana a que está sujeita a favela estudada, na medida
em que fragiliza uma das instituições centrais para a inclusão na vida da cida­
de. Mas, como indicam os profissionais que atuam nessas escolas, também os
efeitos indiretos têm produzido muita dificuldade à rotina escolar, deixando o
professor sem saber com quem está lidando:

P: E em relação ao tráfico, existem constrangimentos, dificuldades por cau­


sa do tráfico no dia a dia da escola?
R: A boca fica aqui do lado... Então, agente vê todo o movimento. Já teve
caso de bandido se escondendo aqui na escola, se infiltrando no meio dos
alunos... é complicado. Isso influencia demais o nosso comportamento em
sala de aula. No inicio do ano é terrível. Porque a gente não sabe... eu,
que cheguei este ano, não sei quem é aluno e quem não é (professora, 2a
segmento).

Portanto, ainda que não concorde, a escola muitas vezes se vê obrigada a


estabelecer algum tipo de acordo com o tráfico de drogas, para garantir o seu
funcionamento e a integridade física de seus profissionais e alunos. Os profes­
sores afirmam, ainda, que em decorrência desses conflitos a escola não raro tem
sua atividade interrompida. Com isso, não apenas se compromete a integridade
da autonomia escolar, mas se gera um estigma que atinge igualmente seus pro­
fessores e alunos, como evidencia o trecho da entrevista a seguir:

P: As crianças dessas áreas seriam consideradas mais pobres e, de alguma


forma, elas são vítimas desse preconceito?
R: A questão não é essa. Deixa eu ver se consigo organizar. Onde eu moro,
um dos porteiros tem uma filha que estuda aqui nesta escola. Esses dias
ele me parou e disse: “(Nome da entrevistada), tô achando que vou tirar a
minha filha de lá.” Eu disse: "Por quê?” Ele mora aqui nesta área. Acontece
que, por conta de todas as dificuldades da comunidade, imediatamente isso
vai repercutir dentro da escola. Então, se nós temos um conflito muito sério
dentro da comunidade, a escola automaticamente vai fechar se tem alguma
coisa mais séria... Aliás, para mim, hoje, essa é a grande preocupação. A
grande preocupação é essa questão que a gente sofre em relação ao tráfico
de drogas. A pressão, o poderio que o tráfico de drogas exerce na escola, que
ultrapassa a questão de ela estar ou não imediatamente ligada ao tráfico de
drogas. Então, esta escola, não pela qualidade dos professores e das aulas,
acaba sendo vista de uma forma inferiorizada, porque, aqui, o aluno não
vai ter aula (coordenadora, 2a segmento).

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A ESCOLA E A FAVELA

Outras vezes, a interferência do tráfico na vida dos alunos está vinculada


também ao consumo de drogas por eles, fato apontado pelos professores, no
entanto, como pouco frequente. A permanência de alunos dentro da escola em
estado alterado de consciência demonstra, no entanto, a impotência para man­
ter o controle sobre o espaço e a rotina escolar.

P: Em que sentido você acha que o tráfico influência no cotidiano da escola?


R: É, da escola, a gente consegue manter um território neutro. Embora a gente
tenha alguns alunos aqui que chegam cheirados... são poucos, mas tem. Aqui,
graças a Deus, a gente consegue manter um território neutro.
P: Você poderia dar um exemplo de algum problema grave nesse sentido? [O
entrevistado refere-se à falta de respeito aos professores da parte dos alunos.]
R: Coisas assim, de ex-alunos ou de alunos mesmo. Eu tenho muito esse
problema, aluno da manhã que não tem o que fazer ã tarde, então vem
para cá, cheirado, descontrolado e fica aí fora jogando pedra, perturban­
do... e quando a diretora não consegue resolver esse tipo de coisa, aí aconte­
ce uma ameaça, um contato... (professora, 2a segmento).

O estigma que recai sobre a escola é um importante elemento nesse panora­


ma, pois profissionais e alunos temem ser contaminados por ele. Desse modo, o
conflito é também causador de uma seleção negativa no quadro de profissionais.
Por isso, entre os que resolvem trabalhar nessas áreas, a maioria não tinha inten­
ção de permanecer e, quando o fazem, alegam terem sido levados por estímulos
emocionais e afetivos construídos ao longo da estada na escola. Entretanto, es­
ses vínculos não são estabelecidos por todos, o que faz com que os que não se
adaptaram tentem mudar para outro local logo que possível.

P: No caso, você vê uma diferença em termos de uma alocação de professo­


res. Eles, quando querem, não procuram uma escola aqui dentro?
R: Preferencialmente não, não é? O Município tem uma coisa que chama de
“difícil acesso”. Essa escola, por acaso, não é considerada uma escola de “di­
fícil acesso”. Quando vai escolher, ele sempre vai optar por uma escola que
seja mais fácil de chegar, mais próxima da rua. Se eu posso ficar em uma
escola que é mais próxima da rua, ninguém vai querer ficar aqui numa
escola que é mais para dentro, mais próxima da área de conflito. As pessoas
procuram até para tentar se preservar... (coordenadora, 2“ segmento).

De todo modo, os professores convivem com situações das quais sentem um


profundo distanciamento. É o que relata um professor ao descrever o perfil de
seu aluno e sua relação com ele:

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O IMPACTO DO TRÁFICO DE DROGAS NA ROTINA ESCOLAR

R: Depende, eles têm uma... para eles terem essa postura, eles escolhem a
quem eles querem se mostrar. Quando eles não querem, não adianta. A
coisa fica bem difícil, fica bastante complicada. Tem que se abrir esse canal
mesmo, que aí eles se mostram. Você consegue ajudá-los. Eles conseguem se
modificar. (...) Mas, é o ouvir, é o organizar a mente e tentar compreender
tudo que eles assistem... Porque, se eu for te relatar o que eles assistem, você
vai ficar arrepiada. Mas eles assistem coisas assim... absurdas. Aí, a cabeça
fica assim, meio confusa. Ai, tem que tentar levar eles a compreender. São
incompreensíveis as situações, mas tem que fazer esses malucos seguir em
frente e não ir por esse caminho. Esse caminho é muito fascinante. Muito
fácil. Por comodismo, algumas pessoas até entram, porque lutar para cres­
cer dá trabalho (professora, 1Q segmento).

Quando o professor se sente mais adaptado à situação, vê-se obrigado a de­


sempenhar diferentes papéis, como os de amigo, psicólogo, pai, dentre outros,
que sejam momentaneamente necessários. No entanto, o trabalho escolar fica
prejudicado, assim como o plano de aula do dia. O fato de conviverem em um
ambiente de insegurança faz com que o processo de ensino passe para o segun­
do plano, perante tais urgências.

P: E você atende, também, a alunos que não sejam de (nome da comunida­


de), que não sejam de favela?
R: Eu trabalho de manhã com ensino especial. No ensino especial já tem
outro perfil. Têm algumas crianças que não são daqui, que moram pró­
ximas, aqui na redondeza. (...) Então, tem que ser uma forma de educar
bastante holística, enfatizando bastante valores humanos. E, ao mesmo
tempo, você tem que fazer tudo assim, um leque total. Dar a sua aula,
trabalhar naquela parte de dar saber ao aluno. Levar o aluno a refletir no
que tem acontecido aqui. Que esse ano foi um ano muito difícil para essa
comunidade, muito difícil. E eles ficaram meses sem dormir de noite por­
que estava tendo muita confusão. Imagine como é que esse aluno chega na
sala de aula. De dormir embaixo da cama, embaixo da mesa. Confusão
assim. Um pânico. Eles chegam, às vezes, em pânico. Eles querem conver­
sar, conversar, conversar. Você tem que parar tudo e ouvir, ouvir, ouvir
(professora, 1“ segmento).

Assim é que, salvo algumas exceções, a maioria dos profissionais afirma não
se sentir preparada para esse tipo de cotidiano escolar, percebido como atraves­
sado por situações perturbadoras e violentas, como alunos drogados, invasões
do perímetro escolar, brigas em classe, tiroteios, ameaças por parte de alunos ou

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A ESCOLA E A FAVELA

de traficantes, entre outras.3 Diante dessa percepção, os professores são levados


a elaborar formas, em sua maioria individuais, para lidar com tais situações.

2.2. O tráfico e o apelo do consumo


O “consumismo” é, segundo os professores, produtor de uma perspectiva de
futuro imediatista que contradiz o projeto de longo prazo da educação escolar.
Tal tendência seria aguçada pela presença perturbadora do tráfico de drogas
na favela, que subverte esse sentido de investimento de longo prazo. Assim, o
caminho proposto pela escola acaba sendo desvalorizado e o próprio professor,
diante de tamanhas dificuldades, tende a não acreditar que o trabalho que reali­
za possa permitir a mudança de vida do aluno. Segundo ele, a segregação social
fragiliza a autoestima de seu aluno, levando até mesmo à adesão de alguns ao
tráfico de drogas.
Para o professor, a tarefa de socialização se torna ainda mais difícil porque,
para realizá-la, seria necessário, primeiramente, desconstruir os efeitos do trá­
fico em todas as dimensões já citadas para, a partir daí, poder atuar como pro­
fessor, transferindo não apenas o conteúdo curricular, mas também um sentido
para o futuro. O trecho da entrevista apresentado a seguir revela bem a drama-
ticidade da questão:

P: Você falou um pouco em perspectiva de futuro. E como é que você acha


que eles pensam o futuro?
R: Isso é uma coisa boa, porque no primeiro momento eles têm assim... uma
visão muito triste. Alguns falam para mim que: "Poxa tia, vou morrer com
18 anos. Para que isso?” (professora, 1Q segmento)

Ainda que priorizada pelo professor, a opção pelo conteúdo transforma-se


em uma decisão extremamente difícil, como deixa evidente a fala desta profes­
sora, ao ser perguntada sobre o seu papel:

R: Eu contribuo um pouco, mas sei que o inglês aqui é o de menos. Contribuo


com valores éticos, com valores morais que muitas vezes diferem dos deles,
mas eu procuro levar para esse lado, porque o conteúdo é o de menos. Nessa
comunidade, pelo menos neste ano que eu estou vivendo, é o de menos.
P: Você acha que a escola desempenha um papel importante, ou lá fora eles
veem coisas que são mais atraentes?
R: Está meio difícil de responder a esta pergunta, porque tem uma série
de coisas envolvidas aí. Tem gente que a gente... ah, não sei se vou falar,
3 Importante salientar que, quando se referem a essas situações, esses profissionais têm, em ge­
ral, como base de informação, o que Foote White (2005) designou de “evento espetacular”, isto é,
aquele tipo de evento construído e veiculado pela mídia e que serve de base para o senso comum.

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O IMPACTO DO TRÁFICO DE DROGAS NA ROTINA ESCOLAR

tem gente que a gente já sabe que está no caminho errado, e que a escola
é às vezes um contato... A gente já sabe que a criança está envolvida com
o tráfico, ou que tem um parente envolvido. E tem outro que vem para cá
mais para ter um compromisso social, não é pelo aprendizado, mas pela
escola, que ele se sente mais seguro na escola por causa de toda a violência
da comunidade. (...) Então, a realidade é coisa muito diferente, coisa que
eu não imaginava. Às vezes você fala: “Graças a Deus que eu estou indo
embora... Não. Eu estou indo embora, mas eles continuam aqui. Eu tô
saindo, mas eles continuam...” Então, a escola tem a função social de ser
um lugar onde eles se sentem seguros, às vezes a gente acha que o menos
importante é o conteúdo. Conteúdo é o de menos. É a gente parar e ouvir,
é a gente proporcionar um momento até de lazer para esse aluno (profes­
sora, 2Q segmento).

O ensino e o aprendizado ficam, assim, submetidos ao “clima” existente na


favela. Com isso, o fato de haver ou não conflitos na comunidade é o que define
o curso do processo educativo. E tais situações resultam normalmente de deci­
sões que não dependem apenas do tráfico, mas também e, sobretudo, da polícia,
que aparece representada na imagem do Caveirão - veículo blindado do aparato
policial -, que entra nas favelas em operações de busca de criminosos, de drogas
e de armamentos. Para os alunos, a chegada do Caveirão é sinal de que haverá
confronto armado. Há, desse modo, a submissão forçada do projeto educacional
ao conflito polícia/tráfico.
A invasão de domicílios e o tratamento frequentemente dispensado pela
polícia à população evidenciam a fragilidade da cidadania dos moradores des­
se tipo de favela. O cansaço e a dispersão dos alunos contribuem igualmente
para o desestimulo destes e, por conseguinte, dos próprios professores. Esse
fato colabora para que a escola perca sua função primordial de instituição de
ensino e de formação.

P: Você falou que eles são muito bagunçeiros, não é? Quais são as outras
características mais importantes dos seus alunos?
R: Na 8“ série eles já são adultos, muitos têm filhos, então chegam aqui mui­
to cansados, é difícil tirar alguma coisa. A violência também da comuni­
dade é um fator de desmotivação, principalmente no turno da manhã, que
eles chegam mesmo para dormir... que eles se sentem seguros na escola para
dormir. Então, ficam cansados... dormem um sono profundo na sala de
aula, porque teve tiroteio de madrugada. Porque o bandido pulou na laje.
Porque o Caveirão entrou. Teve um período que foi bastante agitado, na
semana passada isso aqui estava pegando fogo (professora, 2“ segmento).

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A ESCOLA E A FAVELA

Na percepção do professor, o mundo do tráfico se encontra cada vez mais


próximo da escola, o que leva à adesão de alguns alunos, ainda que simbólica,
como indica esta frase, dita por um aluno e citada por um professor: “Eu vou é
pro tráfico!" Esse tipo de aforismo se torna possível nesse espaço social na me­
dida em que funciona para os alunos como afirmação de identidade ou, ainda,
como manifestação de poder, visando igualá-lo à autoridade dos professores.
Mas, de acordo com essa diretora e esse professor, ambos de escolas do 2o seg­
mento, a situação estaria se tornando ainda mais grave com o recrutamento de
crianças pelo tráfico:

P: As crianças dessas áreas seriam consideradas mais pobres e, de alguma


forma, elas são vítimas desse preconceito?
R: Só uma intervenção: há alguns anos atrás a droga era mais camuflada.
O próprio traficante, ele criava uma situação, ele botava moral e ele exigia
que a criança viesse para a escola, havia uma história assim. Hoje, a droga
‘tá’ encostada, ‘tá’ na esquina aqui... Eles estão captando muitas crianças
novas, rapaz! Ex-alunos nossos, meninos novos (diretora, 2“ segmento).

P: E em relação ao tráfico, há constrangimento decorrente da existência do


tráfico na favela em relação à escola?
R: Foi o que eu falei da outra vez, antigamente o traficante, ele fazia questão
de que as crianças ficassem na escola, o negócio da imagem... “Você tem
que ir para a escola, você tem que estar na escola.” Hoje acho que a coisa ‘tá’
meio esquisita, porque tem muito jovem que participa do movimento, que
entra para o tráfico. Você percebe e tanto que têm muitos alunos... (profes­
sor, 2Q segmento).

3. O tráfico e a milícia: efeitos sobre os alunos


Nesta seção será construída uma tipificação do aluno morador da favela
com tráfico (Fl) e do aluno morador da favela com milícia (F2). Esse recurso
comparativo permitirá evidenciar que, apesar de reconhecerem nuanças que
distinguem o comportamento dos alunos nos dois tipos de favelas, os profes­
sores operam com uma concepção que tende a reificar o efeito da favela sobre
o comportamento do aluno, identificando, tanto no tráfico, quanto na milícia,
variáveis fundamentais para qualificá-lo, em uma operação intelectual que re­
vela o determinismo ecológico presente na sua representação sobre o lugar de
moradia de seu aluno.
Como se viu ao longo deste livro, para os professores que trabalham em es­
colas com tráfico, sua presença é sinônimo de cultura de violência, tornando a
favela um ambiente orientado para a transgressão e para a banalização da vida

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O IMPACTO DO TRAFICO DE DROGAS NA ROTINA ESCOLAR

e da morte, influenciando o comportamento do aluno, tornando-o potencial


mente agressivo e hostil.
Para a favela onde não há o tráfico, mas que é submetida à milícia, o compor­
tamento dos alunos, como veremos, se apresenta de forma diferente. Nesse caso,
alguns professores observam que, apesar de não haver a influência do tráfico,
existe a influência do “poder” da milícia. Assim sendo, o aparente bom compor­
tamento esconde a passividade, que resultaria da imposição de uma atitude de
conformidade imposta pela milícia.
Portanto, a comparação entre as duas favelas, além de permitir relativizar a
importância da variável tráfico como elemento definidor da leitura da favela feita
pelos professores, também propicia uma boa entrada para a compreensão da
importância desses dois modelos de controle autoritário a que está submetida
boa parte das favelas do Rio de Janeiro.
Esse exercício comparativo foi facilitado pelos relatos de professores que
trabalham ou trabalharam em ambas as favelas. Com isso, tornou-se possível
realizar uma caracterização básica dos alunos a partir do contraponto entre os
dois casos. Para melhor organização e apresentação, dividimo-la em aspectos
positivos e negativos.

3.1. Favela com tráfico


Entre as diferenças apontadas pelo professor entre as duas favelas, encontra-
se o fato de que os alunos da favela com tráfico são percebidos como dotados de
mais vontade de realizar mobilidade social, traduzida por uma maior vontade de
consumir, de comer nos restaurantes fast-food e de frequentar cinemas. Para o
professor, o desejo de mudança se faz presente por conta da relação que os mo­
radores têm com a cidade e, consequentemente, a possibilidade de serem mais
informados e integrados. Esse aspecto é válido, sobretudo, para os alunos do 2o
segmento. Esse contraponto fica evidente na fala deste professor, que, coinciden­
temente, trabalhava, na época da pesquisa, com alunos das duas favelas:

P: E na outra escola que você trabalha?


R: Vamos dizer que nesta escola (F2) eles têm um nível de formação muito
baixo, agora lá (F1), temos alunos bons, graças a Deus, eles têm um acesso
maior á informação, procuram mais informação; aqui (F2) não vejo muita
ambição (professor, 2a segmento, F2).

O desejo de mudança entre os alunos na favela com tráfico não estaria rela­
cionado apenas à ascensão econômica, mas também, segundo os professores, à
vontade de sair da favela, em grande medida pelos constrangimentos impostos
pelo tráfico.

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f' ESCOLA E A EAVEIA

De todo modo, identifica-se na favela com tráfico um aluno com mais atitu­
de, qualidade que se vê realçada quando contraposta à favela com milícia. Mas
essas qualidades positivas são contrapostas a atributos negativos, como “agres­
sivos”, “mal-educados”, “inquietos” e portadores de “baixa autoestima”, que tam­
bém são realçados em face da comparação com a favela com milícia.
Os atributos de mal-educados e agressivos, que, segundo professores, se des­
tacam nos alunos da favela com tráfico, formam situações constrangedoras que
dificultam o trabalho escolar. Uma professora, que já trabalhou nas duas favelas,
observou o seguinte:

P: Você trabalhou na Fl há quanto tempo?


R: Faz bastante tempo, eu fiquei lá meio ano, barra pesadíssima, bem difícil
de trabalhar.
P: Em que aspecto?
R: Aspecto de medo, dentro da quadra as crianças passavam em volta! “Pro­
fessora! Gostosa! Gostosa!” Era uma coisa bem constrangedora, as crianças
eram agressivas de se socar, de se bater (professora, 2E segmento, F2).

A inquietação do aluno é consequência, segundo os professores, do próprio


ambiente da favela.

P: Quais os problemas mais frequentes que você percebe nos alunos?


R: Você passa qualquer hora da noite aqui e tem gente circulando, não há
tranquilidade de você chegar em casa, as pessoas quietas, aquele ambiente
não existe. Há sempre aquele ambiente inquieto e eles [alunos] são inquie­
tos, dormem muito tarde, no turno da manhã é comum chegarem com sono
(professora, 2a segmento, Fl).

A questão da baixa autoestima foi mencionada nas duas favelas; contudo,


para a favela com milícia, é associada pelo professor à carência material, dife­
rentemente da favela com tráfico, onde, segundo o professor, a baixa autoestima
estaria associada ao preconceito sofrido pelo aluno, que rebaixa seu status social
em face dos demais moradores da cidade. Nesse sentido, é como se a favela com
tráfico fosse mais favela do que a favela sem tráfico. Ou, em outros termos, é
como se o tráfico acentuasse características inerentes à favela.
Sobre isso, este professor, que trabalha na favela com tráfico, observa o
seguinte:

P: Como os alunos percebem a cidade [formal]?


R: Quando falam da cidade partida, esta aqui [Fl] é a cidade, o outro
lado da cidade [cidade formal] não consegue olhar isso aqui como cidade.

•276
O IMPACTO DO TRAFICO DE DROGAS NA ROTINA ESCOLAR

No dia em que fui levar os alunos para o curso de animação passei pelo
shopping, alguns alunos não sabiam que estavam no [nome do] shopping.
E não é por falta de dinheiro, é falta de sentir que podem ir ali, sentir que
podem atravessar essas barreiras (professor, 1“ segmento, Fl).

3.2. Favela com milícia


Na favela com milícia, os professores destacaram uma série de atributos po­
sitivos em seus alunos, afirmando que eles são mais “disciplinados”, “carinho­
sos”, “dóceis”, “respeitosos” e “sinceros”.
A favela em questão é considerada singular pelos professores entrevistados,
especialmente pelo fato de ter uma forte marca nordestina, mas a inexistência
do tráfico também tem um peso significativo para explicar o “bom compor­
tamento do aluno”, tornando, como sugere o relato desta professora, a rotina
escolar mais suave:

P: O que mais te agrada no convívio com seus alunos?


R: É a afetividade. O carinho que eles dispensam com a gente, eles são bons
(professora, 1Q segmento, F2).

Para alguns professores, no entanto, essas características positivas esconde­


ríam uma carência afetiva decorrente de um déficit familiar, que, de acordo com
a mesma professora, precisaria ser preenchido pela escola.

P: Quais as características mais importantes que você percebe em seus alunos?


R: Eles são muito carinhosos, acho que eles necessitam dessa parte afetiva,
você percebe a carência da pele, do contato (idem).

Também foi mencionada como particularidade dessa favela, especialmente


quando comparada com favelas ocupadas por traficantes, uma maior valoriza­
ção da instituição escolar e do professor, ao menos no que se refere ao “respeito”
em face do professor. Tal característica, no entanto, escondería uma docilidade
extremada, que, segundo nossos entrevistados, pode se confundir com a “sub­
missão”, a “passividade” e o “comodismo”.
Para alguns professores, tal comodismo seria consequência do isolamento
cultural que caracterizaria essa favela, que decorrería nâo apenas do fato de ser
habitada por um significativo contingente de imigrantes de primeira geração
ainda pouco integrados à cidade, mas também por ter desenvolvido um comér­
cio e um serviço próprios, que contribuiríam para manter as crianças restritas
às fronteiras de seu território.

277
A ESCOLA E A FAVELA

A respeito dessa acomodação, citada por alguns professores como um aspec


to negativo daqueles alunos, levantamos a seguinte questão:

P: O comodismo seria falta de perspectiva de futuro?


R: O mundo aqui é extremamente fechado e as trocas culturais estão só
entre eles, não existe nada que vem de fora para aqui dentro (idem).

Mas, ao mencionar esses atributos negativos, alguns professores também os


relacionaram à presença da milícia na favela e à forma autoritária com que im­
põe a “lei do silêncio” e a completa obediência a seus ditames. Este professor
deixa o ponto evidente:

Nessa comunidade não se vê tráfico, o que você sente não é a questão do trá­
fico, mas o poder paralelo. Existe um poder onde as pessoas ficam preocupa­
das em manter a comunidade no limite, um limite de “civilização’’, vamos
chamar assim. Tem esse poder paralelo que controla a comunidade que o
tráfico não atinge, mas é um poder onde as pessoas [milícia] determinam
o que é certo e o que é errado. “Temos que viver assim.” [modo de pensar e
de falar da milícia, segundo o professor] Quem não vive de forma correta
precisa sair da comunidade, essas pessoas [moradores] são convidadas a se
retirarem (professor, 2Q segmento, F2).

É nítido, portanto, que, para parte dos professores, algumas das caracterís­
ticas positivas atribuídas aos alunos da favela com milícia, tais como as de ca­
rinhosos e respeitosos, seriam antes uma expressão contraditória da submissão
imposta pela milícia nessa localidade. Explica-se, assim, a ambiguidade do pro­
fessor em face desse tipo de controle social, que lhe parece mais sutil do que
a objetividade ostensiva do tráfico e seus efeitos sobre o comportamento dos
alunos, porém, igualmente pernicioso.

4. Considerações finais
O cotidiano escolar apresenta um padrão de sociabilidade violenta que con­
tribui para sua segregação e estigmatização diante da sociedade em geral. O
tráfico de drogas estabelece para a favela uma ordenação particular, reconfigu-
rando os padrões sociais vigentes na sociedade em geral, substituindo-os por
outros, que fazem parte do que seria, para os professores, uma cultura da vio­
lência. Assim, o direito de ir e vir, a liberdade de crença religiosa, a questão da
propriedade privada e do direito à integridade física se veem comprometidos. E,
junto com isso, prejudicado o direito à escola.

278
O IMPACTO DO TRAFICO DE DROGAS NA ROTINA ESCOLAR

Do quadro apresentado por nossas entrevistas, percebe-se que a violência


atinge de forma distinta alunos e professores, estes pela submissão velada que
lhes é imposta a partir da inserção nesse espaço social, e aqueles por terem in-
trojetado valores que são específicos à sociabilidade violenta, limitando suas
possibilidades como cidadãos. Com isso, professores e alunos têm muita dificul­
dade para estabelecer um padrão de relação baseado em expectativas comuns
ao espaço escolar.
O status conferido ao aluno pelo pertencimento ou proximidade com o tráfi­
co é também um agravante dessa situação para alunos e professores, pois a for­
ma deficiente de funcionamento da escola reifica situações sociais e estabelece a
reprodução social das mesmas condições de vida para os alunos.
Os professores e seus alunos estão imersos em um conflito de valores que tor­
na menos claro e enfático o papel da escola. De fato, a impressão que se tem é a
de que a instituição escolar se encontra isolada dentro dessa realidade, ficando os
seus profissionais obrigados a enfrentar situações para as quais nem foram prepa­
rados e, mais do que isso, que ultrapassam os limites de seu próprio papel.
Os alunos, por outro lado, têm, de acordo com os professores, na inserção
no tráfico uma expectativa de futuro que corrobora a visão da sociedade de
consumo, transportando para a própria expectativa de vida a fugacidade que
acomete o mercado. A visão imediatista do consumismo se contrapõe ao proje­
to de longo prazo da escola.
Ainda de acordo com nossos entrevistados, os alunos têm sua constituição
valorativa completamente inserida no que entendem ser uma cultura da violên­
cia. Por isso, de forma geral, são definidos pelos professores como “agitados”,
“inquietos” e “agressivos”.
Em face desse contexto, a escola, mesmo que atuante, dificilmente obtém
resultados positivos, pois tem de lidar com os vários desdobramentos decorren­
tes da existência do tráfico na comunidade, os quais, como vimos, formam um
emaranhado de situações amplamente presentes no cotidiano escolar, não se
restringindo aos conflitos que paralisam as aulas.
Na segunda seção do texto, procuramos demonstrar como os professores
atribuem características diferentes aos alunos de favelas dominadas pela milícia,
e de como a aparente positividade de um ambiente menos exposto à impre-
visibilidade e à ostensividade do tráfico esconde uma valoração negativa dos
alunos. Com base nessa comparação, ficou mais evidente que, para além da pre-
sença/ausência do tráfico, o efeito-favela é mobilizado pelos professores como
importante fonte para a elaboração da representação que fazem de seus alunos,
que tem no tráfico apenas um agravante.

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( K/L1 A ESCOLA E A FAVELA

Bibliografia
FUENTE, Júlia Gaspar. Comunidades se organizam, planejam e realizam mu­
danças da realidade local por um lugar mais digno. Action apps - Mosaico
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MACHADO, Luiz Antonio. Violência urbana, sociabilidade violenta e agenda
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ZALUAR, Alba. A máquina e a revolta: as organizações populares e o significado
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