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Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP)

Faculdade de Ciências e Letras, Departamento de História – Câmpus de Assis


Curso de Graduação em História (Licenciatura) - Diurno
Disciplina: Psicologia da Educação
Docente: Mateus de Freitas Barreiro
Discente: João Pedro Geraldi de Melo – Diurno

Resenha do filme: “Entre os Muros da Escola”

O filme tem como enredo expor as vicissitudes quanto as interações sociais


ocorridas dentro do âmbito escolar, relações que se estabelecem entre os professores,
entre os alunos, e sobretudo entre professores e alunos. Tendo por ambientação
principal a sala de aula de uma escola pública localizada na periferia de Paris, a história
se desenrola com poucas inserções de outras localidades. Quanto ao contexto temporal,
o filme é cronologicamente bem atual, levando-se em conta as vestimentas, os gostos e
hobbies dos próprios alunos. Assim, apesar de ser produzido na década passada (2008),
a obra funciona muito bem como um mecanismo de reflexão para se pensar na educação
do tempo presente.

Adentrando mais minuciosamente na descrição do enredo, tem-se como


personagem principal da história o professor François Marin, formado em língua
francesa. Na obra, acompanhamos sua jornada ao longo do ano letivo, um percurso
marcado cotidianamente por tensões, intrigas, tumultos e violências; situações com as
quais se confrontam professores e alunos. Por isso, é enganoso pensar que a
exclusividade espacial no qual o enredo se desenrola, isto é, a sala de aula, limita de
alguma maneira o desenvolvimento da trama. Na realidade, ocorre o oposto, pois o
contingente de problemáticas levantadas durante o filme, servem para demonstrar o
quanto o ambiente escolar retratado é um espaço cosmopolita, bem como o quanto os
problemas que o cerceiam são igualmente universais.

Tendo em mente que o ambiente escolar é retratado cosmo-politicamente, faz-se


necessário explorar como bem faz o filme, as diversidades entre os personagens
retratados ao longo da narrativa cinematográfica. Nota-se entre o corpo de alunos, uma
grande e variada pungência de aspectos familiares, culturais, étnicos e sociais. Sendo
assim, a sala de aula da qual o filme propõe-se a retratar, pode ser tomada, respeitando
claro as particularidades geográficas, como um modelo de sala de aula usualmente
comum ao redor de várias localidades do mundo. Logo, os problemas retratados na obra
que se exprimem dentro de uma instância micro-social, ou seja, a escola, podem ser
igualmente adaptados a uma instância macro-social, em função dos semelhantes
enfrentamentos que se configuram em diferentes escolas a um nível nacional e até
internacional.

De fato, a escola é um ambiente multifacetado, é como a representação da


própria sociedade. Diante disso, cabe ao professor como bem retratado na obra, não
somente o papel de mediador do conhecimento, mas também de mediador das relações
socias estabelecidas ao longo da vida escolar. Por mediador, não se deve entender
transmissor, pois se assim fosse, os alunos seriam figuras passivas no processo de
aprendizado, relegados a condição de simples reprodutores do conhecimento.
Contrariamente, como é demostrado durante a trama, várias são as incursões por parte
dos mesmos alunos dirigidas ao professor, cujo intuito é questiona-lo didaticamente e
até confrontara-lo, em função de seu posicionamento autoritário em certos momentos do
filme.

Levando em conta o papel ativo dos alunos diante das relações estabelecidas na
sala de aula, torna-se necessário considerar a autenticidade da escola como um local de
construção de um conhecimento autônomo. Como expõem o linguista e historiador,
André Chervel, para quem a escola não é um local de mera reprodução adaptativa do
conteúdo acadêmico, mas sim, um espaço no qual se constrói um conhecimento
singular, alicerceado não só pela produção acadêmica e aos parâmetros educacionais
estabelecidos pelo Estado, mas também pelas relações que ocorrem em âmbito familiar,
escolar e comunitário. Em que assumem o papel como agentes no construto do saber: os
alunos, os responsáveis pelos alunos, os professores e os demais funcionários da escola.

Portanto, tal é a dificuldade existente por parte não somente dos professores,
mas dos demais agentes envolvidos na configuração da escola, em entende-la como
lugar de conhecimento autônomo, que inevitavelmente ocasionam-se atrasos e
regressões no ensino escolar. Na obra, tal fenômeno é retratado simbolicamente na
personificação do professor, cujos atritos com a classe se devem em grande parte,
devido a adoção de uma postura negligenciável e autoritária diante dos alunos, como
ocorre em certos momentos, gerando assim, um confronto entre estes últimos e o
professor.
Fato é que a tentativa fracassada de impor respeito e disciplina à classe por meio
da força, somente ocasiona mais conflito, configurando-se como um mecanismo
antiquado, que quanto mais posto em uso, mais gera um sentimento inversamente
equivalente de ódio e violência por parte de quem sofre a ação autoritária, isto é, os
próprios alunos.

Assim, é evidente que a adoção de uma postura autoritária por parte do


professor, obedece a uma ótica funcional que se relaciona aos mecanismos de defesa da
mente humana, em especifico à estruturação psíquica do Ego, responsável pela
mediação entre a instância do superego e a do Id. De comum acordo com essa ordem, a
adoção de tal postura, visa de uma maneira racional, justificar o autoritarismo como
uma maneira de estabelecer o respeito, projetando a culpa dos conflitos e conurbações
escolares como decorrência exclusiva do mal comportamento dos alunos.

Todavia, do autoritarismo somente derivam duas consequências, e nenhuma tem


consonância com o respeito. Primeiro, como já foi dito, a opressão só resulta em mais
revolta. Segundo, se por algum acaso, a opressão for efetiva, ou seja, gerar o
comportamento esperado da classe, tal comportamento não derivaria do respeito a figura
do docente, mas sim, do medo imposto por essa mesma figura. Consequentemente, não
se trata de respeito e sim de sujeição, pois o respeito só ocorre de forma mutua, em
outros termos, transcorre somente se as duas partes encheram uma a outra como
igualmente importantes para o processo educativo, já que complementarmente, sem
professores não há alunos e sem alunos não há professores.

Para além disso, deve-se dizer que a adoção de certas atitudes violentas não
parte somente dos professores para os alunos ou do inverso. Existe também, certas
práticas de ordem semelhante, que partem dos próprios estudantes e se dirigem a outros
colegas de classe. Como evidencia varias cenas do próprio filme, em que certas atitudes
carregadas de ódio e preconceito são justificadas com o argumento de serem simples
brincadeiras. Esses episódios que ocorrem cotidianamente em inúmeras escolas ao redor
do mundo, devem ser enfrentados com a devida seriedade, pois se ignoradas, podem
ocasionar em graves consequências, cujos efeitos perpassam até mesmo o ambiente
escolar.

Tal regra, deve valer tanto para os alunos que sofrem a ação quanto aos que a
praticam. Caso contrário, ocorrências mais graves que vão desde a automutilação do
corpo, a disseminação de comportamentos ainda mais agressivos para com os outros, a
inserção precoce na criminalidade e até mesmo o suicídio, podem ser medidas a serem
tomadas por parte desses mesmos indivíduos que sofrem ou praticam essas ações, e que
veem nessas medidas mais drásticas, um método de acabar ou pelo menos diminuir o
sofrimentos que os acometem.

Consequentemente, pensar em educação não é somente pensar em seus


fundamentos didáticos e teóricos, uma vez que para compreender determinados
fenômenos que permeiam o cotidiano escolar, é necessário entender uma realidade cuja
construção não ocorre somente através do consciente, mas que também se forma a partir
do inconsciente. Nesse aspecto, torna-se fundamental, o estudo da psicanálise atrelada
as problemáticas fundamentais do ensino, tendo em vista que a psicanálise, como uma
ciência dedicada ao estudo do inconsciente, apresenta-se como uma ferramenta
essencial para a análise dos conflitos escolares, estabelecendo-os como intimamente
ligados aos desejos e vontades mais profundos da psique humana. Um estudo no qual se
elenca como parte da análise das relações escolares, experiências vividas em espaços e
tempos diferentes e anteriores a própria experiência escolar dos indivíduos estudados.
Experiências que em muitos casos, esses mesmos indivíduos buscam suprimir ou
esquecer de suas mentes, e para tanto, precisam encontrar maneiras para descarregar
essas diversas pressões das quais estão submetidos. Como consequência direta, a mente
humana cria determinados mecanismo frente a estas altas doses de pressão, cujo
bullying e o autoritarismo, presentes em sala de aula, podem ser tomados como parte
desses mesmos mecanismos.

Por fim, ao que parece, a obra passa uma mensagem nítida, em que o problema
enfrentado pelo professor é conciliar sua figura de mediador didático e social, de modo
que o mesmo não ultrapasse a linha para o autoritarismo, demonstrando a quão
desafiadora é tal profissão. Ao mesmo tempo, o aluno, que em muitos casos assume um
papel de passividade na constituição do ambiente escolar, é demonstrado na trama como
um ser pensante e autônomo, com suas escolhas, gostos e problemas inerentes a
construção de sua personalidade, e em virtude disso, como parte dos agentes
responsáveis pela constituição da escola como um local de saberes autônomos e
autênticos.

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