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RELATÓRIO: 25/11 - 3ª série EM - História - A Guerra Fria: 1945-1991

Em linhas gerais, a videoaula busca analisar o evento histórico conhecido como


Guerra Fria (1945-1991), adotando como perspectiva de abordagem, o destacamento dos
principais acontecimentos políticos ocorridos nesse período, que culminam com o fim da
URSS em 1991. Considerando tal premissa, nota-se que a dinâmica da aula é bem fiel a
sua proposta inicial, elencado e caracterizando os principais marcos institucionais e
políticos da época, dentre os quais, pode-se citar: acordos entre as principais potências
mundiais da época (Conferência de Lalta e Conferência de Potsdam); criação da ONU e
formulação da Declaração Universal dos Direitos Humanos; e o surgimento de pactos
internacionais que indicam a polarização mundial (Pacto de Varsóvia e Organização do
Tratado do Atlântico Norte). Destaca-se ainda, a forte rivalidade que circunda as duas
potências vigentes da época, EUA e URSS, denotando a competição dos dois países na
questão política, econômica, bélica, tecnológica e espacial.

Ademais, mesmo que superficialmente, a videoaula promove a problematização


em torno do termo “Guerra Fria”. Primeiramente abordando o significado desta expressão
— a ausência de um conflito direto, a ideia de uma guerra que não se desenrola no plano
físico, mas na esfera mental, tendo em vista o risco iminente de um conflito atômico entre
EUA e URSS que levasse a destruição mundial. Vê-se assim, que a videoaula presa
fundamentalmente, pela análise referente ao antagonismo estadunidense e soviético, fator
que constituí a característica mais patente da Guerra Fria.

Todavia, escapa desta descrição dual, certos elementos importantes que


caracterizam esse período histórico. Neste sentido, aponta-se a necessidade de
problematizar mais profundamente o conceito de Guerra Fria, visto que a centralidade do
eixo analítico União Soviética/Estados Unidos, relega certas transformações que
ocorreram em outras partes do globo quase ao esquecimento, tal como no continente
americano (palco da ascensão de inúmeros governos militares ditatoriais, muitos destes
apoiados pelos Estados Unidos, a exemplo da ditadura militar brasileira (1964-1985) e da
ditadura militar chilena (1973-1990). Acrescenta-se que, neste mesmo contexto, a
América Latina vivenciou inúmeras revoluções nacionais, como a Revolução Sandinista
na Nicarágua, que aboliu o regime ditatorial da família Somoza em 1979, bem como a
Revolução Cubana, que em 1959, destituiu o ditador Fulgêncio Batista da presidência de
Cuba, ambos regimes políticos aliados aos Estados Unidos.

Semelhantemente, na Ásia e na África, os movimentos revolucionários e


independentistas se alastravam por todos os quadrantes, além da Guerra do Vietnã (1955-
1975) e da Guerra da Coréia (1950-1953), eventos evocados durante a videoaula, também
as nações africanas, antes colônias europeias, conquistam maciçamente sua emancipação
política no desenrolar da Guerra Fria, sobretudo entre os anos de 1950 e 1969, ocorridos
que em maior ou menor escala, articulam-se com os projetos geopolíticos empreendidos
pela União Soviética e pelos Estados Unidos.

A presença da Guerra Fria nas Comics: uma abordagem cultural

Até o presente momento, limitamo-nos a uma abordagem historiográfica reduzida


aos principais marcos políticos e institucionais que ocorreram na Guerra Fria. No entanto,
para além do embate político e econômico que caracterizava este período, marcado pelo
confronto entre EUA e URSS, representantes respectivamente, do sistema capitalista e
socialista, verifica-se também, a existência de uma guerra cultural e ideológica
empreendida pelos dois países, temática ainda pouco explorado pelos historiadores, mas
que pode ser averiguada pela produção literária, cinematográfica e televisiva
desenvolvida durante a Guerra Fria, sobretudo pelos estadunidenses.

Assim, presando por uma perspectiva que privilegie a bipolarização mundial


característica da Guerra Fria em âmbito cultural, podemos adotar como meio analítico, a
produção de história em quadrinhos. Mais especificamente, trataremos das revistas de
super heróis (comics), que ganharam enorme notoriedade durante as décadas de 1960 e
1970, quando surgem inúmeros super-heróis, como: o Incrível Hulk (1969), o Homem de
Ferro (1970), Thor (1962), Os Vingadores (1963) e etc.

Portanto, tendo em vista a representação do mundo “biporalizado” entre as forças


soviéticas e estadunidenses na indústria dos quadrinhos de super-heróis, toma-se como
exemplo, a aventura do Capitão América com o grupo “Super Soldados Soviéticos”
(Soviet Super Soldiers), publicada em abril de 1981, na edição 258 da revista The
Incredible Hulk da editora Marvel Comics, cuja narrativa gira em torno de um grupo de
super-heróis soviéticos que se deslocam para os Estados Unidos em função da
perseguição que sofriam em seu país de origem. Ao chegarem em terras americanas, os
exilados soviéticos requisitam asilo político ao Capitão América. Segue-se um trecho do
quadrinho que esboça um diálogo entre os heróis:

Na banda desenhada exposta anteriormente, percebe-se a presença de inúmeros


elementos que remetem ao contexto de Guerra Fria. Primeiramente, o fato dos soldados
soviéticos requisitarem asilo políticos aos estadunidenses, constituí parte simbólica de um
jogo de narrativas denotado por estereótipos, situando o país do Capitão América (os
Estados Unidos), como a terra da liberdade, da democracia e do cosmopolitismo; em
contraposição com a União Soviética, terra governada com mão de ferro por um regime
político totalitário que persegue seus discordantes de modo tirânico. Neste sentido, é
possível fazer um paralelo com a figura de Trotsky, um dos grandes líderes da Revolução
Russa, que se exila no México por conta da perseguição promovida por Stalin contra seus
adversários políticos.

A tese anterior é reforçada quando a integrante do grupo de heróis soviéticos,


denominada por “Estrela Negra”, dirige-se ao Capitão América: “Olha, Capitão, nós
amamos o nosso país, mas estávamos sendo muito pressionados! Como podíamos ajudar
o povo se a maior parte da nossa energia era gasta para fugirmos das autoridades?”.
Reproduzindo o mesmo discurso, Vanguard, outro herói soviético também afirma: “Às
vezes, capitão, os interesses do povo e do governo são os mesmos”; e no mesmo tom, a
personagem Estrela Negra completa: “E às vezes não! Mas o Kremlin exige que
realizemos qualquer tipo de serviço, inclusive os sujos”. Perante tais diálogos, explicita-
se o caráter autoritário e maligno do governo soviético, que obriga seus heróis a agirem
contra o próprio povo em favor dos interesses egoístas e nefastos do Estado.

Além disso, no quadrinho destacado anteriormente, também é possível aferir o clima


de rivalidade e desconfiança mútua que orbitava sobre soviéticos e estadunidenses
durante o período da Guerra Fria, demonstrado quando o herói soviético Mikkhail Ursus,
queixa-se da desconfiança demonstrada pelo Capitão América para com seu grupo: “Eu
sabia! Foi um erro vir até aqui! Um americano como ele jamais vai confiar num soviético!
Vamos ser tão perseguidos aqui como em nosso país”.

Em outro momento já avançado da história, logo após os Super Soldados


Soviéticos serem violentamente atacados pelos Sovietes Supremos, um grupo de heróis de
elite enviados pela URSS para exterminar seus compatriotas desertores, o Capitão
América vai a Moscou para evitar que o ocorrido gerasse uma crise diplomática profunda
entre os EUA e a URSS. Ao chegar na capital soviética, o Capitão América conhece o
Guardião Vermelho, herói soviético que o guia pelas ruas de Moscou, apresentando os
principais pontos turísticos da cidade, segue-se a cena:
A primazia, nota-se a nítida semelhança entre o herói americano e o herói
soviético, atestada pela vestimenta e pelo escudo dos dois personagens. Deste modo,
pode-se considerar o Guardião Vermelho como o equivalente soviético do Capitão
América, fato que é comprovado pela própria história deste personagem, que antes de se
tornar o Guardião Vermelho, era conhecido como Alexi Shotaskov, piloto de testes
aclamado pelo povo soviético, cujo reconhecimento o levou a ser escolhido pela KGB
como cobaia de um experimento que buscava recriar um ser equivalente ao Capitão
América. Sendo assim, em termos mais abrangentes, é possível aferir que ambas as
figuras, Capitão América e Guardião Vermelho, representam respectivamente, as duas
grandes potências militares, econômicas e políticas da época, isto é, a União Soviética e
os Estados Unidos.

Constata-se no quadrinho exposto anteriormente, um diálogo entre os dois heróis,


que diante de uma análise mais profunda, pode remeter a um confronto ideológico e
geopolítico. Em um certo momento, o Guardião Vermelho dirige uma pergunta ao
Capitão América, indagando se este último seria um herói do povo. Indagação esta que é
rebatia nos seguintes termos pelo herói americano: “Sim, eu sirvo a minha nação, não ao
meu governo! E Você?” Ora, neste diálogo, mais uma vez o espectro do socialismo em
contraposição ao capitalismo é evocado, pois, ao colocar-se como representante da nação
e não do governo, o Capitão América situa-se como defensor da liberdade do povo
americano, direito que não poderia ser violado por qualquer controle institucional,
transpassando a sensação de que o Guardião Vermelho, por estar alinhado ao governo
soviético, valoriza mais a autoridade do Estado do que o bem-comum de sua nação.

Tal embate pode ser correlacionado historicamente com o desenvolvimento da


Doutrina Truman, um conjunto de medidas de ajuda financeira cuja autoria é de Harry
Truman, presidente dos Estados Unidos entre 1945-1953. A doutrina Truman visava
fortalecer o capitalismo em países subdesenvolvidos e afetados gravemente pela Segunda
Guerra mundial, bem como fazer frente ao avanço da influência comunista ao redor do
globo, defendendo o mundo livre e a propriedade privada das garras da “ditadura
comunista”.

Diante do exposto, conclui-se que as revistas de super-heróis materializam uma


importante faceta da Guerra Fria, o confronto ocorrido no “campo das ideias”. Por meio
de sua análise, é possível verificar a existência de um testemunho ocular repleto de
estereótipos, denotado na maneira como se enxerga o Outro, isto é, o estrangeiro, visto
fundamentalmente como uma ameaça. Do mesmo modo, salienta-se a propriedade
pedagógica e imperialista das revistas de super-herói, uma vez que, por conta de seu
público alvo infanto-juvenil, corrobora para a fomento da visão de mundo das futuras
gerações. Logo, não por coincidência, ainda na atualidade, prevalece uma conotação
pessimista sobre imagem dos adeptos da ideologia comunista e socialista, refletida, por
exemplo, no preconceito que o Ocidente nutre com relação à China, valores cuja
construção incide-se também na cultura dos super-heróis, que mantem-se como ramo
importantíssimo da cultura pop estadunidense na contemporaneidade.

Referências
BRANDÃO, Leonardo. A Guerra Fria nas Histórias em quadrinhos: o caso dos super
soldados soviéticos. Anais do XVII Encontro Estadual de História da ANPUH- SC,
Joinville, 2018. Disponível em:
<https://www.encontro2018.sc.anpuh.org/resources/anais/8/1535207218_ARQUIVO_A
GuerraFrianasHistoriasemQuadrinhosANPUHJoinville.pdf>.
Outros super-heróis que se relacionam com a Guerra Fria:
<https://falauniversidades.com.br/personagens-de-historias-em-quadrinho-e-sua-
relacao-com-a-guerra-fria/>.
A Guerra Fria, o cinema Hollywoodiano e a sua influência cultural. Disponível em:
<http://lounge.obviousmag.org/vagotonia/2014/12/a-guerra-fria-o-cinema-
hollywoodiano-e-a-sua-influencia-
cultural.html#:~:text=O%20cinema%20no%20per%C3%ADodo%20da,e%20ao%20cul
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