Você está na página 1de 1

UM REPETENTE FALA SOBRE CURRÍCULO

Não, eu não vou bem na escola. Esta é segunda vez que eu repito a 4ª série e eu sou muito maior que os
outros alunos. Entretanto, os meus colegas gostam de mim. Não falo muito em sala, mas fora de sala sei
ensinar um mundo de coisas. Eles estão sempre me rodeando e isto compensa tudo que acontece na sala.
Eu não sei porque a professora não gosta de mim. Na verdade ela nunca me deu muita atenção; parece
que nunca acredita que a gente sabe alguma coisa, a não ser que a gente possa dizer o nome do livro onde
aprendeu.
Na escola a gente tem de aprender, tudo que está no livro, e eu não consigo guardar. Ano passado fiquei
na escola depois da aula todos os dias, durante duas semanas, tentando aprender os nomes dos estados
brasileiros. Claro que eu conhecia alguns como: Espírito Santo, São Paulo e Paraná, para onde foi meu tio
com a família plantar café. Mas é preciso saber os vinte e dois, todos juntos e por região e isso eu nunca
sei. Também não ligo muito, pois os meninos que aprendem os nomes dos estados têm que aprender as
capitais depois.
Acho que nunca consegui decorar os nomes de todos os ossos do corpo humano. Esse ano comecei a
aprender um pouco sobre tratores, porque o meu tio tem três para aluguel e disse que vai me deixar dirigir
quando eu fizer dezesseis anos. Já sei bastante sobre cavalo-vapor e marchas de marcas diferentes de
trator Diesel... É estranho como os motores Diesel funcionam. Comecei a falar sobre eles com a
professora de Ciências na quarta-feira passada, quando a bomba que a gente estava usando para obter o
vácuo esquentou. Mas a professora disse que não via a relação entre o motor Diesel e a nossa experiência
sobre pressão do ar. Fiquei quieto. Mas os colegas pareceram gostar. Levei quatro deles à garagem do
meu tio e vimos o mecânico desmontar um motor Diesel; rapaz, como ele entende disso!
Eu também não sou forte em Geografia. Durante esta semana estudamos o que o Brasil importa e exporta,
mas não sei bulhufas. Talvez porque faltei à aula, pois meu tio me levou em uma viagem de mais ou
menos quatrocentos quilômetros de distância. Fomos de caminhão e trouxemos duas toneladas de adubo,
de São José dos Campos. Meu tio tinha me dito onde estávamos indo e eu tinha de indicar as estradas e a
distância em quilômetros ida e volta. Estou tentando calcular o óleo e o desgaste do caminhão para ajudar
a calcular o lucro.
Eu costumo fazer as contas e escrever cartas para todos os fazendeiros sobre porcos e bois trazidos.
Houve apenas três erros em dezessete cartas e, diz minha tia: “Só problemas de vírgulas”. Se eu pudesse
escrever na escola composições bem assim... Outro dia o assunto era “O que a rosa leva da primavera!” e
não deu....
Também não deu em matemática. Parece que não consigo me encontrar nos problemas. Um deles era
assim: Se um poste telefônico com 11,55m de comprimento cai atravessado em uma estrada, de modo que
2,27m sobrem de um lado, e 3,18m de outro, qual a largura da estrada?
Acho uma bobagem calcular a largura de uma estrada, nem tentei responder, pois o problema também não
dizia se o poste tinha caído reto ou torto.
Também não sou bom em educação artística. Todos fizemos um marcador de livros e uma cruz todinha
de paus de fósforo. Os meus foram péssimos. Também não interessei. Lá em casa não temos livros e me
doeu muito usar o pau de fósforo novinho, quando ouço minha mãe dizer sempre para economizar
fósforo, pois custa dinheiro.
Bem que eu queria fazer um banquinho com um assento traçado de tábua. Mas a professora não deixou,
porque todos os alunos tinham de fazer a Cruz de paus de fósforo.
Moral e Cívica é fogo! Andei ficando depois da aula. Tentando aprender os direitos e deveres do cidadão,
mas detestava ficar depois da aula, porque um bando de meninos estava limpando um terreno, para fazer
um campo de futebol para as crianças da nossa comunidade. Eu até fiz as traves do gol, usando uns canos
velhos. Conseguimos dinheiro vendendo verdura da nossa horta para comprar a bola e um jogo de camisa.
O pai disse que eu posso sair da escola quando eu fizer 15 anos. Estou doido para isso, porque há um
mundo de coisas que eu quero aprender e já estou ficando velho.

(Nova adaptação da tradução por Maria Lucia Serra de Vilhema. De Corey, Stephen Childrood
Education; 20:219-20, January, 1944).

Você também pode gostar