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A Teoria Das Idéias de Platão
A Teoria Das Idéias de Platão
2008.2
A Teoria das Idéias de Platão
Título do original:
Reprinted in 1976
2008.2
UFRJ / IFCS
2
A Teoria das Idéias de Platão
PREFÁCIO
Tradução:
A
“Queen’s University”, Belfast, UK, concedeu-me em 1948 a honra de
proferir uma Conferência em Memória de um notável historiador dos
tempos antigos, Sir Samuel Dill (1844–1924)1. Aproveitei a oportunidade
para comentar algo sobre a Teoria das Idéias de Platão, pois já estava
trabalhando nela já havia algum tempo. Então o essencial do que foi a
Conferência está inserido no Capítulo Final e outras partes deste Livro.
Não achei que fosse necessário, como uma regra, grafar as passagens de
Platão ou outros autores Gregos na sua língua original. Mas, fiz com prazer as
traduções, ou adotei uma que fosse boa entre as existentes. Devo agradecer,
em particular, aos Senhores Routledge e Kegan Paul 2 por permitirem que eu
fizesse citações das excelentes traduções feitas por Cornford 3, do Parmênides,
Teeteto, Sofista e Timeu. Para facilitar a recuperação das passagens Platônicas
no original forneci referências precisas indicando à numeração das linhas no
texto de Burnet.
W.D.R. (1877–1971)
1
Sir Samuel Dill (1844–1924): “Roman Society from Nero to Marcus Aurelius”.
2
Routledge e Paul Kegan são duas editoras importantes, que imprimiram algumas obras de Sir Cornford.
3
Sir Francis Macdonald Cornford (1874 – 1943). “Plato’s Cosmology: The Timaeus of Plato”; Before and after Socrates”; “Plato and
Parmenides: Parmenides‘ Way of Truth and Plato’s Parmenides”; “Plato’s Theaetetus”; “Plato’s Theory of Knowledge: The
Theaetetus and the Sophist of Plato.
Nota do aluno tradutor: Esta obra de Ross foi publicada pela primeira vez em 1951, pela Clarendon
Press, Oxford
3
A Teoria das Idéias de Platão
SUMÁRIO
I – A Ordem dos Diálogos .............................................................................................................. 5
II – O Início da Teoria................................................................................................................... 14
VI – O Sofista e o Político............................................................................................................. 82
4
A Teoria das Idéias de Platão
Q
uem tentar traçar a história da teoria das idéias, com certeza irá
considerar os diálogos em uma ordem particular. A ordem correta é
difícil de precisar, e assim permanecerá em muitos pontos, ensejando
sempre novas conjecturas. As obras de Platão contêm poucas alusões a
eventos históricos contemporâneos, exceto a prisão e julgamento de Sócrates;
E quando existem estas referências, às vezes será difícil dizer a qual de dois
eventos elas se referem. Repisando no assunto, os diálogos raramente se
reportam a outro, mesmo vagamente; Ou a obras recentes de outros autores.
Se nos tornássemos prisioneiros destas duas evidências nós só conheceríamos
muito pouco da ordenação dos diálogos. Tentativas têm sido feitas para datá-
los por outros métodos, assumindo que o desenvolvimento das doutrinas
tivessem seguido certa ordem, e que os diálogos pudessem assim ser datados,
de acordo com a maturidade comparada das doutrinas que eles contêm.
Mas este procedimento tem finalizado com diversas conclusões em mãos
diferentes, portanto, mesmo que em princípio não se revelem irreais, suas
conclusões tornam-se passíveis de subjetividades.
4
Iii, 37 (25)
5
A Teoria das Idéias de Platão
6
A Teoria das Idéias de Platão
Epinomis
Duas coisas saltam aos olhos quando examinamos estas listas: Em relação
aos diálogos antigos existe muita discordância entre os cinco estudiosos;
Quanto aos mais recentes, a partir da “República” em diante, quase existe um
acerto razoável de opinião.
5
Omitirei discussões que não esclarecem a Teoria das Idéias
7
A Teoria das Idéias de Platão
Menor” 6; Tem sido argüido que ele dificilmente teria feito referência ao pouco
importante diálogo “Hipias” como se Platão houvesse escrito o outro. Mas se
Platão escreveu os dois diálogos, Aristóteles conheceria qual deles ele
mencionaria como “Hipias”, podendo provavelmente contar com o fato de
que seus ouvintes também conheciam o que dizia. Já os argumentos contra a
autenticidade do diálogo baseados em fatores de estilo e gramática, estes
são fracos.
Por outro lado: O primeiro exemplo de definição citado por Aristóteles em Top.
146a2I-3 parece ser tão claro como uma alusão ao “Hipias Maior” 297a3-
6
Sobre estes argumentos ver a edição de Miss Tarrant Ixxx-Ixxx. Estas e outras objeções ao diálogo tem
sido habilmente trabalhadas pelo Professor G.M.A.Grube na Class. Quart. xx (1926), 134-48 e na Class.
8
A Teoria das Idéias de Platão
No entanto, Platão não diz diretamente que já tinha usado estas palavras
quando ele foi pela primeira vez à Sicilia; ainda menos, que as tinha colocado
em um diálogo. O que ele disse é que já tinha estas coisas no pensamento
quando foi à Sicilia15, e isto é compatível com a sua alusão a ambas, mais
tarde, na “República”. Temos que considerar as probabilidades gerais. O
ponto de vista de Taylor é que Platão já escrevera o conjunto total de
diálogos, até ter a idade de 40 anos, isto é, com um período de tempo igual a
vinte anos, até à “República”, inclusive, e tudo isso cobre umas 1.200
páginas16, E diz mais que nos últimos 40 anos de sua vida não produziu mais
9
Como o Eutifro e o Crito
10
Zwei Fragen zur “Kratylus”, 31-61
11
Crátilo de Platão, 86-90
12
Em Filebo. Supplememtband xxiii(1932), I-84
13 6
32 a 5-b4
14 6
324 a No texto de Burnett
15 6
32 b 5
16
No texto de Burnett
9
A Teoria das Idéias de Platão
que 1.050 páginas. Isso não é de todo impossível, mas não parece ser o caso.
Isso envolve também ignorar a referência existente no “Simpósio” 17(o qual
pode ser considerado como anterior à “República”) a um evento no ano 385
ou 384 a.C., e a outra indicação que aponta para a datação do “Simpósio”
após estes anos. Ritter sugere18 fortemente que a descrição do Tirano no Livro 9
da “República” deve-se mais à experiência de Platão na Corte de Dionísio, e
pressupõe ao menos que Platão esteve lá em 389-8
b)No início do “Teeteto” 143b5-c5 o narrador explica que ele propõe omitir
frases tediosas como “e eu disse” e “ele concordou”, fazendo surgir
simplesmente as palavras do personagem que fala; Teichmuller deduziu daí
que qualquer diálogo no qual estas frases aparecem devem ser as primeiras,
antes do “Teeteto”; Quando não ocorrem nos demais diálogos, dá-se o
contrário, eles estão além do “Teeteto”. Mas ele superestimou sua opinião:
Muitos dos diálogos que por outros critérios também são datados como os
primeiros, caem nestes casos relativos ao “Teeteto”, para o qual o Drama
Grego estabeleceu um precedente. Mas seria uma surpresa se nos diálogos
que escreveu a seguir, Platão voltasse ao método de apresentação que ele
abandonou; Então ele usa este meio na primeira, e não na segunda parte do
“Parmênides”19.
17
193 a I-3
18
P/L/S.L. i. 243
19
A melhor discussão sobre as variações daforma do diálogo por Platão é a que fez Raeder (Plato Phil.
Entw. 44-61)
10
A Teoria das Idéias de Platão
(d) Tanto quanto sei, as únicas alusões claramente feitas aos eleáticos, nos
diálogos que antecederam os últimos 4 citados, elas estão no “Simpósio”
178 b9 e no “Fedão” 26Id6. Mas existem outras três alusões no “Teeteto”. Em
152 e 2, Parmênides é veementemente mencionado como o “único dos
sábios” que não concordam com a certeza de que “nada existe sempre, mas
todas as coisas estão sempre sendo”. Em 180 d 7-181 b 5 Platão opina que deve
enfrentar não somente os Heraclidianos, mas também os adeptos do “uno
inamovível”, entre os quais ele coloca Melissus e Parmênides. Em 183e 5-184 a I
Parmênides é descrito como uma “figura superior e horrenda”, e como
possuidora de uma “profundidade com certa nobreza”. No “Parmênides”
como já vimos, ele tem o principal papel. No “Sofista” e no “Político” (que se
apresentam como uma continuação do diálogo iniciado no “Teeteto”)20, um
membro da escola eleática desempenha o principal papel.
11
A Teoria das Idéias de Platão
21
O Filebo também é colocado depois do Timeu por Bakumker, Prob. D. Matéria em d. gr. Philos. 114,
197, por Bury na sua edição do Filebo Ixxx, por I. A. Post em Trans. Of the American Philological Assn. Ix
(1929), 12, por Ritter em seu último livro, The Essence os Plato’s Philosophy, 27, por Robin em La Place
de La Physique dans La Philosophie de Platon, 10 n. 2, por Taylor A Comm. On Plato’s Timaeus, 9n, e por
6 8.
Wilamowits, P, i. 2
12
A Teoria das Idéias de Platão
Existem dois pontos gerais que devem ser tomados em conta por aqueles que
tentam colocar os diálogos em ordem. Um se refere à tarefa de composição
de cada um dos dois longos diálogos, a “República” e “Leis”, que devem ter
ocupado um período de alguns aos, e ainda mais quando nos referimos aos
diálogos curtos, os quais podem ter sido desenvolvidos durante a composição
dos maiores; O outro ponto refere-se ao fato de que Platão é conhecido por
ter sido assíduo na revisão de seus trabalhos,25 de tal forma que certos trechos
que sugerem datas mais tardias, podem bem ter sido assim tardios porque
foram escritos bem mais tarde do que os trechos principais. Em vista destas
dificuldades qualquer ordem que seja proposta estará fadada a ser apenas
uma tentativa. Com estes alertas, o que segue é uma provável ordem
daqueles que são os mais antigos diálogos que lançam luz sobre a Teoria das
Idéias, e após isso, os trabalhos finais.
22
193 a 3
23 6
142 a
24
638 bi.
25
Dion. Halic. Comp. PP. 208-9
13
A Teoria das Idéias de Platão
II – O INÍCIO DA TEORIA
Tradução:
Sarah Moura
D
entre os primeiros diálogos, há quatro cuja intenção principal é discutir as
definições de certas coisas. O Cármides questiona ‘o que é temperança?’, o
Laques ‘o que é coragem?’, o Eutifro ‘o que é piedade?’, o Hipias Maior ‘o
que é beleza?’. Na insistência de cada questão, o broto da Teoria das Idéias já está
latente. Fazer essa pergunta pressupõe haver uma única coisa para a qual cada
palavra como ‘temperança’ sustenta e que isso é diferente para cada uma das
muitas pessoas ou ações que podem corretamente ser chamadas de temperadas.
26
191 e 10.
27
Rep. 596 a 6
28
Laques 190 b3-c2
14
A Teoria das Idéias de Platão
29
190 e7-198 e8
30
192 b9 – 193 d10
31
O significado e as implicações de questões como “o que é x?” em Platão são bem discutidas por R.
Robinson em Plato’s Earlier Dialectic, 51-62.
15
A Teoria das Idéias de Platão
olhando para ela e usando-a como modelo, posso dizer que qualquer ato feito por
você, ou outro, que tenha o mesmo caráter é piedoso, e qualquer ato que não o
tenha é impiedoso?
32
178 – 267
33
Class Quart, vi (1912), 179 -203
16
A Teoria das Idéias de Platão
H. C. Baldry34 tem sugerido que o uso platônico dos termos EIDOS e IDEA, e,
decerto, ‘o princípio fundamental da metafísica de Platão’ foram alcançados pela
fusão de ensinamentos de Sócrates sobre valores morais com o ensinamento
pitagórico sobre valores numéricos. Mas nossa ignorância sobre a história do
pitagorismo e sobre a época de seu desenvolvimento é profundo. Nós não sabemos
se no tempo da juventude de Platão os pitagóricos chamavam os modelos numéricos
EIDE ou IDEAI. Nós não sabemos se Platão visitou a Itália antes de 389 ou 388 a,C., e
nós podemos estar bem certos de que os primeiros diálogos nos quais a Teoria das
Idéias é encontrada foram escritos muito antes disso. Não obstante Aristóteles fale que
Platão atribuiu às idéias o mesmo tipo de função que os pitagóricos vinculavam aos
números35, e que mais tarde ele identificou as idéias com números36, ele não sugere
que o modelo numérico tivesse qualquer coisa a ver com o começo da Teoria das
Idéias. Acima de tudo, não há nada nos primeiros diálogos que sugira isso. A posição
antes parece ser aquela do questionamento socrático como ‘o que é virtude?’, ‘o
que é coragem?’, e similares, que levou Platão a reconhecer a existência de universais
como uma classe distinta de ente, e que ele assumiu como nomes para eles as
palavras EIDOS e IDEA, as quais no grego ordinário já haviam começado a ser usadas
no sentido de ‘qualidade’ ou ‘característica’. O que foi original não foi o uso das
palavras, mas a condição que Platão inferiu às coisas que as palavras sustentam.
Para o uso platônico dessas palavras [EIDOS e IDEA] temos um exaustivo estudo
na Nova Análise (Neue Untersuchungen) de Ritter37. Ele distingue seis sentidos:
1 – A aparência exterior.
2 – A constituição ou condição.
3 – ‘A característica que determina o conceito’.
4 – O conceito ele mesmo.
5 – O gênero ou a espécie.
6 – A realidade objetiva realçando nosso conceito.
Para nos tornarmos capazes de julgar o valor das distinções que ele extraiu
entre os sentidos 2, 3, 4 e 6, podemos observar alguns exemplos típicos. Ritter considera
que em muitas passagens é duvidoso quais desses significados estão em questão: Eu,
portanto, tomo passagens nas quais ele assume sem hesitação um significado ou
outro.
34
Class. Quart. Xxxi (1937), 141-5
35
Met. 987b 9-13
36
1078b 9-12
37
228 - 326
17
A Teoria das Idéias de Platão
Sentido 6 – Fedon 102 a 11: ‘Desde que foi acordado que cada uma das
Formas (EIDE) é alguma coisa real e que é pela virtude de compartilhar nessas que
outras coisas são chamadas depois delas’.
Olhe não somente essas passagens, mas os seus contextos, e você será
convencido de que Platão tencionava uma e a mesma coisa em todos os casos; que
em nenhuma parte ele está falando do conceito ou ‘do conteúdo dos conceitos’,
mas em todos os casos de alguma coisa a qual ele considera perfeitamente objetiva,
existindo nela própria, e não em virtude de nosso pensamento sobre isso. Ritter está
atento para distinguir que há entre esses quatro sentidos um produto do
conceitualismo do século XIX, o qual é, em alto grau, transferido do simples realismo
do pensamento de Platão.
O que nós achamos é que Platão não raramente usa ambas as palavras no
seu significado original ‘forma visível’, que ele usa ambas as palavras em vários
sentidos não técnicos, nos quais elas têm sido usadas pelos primeiros escritores, e que
ele usa ambas as palavras nos dois sentidos técnicos de ‘idéia’ e ‘classe’. Enquanto
nos diálogos do Fedon em diante, com exceção do Parmênides, o significado ‘classe’
é o mais comum significado de EIDOS, é somente raramente que IDEA é usada nesse
sentido. ΙDEA é a mais vivaz das duas palavras, e tende a ser preferida nas mais
coloridas e imaginativas passagens. A isso pode ser somado que Platão muitas vezes
usa OUSIA e PHYSIS como meios de referência para a idéia, e que ele ainda usa
GENOS no Sofistas, e HENAS e MONAS no Filebo.
No Hipias Maior uma interessante alusão pode ser pensada como aquela que
levou Platão ao seu interesse por definições. ‘Alguém tardiamente’, Sócrates diz em
286 c 5, ‘quando eu estava censurando certas coisas como feias e exaltando outras
como belas, arremessou-me dentro da confusão por questionar-me muito
18
A Teoria das Idéias de Platão
insolentemente, “diga-me, como você veio a saber que tipo de coisas são belas ou
feias? Vamos, você pode me dizer o que é o belo?” ‘.
O que levou Platão para esse interesse em definição, se nós tomamos essa
alusão, seria a convicção de que ninguém pode aplicar uma palavra corretamente, a
menos que ele possa construir para ele mesmo alguma avaliação geral do seu
significado. Não somente, como ele fala muitas vezes, está apontando para os casos,
não uma pergunta verdadeira para o problema da definição; nós não podemos estar
certos de que nós estamos apontando para os genuínos casos a menos que primeiro
nós conheçamos o que é definição; o conhecimento da conotação deve preceder o
conhecimento da denotação. ‘Ensina-me’, diz Sócrates para Hypias, ‘o que é o belo
ele mesmo’ (AUTO TO KALON) 38. A questão oculta uma certa ambigüidade da qual
Platão talvez não estivesse ciente. A questão pode significar ‘o que é a real
característica que a palavra “belo” sustenta?’ ou ela pode significar ‘qual é a
característica ou o conjunto de características, outras que a beleza, que uma coisa
tem de ter como condição para ser bela?’ Mas a frase ‘o belo em si mesmo’ aponta
para a primeira interpretação; e uma alusão em favor disso pode ser vista na
passagem do Cármides39, na qual Sócrates está perguntando questão semelhante
sobre autocontrole. Lá, ele diz, ‘nós temos fracassado em descobrir o que é aquilo que
a imposição de nomes deu o nome de autocontrole’. Não é esta, entretanto, a
conexão entre beleza e suas condições que Sócrates quer saber, mas a natureza da
real característica a qual se refere a palavra ‘belo’.
38
286d 8
39
175 b 3
40
288 a 9, 289 c 3, 292 c 9; Prot. 360 e 8 pode ser anterior.
41
300 a 9 – b 1
42
291 c 7
19
A Teoria das Idéias de Platão
mas o objetivo não é tal que o não particular é sempre o verdadeiro exemplo de uma
Idéia, que a Idéia é um modelo ou limite preferível que o universal, e a relação do
individual com ele [o modelo] é de imitação e não de participação.
43
72 c 7; cf. 74 a 9.
44
77 a 6.
45
81 a 5 – 86 b 5.
20
A Teoria das Idéias de Platão
estabelecimento de relação entre as Idéias e anamnese nós temos que olhar para o
Fedon, e no Menon a Teoria das Idéias é trazida não mais do que nos primeiros
diálogos.
Num ponto, talvez, haja um traço de algo novo. Há uma passagem que sugere
mais claramente que em alguma coisa nós temos encontrado até aqui a
transcendência das Idéias. ‘Para onde o carpinteiro olha?’, diz Sócrates49, ao fazer a
lançadeira? Ele não olha para alguma coisa que foi naturalmente entalhada para agir
como uma lançadeira?... E suponha que a lançadeira quebre na sua fabricação, ele
fará outra visão para essa quebrada? Ou ele olhará para a Forma de acordo com a
qual ele fez a outra? E isso ele procede para descrever como ‘precisamente aquilo
que a lançadeira é’ ou ‘a Forma da lançadeira’. Isso parece como se houvesse aqui
uma sugestão de uma Forma de lançadeira a qual pode ser contemplada, e embora
deva existir, antes de estar incorporada em alguma lançadeira particular. Dificilmente
podemos supor que aquilo que o artesão visou ao fazer a lançadeira é
necessariamente um universal resumido das lançadeiras existentes, a qual faz a
46
386 d 8 – c 4.
47
389 d 6 – 7, e 3, 439 c 8.
48
Met. 987 a 32 – b 1.
49
389 a 6 – c 1.
21
A Teoria das Idéias de Platão
O conhecimento das coisas não é derivado de nomes. Não; eles devem ser
estudados e investigados neles mesmos... Diga-me, se há ou não há alguma beleza ou
bondade absolutas, ou alguma outra existência absoluta. Então, busquemos a
verdadeira beleza, não perguntando se a face é formosa, ou alguma coisa dessa
sorte. Vamos nos perguntar se a verdadeira beleza não é sempre bonita... Então,
como pode aquilo ser uma coisa real a qual nunca está no mesmo estado
(obviamente as coisas que sempre estão no mesmo estado não podem mudar
enquanto permanecem as mesmas; e se elas são sempre as mesmas e no mesmo
estão, e nunca se afastam de uma forma original, como podem elas mudarem ou
serem alteradas?)... Ela ainda nem pode ser conhecida por ninguém; no momento
que o observador se aproxima, ele então se torna outro e de outra natureza, que
então você não pode conhecer por muito tempo sua natureza ou seu estado;
certamente nenhum conhecimento conhece o que isso conhece, se aquilo não tem
estado.... Nem podemos raci0nalmente dizer, Crátilo, que há conhecimento em tudo,
se todas as coisas estão em estado de transição e nada está permanecendo. Pois se o
conhecimento não deixa de ser conhecimento, ele continua sempre a permanecer e
a ser conhecimento; mas se a real natureza do conhecimento muda, isso mudará
50
389 c 3 – 6; cf. 390 b 1 – 2.
51
439 b 4 – 440 c 1.
22
A Teoria das Idéias de Platão
52
Ibid, 990 b 11 - 14
53
210 e 2 – 211 b 5
23
A Teoria das Idéias de Platão
À parte dessa passagem, esse grupo completo dos primeiros diálogos trata as
Idéias como seres imanentes em coisas particulares. As Idéias estão ‘presentes’ nas
coisas particulares; estão situadas ‘nelas’ pelo artesão; elas vêm a estar ‘nelas’; são
‘comuns’ a elas; as coisas particulares, por sua vez, as possuem ou as compartilham54.
54
Por evidência, cf. pp 228-30.
24
A Teoria das Idéias de Platão
III – O FÉDON55
Tradução:
Victor Galdino
N
o Fédon, as Idéias têm um papel mais significante do que em qualquer diálogo
anterior. São praticamente onipresentes no diálogo; mas sua introdução está sempre
subordinada à prova da imortalidade, e muito do que agora é dito sobre elas não
lança nenhuma nova luz nas visões de Platão sobre sua natureza. A primeira passagem em que
são mencionadas1 nos diz somente que as Idéias não podem ser conhecidas por meio de
qualquer um dos sentidos, mas pelo pensamento puro (αὐτῆ καθ' αὑτὴν εἰλικρινεῖ τῇ
διανοίᾳ). Mais tarde, no entanto, Platão descreve o processo de conhecimento das Idéias de
maneira mais definitiva do que o tem feito até então. Vimos no Mênon que a teoria da
“anamnesis” não é ligada ao conhecimento das Idéias; mas no Fédon ela é. Primeiro Platão
mostra que a reminiscência ‘pode ser derivada tanto de coisas semelhantes quanto de coisas
dessemelhantes’, ou seja, que pode haver associação tanto pela similaridade (como quando
somos levados a nos lembrar de Símias ao ver um retrato de Símias),3 quanto pela
contiguidade (como quando vemos uma lira e somos levados a nos lembrar de seu dono);4 e
que, no primeiro caso, também notamos se a coisa percebida se distancia, de alguma maneira,
daquilo de que nos faz lembrar.5 Sustentamos (ele continua) que a igualdade em si exista, e
que sabemos o que ela é. E temos chegado a esse conhecimento vendo pedaços iguais de
madeira, pedra, etc.6 Esses são bastante diferentes da igualdade em si, o que é provado pelo
fato de que pedras ou paus, enquanto permanecem o mesmo, podem parecer iguais para uma
pessoa e não para uma outra, mas o ‘igual em si mesmo’ nunca aparece como desigual, nem
igualdade como desigualdade.7 Casos particulares perfeitos de uma Idéia são aqui distinguidos
tanto de particulares imperfeitos e sensíveis, quanto da Idéia propriamente dita; isso é
importante por ser a primeira sugestão de uma crença em entidades matemáticas como algo
intermediário entre as Idéias e os particulares sensíveis.8 Mas, enquanto Platão faz a distinção
entre particulares perfeitos e a Idéia, ele não acentua essa distinção, não tendo ela papel
algum em seu argumento.
1
65 d 4-66 c 8. 2
74 a 2. 3
73 e 9. 4
73 d 5-10.
5
74 a 5-7. 6
74 b 4-7. 7
74 b 7-c 6.
b
8
A crença atribuída a Platão por Aristóteles na Met. 987 14-18.
55
As notas de rodapé deste capítulo não acompanham a numeração dos demais. (N.T.)
25
A Teoria das Idéias de Platão
O reconhecimento das Idéias é desta maneira trazido sob o título de associação por
similaridade, e sob aquela sub-forma dele em que a similaridade é bem imperfeita. Seria fácil
para um pensador moderno dizer que o que nos sugere a idéia de igualdade é nossa
experiência da desigualdade; pois somos familiares com o fato de que instrumentos exatos de
medida revelam desigualdades onde o olho não consegue detectá-las, e que provavelmente
nunca vimos dois corpos físicos que fossem exatamente iguais. Embora seja verdadeiro dizer
que é provável que não existam dois corpos físicos que sejam exatamente iguais em suas
dimensões, não é verdadeiro dizer que somente a experiência de desiguais sugere a idéia de
igualdade; pois certamente temos muitas experiências de objetos em que não podemos
detectar a diferença de tamanho, o que seria mais corretamente chamado de experiência de
iguais aparentes do que de desiguais. Parece que a verdade é que experiências de iguais
aparentes e de desiguais aparentes são igualmente capazes de trazer às nossas mentes a idéia
de igualdade.
Platão, em todo caso, não nos diz que é a experiência do desigual que nos sugere a idéia de
igualdade. Ele se refere à experiência, durante toda a passagem, como sendo a experiência dos
iguais; e ainda assim, acentua a imperfeição deles. O motivo pelo qual os acha imperfeitos é
que ‘parecem iguais para uma pessoa, e diferentes para outra’ (74 b 7-9); ele está pensando,
talvez, nos efeitos da perspectiva. Há uma certa inconsistência no pensamento dele aqui. Pois
em vista de sua enfática afirmação, no Protágoras e no Crátilo, de que coisas corpóreas têm
sua própria natureza e podem ser diferentes do modo como aparecem para nós, segue-se que
coisas que pareçam diferentes para algumas pessoas podem, no entanto, ser iguais e,
portanto, perfeitos exemplos de igualdade. Mas Platão não percebe essa inconsistência, e
durante a passagem, fala como se as coisas sensíveis necessariamente se aproximassem
somente da igualdade; e essa é a passagem mais antiga (excetuando-se a mística passagem
presente no Banquete) em que esse aspecto das Idéias, não como universais manifestados em
particulares, mas como ideais, padrões, ou limites dos quais as coisas individuais somente
podem se aproximar é enfatizado (ἐκείνου ὀρέγεται τοῦ ὃ ἐστιν ἴσον, καὶ αὐτοῦ
ἐνδεέστερά ἐστιν 75 b 1; cf. βούλεται 74 d 9, προθυμεῖται 75 b7).
Pela primeira vez, a relação das coisas sensíveis com as Idéias é pensada mais como uma
imitação (μίμεσις) do que como compartilhamento (μέθεξις ), e ainda assim ela contém um
elemento de compartilhamento, já que o tempo todo se fala das coisas sensíveis como iguais,
e não desiguais.1
Quatro passagens do Fédon são interessantes, tanto por mostrar de maneira bem clara que
Platão atingiu uma teoria generalizada das Idéias, quanto por mostrar a natureza dos números
típicos no seu mundo das Idéias - 75 c 10-d 3, 76 d 7-9, 78 d 3-7, 100 b 3-7. Aqui ele se refere a
‘tudo aquilo em que colocamos o cunho da realidade em si mesma’ (αὐτὸ ὃ ἔστι),2 e descreve
a doutrina como algo que ‘estamos sempre repetindo’;3 e os casos que se repetem são os de
beleza, bondade, justiça, piedade, igualdade, grandeza ideais. Em diálogos anteriores têm
26
A Teoria das Idéias de Platão
1
Na passagem 100 c 3-6, d 6 particulares ainda são descritos como tendo participação nas Idéias; na 100
d 5 a Idéia ainda é descrita como estando presente neles.
2
75 d 1-2. 3
76 d 8.
4
Laques 192 a 1, Crátilo 389 b 5, 390 a 5.
5
Rep. 596 a 6.
27
A Teoria das Idéias de Platão
Seria um erro descrever Platão como tendo feito, ou nesse ou em qualquer outro estágio de
seu desenvolvimento, uma completa bifurcação do universo em Idéias e coisas sensíveis. Uma
razão para isso é o fato de termos a referência casual aos ‘iguais em si mesmos’3 – uma alusão
a entidades matemáticas que não são nem Idéias nem coisas sensíveis, uma alusão que
pavimenta o caminho para a doutrina dos ‘Intermediários’. É bem provável que, nesse estágio,
Platão não tenha percebido a significância de sua própria alusão. Mas ele certamente
reconhece a existência de outro tipo de entidade que não é nem Idéia, nem coisa sensível; pois
há uma seção inteira em que ele descreve a alma como sendo semelhante às Idéias a não às
coisas sensíveis no que diz respeito à imutabilidade, e mesmo assim não sugere em lugar
algum – e como poderia ele? – que as próprias almas são Idéias.
1 2
75 a 5-b 2. 76 d 7-e 7. 3
74 c 1. 4
79 b 1-80 b 6.
28
A Teoria das Idéias de Platão
A próxima passagem que chama a nossa atenção é a famosa passagem (95 e 7-102 a 2) em que
Platão apresenta Sócrates descrevendo seu desenvolvimento filosófico. A parte mais antiga
dessa descrição não é muito clara, mas este parece ser o ponto apresentado. Sócrates, em sua
juventude, havia se ocupado com os problemas físicos e fisiológicos correntes no meio do
século cinco, mas a confusão causada pelo conflito entre teorias apenas produziu nele um
estado de espanto diante de um problema que ia mais fundo do que as teorias poderiam
penetrar. Parece claro, por exemplo, que um homem cresce ao comer e beber, e os teóricos se
ocuparam com os detalhes desse processo; mas eles criaram na cabeça de Sócrates a questão
prioritária de como uma coisa que é pequena pode se tornar grande, e de forma geral, de
como algo caracterizado de uma forma pode vir a ser caracterizado de outra. Ele ficou
perplexo com a questão dos números, em particular. ‘Não consigo nem mesmo deixar de
duvidar, quando alguém adiciona uma unidade à outra unidade, se essa unidade a qual outra
unidade foi adicionada se tornou dois,1 ou se a unidade juntada e aquela à qual ela foi
acrescentada se tornaram dois pela junção das duas’ (96 e 6-97 a 1). Novamente, ele não pôde
compreender como pode ser verdadeiro dizer que a adição de uma unidade à outra resulta em
dois, e que também a divisão de uma unidade cria o dois, já que a causa da produção do dois
deveria ser uma só (97 a 5-b 3).
A grande sentença de Anaxágoras de que o intelecto era a causa e o ordenador de tudo parece
ter trazido luz para sua escuridão. ‘Se o intelecto é o ordenador’, disse ele para si, ‘ele irá
coordenar tudo em vista do melhor, e a explicação para alguma coisa ser do jeito que é deve
ser que é melhor para ela estar nessa condição’. Mas, na verdade, a teleologia de Anaxágoras
não era mais esclarecedora do que o materialismo dos outros pré-Socráticos; pois quando
entrou em detalhes ofereceu explicações tão materialistas quanto qualquer outro, atribuindo,
como se fossem as causas das coisas serem como são, condições materiais que são
meramente as sine qua non para a operação da causa verdadeira (96 b 8-99 c 6).
1
A duplicação de Wyttenbach de ἢ τὸ προστεθέν na passagem 96 e 9 é um tanto desnecessária.
29
A Teoria das Idéias de Platão
Anaxágoras falhou não por ser teleológico demais, mas por não o ter sido suficientemente, e o
desapontamento de Sócrates com Anaxágoras não o levou a abandonar sua esperança em
uma explicação teleológica do mundo. Mas ele não viu nenhum caminho direto para alcançá-
la, e então recuou para um modo secundário (δεύτερος πλοῦς, 99 d 1) de perguntar sobre a
causa das coisas. O δεύτερος πλοῦς era originalmente o uso de remos quando o vento
cessava, e a frase sugere, como o indica Burnet, o que não é necessariamente um método
menos efetivo, mas um mais lento e laborioso. A sugestão de Sócrates é que investigações
anteriores falharam porque tentaram descobrir a explicação para as coisas serem do jeito que
são, diretamente pelo uso dos sentidos, e sofreram o mesmo destino dos que tentam olhar
diretamente para o Sol durante um eclipse, em vez de olhar para o seu reflexo na água (99 d 5-
e 4). Mas a comparação é inadequada; ele não vai admitir completamente que seu método de
estudar as coisas é menos direto que o dos físicos (99 e 6-100 a 3). Seu método, de qualquer
forma, seja chamado de direto ou de indireto, é estudar a verdade das coisas ἐν λόγοις, isto
é, assumir em cada caso o λόγος que ele julga ser o mais forte, adotar como verdadeiro o que
concordar com isso, e rejeitar tudo o que discorda (100 a 3-7).
λόγοι são aqui, não para serem entendidos como definições; pois no exemplo que dá não há
uso de definições. Nem, embora haja uso de conceitos ou universais, devem os λόγοι ser
entendidos como tendo esse significado; nem mesmo como sendo argumentos. A linguagem
do ‘acordo’, e o fato de que o que Platão chama de ‘λόγος mais forte’ é a proposição de que
Idéias existem, mostram que λόγοι significa afirmações ou proposições. Sócrates não é muito
justo com seus predecessores ao contrastar seu método com o deles como sendo o estudo de
coisas ἐν λόγοις, em oposição a um estudo ἐν ἔργοις. Pois o que eles fizeram não foi
simplesmente, como ele sugere, usar seus sentidos e registrar o que eles reportaram. Eles
também tiveram seus λόγοι ou ὑποθέσεις, visões gerais que lhe foram sugeridas pelo que
seus sentidos reportaram, e de onde deduziram conseqüências assim como Sócrates as tirou
de seu próprio λόγος. A verdade é que o tipo de λόγος que eles tomaram como seu ponto de
partida foi o sugerido por observações particulares, como o λόγος de Tales de que tudo era
água, enquanto Sócrates toma como seu ponto de partida algo sugerido por uma reflexão
muito mais geral. Pois seu ‘λόγος mais forte’ se mostra no fim como ‘nenhuma novidade’ (100
b 1), mas a desgastada tese (ἐκεῖνα τὰ πολυθρύλητα, ibid. 4) que nesse e em outros
diálogos freqüentemente o ouvimos defender, de ‘que existe uma beleza, uma bondade, uma
grandeza absolutas, entre outras coisas’. Essa é o tipo de causa que ele estudava (100 b 3-4),
distinguida das causas materiais e eficientes estudadas pela maioria dos pré-Socráticos, e da
causa final cujo reconhecimento Anaxágoras pregou, mas não praticou.
Existem (ou melhor, em algumas circunstâncias podem existir) três fases no tratamento
apropriado de um λόγοι ou ὑποθέσεις. (1) A primeira é aceitar o que está de acordo com ele
(100 a 3-7) – isto é, as conclusões que se seguem dele – e rejeitar o que discorda. (A afirmação
desse elemento do método é fraca; pois o ‘estar de acordo’ que vai justificar a aceitação da
proposição B pela aceitação da proposição A deve constituir uma seqüência lógica, enquanto,
30
A Teoria das Idéias de Platão
se o ‘discordar’ deve justificar a rejeição da proposição C, então deve significar não a não-
seqüência, mas inconsistência.) Mas a aceitação deve ser apenas provisória. Pois (2) pode ser
que conclusões contraditórias sigam-se da hipótese (101 d 5), e nesse caso a própria hipótese
deve ser abandonada. Alguns críticos têm duvidado da possibilidade de tal contradição
ocorrer, mas é claro que pelo menos Platão pensou que fosse possível. Existe apenas um modo
(a) dessa contradição realmente acontecer, por exemplo, quando A é uma proposição
complexa incluindo duas proposições inconsistentes. Mas há também um modo (b) dela
parecer acontecer, caso B seja acarretada não por A sozinha, mas por A e C, e uma proposição
D, inconsistente com B, é acarretada por A e E. No caso (a), segue-se, evidentemente, que A é
falsa; no caso (b), não. Mas é duvidoso se Platão previu qualquer um desses casos; ele fala
como se de uma única proposição simples pudessem se seguir conclusões contraditórias. Na
terceira fase (3), se a hipótese mesma não se apresentar como auto evidente, deve-se
percorrer as hipóteses de onde ela se seguiu, de trás para a frente, até que seja encontrada
uma hipótese que seja suficiente (ἱκανός), ou seja, que satisfaça tanto você quanto seu
oponente. E a todo o momento deve-se tomar cuidado para não confundir as diferentes
etapas da investigação.1
1
101 d 3-e 3. Para uma boa e completa discussão sobre o tratamento da hipótese no Fédon, cf. R.
Robinson, Plato's Earlier Dialetic, 128-50.
31
A Teoria das Idéias de Platão
Os segundo e terceiro estágios não ocorrem no caso da própria hipótese de Sócrates no Fédon.
É adotada sem nenhum questionar por Cebes, o oponente do momento,2 e não parece resultar
em conseqüências inconsistentes. A única conclusão que Sócrates tira dela é a de que a alma é
imortal.3
O relato que Platão dá, então, do histórico mental de Sócrates (embora seja provavelmente
sua própria história que ele está descrevendo) é este: primeiro, ele tentou explicar os fatos do
universo assumindo, como o faziam os pré-Socráticos, causas materiais, como substância
quente ou fria, ar ou fogo.4 Não encontrando satisfação alguma, ele tentou explicar os fatos
usando uma causa final, o bem, e uma causa eficiente, o intelecto, que procurava produzir o
bem.5 Mas também aí ele falhou, e então recuou para a suposição (que ele já havia feito, com
outras justificativas, em outros diálogos) de causas formais, as Idéias, para justificar o fato das
coisas serem do jeito que são.
Nessa declaração da teoria das Idéias, Platão usa certos termos importantes em conexão com
a relação entre Idéia e particulares. Do lado da Idéia, é chamada presença (παρουσία),6 do
lado dos particulares, participação (κοινωνία, μετάςχεσις, μετάληψις).7 Mas Sócrates
acrescenta que ele não insiste em nenhum nome em particular para a relação, mas apenas no
fato de que é por causa das Idéias que os particulares são o que são, e que ‘o que é belo é belo
por meio do Belo’.8 A crítica que Sócrates passou para as explicações correntes da causalidade
foi que a causa indicada não era coextensiva com o efeito; dizer que a adição de duas unidades
é a causa do número 2 deve ser errado, pois o 2 pode ser igualmente produzido a partir da
divisão do 1.9 Lá a causa alegada era muito restrita.
1 2 3 4
86 e 1-87 c 3. 100 c 1. 100 b 7-9. 96 b 2-4.
5
97 b 8-d 3. 6
100 d 5. 7
100 d 6, 101 c 5, 102 b 2.
8
100 d 7. 9
97 a 5-b 3.
32
A Teoria das Idéias de Platão
Aqui ele mostra que as explicações correntes da causalidade são algumas vezes muito amplas.
Não basta dizer que A é mais alto do que B por causa de uma cabeça, pois A pode ser mais
baixo que C também por uma cabeça, e então a cabeça é tão causa de A ser mais alto quanto é
de ser mais baixo.1 A única explicação verdadeira é que A é maior que B por causa da grandeza,
e menor que C devido à pequenez; causas formais por si só são coextensivas com seus efeitos.
Tendo mostrado que a mesma coisa particular pode participar de Idéias opostas, Sócrates
prossegue para mostrar que não somente uma Idéia não pode ser caracterizada por seu
oposto, mas que também a particularização de uma Idéia em uma coisa particular não pode
ser caracterizada pela Idéia oposta; ‘a grandeza em nós nunca admite pequenez’.2 Deve fazer
uma das duas coisas – ou se retirar com a aproximação de seu contrário, ou ser aniquilada
caso seu contrário obtenha a entrada. O que a grandeza não pode fazer é aceitar a pequenez e
se tornar algo que não é o que era antes.
Em face disso, a acentuação em passagens anteriores da natureza separada das Idéias é difícil
de ser reconciliada com a linguagem aqui usada da presença da Idéia nas coisas particulares.
Mas os dois modos de se expressar podem ser reconciliados se atentarmos para a distinção
que Platão estabelece entre semelhança em si e semelhança em nós. Vemos então que sua
teoria envolve não apenas a Idéia e coisa particular, mas também a qualidade na coisa
particular. O que está presente na coisa particular não é, estritamente falando, a Idéia, mas
uma cópia imperfeita da Idéia. Se levarmos em consideração a frase ‘o igual em si’, vemos que
Platão mantém que de certas Idéias existem exemplos perfeitos. Dessa maneira, o esquema
perfeito é:
Não é muito claro o que Platão quer dizer com as duas alternativas – ceder ou ser aniquilada. A
frase é repetida (103 a 1, d 8-11, 104 c 1, 106 a 3-10), e as alternativas, portanto, devem ser
tomadas como alternativas reais, e não meros caminhos diferentes de se dizer a mesma coisa.
Taylor sustenta1 que o derretimento da neve quando exposta ao calor é um exemplo de
aniquilação, e que quando um homem tem seu quarto filho, o fato de que o conjunto ‘filhos de
x’ deixa de ser ímpar é um exemplo de retirada, ‘já que “imparidade” não é, como
temperatura alta ou baixa, uma qualidade que pode ser destruída’. Esta mal pode ser a
interpretação real; pois, de um lado, nem frio em geral, nem imparidade em geral poderiam
ser descritas por Platão como destrutíveis (já que ambas são Idéias), e de outro lado, ele
poderia dizer que a quantidade ímpar de membros de uma família deixa de ser quando o
1
100 e 8-101 b 2. 2
102 d 7.
3
102 d 5-8; cf. 103 b 5 e Parm. 130 b 1-4. 4
74 c 1.
33
A Teoria das Idéias de Platão
quarto filho nasce, assim como o frio de uma certa parcela de neve deixa de ser quando essa
parcela derrete. E, de fato, ele diz explicitamente que é a ‘destruição’ que deve ser aplicada no
caso de um número ímpar sujeito à aproximação do par (ou seja, daquilo que tem uma
unidade adicionada a si) (106 b 7-c 3). A distinção pode, talvez, ser feita desta maneira: se
existe um nome N que representa ‘uma substância S caracterizada por uma qualidade Q’,
então o que não pode acontecer é a substância, enquanto possuir a qualidade Q, assumir a
qualidade contrária Q´. O que às vezes acontece é a substância S admitir a qualidade contrária
Q´, nesse caso a coisa chamada N (que significa ‘S qualificado por Q’) é aniquilada e uma nova
coisa, que deve ser chamada por um nome diferente de N (por exemplo, ‘água’ em oposição a
‘neve’), vem a ser. Mas no caso especial em que a qualidade Q é a qualidade da
indestrutibilidade, a coisa chamada N (que corresponde a união de uma certa substância com
a indestrutibilidade) é, devido à natureza especial do seu atributo, incapaz de perder o
atributo, e em vez de ser aniquilada se retira devidamente (σῶς καὶ ἄτηκτος, 106 a 5; a
metáfora, como mostra Taylor, é militar). Isso é o que Platão acredita acontecer no caso da
alma, que, sendo o próprio princípio da vida (105 c 9-11), é incapaz de admitir o atributo da
destrutibilidade (106 b 1-4).
Sócrates mostra que essa repulsão mútua de Idéias contrárias é bastante compatível com o
que foi previamente afirmado no diálogo, que as coisas vêm a ser de seus contrários. Uma
coisa contrária (ἐναντίον πρᾶγμα) pode vir de sua coisa contrária, ou seja, uma coisa
caracterizada por uma qualidade pode vir a ser caracterizada pela qualidade contrária; mas
uma qualidade não pode se tornar seu contrário (103 a 4-c 2). Nessa passagem encontramos,
talvez, a origem da doutrina de Aristóteles de que mudança é sempre a mudança da matéria
permanente de ser caracterizada por um de dois contrários para ser caracterizada pelo outro.
A distinção que Platão faz entre τὰ ἐναντία e τὰ ἐναντία πράγματα (ou τὰ ἔχοντα τὰ
ἐναντία) é equivalente ao que Aristóteles expressa em uma linguagem diferente.
Sócrates agora passa a expor um desenvolvimento importante da teoria ideal. Neve não é
idêntica ao frio; mas a neve não pode, enquanto permanece neve, se tornar quente, assim
como o frio não pode se tornar quente (ou calor – Platão não distingue claramente as duas
coisas). Não somente uma Forma é merecedora de seu nome eternamente, mas existem
coisas que possuem certas Formas ao longo de sua existência (103 e 2-5). Não só ‘o ímpar’ é
sempre ímpar, mas o número três, o cinco, etc., são sempre ímpares; ou seja, enquanto
existem coisas que podem passar de um estado para o estado contrário, existem outras que
estão tão presas a um estado ou qualidade que não podem receber seu contrário, e ao mesmo
tempo permanecer elas mesmas. Em outras palavras, existem Formas que compelem tudo
aquilo que ocupam (κατάσχῃ) não só a possuir sua própria Forma (ou seja, a Forma em
questão), mas como também a Forma de um determinado contrário1. Um grupo ocupado pela
Forma do três deve ser ímpar, assim como deve ser um grupo de três. E, enquanto em um
sentido é a Forma do três que exerce essa compulsão (104 d 1-3), também pode ser dito que é
a Forma do ímpar que a exerce (ibid. 9-12). O princípio é reafirmado desta maneira: ‘se uma
Forma introduz uma de duas Formas contrárias em todas as coisas nas quais entra, ela nunca
recebe o contrário daquela Forma’. (105 a 1-5).
1
P.M.W. 205-6.
34
A Teoria das Idéias de Platão
Essa descoberta permite a Platão dar uma nova resposta para uma velha questão. Para a
questão, ‘pela presença de que numa coisa é essa coisa tornada quente?’, sua ‘velha, segura e
estúpida resposta’ (105 b 6-c 1) era ‘pela presença do calor’, mas ele agora pode dizer com
igual segurança e mais perspicácia ‘pela presença do fogo’. Para a questão ‘pela presença do
que num corpo é esse corpo tornado doente?’, ele agora irá responder, não ‘doença’, mas
‘febre’. Para a questão ‘pela presença do que em um número esse número se torna ímpar?’,
ele agora vai dizer ‘unidade’, e não ‘imparidade’.
A passagem também tem grande interesse histórico, pelo fato de que nela podemos
certamente encontrar a origem da descoberta do silogismo por Aristóteles.1 Na teoria de
Aristóteles, a única figura do silogismo que é reconhecida como válida por direito é a primeira;
e nessa figura termo maior, termo médio, e termo menor são, respectivamente, propriedade,
qualidade genérica e espécie. O que é justamente o que encontramos no Fédon. A presença do
fogo em uma classe de coisas introduz calor nela e exclui o frio. O que é isso senão o silogismo
‘calor pertence ao que possui fogo, fogo pertence a uma determinada classe de coisas,
portanto calor pertence a essa classe’, e o silogismo ‘Frio não pertence ao que possui fogo,
fogo pertence a uma determinada classe, portanto frio não pertence a essa classe’ – silogismos
típicos em Barbara e Celarent? Que a conexão entre o Fédon e a teoria do silogismo é uma
conexão real, o é mostrado por dois fatos; não somente παρεῖναι, termo tão freqüentemente
usado por Platão para denotar a presença de uma Idéia em seus particulares, é usado às vezes
por Aristóteles para descrever a relação do termo maior com o médio, ou do médio com o
menor, mas também, assim como Platão usa ἐπιφέρειν para descrever a introdução da
propriedade pela qualidade genérica,3 Aristóteles usa συνεπιφέρειν da mesma maneira na
teoria do silogismo.4
Devemos perguntar se a teoria ideal, da forma como aparece nos diálogos até e incluindo o
Fédon, implica a existência ‘separada’ das Idéias. Nas afirmações feitas diretamente sobre a
natureza das Idéias existe pouca evidencia disso; o que é enfatizado repetidas vezes é que as
Idéias são diferentes dos particulares, e que elas estão presentes nos particulares. A passagem
que mais claramente sugere sua existência transcendente é a famosa passagem do Banquete5
que claramente atribui à Forma do belo um ser à parte de sua incorporação em qualquer coisa
bela. Mas essa é a linguagem da sábia Diotima, e não de Sócrates, e na passagem do Fédon6
que se refere a isso, os elementos mais transcendentes desaparecem, e são simplesmente
auto-identidade (μονοειδές) e imutabilidade que são afirmadas com relação à Forma.
1
Lendo na passagem 104 d 3 ἐναντίου ἀεί τινος, como Stallbaum; ou 'do contrário de alguma coisa',
se lemos ἐναντίου τῳ ἀεί τινος, como Robin.
35
A Teoria das Idéias de Platão
1
Isso foi claramente mostrado por Shorey na Classical Philology, xix (1924), 1-19.
2 a a 3
Analytica Posteriora 44 4, 5, 45 10. 104 e 10, 105 a 3, 4, d 10.
b 5 6
4 Analytica Posteriora 52 7. 210 e 2-211 b 5. 78 d 5.
O que é dito ali pode ser dito por qualquer um que acredite em universais objetivos,
acreditando ou não que eles possuem qualquer existência que não seja a existência em
particulares. Mas devemos olhar não somente para o que Platão diz sobre as Formas, mas
também para o que ele diz sobre nossa apreensão delas. O que ele diz sobre nossa apreensão
delas nesta vida se resume a duas coisas – que é somente pela experiência dos particulares
que as Formas são sugeridas ao nosso intelecto, mas essa sugestão pressupõe um
conhecimento prévio delas. Se considerarmos essas duas afirmações, somos levados à
conclusão de que a teoria da anamnesis envolve logicamente a crença em Formas
transcendentes.1
É um erro por de lado a teoria da anamnesis, como o faz Ritter,2 como sendo algo meramente
secundário. Sócrates diz expressamente, e Símias concorda, que a existência das Idéias e a
preexistência da alma andam juntas (76 d 7-77 a 5). Somos, dessa maneira, deixados com
apenas duas alternativas – ou Platão (assumindo que podemos tomar o que Sócrates diz, de
uma maneira tão séria, como representando as visões de Platão) falhou em perceber que a
doutrina da anamnesis, se deve ter algum uso, implica em um conhecimento prévio direto das
Idéias incorpóreas, ou então ele enxergou essa implicação e deliberadamente a aceitou. É
impossível decidir com certeza entre essas alternativas; mas a afirmação constante de
Aristóteles de que Platão acreditava em Idéias ‘separadas’ confirma a segunda alternativa; pois
é bastante difícil supor que depois de dezenove anos passados na Academia Aristóteles
pudesse estar desinformado sobre um assunto tão importante.
Reunindo o que aprendemos até agora sobre a doutrina das Idéias de Platão, podemos dizer
isto: originalmente a doutrina era simplesmente a crença na existência de universais como é
implicado pela existência de indivíduos possuindo qualidades. A linguagem predominante
usada para expressar a relação de universais com particulares é a da ‘presença’ de universais
em particulares, do ‘compartilhamento’ de universais por particulares.
1 2
Cf. p. 25 P.L.S.L. i. 584-6.
36
A Teoria das Idéias de Platão
Mas no Banquete, e de maneira mais definitiva no Fédon, outro elemento entra na teoria; os
particulares são referidos como tendo se distanciado das Idéias, não somente por serem
particulares e não universais, mas por não serem exemplos genuínos das Idéias, mas apenas
exemplos aproximados delas; a linguagem da imitação começa a aparecer, sem, no entanto,
substituir a outra ou se reconciliar com ela. Mais tarde, no Fédon, algumas das relações entre
as próprias Idéias começam a ser exploradas. As Idéias que Platão tinha inicialmente em mente
são de dois tipos – (1) as Idéias de bem (e das várias virtudes) e de belo e (2) Idéias
matemáticas como as de semelhança, de paridade e imparidade, do dois, do três, etc. Esses
são os dois únicos grupos de Idéias das quais Sócrates descreve como estando certo no
Parmênides.1 Quando outras Idéias são introduzidas (por exemplo, a de tear no Crátilo), é
apenas um modo de ilustrar a universalidade da doutrina das Idéias, e não porque Platão está
interessado nessas Idéias particulares. Mas não seria verdadeiro dizer que ele não acredita
seriamente nessas outras Idéias; pois elas são implicadas, tanto quanto Idéias morais, estéticas
e matemáticas, pelo reconhecimento de que para todo conjunto de coisas individuais
chamados por um nome em comum deve existir uma Idéia.
1
130 b 1-10.
37
A Teoria das Idéias de Platão
IV - A REPÚBLICA E O FEDRO
Tradução:
O
s primeiros livros da República contêm muito pouco que mencione a teoria
das Idéias. Muito se discutiu sobre uma passagem no Livro V (476 a 4-7):
“O mesmo acontece com o justo e o injusto, com o bom e o mau e com
todas as outras formas: cada uma, tomada em si, é uma; mas devido ao fato de
entrarem em comunidade com ações, corpos, e entre si, aparecem em toda parte e
cada uma parece múltipla.” 56 O compartilhamento de uma idéia com outra não foi,
ao menos tão extensamente, discutido antes de o Sofista. A presente sentença foi,
assim, vista como um anacronismo, e allhllwn, foi emendada na frase allh
allwn ou all allwn. Mas já em Fédon, Platão diz que a Idéia de três introduz a
grupos particulares de três a Idéia de imparidade, e isso pode acontecer
simplesmente porque compartilha a Idéia mesma. Assim, a noção de participação
de uma idéia em outra não é nova em Platão.
56
Cf. GUINSBURG, J. (Org.), A República. São Paulo: Editora Textos 19, 2006. (p.215)
38
A Teoria das Idéias de Platão
Os demais exemplos são de outra ordem. “Belo” não significa “mais belo
do que”, “feio”, “mais feio do que”. Esses são contrários genuínos, não
comparativos ocultos. Como Platão pode afirmar que existem coisas ao mesmo
tempo feias e belas, ou atos justos e injustos, ou piedosos e impiedosos? Um ato
individual que é justo não é injusto. Platão deve estar se referindo, então, ao que
demonstrou em um diálogo da juventude57 após o outro; que enquanto um ato de
certo tipo (ex.:. devolver a um homem o que lhe pertence) é o certo em
circunstâncias normais e outro ato do mesmo tipo é errado em circunstâncias
anormais (ex.: devolver a espada de um homem que pretende matar alguém ou a
si mesmo). No entanto isso não prova que atos individuais têm atributos
contraditórios; para um ato particular há uma situação particular, e Platão não diz
explicitamente que essa situação em particular é errada e certa ao mesmo tempo.
A única prova foi a de que a generalização “devolver a um homem o que lhe
pertence é o certo” não é verdade.
57
Entendemos como “Diálogos da Juventude de Platão” aqueles estilisticamente agrupados por serem
aporéticos (ou seja, não chegam a uma conclusão, a uma verdade única). São também conhecidos
nessa divisão interpretativa como “Diálogos Socráticos”. Há, ainda, diversas outras formas de
Tradução: Flora Mangini
compreender a lógica entre os textos platônicos, mas a que o autor escolheu (o termo correlato em
inglês é “Early dialogues”) é uma das mais aceitas atualmente. (N.T.)
58
479 b 9-e 9.
59
Essas passagens, mais particularmente a Linha e a Caverna, são objeto de muita discussão,
especialmente pelos acadêmicos britânicos. Mencionamos alguns: H. Sidgwick in J. of Phil. Ii (1869), 96-
103; H. Jackson, IBID. x. (1882), 132-50; J.Cook Wilson in Class. Rev. xviii (1904), 257-60; J. L. Stocks in
39
A Teoria das Idéias de Platão
Isso não exaure, para Platão, a supremacia do Bem sobre todas as demais
Idéias; mas para trazer à tona outros aspectos de sua natureza ele adota um
método indireto. Ele tenta trazer à luz a idéia de bem estudando antes seu
resultado (506e 3). Começa equacionando coisas particulares com o que é visto, e
as Idéias com o que é conhecido (507 b 9). Aqui, a visão representa os sentidos,
no geral: para um som particular existe um “porém”, porque não é visto, mas
ouvido. Mas Platão continua para apontar uma faceta na qual a visão é diferente
dos demais sentidos – que para que a visão ocorra é preciso que haja um objeto
colorido e um olho capaz de ver, mas também luz sobre o objeto e,
preferencialmente, luz do sol. Assim como o olho vê mais claramente quando o
objeto é banhado por luz solar, a mente apreende mais claramente quando vê seus
objetos sob a luz da Idéia de bem. Isso é o que “proporciona aos objetos de
conhecimento sua verdade, e para aquele que os conhece o poder de conhecer”
Class. Qu. Xv (1921), 73-88; A.S. Ferguson, ibid. 131-52, xvi (1922), 69-104; F.M Cornford in Mind, xli
(1932), 37-52, 173-90; N. R. Murphy in Class. Qu. Xxvi (1932), 93-102, xxviii (1934), 211-13; R. Robinson,
Plato’s Early Dialectic, 151-213; H. W. B. Joseph, Knowledge and the Good in Plato’s Republic, 13-60.
40
A Teoria das Idéias de Platão
(508 e 1-3). E, assim como nem a luz nem a visão são o sol, nem a verdade nem
o conhecimento são o bem. O bem é algo ainda mais honrável.
Depois de dizer que ele faz da Idéia de bem sua fonte de conhecimento e
cognoscibilidade, a principal explicação do mundo das Idéias, Platão o expõe sob
uma nova luz, como fonte do ser do mundo. Como o sol “cede às coisas visíveis,
não só o poder de serem vistas, mas ainda a geração, o crescimento e a nutrição”,
então “você pode dizer que não apenas a inteligibilidade das coisas inteligíveis vêm
do bem, sua existência e essência também”. Mas enquanto o poder vitalizante do
sol é bastante diferente das suas funções iluminativas, a função da Idéia de bem
como fonte de ser de outras Idéias é também a função como fonte de
entendimento delas; o que explica a existência de outras Idéias em referência à
Idéia de bem, somente se esta é a base de suas essências.
(297 b 2-7). No Fedro ele define temperança como sendo guiada pelo desejo pelo
melhor (237 d 6-e 3). Devemos supor que nessas linhas ele acreditava que a
essência de todas as virtudes consiste numa relação definida com a Idéia de bem.
41
A Teoria das Idéias de Platão
muito pouco da concepção de Deus. Até o Sofista Platão sustenta que a realidade
60
PP. 39-40 supra
61
Em 335 b 8-11, 353 b 2-12, 403d 2-3, 518 d 9-10, 601 d 4-6
42
A Teoria das Idéias de Platão
A D C E B
62
Cf. Tw tou ouranou dhmiourgw
63
PP. 108-11 infa
Tradução: Flora Mangini
64
Diogenes Laertes. Ii 106, iii. 6 (8)
65
Ii. 106.
66
G.P. 230-3 (traduzir lista de referências)
67
As leituras em d6 variam: ANISA ADM
43
A Teoria das Idéias de Platão
A inferência foi, por vezes, interpretada como se Platão quisesse dizer que
as duas seções do meio fossem iguais e, assim, não haveria quatro subseções
representando quatro tipos de objetos em progressão em clareza ou realidade.
Mas a igualdade de DC para CE, embora siga de razões predescritas, nunca é
mencionada; e, por outro lado, a passagem contém indicações claras68 de que as
quatro subseções devem representar quatro divisões que aumentam em “clareza”
(509 d 9) ou “verdade” (510 a 9). A igualdade das seções do meio é uma
conseqüência daquilo que Platão queria enfatizar, mas não foi planejada, desejada
e, talvez, nem percebida por ele. A ênfase estava na concepção de que as
subseções de cada seção e as próprias seções representam objetos desiguais na
realidade. Se a matemática da linha tivesse permitido que DC tivesse a mesma
razão em relação a CE como AC tem para CB, AD para DC e CE para EB, ele poderia
Platão a teria concebido assim. E o fato de ser matematicamente impossível é
apenas um indicador do fato de que a linha, sendo apenas um símbolo, é
inadequada para a verdade completa que Platão deseja simbolizar.
68
Vide PP. 47-8 infra
44
A Teoria das Idéias de Platão
Na frase “usando como imagens as coisas que antes eram imitadas” (510 b
4), que nos mostra o conteúdo da segunda subseção são as imagens da terceira,
como aquelas da primeira eram imagens daquelas da segunda, eu vejo como a
evidência mais clara de que a igualdade das duas subseções do meio da linha, que
seguem da razão proposta por Platão não é intencional; que se (compativelmente
com o que as razões determinam) Platão pudesse ter tido DC na mesma razão para
CE que AD para DC, e CE para EB, seria feito; e que o visível e suas subseções não
são (como Prof. Ferguson sustenta) introduzidas meramente como uma ilustração
para mostrar as relações entre as duas subseções do inteligível, mas que há uma
continuidade entre todas as quatro subseções do que é simbolizado, como tem
entre todas as quatro subseções do símbolo (a linha); que nas séries eikasía,
pístij, dianoia, noeisij cada termo é pensado como tendo um valor mais alto
do que aquele de que precede. Esse ponto é evidentemente fundamental no
significado de Platão; para ele, é explicitamente mencionado duas vezes ainda - em
510 e 1-3 e em 511 a 6-8.
Não é suposto que Platão tenha pensado sobre os quatro estados da mente
se diferenciando apenas em grau. Eles diferenciam-se também em tipo, e na
passagem da Caverna, a diferença de tipo é simbolizada quando se diz que
passando do seu primeiro estado para seu segundo, os prisioneiros são
rotacionados e que num estado seguinte, eles são acesos por uma iluminação de
Tradução: Flora Mangini
tocha para uma antítese específica, a iluminação do sol por cima do ar. Mas
enquanto há uma diferença de origem entre os quatro estados, eles são estados em
que cada um é mais claro que o anterior, e não meramente o segundo é mais claro
45
A Teoria das Idéias de Platão
que o primeiro e o quarto mais claro que o terceiro. Nesse sentido há uma
continuidade através da qual a linha simboliza, assim como a linha mesma é
contínua, contendo sessões mas nenhum espaço ou mudança de direção.
Deste modo, Platão se opõe antecipadamente com duas teorias que foram
encontradas de acordo com os tempos modernos - A teoria empírica representada
por Mill (in. System of Logic, BK. Ii, ch. 5 §1), que diz que a geometria e uma
ciência indutiva gerada pela observação das figuras sensíveis e encontrando
aproximadamente generalizações verdadeiras sobre elas, e racionalização ou teoria
logística que defende geometria como procedendo de pura argumentação sozinha
com os axiomas, definições e postulados relacionando a figuras geométricas
perfeitas, sem nenhuma necessidade de uma intuição espacial. A questão que de
um dos três pontos de vista é verdadeira é de muito importância, mas precisaria de
mais que uma explicação separada para essa discussão, e pertence mais à
epistemologia do que à metafísica. Isso soa muito mais claro do que seguindo um
método descrito por Platão e Aristóteles que a geometria na verdade progrediu.
70
A palavra “geômetro” não existe em língua portuguesa, no entanto, foi adotada pela tradução para se
aproximar mais da original em inglês “geometer”. Significa, portanto, estudioso ou entendedor de
geometria. (N.T.)
46
A Teoria das Idéias de Platão
Concluí, como todos tem direito de, que Platão quis dizer que a característica
da terceira sucessão, assim como seu caráter hipotético, para aplicar a aritmética
assim como para a geometria; mas é válido notar que, enquanto se fala do caráter
hipotético ele menciona, e dá situações partidas de, duas ciências (510c 3-5) ao
falar-se do uso de símbolos ele dá situações apenas vindas da geometria (510 d 7 –
e1). Se ele tivesse tentado encontrar situações na aritmética ele talvez iria tender-
se a notar diferenças essenciais entre as duas ciências nesse aspecto.
47
A Teoria das Idéias de Platão
Platão concebe o estado da mente que lida com a terceira subseção assim
como incluindo algo mais do que o estudo da geometria e aritmética – ‘estudantes
de geometria, aritmético e outros’, ‘o processo da geometria e artes vinculadas'.
Por isso, ele quis dizer os termos da matemática aplicada, assim como astronomia
e harmônicos. Não há evidencia que ele pensou em qualquer coisa alem destas, e
era natural que ele não o fizesse, desde que matemática pura e aplicada era o
único estudo em sua época que foi seguidos de uma maneira sistemática. Mas a
principio sua teoria (se o uso das hipóteses é considerado) é aplicável a todas as
Tradução: Beatriz Feretti
Em contraste com a terceira sucessão ele descreve a quarta como uma que
e estudada sem o uso de imagens sensíveis, e não pelo progresso partido de
hipóteses a conclusões mas por regressar de hipóteses para um principio primordial
não hipotético.
48
A Teoria das Idéias de Platão
49
A Teoria das Idéias de Platão
2. Platão cria um argumento ainda mais forte sobre a relação da filosofia com a
ciência. Em 533c7 ele diz que a dialética procede por seguir com (anairousa) suas
hipóteses). A expressão é tão forte e a primeira vista, tão surpreendente, que
Feretti
50
A Teoria das Idéias de Platão
Usando a palavra como significando ‘negando a verdade de’, Tayler fez uma
interessante sugestão sobre os três exemplos de hipóteses matemáticas que Platão
dá. O primeiro exemplo é ‘o incomum e o equivalente’. Taylor sugere que Platão
tinha em visão uma expansão de toda noção de numero assim como incluir
irracionais, os quais não são incomuns nem equivalentes. Mas não há nenhuma
evidencia em Platão, favorável a data provável da República, de um interesse
especial nos irracionais (isto parece começar com o Teeteto), nem evidencia
nenhuma antes do Epinemes (Cf Van der Wielen, I.P. 13-17), o qual se ele
escreveu foi seu ultimo trabalho, que ele teria chamado de números irracionais.
O segundo exemplo e ‘as figuras’. Taylor pensa que isso se refere a algum
argumento feito por matemáticos do tempo de Platão que envolveram
conseqüências que era contraditas pelo fato de que haviam apenas 5 sólidos
regulares que podem ser inscritos no círculo. Mas não é provável que o argumento
de ‘as figuras’ que Platão assimila aos matemáticos que seu tempo foi um
argumento relativo a geometria solida, desde o Livro IV, ele fala disso como uma
ciência a ser criada e não como uma que já existe.
51
A Teoria das Idéias de Platão
Uma questão mais a frente nos espera. As quatro divisões da linha são ditas
a representar as duas divisões do visível e as duas divisões do inteligível. Nos
naturalmente supomos que eles são destinados a simbolizar não diferentes
atividades mentais ou estados. Nos de objetos diferentes; em consideração as
52
A Teoria das Idéias de Platão
divisões do visível, isso e na verdade. Mas com relação as duas divisões seguintes,
enquanto Platão indicou magnificamente a diferença entre ciência e filosofia, ele
disse pouco ou nada sobre uma diferença entre seus objetos. Agora existe uma
doutrina que sabemos que em algum período de sua vida ele possuiu, por que se
encaixaria perfeitamente as necessidades da passagem. Em met.987b14-8
Aristóteles nos diz que Platão distinguiu entre idéias e ta maqematika , que
também era chamada de ta metazu, por que estavam intermediarias entre idéias
e sensos particulares, imutáveis como as idéias mas plurais como particulares que
caem sobre oura idéia. Uma pequena reflexão mostra que quando um matemático
fala de dois triângulos da mesma base, ou de dois círculos que se interseccionam,
ele não esta falando de idéia de triangulo ou de idéia de circulo, desde que exista
apenas uma idéia de triangulo (triangulidade) e uma idéia de circulo (circularidade).
Por outro lado ele não esta falando de triângulos ou círculos sensíveis, desde que
estes apenas se aproximam dos atributos que o geômetro prova pertencer. Não
aproximadamente, mas precisamente às entidades as quais ele esta se referindo.
Ele de fato esta falando sobre a divisão do espaço entre três linhas retas e por uma
linha circular. E Platão parece ter se convencido assim mesmo que similarmente
quando o aritmético diz 2 e 2 dão 4, ele não esta falando de dualidade e nem ainda
dos pares sensíveis, mas de números tendo um estado intermediário entre estes.
Elas são falados no singular e não no plural e com a qualificação auto o que
de fato é uma marca de uma Idéia tou tetragwnou autou eneka touj logouj
poioumenoi kai diametrou autvj (510 d 7). Mais adiante ele fala sobre elas
(512 d 1) noun ouk ioxein peri auta dokouai aoi kaitoi novtwn meta
arxvj, é verdade, é ambíguo.
Tradução: Cláudia O’Reylly
71
O que leva de volta a Proclus (in Euc. 4 . 14-5. 10 (ed. Friedlein)).
53
A Teoria das Idéias de Platão
(b) Na República 526 a 1 Platão diz dos matemáticos: 'Se eles forem perguntados o
que são esses números sobre os quais estão falando, em cada uma unidade, como
eles afirmam, que é exatamente semelhante a todos os outros e não contém
partes, qual seria a resposta deles? Por isso, devo dizer que os números a que eles
se referem só podem ser concebidos pelo pensamento.' Aqui Platão descreve os
matemáticos como unidades reconhecedoras que existem no número plural e ainda
são distintas das coisas sensíveis (porque são exatamente iguais). Agora unidades
que existem no plural precisam certamente ser diferentes da Idéia de unidade,
então a distinção entre Idéias, os objetos da matemática e coisas sensíveis está
implícita na passagem; mas não é dita explicitamente.
(c) Em Timeu 50 c 4 'as coisas que entram e saem' do espaço tem sido, por vezes,
supostas como sendo perfeitos formatos geométricos; mas isso é negativado pelo
fato que são descritos como 'imitações de coisas que existem para sempre' (as
Idéias), estão então implicadas não serem eternos eles mesmos, como os
intermediários são (de acordo com o relato de Aristóteles sobre Platão). Nesse
ponto do argumento do Timeu, também, não existe nada mostrando que existem
formas de fato. Elas são características de qualquer tipo, fazendo aparições e
desaparições dos 'receptáculos do vir a ser'; elas são, de fato, qualidades sensíveis.
(d) Em Timeus 53 a 7-b 5 lemos que foi através das formas e números que o
Tradução: Cláudia O’Reylly
Demiurgo moldou em fogo, ar, água e terra genuínos, o rudimentar fogo, ar, água
e terra que existiam sozinhos antes de começar o seu trabalho de formar o mundo.
Mas essa referência é muito geral para quantificar o reconhecimento que define as
formas e números intermediários em caráter entre as Idéias e as coisas sensíveis.
(e) Foi suposto, algumas vezes, que o elemento do limite que ocorre na divisão
quádrupla das coisas existentes, em Filebo 23 c 4-d 8 é para ser identificado com
os intermediários. Sem dúvida ‘limite’ refere-se à definição numérica e métrica,
54
A Teoria das Idéias de Platão
mas isso não pode ser dito sem nenhuma plausibilidade que Platão naquela
passagem distingue os intermediários das Idéias.
f) Filebo 56 d 4-e 3 vai mais direto ao ponto. Platão diz aqui: ‘não é aritmética de
dois tipos, uma que é popular e a outra filosófica? . . . Alguns aritméticos falam de
unidades desiguais; como por exemplo; dois exércitos, dois bois, duas coisas muito
pequenas ou duas coisas muito grandes. O partido que se opõe a eles teria
discordado; eles insistem que cada unidade em dez mil deve estar sem diferença de
qualquer outra unidade’; e presentemente ele desenvolve uma distinção similar
entre mensuração prática e geometria ‘filosófica’. Essa passagem faz exatamente o
mesmo argumento da passagem (b)
55
A Teoria das Idéias de Platão
O que isso aponta é para a divisão entre Idéias, e uma divisão a qual ele
pensa apenas em termos da maneira em que são estudados. Mas se um método de
estudo é apropriado para um conjunto de idéias e outro para outro, deve ser pela
diferença objetiva entre os dois pares. Como teria Platão dito isso, se ele
perguntava-se sobre essa questão? Cada uma das duas características para qual os
dois estados mentais são descritos joga uma luz na questão. A referência ao uso de
imagens mostra que objetos de dianoia são idéias matemáticas, para cuja
compreensão uma intuição imaginativa ou sensível da estrutura das figuras
espaciais ou (de acordo com Platão) de números é necessária, enquanto contra
idéias estéticas e morais, para qual não há nenhuma necessidade correspondente;
e pode ser apontado que essas são os dois tipos principais de Idéia que são
familiares nos diálogos primeiros e que são enfatizados novamente no Parmênides
(130 b 1-10). Por outro lado, a oposição feita entre o procedimento que segue das
hipóteses para baixo e aquele que procede para cima a partir deles aponta para
uma divisão de Idéias entre as que vêm acima as que vêm abaixo na hierarquia das
Idéias. A sugestão parece ser essa, então se você começa com Idéias bem abaixo
na hierarquia, a possibilidade de derivação delas para algo auto-evidente parece
tão remota que quase inevitavelmente renuncia a tentativa e simplesmente toma
as Idéias como certas e procede em extrair as conseqüências que puder;72
enquanto que se por outro lado você iniciar alto na hierarquia, a possibilidade de
conectar com as Idéias elevadas das quais você começa com outras ainda mais
altas, e por fim com a Idéia de bem, naturalmente ocorre a você, você se move
para cima ao invés de para baixo.
Mais adiante, não parece muito que Platão pensou nessas duas maneiras de
dividir o mundo ideal como verdadeiramente produzindo a mesma divisão, entre
Idéias matemáticas como abaixo na hierarquia e as Idéias éticas como mais altas
na escala. Pois Idéias éticas são muito mais próximas e obviamente conectadas
com a Idéia de Bem do que são as Idéias matemáticas.
Platão duas vezes (510 b 5, 511 a 4) fala sobre a matemática como ‘sendo
compelida` a usar o método que usa, que ao empregar imagens e assumindo
hipóteses; fica implícito que algo na natureza das Idéias estudadas determinam o
método em uso. Ainda indubitavelmente essa era sua visão, implícita no Sol e na
passagem da Idéia de Bem, que em última instância todo o mundo das Idéias é
capaz de ser iluminado pela Idéia de Bem, e estudado pelo método dialético; isso
está implícito nas palavras kaitoi novtwn ontwn meta arxvj (511 d 1). Ele
pensa, então, nas duas partes de mundo ideal enquanto suficientemente diferente
Tradução: Cláudia O’Reylly
Ainda, Platão deve ter tido a intenção de mostrar alguma distinção entre os
objetos da dianoia os de nouj, assim como entre aquela atividades nelas
mesmas. A conclusão a ser mostrada certamente é que ele pensou nas Idéias
72
Wj ou dunamenvn twn upoqesewn anwterw ekbainein (511 a 5)
56
A Teoria das Idéias de Platão
tendendo para duas divisões, uma divisão mais baixa consistindo em Idéias
envolvendo números ou espaço, e uma divisão mais elevada não as envolvendo.
Quando a filosofia tiver feito seu trabalho, as Idéias que préviamente estavam
apenas dianovta tornaram-se novta por derivação de um não-hipotético princípio
primeiro; assim elas permanecem Idéias diferentes daquelas que iniciam os objetos
dos nouj.
Se, como eu acredito, estão equivocados aqueles que acham a doutrina ‘dos
intermediários´, na República, Prof. Cherniss vai muito além na direção oposta
quando ele nega que Platão jamais acreditou neles. Suas evidencias são as
seguintes:
pode ser usado para manter a visão que Platão não distinguia entre eles, como
Aristóteles enfaticamente diz que ele fazia.
3 - Em 990 a 29-32 Aristóteles diz: ´Mesmo Platão pensou que ambos corpos e
suas causas são números, mas que os números inteligíveis são causas, enquanto os
outros são sensíveis. ´ Mas a principal diferença, para Platão, era que entre as
73
R.E.A 75-8
57
A Teoria das Idéias de Platão
Idéias e as coisas sensíveis, , nem ele, nem Aristóteles se referindo a ele, se limita
sempre a mencionar os intermediários quando ele menciona as Idéias e os números
sensíveis.
4 - O escritor do Epinomis, seja ele Platão ou outro, diz em 990 c 5-8: ´Há
necessidade de caminhos para o estudo. O mais importante e o primeiro desses é
também aquele que negocia com os números por eles mesmos, e não
corporalizado, com a inteira geração de ímpar e par, e com todo o caráter que ele
concede à natureza’. O que foi dito sobre a citação prévia aplica-se aqui também.
74
Cf. p.p. 151-3 infra.
75
511 d 6 e 5.
58
A Teoria das Idéias de Platão
uma apreensão de objetos que são menos reais76, sendo meramente imagens de
objetos de outro.
A distinção entre novsij e dianoia não é, como em Aristóteles, uma
distinção entre imediata e mediata apreensão. A tarefa da filosofia, não menor que
a da ciência, era, para Platão, a de raciocínio, a dedução do menos geral a partir de
proposições mais gerais. Ela inclui apenas um ´momento´ de apreensão direta – a
apreensão do não-hipotético princípio primordial, que não pode ser deduzido de
nenhum outro porque está acima dos demais.
76
511 e 2 - 4
59
A Teoria das Idéias de Platão
77
As citações feitas por Ross dos textos de Platão não foram traduzidas do inglês, mas sim
extraídas de traduções já publicadas do grego para o português. A partir dessa seção do
capítulo, as edições utilizadas foram:
Sofista, tradução de Jorge Paleikat e João Cruz Costa, Coleção Os pensadores, Abril cultural
1972, 1ª. edição
(N.T.)
60
A Teoria das Idéias de Platão
mundo inteligível, não iludirás a minha expectativa, já que é teu desejo conhecê-la.
O Deus sabe se ela é verdadeira. Pois, segundo entendo, no limite do cognoscível é
que se avista, a custo, a idéia do Bem; e, uma vez avistada, compreende-se que
ela é para todos a causa de quanto há de justo e belo; e que, no mundo visível, foi
ela que criou a luz, da qual é senhora; e que, no mundo inteligível, é ela senhora
da verdade e da inteligência, e que é preciso vê-la para se ser sensato na vida
particular e pública
61
A Teoria das Idéias de Platão
Platão desconcertou seus leitores por dizer muito. O uso do sol como
símbolo da Idéia do bem, e o mundo visível como símbolo do inteligível foi bastante
claro e satisfatório. Aqui na passagem da Caverna, as coisas se complicam por
causa de mais um simbolismo. O próprio sol é simbolizado pelo fogo na caverna, e
o mundo sensível iluminado pelo sol é a fogueira da caverna.
O Prof. Ferguson não faz esta interpretação. ‘Em face disto’, ele diz79,
‘há um contraste entre dois sistemas de luz; entretanto as interpretações atuais
ignoram o ponto onde a comparação coloca mais força. O ponto de ligação é, de
fato, a região visível fora da caverna.’ Para ele, a caverna está relacionada à linha
desta maneira: A vida na caverna representa uma vida tanto retirada da vida
comum sensível (simbolizada pelo primeiro segmento principal da linha), quanto da
vida intelectual (simbolizada pelo segundo segmento principal da linha). Platão nos
diz que a caverna serve para ilustrar nosso estado ‘relativamente à educação ou à
sua falta’ (514 a 2), e o Prof. Ferguson interpreta ‘falta de educação’ como
significando não uma vida não educada mas uma maior profundidade, onde somos
enganados por sofismas feitos pelo homem.
Tradução: Cecilia Freitas
78
A palavra de Platão para isso é paratei/ nein (Menon 87 a 5); de Euclides é paraballein
(6.27).
79
Class. Quart.XV (1921), 139-40.
80
517 b 1-3
62
A Teoria das Idéias de Platão
Ora, não é mesmo essa ária, que executa a dialética? Apesar de ser do
domínio do inteligível, a faculdade de ver é capaz de a imitar, essa faculdade que
nós dissemos que se exercitava já a olhar para os seres vivos, para os astros, e,
finalmente, para o próprio Sol. Da mesma maneira, quando alguém tenta, por
meio da dialética, sem se servir dos sentidos e só pela razão, alcançar a essência
de cada coisa, e não desiste antes de ter apreendido só pela inteligência a essência
do bem, chega aos limites do inteligível, tal como aquele chega então aos do
visível....Não chamas a este processo dialético? ...A libertação das algemas e o
voltar-se das sombras para as figurinhas e para a luz e a ascensão da caverna para
o Sol, uma vez lá chegados, a incapacidade que ainda têm de olhar para os animais
e plantas e para a luz do Sol, mas, por outro lado, o poder contemplar reflexos
divinos na água e sombras, de coisas reais, e não, como anteriormente, sombras
de imagens lançadas por uma luz que é, ela mesmo, apenas uma imagem,
comparada com o Sol – são esses os efeitos produzidos por todo este estudo das
ciências que analisamos; elevam a parte mais nobre da alma à contemplação da
visão do mais excelente dos seres, tal como há pouco a parte mais clarividente do
corpo se elevava à contemplação do objeto mais brilhante na região do corpóreo e
do visível.
Tradução: Cecilia Freitas
81
p. 140
82
itálicos do autor
83
p. 140
84
517 b 4-6
85
514 c 1
86
515 a 6
63
A Teoria das Idéias de Platão
Primeira passagem
Presumivelmente, portanto,
ei) ko/ nej (objetos de ei) kasi/ a), simbolizados pelas sombras e
reflexos na caverna
Segunda passagem
no/ hsij, simbolizada por olhar para animais, estrelas, lua e sol.
87
517 a 8-b 6
88
532 a 1-d 1
64
A Teoria das Idéias de Platão
89
Tratado respectivamente em 521 c 1-531 c 8 e em 531 c 9-535 a 2.
65
A Teoria das Idéias de Platão
Entendes que será caso para admirar, se quem descer destas coisas
divinas às humanas fizer gestos disparatados e parecer muito ridículo, porque está
ofuscado e ainda não se habituou suficientemente às trevas ambientes, e foi
forçado a contender, em tribunais ou noutros lugares, acerca das sombras do justo
ou das imagens das sombras, e a disputar sobre o assunto, sobre o que supõe ser a
própria justiça quem jamais a viu?
Deve, portanto, cada um por sua vez descer à habitação comum dos
outros e habituar-se a observar as trevas. Com efeito, uma vez habituados, sereis
mil vezes melhores do que os que lá estão e reconhecereis cada imagem, o que ela
é e o que representa, devido a terdes contemplado a verdade relativa ao belo, ao
justo e ao bom.
90
517 d 4-e 1.
91
520 c 1-6.
66
A Teoria das Idéias de Platão
67
A Teoria das Idéias de Platão
Idéias. Em 597 b 6 as Idéias devem sua existência a Deus, mas em 509 b 6-10
elas devem isso à Idéia do bem, que de maneira alguma deve ser identificada com
Deus; e aquela passagem representa com mais certeza que a presente a metafísica
da República. Mais tarde, quando (no Timeu) Platão aponta um significado
importante de Deus, como o Artesão do universo, as Idéias não estão subordinadas
a Deus, mas são representadas como formando uma ordem que existe
independente de Deus e a qual Deus deve respeitar.
No mundo das coisas particulares ele distingue entre aquelas que são cópias diretas
das Formas e as que são cópias dessas Formas. Dentro do mundo das Formas ele
92
Met. 1070ª 18.
93
130 b 1-10.
94 4
A evidência pode ser vista minuciosamente em Zeller, Phil. d.Gr. ii 1 . 701 n. Ep. 7. 342 d 3-e 2 pode
ser acrescentado como evidência de que Platão defendeu este ponto de vista perto do fim de sua vida.
95
pp. 171-5 infra.
68
A Teoria das Idéias de Platão
distingue entre aquelas que são, como se fossem, terrestres – as Formas que só
podem ser estudadas com a ajuda de exemplos sensíveis – e aquelas para cujo
estudo não precisamos de tal ajuda. Além disso, dentro deste último tipo ele
reconhece uma hierarquia alcançando desde a mais baixa das Formas até a mais
alta e ampla de todas, a Forma do bem. Achamos nele, portanto, uma tendência
ao que se pode chamar de escalarismo, um reconhecimento da complexidade do
universo, e dos intermediários que existem entre os superiores e os inferiores – a
mesma tendência que encontra expressão numa passagem do Filebo.96
96
16 c 5-17 a 5. Cf. pp.130-2.
97
Tht. 183 e 5-184 a 1.
98
242 c 4-6
99
508 c 1.
100
247 c 3-e 2.
69
A Teoria das Idéias de Platão
101
266b 3-c 1, 265 d 3-e 3; cf. 273 d 7-e 4, 277 b 5-8.
102
262 a 5-263 b 11.
70
A Teoria das Idéias de Platão
V – O PARMÊNIDES E O TEETETO
Tradução:
Juliana e Cristiane
A
s variações nos números (2) e (5) mostram que não há nenhuma diferença de
significado na ordem das palavras, e que, em particular, é injustificável a distinção da
prótase em (1) de que, em (2) por supor que a primeira é a hipótese de que o universo
é um e segundo a hipótese de que o Uno existe. Além disso, é preciso lembrar que em todos
existiam apenas duas hipóteses, uma contraditória da outra. Agora, a forma ei mv eoti to en em
(5) e a forma en ei mv eotin, talla de to nevos na (7) e (8) mostram que a hipótese é existencial,
que o Uno não existe. A partir desses dois fatos segue-se que do (1) ao (4) a hipótese é de que
existe o Uno, ou seja, que não existe uma unidade muito abrangente, e que, do (5) ao (8) é
feito o oposto de tal pressuposto.
Os destaques em nosso texto não têm autoridade, uma vez que datam dos séculos uma hora
mais tarde do que Platão, mas ele pode ser notado que, no (1), deveríamos ler eoin, para
conformar com a nossa conclusão de que todas (ou melhor, ambas) as hipóteses são
existenciais. As conclusões da argumentação podem ser resumidas da seguinte forma:
1. Se existe o Uno, ele admite nem membro de muitos pares oposto de predicados, não existe,
não pode ser nomeado, conhecidamente falado, imaginário, ou julgado.
2. Se existe o Uno, ele admite ambos os membros dos mesmos pares predicados do lado
oposto, existe, podem ser nomeados e falados sobre, conhecidos, percebidos, e julgados
sobre.
3. Se existe o Uno, os outros são similares e contrários a um outro, o mesmo que e diferente
de um outro, e admite tanto membros de muitos pares de opostos predicados.
4. Se existe o Uno, os outros não são nem parecidos nem contrários, nem semelhantes ou
diferentes, é admitido nenhum membro dos mesmos pares de atributos opostos.
71
A Teoria das Idéias de Platão
5. Se não existir um Uno, é admitido cada membro dos pares de atributos opostos.
6. Se não existir um Uno, ele admite nenhum membro do mesmo par de atributos opostos.
7. Se não existir um Uno, os outros admitem de cada membro de muitos pares de atributos
opostos.
8. Se não existir um Uno, os outros nem admitirão membros do mesmo par de atributos
opostos.
l Começo com a interpretação "idealista" defendida por Taylor em seus artigos na Mente.3 De
acordo com esta (eu uso a linguagem4 do Sr. Hardie), o primeiro dos oito argumentos é a
refutação de uma abstrata e meramente heurística visão do "Uno". Extremo monismo é
reduzido ao absurdo pela identificação com que a negação da possibilidade de atribuições que
surge de uma dificuldade de reconhecer formas de intercomunicação. Mas a segunda e a
hipótese5 parecida contrasta com esta falsa visão, uma verdadeira e concreta noção da
unidade como um todo significativamente diferenciado.
72
A Teoria das Idéias de Platão
Esta opinião não tem de ser analisada minuciosamente, uma vez que mais tarde foi
descartada pelo seu autor, que pode ser o suficiente para apontar para uma ou duas sérias
objeções à mesma. (a) Tem o ponto em que o Sr. Hardie ressalta de forma muito eficaz, que
uma refutação do monismo abstrato é uma das últimas coisas que devemos esperar que
Platão tenha colocado na boca de Parmênides. (b) A atribuição indiscriminada dos atributos
opostos para o Uno e Múltiplo em que o segundo e os argumentos parecidos lideram é
realmente não mais satisfatório do que a negação indiscriminada em que o primeiro e os
argumentos parecidos os levam. (c) Não existe nenhum indício de que Platão diz para ficarmos
mais impressionados com o segundo argumento do que com primeiro. Ele realmente rejeita as
conclusões de que o primeiro argumento é certo, e, portanto na suposição monista e abstrata
que se segue: ‘Agora isto pode ser possível no caso do Uno? Acho que não’.1 Mas não há nada para
mostrar que a conclusão do segundo argumento é mais aceitável para Platão do que a do
primeiro, ou de que o terceiro seja mais aceitável do que o do quarto. O raciocínio em todos os
oito argumentos é da mesma ordem, muito engenhoso, em locais convincentes, em outros
permeada por falácias que parecem óbvias para nós e, algumas das quais devem ter sido
evidentes para Platão. (d) Com a conclusão final2, ele trata todos os argumentos que formam
um único argumento levando à conclusões completamente contraditórias.
73
A Teoria das Idéias de Platão
faz o mesmo tipo de erro que o primeiro. Isso levou o segundo argumento e os outros a
resultados positivos quanto mais seriamente foi entendido por Platão do que os primeiros e os
outros argumentos ‘negativos’. A presente interpretação salienta apenas os quatro primeiros
argumentos, que mostram as conseqüências paradoxais de crença no Uno, e ignora os últimos
quatro, que mostram as conseqüências paradoxais de negar a sua existência. Mas é claro que
Platão é imparcial como entre todos os oito argumentos. (“c) Outra característica do último
ponto de vista de Taylor é a sua interpretação sobre a segunda parte do Parmênides como ‘a.
muito agradável brincadeira filosófica’.1 A maioria dos leitores será inclinado a dizer: 'Nós não
nos divertimos’. A brincadeira pode ser feita a partir de argumentos, mas não trata-se de
humor, mas de virtuosismo, e isso vai por um longo caminho.
Encontre uma positiva sugestão metafísica ainda na primeira hipótese. Isto leva à hipótese de se referir
ao ‘Uno além do ser’ que pode ser caracterizado apenas negativamente, um derradeiro princípio da
unidade ‘além’ de outras formas, como a ‘Idéia do Bom' da República. A segunda hipótese trata do Uno
que é diferente, mas derivado, e considera unidade e existência conectadas como um dos aspectos
ligados ao inteligível: mundo. Mas a esfera do final não é definitiva ou auto-explicativa, que aponta
"para além do ser”.
Contra esta interpretação as seguintes acusações devem ser consideradas: (a) Afigura-
se a fazer o mesmo equívoco que as interpretações feitas anteriormente, recordando que de
um conjunto de
74
A Teoria das Idéias de Platão
argumentos (aqueles que levam à resultados negativos) - ou, pelo menos, o primeiro deles –
como declarado uma verdade mais profunda do que a outra. Se alguma coisa é clara, é claro
que Platão não faz essa distinção. Não só é a primeira hipótese que, no final de Platão diz
claramente que "isto não irá fazer”, mas na última frase do diálogo ele coloca expressamente
todas as "hipóteses" sobre o mesmo nível de eficácia.
(b) Taylor tem pouca dificuldade em mostrar1 'que a interpretação de Plotino das "hipóteses"
(de que a interpretação é derivável transcendentalista) é, em muitos dos seus detalhes
completamente injustificados; a perguntar se Plotino pode não estar certo que na realização
que Platão quis dizer no planejamento do que é mais completamente real um completamente
irreconhecível Uno, e os derivados a partir do Uno, que é um objeto de conhecimento. Talvez
em todas as suas obras, a que chega mais perto da passagem correspondente a este ponto de
vista é que, na República2 em que a Idéia do bem é dito ser mais exaltado do que o
conhecimento, mas parece-me que o que Platão entende por que é que ele não está
irreconhecível, mas que é um pressuposição de conhecimento, e que possa ser conhecida
apenas em parte, que em parte pode ser conhecida é dito na República propriamente dita.3
Pode acrescentar-se que o Uno que fala de Parmênides, na primeira “hipótese” é um resumo
da unidade completamente para a qual Deus e todos os outros atributos de valor não são
adequados e de que eles nunca são afirmados.
c) No quarto argumento Platão no que diz respeito aos “outras” conclusões correspondentes
aqueles no primeiro argumento em que ele faz considerações ao Uno. Podemos realmente
supor que ele tenha desdobrado ou insinuado uma teoria mística “os
outros", como Plotino supõe que ele desdobrado no primeiro argumento uma teoria mística
de um inefável irreconhecível Uno? E podemos supor ser um desdobramento de uma doutrina
mística no sexto e oitavo argumentos, que (como a primeira e quarta)
chega à negação indiscriminada - na sexta uma doutrina mística sobre o Uno na hipótese de
que não há Uno numa oitava doutrina mística sobre “os outros” sobre a mesma hipótese? É
claro que, no quarto, sexto, oitavo e argumentos
75
A Teoria das Idéias de Platão
Platão não expressa uma filosofia inefável, mas insensivelmente trabalha os resultados de
certo tipo de raciocínio aplicado a certas suposições, e se assim for, é mais improvável que,
primeiro ele esteja fazendo qualquer outra coisa.
(d) Nos Sofistas,1 em um diálogo provavelmente não muito mais velho que Parmênides,
encontramos uma crítica de extremo monismo no qual Platão reproduz brevemente o
argumento da "segunda hipótese”; ele mostra que para afirmar que apenas uma coisa existe é
necessário afirmar que existem duas realidades e singularidade, e, portanto,não apenas uma
coisa existe; em outras palavras, ele próprio refuta o monismo extremo. Ninguém, creio, tem
dúvidas que o argumento nos Sofistas expressa a própria visão de Platão, e que é difícil
conciliar com a teoria que no Parmênides é de extremo monismo para representar a mais
profunda verdade sobre o mundo.
4. Podemos considerar uma interpretação parecida apresentada do Sr. Hardie desde que ele
escreveu. Este é de Cornford. Suas principais interpretações são resumidas pelo Sr. Robinson:2
''a segunda parte do Parmênides não é paródia ou sofisma, mas uma séria e muito sutil análise.
Quase todas as conclusões de todas as hipóteses são verdadeiras e importantes. O que Platão
aqui analisa é a lógica de Parmênides, que ele mostra ser incorreta. A quinta hipótese, por
exemplo, “é uma brilhante refutação do dogma Eleático de que nada pode ser dito sobre “o
que não é”.3
Esta opinião é aberta para as seguintes acusações. (a) Há uma dificuldade de supor que
Platão tenha colocado na boca de Parmênides um anti-Eleatismo polêmico. (b) Existe a
dificuldade de que os últimos quatro argumentos, que começam supondo o contrário do
dogma Eleático, conduzem do mesmo tipo de lógica para a mesma espécie de conclusão
paradoxal como as quatro primeiras, que começam a partir do dogma Eleático. (c) Existe a
objeção de que, uma vez que existem muitas falácias óbvias nos argumentos, Cornford tem
para suprir seus principais pontos de vista pela imputação de Platão um objeto secundário, o
de equipar em prática seus leitores com a detecção de falácias. M r. Robinson mostra
efetivamente que esse objeto secundário pode interferir mais sério que principal objeto.
1 244 b 6-245 e 5.
76
A Teoria das Idéias de Platão
Na proporção que o leitor detecta as falácias, ele será menos impressionado com o argumento
anti-Eleatismo, na proporção que ele não consegue detectar eles, a tentativa de educá-lo na
detecção de falácias terá fracassado.
1 135 c 8, d 4, 7, 136 a 2, c 5.
77
A Teoria das Idéias de Platão
3 102 b 8-c 9.
78
A Teoria das Idéias de Platão
Não foi a teoria das idéias, mas as implicações das próprias hipóteses de Parmênides " existe
Uno", e do seu oposto, que tinham que ser analisadas, na esperança de que prática na
detecção de implicações e de ambigüidades acabaria por permitir a Sócrates
chegar a um pensamento mais completamente fora da teoria que no
entusiasmo juvenil que ele tinha abraçado. Parece-me um erro tentar detectar a origem dos
grãos positivos no deserto do ensino do paradoxo em que as "hipóteses" estão presentes.
1.No Fédon 4 Platão havia esclarecido o problema relativo ao tamanho. Simmias é mais alto
que Sócrates, e mais baixo que Fédon. Ele é mais alto do que Sócrates porque Sócrates tem
menor altura relativa à altura de Simmias, porém mais baixo que Fédon porque Fédon é mais
alto que Simmias. Platão demonstra que em tudo não há altura por si só, nem altura em nós,
ao mesmo tempo alto e baixo. Altura se ausenta antes
da baixeza quando esta se aproxima, ou é destruído por sua aproximação. Ele fica satisfeito ao
reivindicar a Forma contra o fardo de ter atributos contraditórios. No Theaeteto5 ele
refletesobre o mesmo problema, e estabelece três proposições. (a) Nada pode se tornar maior
ou menor em tamanho, enquanto permanece igual a si mesmo.
1 pp. 6-9. 2 203 e 2-5 faz o mais próximo se aproximar para ser uma referencia para a teoria.
3 Esses foram claramente apontados dp Jackson em J. of Philol. Xiii (1885), 267-72. 4 102 a 11-103 a 3.
5 154 c-7-155 c 10.
79
A Teoria das Idéias de Platão
(b) E nada é acrescentado e nada é tirado enquanto se mantém igual a si mesmo. (c) Uma
coisa que não estava em um momento anterior não pode estar em um posterior sem se tornar
um ser. Em seguida, ele lembra que sendo no momento mais alto do Theaeteto, talvez dentro
de um ano se torne mais baixo do que Theaeteto sem que ele venha a diminuir; i.e.
comparando a relação entre duas pessoas de uma vez com a relação entre eles e outro e ele se
torna consciente de uma dificuldade nas quais ele não tinha quando percebeu que ele estava
apenas comparando a relação de A para B
com a relação de A para C, ao mesmo tempo. Mesmo na anterior
passagem que ele mostrou alguma consciência da relatividade dos termos
‘Alto’ e ‘baixo’; mas agora ele tem conhecimento de uma nova dificuldade sobre
eles, e ficará mais perto da sua consciência da completa
relatividade deles. Ele não oferece nenhuma solução direta para a dificuldade,
mas sugere que uma doutrina que ele prossegue para expor talvez
a ilumine.1 Esta é a doutrina que ele atribui a certos
pensadores ‘mais sutil do que os iniciados’(komyótepoi); -a doutrina
na percepção de que nem o objeto percebido nem o que organismo que percebe existem
exceto em potencialidade, até se depararem.2 A teoria não ilumina diretamente o problema
que ele tem examinado, mas Ele parece estar insinuando que similarmente altura e pequenez
e implicam emduas coisas que entram em comparação um com o outro; noutras palavras, que
estão fora, e não são inerentes a quaisquer
coisas comparadas, como no Fédon eles deveriam ser. 2. Esta doutrina do senso-percepção é
em si um presságio de alguma coisa que se seguirá, nos Sofistas. No Teeteto Platão Sustenta,
sob o disfarce da komyótepoi, que o universo
(ou seja, o universo de almas que percebem e dos objetos percebidos) é movimento e nada
mais, que uma espécie de movimento tem o poder de agir, o outro em que o ser age, e o que
qualidades sensíveis e a percepção deles são produzidas simultaneamente, o
anterior no objeto e o posterior no órgãos-senso, pela movimento ativo no que age sobre a
movimentação passiva no outro. Ele não especifica se o objeto age sobre o órgão ou vice-
verso, mas é natural que se suponha que ele fala do primeiro. Está aqui uma clara semelhança
com a passagem dos Sofistas. 3
80
A Teoria das Idéias de Platão
onde, ele como tentativa tratar o poder de agir ou ser posto em prática como um sinal de
certeza da realidade. E tal como no Teeteto ele presumivelmente torna
objeto do ato e os órgãos-senso em objetos de ação, nos Sofistas 1 ele faz as Formas agirem e
coloca as almas em ação, e argumenta que almas estão sujeitas a mudanças reais, bem como
as Formas nas quais em seu período anterior ele identificou com tudo o que é
verdadeiramente real.
3. Em 184 b 4-1 86 e 12 ele faz uma distinção entre objetos similares som e cor, que são os
objetos de um sentido único, e que reconhecemos como características comuns aos objetos de
mais de um sentido - a existência e não-existência, diferença e
igualdade, dualidade e unidade, dessemelhança e semelhança, equitabilidade e estranheza,
beleza e feiúra, bondade e maldade, "e todos os esse tipo de coisa”. Além disso, ele insiste em
que estes são apreendidos não pelo bom senso, mas pelo pensamento. Embora ele não
descreva tais como Formas, eles correspondem às duas primeiras classes das Formas
reconheci - das no Parmênides2 (similitude, unidade e pluralidade; justeza, beleza, e bondade),
e ao ‘maior de todas as espécies’ reconhecidos
nos Sofistas3 (ser, semelhança e diferença, movimento e repouso).
Assim, a partir de dois ângulos de abordagem da teoria do conhecimento ---
no Teaeteto, a partir da metafísica nos Sofistas --- Platão chega
no isolamento de uma classe de amplos atributos, que posteriormente pensado foi
reconhecido como o transcendentalia.
Por último, no Teaeteto que Platão mais plenamente declara a real base de sua teoria das
Idéias. Sua base está na crença de que existe uma completa diferença entre a sensação
e conhecimento, e que o conhecimento exige suas entidades de objetos como não percebidas
pelo sentido, e é no Teaeteto que ele dá a sua última e mais elaborada prova da diferença
entre sensação e conhecimento. Sua teoria se baseia, novamente, como ele diz explicitamente
no Timeu5, na crença de que existe uma completa diferença entre o conhecimento e a
verdadeira opinião, e também sua mais elaborada prova é dada no Teaeteto6. Assim,
enquanto o diálogo não está preocupado com a metafísica, mas com epistemologia, e fornece
o argumento mais forte que Platão dá em qualquer lugar
para a fundação de sua teoria metafísica.
81
A Teoria das Idéias de Platão
VI – O SOFISTA E O POLÍTICO
Tradução:
O
Sofista é o primeiro diálogo no qual Sócrates tem um papel
completamente inferior, aparecendo somente nas primeiras páginas;
o papel principal é interpretado pelo ‘Estrangeiro de Eléia’. Se nos
perguntarmos pela razão dessa mudança, a resposta mais provável é a de
que Platão percebeu, mais do que nunca, a importância de Parmênides. Até
agora, ele apresentou a Teoria das Idéias na fala de Sócrates, já que a tem
concebido como algo essencialmente baseado na insistência deste sobre o
problema da definição. Ao ler os primeiros diálogos, nós quase poderíamos
supor que para Platão não existiu nenhum filósofo ou nenhum digno de
consideração, antes de Sócrates. Em alguns dos diálogos da juventude e da
maturidade - Protágoras, Crátilo e Teeteto – Platão se chocou com diversos
pensadores. No Sofista, ele vai além. Na passagem 242 b 6 – 251 a 4, ele
coloca em revisão toda a filosofia grega prévia. A sua escolha do
Estrangeiro de Eleiás como sendo sua voz, Platão sugere que ele próprio é
de alguma maneira, um herdeiro da filosofia de Parmênides, com a
insistência de uma realidade suprema, que não pode ser percebida, mas
apenas conhecida, em relação aos objetos dos sentidos. Mas, enquanto ele
é atraído pelo intelectualismo de Parmênides, é da mesma forma repelido
pelo seu monismo; na verdade ele escolhe como seu representante não
Parmênides, nem um detalhista como Zenão, mas um lúcido Eleático 1 que
é capaz de criticar seu pai Parmênides 2 assim como critica outros filósofos,
e pode dizer 3 :
1
216 b 3-8.
2
241 d 5-7.
3
242 c 4-243 b 1.
82
A Teoria das Idéias de Platão
83
A Teoria das Idéias de Platão
7
248 b 6-8.
1
P.L.S.L 131-4.
2
In 246 b-c 2 e 248 a 4-13, 248 c 7-d 3.
3
249 a 1.
4
247 c 7-e 2.
84
A Teoria das Idéias de Platão
5
Rep. 516 a 5, 577 a 2, 620 a 2; Tht. 157 b 2, 168 b 7; Leis 655 e 6, 656 d 8, 865
e 3.
1
Para uma defesa detalhada cf. Jackson, J of Philol. Xiv (1885), 200-2 e Conford,
PTK. 242-4.
2
246 e 2-248 a 3.
3
248 a 4.
85
A Teoria das Idéias de Platão
1
Leia-se οντων <παντων> , com Badham.
86
A Teoria das Idéias de Platão
2
Leia-se ta kata tauta, com Jackson.
I
e.g. in Tim. 28 a 1-2, 51 e 6-52 a 2; Phil. 59 a 7, c 2-5.
87
A Teoria das Idéias de Platão
2
In 248 d 10-e 4.
3
cf. pp.102 3 supra.
4
79 b 1-c 1.
5
249 c 10-d 4.
6
Para o ‘movimento da alma’- aprendizagem, prática, desejo, reflexão, &c., cf. Tht
153 b 9-c 1, Leis 896 e 8-897 a 3.
1
Platão usa koinwnia, koinwnein, epikoinwnein, epikoinwnia, proskoinwnein em duas
diferentes construções – como genitivo ( 250 b 9, 251 e 9, 252 a 2, b 9, 254 c 5,
88
A Teoria das Idéias de Platão
89
A Teoria das Idéias de Platão
2
254 d 10-255 e 7.
3
253 c 6-254 b 6.
4
254 b 7.
5
248 a 4-249 d 5.
6
Conford insiste que Platão apenas diz que ser, movimento, e inércia são grandes
modos, não que eles são os melhores; uniformidade e diferença são logo
adicionadas a eles, e são, de fato, melhores modos do que movimento e inércia,
sendo atributos de todas as coisas, enquanto movimento e inércia não são atributos
um do outro. Isso seria aceito se o Estrangeiro tivesse descrito ser, movimento e
inércia simplesmente como megista genh , mas ele diz que eles são
megista twn genwn, e Teeteto responde polu (254 d 4-6). ‘muito ótimo’ dificilmente
conseguirá, enquanto polu megista, é o usual grego para ‘o melhor’. Movimento e
inércia são na verdade menores do que uniformidade e diferença; mas é natural
que Platão deva nesse estágio mencionar apenas aqueles melhores modos que já
foram descobertos.
7
255 c 12.
8
255 d 3-7.
90
A Teoria das Idéias de Platão
2. Partilha de existência.
1
255 e8-256 d10.
2
255 d 3-7.
3
256 d 11.
4
257 a 1-6.
91
A Teoria das Idéias de Platão
5
257 b 1.
1
258 c 3.
2
259 c 5.
92
A Teoria das Idéias de Platão
3
262 c 2-7
4
263 a 8.
5
263 b 7-d 5
5
265 d 3-266 c 1, 273 d 7-e 4, 277 b 5-8
93
A Teoria das Idéias de Platão
110
Sof. 224 c 9, 230 b 6, 251 d 8. Pol. 267 b 6, 278 c 5, 308 c 6, 311 a 1, c 1.
111
Sof. 267 b 1
112
219 a 4-7
113
221 c 5-d 6
114
253 d 1-4
115
129 c 1-130 a 2
116
253 d 9-e 6
117
261 d 7-9
118
262 a 3-4
94
A Teoria das Idéias de Platão
pequena, contra partes que são grandes e múltiplas, nem uma parte sem
uma Forma; deixe que a parte tenha uma Forma’. . .”Não é seguro, meu
Amigo, dividir em uma pequena parte; é mais seguro proceder a um recorte
através do meio---é mais provável acertar as Idéias reais”. 119 Sócrates fez
o mesmo erro quando dividiu os homens entre Helenos e bárbaros, ou
números entre o número dez mil e os outros números; ele está supondo
que ele tenha encontrado uma única classe, porque ele tem dado a uma
mera reunião um nome comum. Ele teria feito muito melhor se ele tivesse
dividido em números pares e ímpares, ou os homens do sexo masculino e
Feminino. ‘Uma classe é necessariamente uma parte, mas não há
necessidade de que uma parte semelhante deveria ser uma classe’. 120 Há
'duas formas para que o argumento de que visa alcançar - de maneira mais
rápida, que recorta uma pequena porção, e esquece uma larga parcela e
uma outra maneira como dividiríamos conforme prescrito como possível no
meio, mas mais demorado. 121
119
262 a 5-c 1
120
263 b 7-9
121
262 a 1-5
95
A Teoria das Idéias de Platão
96
A Teoria das Idéias de Platão
Denilson
O
discurso do Timeu122 é dividido pelo próprio Platão em três partes
principais. Há primeiramente123 a parte onde ele descreve a
operação da razão na construção do mundo; em segundo124, há a
parte onde descreve ‘as coisas que ocorrem a partir da necessidade’, i.e, as
características do mundo que ocorrem devido às condições pré-existentes,
da qual a razão precisa levar em consideração e não pode alterar; e em
terceiro125, a parte onde Platão retorna ‘ao início’ e leva em consideração
ambos os elementos que foram tratados separadamente nas duas primeiras
partes. A terceira seção, estando relacionada com os detalhes daquela
combinação de corpo e alma a qual chamamos de homem, não joga
nenhuma luz sobre a teoria das Idéias; tão pouco o fazem muitos dos
detalhes das duas primeiras partes. Mas as partes mais gerais destas áres
são muito relevantes para o nosso tema.
122
27 c1 até o final do diálogo.
123
27 c1 - 47 e2.
124
47 c3 - 69 a5.
125
69 a6 - final.
126
27 d5 - 28 a4.
127
28 b2 - 29 b2.
128
29 e 1-3.
129
30 a36.
97
A Teoria das Idéias de Platão
130
30 a6 – b6.
131
30 c2-d1.
132
34 b3.
133
34 c4.
134
33 a1-b1. Grube e Cornford corretamente restauraram ay perí em a4, o qual alguns editores
extirparam. A vírgula de Burnet em a5 deve ser removida, e seu ponto em 8 trocado para vírgula.
98
A Teoria das Idéias de Platão
135
34 b3, 36 e2.
136
80ª 10-b5.
137
37 a2-b3.
99
A Teoria das Idéias de Platão
138
48 e2-49 a6.
139
49 c2-4.
140
1bid. 7-50 a2.
141
50 a4-d2.
142
50 c2.
143
50 c4.
100
A Teoria das Idéias de Platão
nascida.’ Timeu continua dizendo que144, para ser capaz de acomodar todos
os tipos de qualidades (como o calor e o frio), o receptáculo é
necessariamente não ele mesmo caracterizado por cada um destes. Assim
como não é a terra, nem o ar, nem o fogo, nem a água, mas é ‘invisível e
sem forma, todo-receptivo, partilhando em um modo mais obscuro do
inteligível, e mais difícil de compreender’.
144
50 d4-51 b2.
145
51 b6.
146
51 d3-52 a7.
147
187 a1-201 c7.
148
135 b5-c3.
149
52 a8.
150
52 b2.
101
A Teoria das Idéias de Platão
de todos os objetos de sensação. E vale a pena notar que Platão a trata não
somente como um acompanhamento inseparável, mas como algo
necessário ao seu ser. ‘Uma imagem, desde que nem mesmo o princípio no
qual ela dependa seja ela própria, mas que seja uma aparência
eternamente móvel de algo a mais’ (ou seja, de uma Forma) ‘deve vir a
existir em algo a mais’ (ou seja, no espaço), ‘aderindo à existência, o
melhor que pode, sob pena de não existir absolutamente’. 151 Dois pontos
adicionais podem ser notados. (1) Platão aparentemente não tinha nenhum
interesse em responder a idéia de matéria de Aristóteles. A verdade, a
modelagem de ouro em diferentes formas, é usada como uma comparação
para jogar luz na natureza do espaço; mas trata-se de uma comparação
que falha em um ponto vital. O ouro é aquilo de onde os objetos modelados
são formados; o espaço não é aquele de onde ‘as coisas que passam para
dentro e fora dele’ são feitas, é simplesmente onde elas aparecem. E (2)
estas coisas não são pensadas como substâncias, mas como qualidades
concretas ocupando porções de espaço. A expressão ‘passando para dentro
e para fora’ não deve ser tomada ao pé da letra. As coisas que são descritas
como fazendo isto não vêm para o espaço vindo de outro lugar qualquer,
nem passam para dentro de outra esfera quando deixam de aparecer no
espaço. Sua única existência é no espaço; elas são cópias das Formas,
produzidas no espaço como um reflexo de um corpo produzido em um
espelho.
102
A Teoria das Idéias de Platão
154
30 a3-5.
103
A Teoria das Idéias de Platão
155
5507 c6, 530 a6.
156
265 c 3-5.
157
270 a 3-5.
158
273 b1.
159
41 a7.
104
A Teoria das Idéias de Platão
uma imagem, como ele podia fazer, das Formas eternas. Esta explicação
geral, Platão mantém como sendo verdadeira, e os detalhes que seguem
são como a verdade como ele pode fazer delas.
O que era o ser vivo em cuja semelhança o Demiurgo criou o mundo? Não devemos supor
que tenha sido qualquer criatura que se classifique somente como uma espécie; pois
nenhuma cópia do que é incompleto pode ser boa. Devemos ao invés dizer que o mundo é
como, acima de todas as coisas, para aquele Ser Vivo do qual todas as outras criaturas
vivas, separadamente e em suas famílias, são parte. Pois ele abrange dentro de si mesmo
todas as criaturas vivas inteligíveis, assim como este mundo nos contém e também todas as
outras criaturas que foram formadas como coisas visíveis. Para o deus, desejando fazer este
mundo mais proximamente como uma coisa inteligível a qual é melhor e de todos os modos
completo, a formou como uma simples criatura viva, contendo dentro dela todas as coisas
vivas cuja natureza é da mesma ordem.
Platão aqui trata todo o universo físico como um ser vivo, e diz que
ele foi formado pelo Demiurgo na semelhança da Idéia de criatura viva. A
Idéia do ser vivo é a idéia genérica do ser vivo em geral, incluindo como
espécie todos os vários tipos de criaturas vivas.
O que, então, são esses tipos? O Demiurgo ‘pensou que este mundo
deve possuir todas as diferentes Formas que a inteligência discerne,
contidas no ser Vivo que ele verdadeiramente é. E eles são quatro:
primeiro, a raça celestial de deuses; segundo, as coisas aladas cujo
caminho é no ar; terceiro, tudo que mora na água; e quarto, tudo que anda
na terra seca’.160 Platão procede para identificar a raça celestial de deuses;
eles são as estrelas ‘constantes’, os planetas, e a terra (40 b4-c3). Ele não
diz se cada um destes corpos foi feito na semelhança de uma Idéia
separada, e supõe-se que talvez ele tenha pensado das estrelas fixas como
cópias de uma única Idéia, a da estrela fixa, os planetas como cópias da
Idéia do planeta, e a terra como uma cópia da Idéia de terra. Também deve
haver uma Idéia de pássaro, uma Idéia de Peixe, e uma Idéia de animal
terrestre; e também haveria idéias de várias espécies de pássaros, peixes e
animais terrestres.
Mas isto não é tudo. Após a passagem onde Platão fala do fogo, do
ar, da terra e da água, e da sua transformação no outro, ele continua
dizendo (51 b7-e6): ‘Existe tal coisa como “o Fogo somente em si mesmo”
ou alguma das outras coisas que estamos sempre descrevendo em tais
termos, como coisas que “são como somente em si mesmas”? Ou são as
coisas que vemos ou de outra forma percebemos pelos sentidos corporais
as únicas coisas que possuem tal realidade, e não possui nada mais, sobre
160
39 e7-40 a2.
105
A Teoria das Idéias de Platão
estas coisas, qualquer tipo de ser próprio?’, e responde que devem ser as
Idéias – a Idéia do fogo, a Idéia do ar, a Idéia da água, a Idéia da terra.
Sendo assim, existe uma Idéia universal sobre o ser vivo, Idéias
subordinadas sobre cada gênero e cada espécie de criatura viva, e uma
Idéia sobre cada um dos quatro elementos. Jackson argumentou que
quando Platão escreveu o Timeu, ele tinha parado de acreditar em outras
Idéias, as Idéias metafísicas, matemáticas, morais e estéticas, as quais
ocuparam sua mente em diálogos anteriores. Para este ponto de vista não
há base. Jackson negligenciou a referência bastante enfática em 35 a1-b3
sobre as Idéias de existência, semelhança e diferença, os ‘maiores Tipos’ do
Sofista. E se as Idéias morais e estéticas não são mencionadas, isto é
simplesmente porque o Timeu não está interessado, como a maioria dos
diálogos, com a vida humana, mas com a cosmologia.161
161
Não discuti a tese de Taylor de que o Timeu não expressa o ponto de vista de Platão, mas as de um
típico pitagórico do quinto século. Esta tese, apesar de concluída com grande aprendizagem e
ingenuidade, obteve preferência por muito poucos acadêmicos. A tradição antiga unanimemente trata
o Timeu como um dos mais importantes pontos de vista de Platão sobre o fim de sua vida.
162
Parm. 131 a4-e7
163
14 c8-10.
164
14 c11-d3.
165
14 d8-c4.
166
Énádes, monádes, 15 a6, b1.
106
A Teoria das Idéias de Platão
107
A Teoria das Idéias de Platão
Tem sido muito debatido sobre em qual destas classes, caso haja, as
Idéias devam ser posicionadas. Podemos começar reservando uma linha de
argumento que tem sido algumas vezes usado em apoio a esta ou aquela
interpretação, ou seja, aquela de que a doutrina dos quatro tipos deve jogar
luz sobre o problema estabelecida anteriormente no diálogo178 - como uma
Idéia pode reter sua unidade se ela está presente somente parcialmente em
cada uma das particularidades enquadradas nela, ou presentes no todo em
cada um deles. De fato, deve ser dito, a doutrina dos quatro tipos não é
apresentada como uma solução deste problema ou como um auxílio para
esta solução; ela é apresentada como uma preliminar para responder uma
questão bastante diferente, a questão sobre se o prazer ou a sabedoria é o
melhor,179 e é para isto que Platão retorna após descobrir os quatro tipos.180
Grote descreve exatamente o que causa o problema, e assim ele
geralmente o faz, quando diz que o problema da unidade da Idéia está
perdido de vista no labirinto do argumento bem sucedido; ele de fato nunca
é retornado.
172
25 a1; cf. 23 e4, 24 a 2-3.
173
25 d3.
174
24 a7, c1, 25 c8-10, 26 a2, 27 e 5-9.
175
25 d3.
176
25 e8, 26 a4, b1, 5-7, 27 d 1-20.
177
30 a9-e3.
178
15 bt-8.
179
22 c7-23 b10.
180
27 c3.
181
Gesch. D. gr. Phil. Ii. 14.691
108
A Teoria das Idéias de Platão
182
132 b3-c11.
183
248 e6-249 b1.
184
J. of Philol. x (1882), 277-84.
185
24 d8, 27 b8.
186
23 c4.
109
A Teoria das Idéias de Platão
fato de que são chamadas ta onta àcí oposto à ta gignómena, e tá áeì katà
ta aytà ōsaytōs ámeiktórata ekhonta.187 Além disso, temos o fato do
processo do ser ‘misto’ ser descrito como ‘nascimento para a existência’, e
seu produto como ‘ser que é composto e gerado’.188 Finalmente, falar da
razão como o artífice189 das Idéias seria um modo de falar para o qual não
há nenhum paralelo em Platão exceto a casual, e provavelmente não
seriamente dita, alusão na República a Deus como o criador da Idéia de
cama.
187
59 a7, c3.
188
26 d8, 27 b8.
189
27 b1.
190
26 a6-b3; cf. 28 d3-30 d8.
191
Met. 986ª.
192
987b20-7.
193
25 c9-10.
110
A Teoria das Idéias de Platão
194
27 e5-31 a7.
195
52 d2-53 c3.
111
A Teoria das Idéias de Platão
espaço, e o vir a ser – e ele descreve a existência assim: ‘Todos esses tipos’
(fogo, ar, água, terra) ‘não tinham proporção ou medição. Eles possuíam de
fato alguns rudimentos de sua própria natureza, mas estavam todos na
condição que devemos esperar de qualquer coisa quando a divindade está
ausente dela. Tal sendo sua natureza no tempo em que o ordenamento do
universo foi feito, o deus iniciou então dando a eles uma configuração
distinta através das formas e dos números.’ O estado original que ele aqui
descreve é apenas o mundo de eventos aleatórios que como no Filebo ele
chama de ‘o ilimitado’. Em seguida, notamos que, como o elemento de
limite no Filebo é claramente identificado com certeza numérica e métrica,
no Timeu é precisamente pela introdução de tal certeza que o Demiurgo
torna o mundo de eventos aleatórios no mundo ordenado conforme ele é.
Compare, por exemplo, com Tim. 31 b4-32 c4, e em particular 32 c1, ‘o
mundo do universo foi trazido à existência, vindo à concordância através da
proporção’; e novamente, a construção dos quatro elementos através dos
triângulos elementares.196 Finalmente, podemos notar que em ambos os
diálogos o mundo feito pela adição de limite ao ilimitado é descrito como
um ser vivo composto de alma e corpo,197 e a causa da mistura é chamada
no Filebo de to pánta tayta dēmionrgoyn, ‘a qual forma todas estas coisas’,
e no Timeu de ó dēmionrgós, ‘o formador’, 198 e é em ambos os diálogos
pensado como um ser razoável.199
196
53 c4-55 c6.
197
Fil. 30 a3-7; Tim. 30b 4-31 a1.
198
Fil. 27 b1; Tim. Passim.
199
Fil. 28 c3, 7, d8, 31 a7; Tim. 29 d7-30 c1.
200
20 e1-22 e3.
112
A Teoria das Idéias de Platão
Eduardo Kisse
A
s Leis caminha muito próxima aos assuntos relacionados à teoria política e à legislação,
mas não acrescenta nada ao nosso conhecimento sobre a teoria das Idéias, a não ser
em uma passagem201, na qual, como que para lembrar-nos de que ainda está lá no
fundo da filosofia de Platão, há uma breve alusão a ela. Mas, para a expressão de sua teoria
metafísica em geral, As Leis faz uma importante contribuição que será considerada mais
adiante2.
Muito mais importante na condução da teoria das Idéias é a Sétima Carta, que, se
genuína, foi escrita entre 353 e 352 a.C. A questão da autenticidade das cartas de Platão tem
sido cuidadosamente analisada por vários pesquisadores e há muitas cartas sobre as quais não
há um acordo unânime. Mas a única delas que tem uma influência da teoria das Idéias é a
sétima, que é considerada genuína por quase todos os estudiosos. É verdade que a passagem
em questão, o interlúdio filosófico que aparece em 342 a 7-344 d 2, tem sido vista por alguns
estudiosos como sendo uma adição não genuína à carta; apesar disso, há forte crença3 nela ser
altamente relevante e imprescindível ao contexto. O objetivo de Platão nessa passagem é
castigar a tentativa de Dionísio de Siracusa de escrever sobre as mais importantes questões
filosóficas4; e seu método é mostrar os perigos de tal escrita sem as próprias qualificações e
precauções necessárias. Para tudo que existe, diz ele, existem três coisas através das quais o
conhecimento das coisas que existem se é aproximado, a saber: um nome, uma definição e
uma imagem. Haveria ainda uma quarta, que seria o conhecimento propriamente dito do
objeto e também uma quinta, que seria o objeto mesmo, que é conhecível e verdadeiramente
real – em outras palavras, a Idéia. Ele ilustra esse ponto pelo exemplo do círculo. Há, primeiro,
a palavra “círculo”; segundo, uma definição de círculo e uma fórmula consistente de
substantivos e verbos; terceiro, uma figura que podemos desenhar e apagar ou tornear e
destruir – nenhum dos dois podemos fazer com o círculo mesmo; quarto, conhecimento,
entendimento e opinião verdadeira, formando um todo consistente não em sons, como o
nome e a definição, nem em formas de corpos, como a imagem, mas em almas, e,
conseqüentemente, diferente da natureza do círculo mesmo e do nome, da definição e da
imagem. Entendimento é mais próximo à realidade objetiva do que qualquer das outras coisas
citadas. Além disso, pelo fato da linguagem ser tão precária a ponto do nome e da definição
serem apenas como meros indicadores tanto das propriedades dos objetos (to poión ti) como
de sua essência (tò ón)5, nenhum homem sensato ousaria confiar seus pensamentos à
201 2
965 b 7-966 a 9. Capítulo XVII.
3
Cf. ex.: Taylor, em in Mind, XXI (1912), 347-53; R. Hackforth, A.P.E., 99-102; Wilamovitz, Platon, II, 293;
G. Pasquali, Le Lettere di Platone, 77-114.
4 5
341 a 8-b 3. 342 e 3.
113
A Teoria das Idéias de Platão
Das cinco entidades aqui citadas, três aparecem numa passagem de As leis, escritas
presumivelmente na mesma época2: “Há três pontos a serem notados sobre qualquer coisa…
para um, a realidade da coisa, para outro, a definição da realidade, para outro, seu nome.” O
que aí está em discussão é a alma e, tentando descobrir sua natureza real não usamos
diagramas sensíveis, mas o fazemos para descobrir a natureza de algo como um círculo, como
Platão já havia dito em A República. É por isso que a imagem aparece em As cartas como uma
das preliminares. Apresentar conhecimento como uma preliminar é, de algum modo,
intrigante, porque conhecimento da essência de um objeto é o que visamos. No entanto,
Platão diz “conhecimento, entendimento e opinião verdadeira” e essas expressões são usadas
para indicar conhecimento parcial misturado à opinião, tal como nós começamos em nossa
busca pela essência.
A passagem indica, talvez mais claramente do que em qualquer outra em Platão, sua
noção das dificuldades que aparecem na procura pelo conhecimento das Idéias. Mas, além de
indicar isso, ela, na frase “esfregando uma contra a outra”, sugere muito descaradamente
como ele pensou que as dificuldades devem ser vencidas com o tempo – comparando-se
nome, definição usual, imagem e nossas próprias idéias preliminares sobre a natureza do
objeto e observando quais concordâncias e quais diferenças há entre quaisquer deles, até que
atinjamos uma definição mais certa e, se tivermos sorte, uma definição precisa.
Duas outras coisas sobre esta passagem são dignas de atenção. A primeira é que aqui,
onde Platão tem todas as razões para mencionar o círculo matemático como sendo diferente
de ambos a circularidade e dos diagramas sensíveis do círculo, não há menção a eles. Isso
sugere muito fortemente que, tal como esta carta foi escrita tardiamente, o reconhecimento
definitivo dos “intermediários” por Platão deve ter sido ainda mais tardio. A segunda é que,
além de sustentar a crença numa “teoria das Idéias tardia”, na qual Platão reconheceu as
Idéias apenas dos quatro elementos e dos tipos animais e vegetais, essa passagem contém a
mais católica da lista de tipos de Idéias a serem observadas em qualquer das obras platônicas.
Ele refere-se (apesar de não usar as palavras idéa ou eidos) às Idéias de retidão e curvatura, de
cor, de bem, de belo, de justo, de todos os corpos, sejam eles manufaturados ou naturais, dos
elementos físicos, de cada animal, de cada caráter da alma, de todas as ações e passividades3.
202 2 3
344 b 4. 895 d 1-5. 342 d 3-8.
114
A Teoria das Idéias de Platão
115
A Teoria das Idéias de Platão
Tradução:
O
professor Cherniss afirmou recentemente que Platão não deu qualquer instrução
oral para os membros de sua Academia; que Aristóteles extraiu todo o seu
conhecimento de Platão dos diálogos que nós hoje possuímos; e tudo que ele diz
sobre Platão, que não possa ser verificado nos diálogos, deve-se a um equívoco ou uma má-
interpretação daquilo que Platão escreveu. “Qualquer que possa ser a razão”, escreve ele203,
“o fato por ele mesmo é certo, e seu significado para a suposta ‘escola’ tem grande
importância: Platão não expôs qualquer física ou filosofia natural além daquilo que ele
escreveu no Timeu, e ele não deu aos seus estudantes ou associados qualquer exposição
avançada das doutrinas que ele deixou em seus diálogos”. Podemos primeiro considerar o que
a probabilidade intrínseca desta visão de fato é.
Este pensamento ecoa numa famosa passagem da Sétima Carta que será citada em um
contexto final205. As palavras são estranhas, vindo de alguém que escreveu tanto e tão bem
sobre os mais difíceis assuntos. Ainda que elas sejam naturais na boca de Platão, que deveu a
Sócrates sua inspiração; Sócrates, até onde nós sabemos, nunca escreveu uma linha, e preferiu
o método falado de perguntas e respostas, em que explicações e modificações podiam ser
203
R.E.A. 72
204
275c 5 – 277ª 4
205
PP. 157-9
116
A Teoria das Idéias de Platão
introduzidas conforme a necessidade fosse surgindo. Até a escolha do diálogo por Platão, em
contraste com a forma de tratado, reflete de outro modo a mesma preferência. É provável
então que Platão tenha recusado qualquer diálogo com os membros de sua escola, onde ele
poderia ter elucidado aquilo que escreveu, e ter exposto idéias que ele ainda não tinha posto,
ou nunca iria pôr, no papel? Isto é realmente inconcebível.
Há um ponto a mais que merece ser considerado. As Leis é o mais longo trabalho de
Platão, e deve tê-lo ocupado bastante em seus últimos anos de vida. Está em grande parte
preocupado com assuntos retirados de longe da metafísica, mas não é possível que ele tivesse
parado de pensar sobre estas questões. Por isso é provável que, em vez de tentar escrever
nestes anos um segundo grande trabalho, ele tivesse usado ao menos o método da
conversação para a comunicação de seus últimos pensamentos em metafísica.
O ponto mais forte do argumento de Cherniss está no que ele efetivamente diz – que o
que Aristóteles falou sobre Platão freqüentemente denuncia equívocos que umas poucas
perguntas bem-feitas a Platão teriam removido. Aristóteles não foi o fiasco completo que ao
professor Cherniss aparentou ser – mas deve-se admitir que ele estava disposto a adotar
interpretações de Platão, ou porque elas se ajustavam as suas próprias pré-concepções, ou
porque elas lhe davam um oportunidade de crítica. Sua longa crítica nos livros M e N da
Metafísica, em particular, contêm demasiados exemplos de ambas as falhas, e Cherniss expôs
muitas delas com grande habilidade. Mas, por agora, eu não acho que ele tenha estabelecido
que tudo que Aristóteles fala sobre Platão que não pudesse ser verificado nos diálogos é puro
equívoco ou má-interpretação.
Considerando que fosse provável ter Platão mantido um vaidoso isolamento dos
membros de sua escola – semnon kai agion, akinvton estwta – isolamento este que
o professor Cherniss atribui a Platão, logo poderíamos considerar que evidência positiva há
para afirmarmos que ele assim não procedeu. Há no mínimo nove passagens em que se
poderia pensar Aristóteles se referindo a fontes além dos diálogos em seu conhecimento das
opiniões de Platão. Os primeiros dois podem ser considerados conjuntamente: (1) em Geração
e Corrupção, 330b 13 Aristóteles disse: “aqueles que postulam dois elementos da gênese –
como Parmênides postulou o fogo e a terra – faz os intermediadores... misturá-los... O mesmo
curso é seguido por aqueles que advogam três elementos, como Platão faz em sua divisão (en
taij diaresesin); pois ele fala desse intermediário que mistura” e (2) em Partes dos
Animais, 642b 10 ele diz: “Novamente, não é permissível romper um grupo natural, o de
pássaros, por exemplo, pondo os seus membros abaixo de bifurcações diferentes, como é feito
117
A Teoria das Idéias de Platão
Em sua nota de página (1), Joachim mostra que o Timeu206 reconhece não um, mas
dois intermediários entre o fogo e a terra, e argumenta que Platão, com muito pouca
probabilidade, prestaria uma conta diferente (escrita ou não-escrita) em outro lugar. Ele
mantém por isso que a referência está em algo totalmente diferente – ao fato de que no
Timeu207 Platão faz da alma-do-mundo uma mistura de formas de existência, a semelhança e
a diferença, cada uma delas uma mistura de seus contrários. Mas a passagem de Aristóteles
está inteiramente preocupada com os elementos físicos, e é provável que Aristóteles tivesse
introduzido uma referência à análise da alma-do-mundo de Platão. Taylor208, por isso, prefere
pensar que a alusão deve-se a uma passagem do Timeu em que Platão trata do fogo e da terra
como elementos primários, e o ar e a água, de fato, não como uma mistura destas, mas como
um intermediário entre aqueles; ou, mais provavelmente, pela análise no Filebo209, dos
conteúdos do universo no ilimitado e no limite, e a mistura dos dois. Para a primeira destas
sugestões pode ser objetado que Platão no Timeu trabalhou mais distintamente com quatro
elementos, não três, e que Aristóteles dificilmente poderia tê-lo citado como acreditando em
somente três; e para a segunda, que uma análise lógica tal como nós encontramos no Filebo é
pouco provável ter sido trazida por Aristóteles para a discussão do número de elementos
físicos. Às três sugestões pode-se objetar ainda que o modo de referência en taij
diairesesin é pouco provável ser um modo de referir-se ao diálogo; Aristóteles nunca é
cuidadoso em mencionar os diálogos de Platão pelos nomes ao se referir a eles.
Ogle210, Christ211, e Blass212 podem estar certos ao dizerem que a passagem (2)
pode ser uma referência à ilustração do método de divisão no Sofista e no Político. No Sofista
220b I, a espécie dos animais aquáticos está dividida em alados e submersíveis, e no Político
264 e 3-6, os rebanhos que se alimentam na terra estão divididos entre os que voam e os que
andam – então a classe natural de pássaros está de fato rompida como Aristóteles disse estar.
Mas a extrema dificuldade de encontrar alguma coisa nos diálogos que possa se referir a esta
passagem (1), e a peculiaridade do modo de referência em ambas as passagens, faz com que a
referência neles provavelmente não seja a algum diálogo, mas a uma coleção de ‘Divisões’
206
32ª 7-b 8
207
35ª 1-8
208
Com. no Timeu de Platão, 8 n.
209
23c 4-d 1
210
Arist. no Partes dos Animais, 148
211
Plat. Stud. Em Abh. D. Philos.-Philol. Cl. Bayer. Akad. Xvii (1884), 484-9.
212
Apophoreton, 54.
118
A Teoria das Idéias de Platão
correntes na Academia, e que nós sabemos terem sido dedicadas zelosamente ao problema da
classificação. Se nós pudéssemos estar certos de que a Décima Terceira Carta é genuína, nós
deveríamos encontrar nas palavras twnte Puqagoreiwn pemtw soi kai twn
diairesewn213 uma referência pelo próprio Platão a tal coleção. Além disso, parece bastante
claro que a referência em (1) e (2) pode ser àquela mesma Divisão; e desde que uma passagem
as relate definitivamente como pertencentes a Platão e outra as relate então como ‘escritas’,
resulta que elas foram criadas por Platão e anotadas na Academia, embora não
necessariamente pelo próprio Platão214. Aquelas Divisões provavelmente formam o núcleo da
sobrevivente coleção conhecida como as Divisões Aristotélicas.
(3) Na Metafísica 1019ª I, Aristóteles diz “Algumas coisas são chamadas de prévias ou
posteriores em virtude de sua natureza e essência, a saber: aquelas que podem existir sem as
outras e não vice-versa; uma distinção (diairesei) que Platão faz”, ou, de acordo com outra
leitura, “que estava acostumado a fazer”. Supunha-se algumas vezes215 que esta passagem se
referisse a outras tais como Timeu 34b 10-35ª 1, As Leis 892c 2-7, 894c 10-e 2, 896b 10-c3;
mas nenhuma delas encontra realmente a causa. Além disso, o tempo é passado, não
presente, e isto aponta para a oralidade em vez de um ensino escrito. Trendelenburg216 supôs
que a referência era à anterioridade e à posterioridade que, de acordo com Aristóteles, Platão
afirmou existir entre os números ideais – e esta suposição pôde estar bem correta.
(4) No De Anima 404b 16-18, Aristóteles se refere explicitamente à análise que Platão
faz da alma no Timeu; e ele continua mencionando certas doutrinas que foram estabelecidas
adiante en toij peri filosofiaj legomenoij. A opinião é bastante dividida nesta
questão: se a referência se deve a lições de Platão ou ao diálogo de Aristóteles Peri
filosofiaj. O professor Cherniss toma a última visão, e argumenta217 que a passagem
inteira se refere não a Platão, mas a Xenócrates.
213
360b-7
214
Esta conclusão é alcançada por Zeller (ii. 1ª 437 n.3), por Wilamowitz (Platão, ii. 278-9) e por
Mutschmann em sua Ed. de As Divisões Aristotélicas, xvii-xviii.
215
E.g. por Apelt em Beitr. Zur Gesch. D. Phil. 226-9
216
De Ideis, 81.
217
A.C.P.A. 565-80
119
A Teoria das Idéias de Platão
passagem218, ao seu próprio diálogo daquele nome. Provavelmente, por isso, aqui também
ele está se referindo ao diálogo. Mas, como mostraremos mais adiante219, ele está se
referindo por sua conta, neste diálogo, a visões expressas por Platão oralmente.
(5) Na Metafísica 992ª 20-2, Aristóteles diz “Platão costumava mesmo objetar aos
pontos uma existência como dogma geométrico. Ele dava o nome de “princípio da linha” – e
isso com freqüência – às linhas invisíveis.
(6) Na Metafísica 1070ª 18, Aristóteles diz “e então Platão não estava tão longe do
erro quando disse que há tantas formas quanto há espécies do objeto natural.”
(7) Na Metafísica 1083ª 32, Aristóteles diz “Se o 1 é o ponto inicial, a verdade sobre os
números deve ser de preferência o que Platão costumava dizer, e também deve haver um
primeiro 2 e 3, e os números não devem ser comparáveis uns com os outros”.
(8) Na Ética a Nicômaco 1095ª 32, Aristóteles diz “Platão estava certo ao levantar esta
questão e perguntar, como ele costumava fazer: Estamos no caminho de ou no caminho para
os primeiros princípios?”.
(9) Finalmente, há a passagem da Física 209b 11-17: “É porque Platão no Timeu diz
que a matéria e o espaço são o mesmo; pois ‘participante’ e espaço são idênticos. De fato, é
verdade que a consideração que ele dá do participante é diferente do que ele diz nas suas
assim chamadas ‘doutrinas não-escritas’. Todavia, ele identificou lugar e espaço. Eu menciono
Platão porque, enquanto todos sustentam que o lugar é algo, ele sozinho tentou dizer o que
ele é.” Em 209b 33-210ª 2, Aristóteles acrescenta: “Platão, é claro, se podemos divagar, devia
nos dizer por que as Formas e os números não estão no lugar, se ‘o que participa’ está no lugar
– Se o que participa é o grande e o pequeno, ou a matéria, como ele tinha escrito no Timeu.”
Pondo juntas as duas passagens, vemos que Aristóteles atribui a ensinamentos não-escritos de
Platão uma identificação de ‘participante’ com o ‘grande e pequeno’. A referência em 209b 14
é a única perfeitamente explícita referência de Aristóteles a ensinamentos não-escritos de
Platão, e isto é em si mesmo suficiente para refutar a controvérsia de achar que tudo que
Aristóteles diz sobre Platão é derivado dos diálogos; com esta finalidade, uma referência a
ensinamentos não-escritos é tão boa quanto cem outras seriam. De fato podemos ir mais
218
Física 194ª 36
219
PP. 209-12
120
A Teoria das Idéias de Platão
longe e concluir que o que Aristóteles nos diz na Metafísica sobre o grande e o pequeno deriva
não dos diálogos, e sim de ensinamentos não-escritos. Mas ao mesmo tempo, estas passagens
nos transmitem um aviso para que não aceitemos Aristóteles como um guia infalível para o
que Platão disse; já que o ‘espaço’ de Platão não era também o mesmo como o seu ‘grande e
pequeno’ ou como a ‘matéria’ de Aristóteles.
Outras autoridades antigas têm falado bastante sobre estas doutrinas não-escritas. A
mais antiga referência, fora Aristóteles, é de Aristoxeno220, um contemporâneo ligeiramente
mais jovem que Aristóteles. Ele cita Aristóteles como tendo dito, da maior parte do público
que assistiu às palestras de Platão (akroasin) sobre o Bem, que “Eles vieram, cada um deles,
na convicção de receberem das conferências uma ou outra das coisas que o mundo chama de
bem; riquezas, ou saúde ou força – no mais, algum dom extraordinário da fortuna. Mas
quando notaram que os raciocínios de Platão eram matemáticos – números, geometria e
astronomia – e, a coroá-los, o efeito de que existe um Bem221, parece-me que o
desencantamento deles foi completo. O resultado foi que alguns deles zombaram destas
coisas enquanto outros o vilipendiaram.”
220
Harm. El. Ii. 30-1
221
Parece a tradução mais provável de kai to peraj oti agaqon estin en
222
Na Metafísica. 56.33-5, 85.17, 250.17-20;262.18-26
223
Na Física 545.23
121
A Teoria das Idéias de Platão
Deste modo, temos uma boa evidência, embora não muito grande, que Aristóteles
teve acesso tanto aos ensinamentos não-escritos de Platão quanto à coleção de “divisões” que
não são encontradas nos diálogos – assim como teve acesso a qualquer outro escrito de
Platão, ou mais provavelmente compilações de seus ensinamentos não-escritos; e aquela
parte destes ensinamentos, as palestras sobre o Bem, ocupou-se precisamente com os
desenvolvimentos posteriores da teoria das idéias com que Aristóteles nos informa nos livros
A, M e N da Metafísica.
A impressão que assim obtemos é bastante fortalecida quando observamos o que ele
diz sobre estes desenvolvimentos. Tome um dos mais notáveis deles, a derivação dos números
idéias do Um e do grande e pequeno. De acordo com o professor Cherniss, o que Aristóteles
diz sobre isto depende em parte do Filebo e em parte de insinuações espalhadas pelo Sofista e
Timeu. Tudo o que Aristóteles diz sobre o grande e o pequeno tem de ser resumido a frases
224
Ibid. 151.10, 454.8
225
Ibid. 453.28, 503.12
226
Ibid. 542.10, 12, 545.24
227
Na Física 515.30, 521.10, 14.
228
Na Met. 77.4
122
A Teoria das Idéias de Platão
como “maior e menor” e “mais ou menos”, encontradas no Filebo229. Mas há duas coisas que
são perceptíveis. Uma é que estas frases são, no Filebo, não mais proeminentes que “quente e
frio”, “mais ou menos violento”, “seco e molhado”, “rápido e lento”. A outra é que a análise
oferecida é uma análise de números, e não de coisas e eventos no mundo dos fenômenos. É
razoável supor que a linha do pensamento que Platão no Filebo aplica ao mundo dos
fenômenos foi depois estendida por ele aos números ideais; mas é sem razão supor que
Aristóteles não tenha mais base que o Filebo para o que ele diz do “grande e pequeno” como
princípio material dos números.
Tanto o princípio básico de que fala Aristóteles sobre o Um quanto o seu principio
formal, o professor Cherniss põe adiante os seguintes fatos: que nos diálogos “cada idéia é
uma unidade imutável e indivisível; no Filebo elas são designadas como ‘hénades’, ‘mônadas’,
‘unidades’; no Timeu as idéias se distinguem de suas manifestações fenomenais por serem
chamadas cada uma de ‘invisível’, termo que Xenócrates emprega para fazer sua própria
leitura desta passagem como derivação dos números do Um; e no Sofista, justamente onde a
intercomunicação entre as idéias é explicada, Platão insiste que cada idéia é uma unidade,
diferente das outras e também de todas juntas. O que ele diz em seu último diálogo mostra
que, como o ser de cada idéia lhe vem da idéia de Ser e a diferença de cada uma vem da idéia
única de Diferença, então a unidade de cada idéia deve vir-lhe da idéia de Um230. Nenhuma
outra fonte além desta precisa ser procurada para a afirmação de Aristóteles de que o Um é a
causa formal ou a essência das Idéias231.
123
A Teoria das Idéias de Platão
É certo, então, que Platão deu alguma instrução oral em filosofia, e por isso não
precisamos hesitar ao aceitarmos o que Aristóteles diz sobre Platão simplesmente porque não
encontramos suporte para isto nos diálogos. Mas o maior cuidado se faz necessário se nós
estamos (a) a descobrir quando é de Platão, e não de outro membro da Academia, que ele está
falando; e se estamos (b) a levar em conta uma possível má interpretação de Platão por
Aristóteles – e o professor Cherniss tem feito um trabalho notável explorando estas
dificuldades.
Muito do que Aristóteles disse sobre a teoria das idéias na Metafísica A se refere a
Platão pelo nome; mas até lá devemos ser cuidadosos em nosso estudo das passagens em que
ele fala ‘nós’ (i.e. nós membros da Academia) ‘fazemos assim’; já que isto não significa
necessariamente que o mestre fez do mesmo modo. Quando voltamos aos livros M e N as
dificuldades são ainda maiores. Elas resultam não só da esquisitice das doutrinas discutidas,
mas também do fato de que Aristóteles dificilmente nos fala alguma vez sobre quem ele está
falando; Platão é mencionado apenas uma vez233, Espeusipo e Xenócrates nunca, mas
também não há dúvidas de que esses três são os sujeitos da discussão inteira. Não só
Aristóteles não diz de quem ele está falando, mas ele diverge desconcertantemente da
discussão sobre uma visão de um outro. Por isso o maior cuidado se faz necessário ao
separamos as passagens que se referem a Platão daquelas em que se referem a um de seus
seguidores. A esta tarefa devemos voltar agora.
233
1083ª 32. o Fédon é mencionado em 1080ª 2
234
1069ª 33-6, 1076ª 19-22, 1080ª 24-30, 1083ª 17-b8, 1086ª 2-13, 1090b 13-1091ª5. Esta passagem
precisa de uma consideração especial, que será encontrada em pp. 208-9
235
1080b 11-16, 1086ª 29-32, 1090ª 4-28
236
1028b 21-4, 1072b 30-1073e 3.
124
A Teoria das Idéias de Platão
Agora a teoria referida à primeira destas passagens é claramente a mesma que está
em 1075b 37 – 1076ª 4 e em 1090b 13-29 é descrita como fazendo naturalmente ‘uma série
de incidentes desconexos, como uma má tragédia’; e nestas duas passagens os pensadores em
questão são descritos como ‘criando os primeiros números matemáticos’ ou como ‘afirmando
a existência apenas dos números da matemática’. Deste modo, Espeusipo é claramente
identificado como o pensador que reorganizou a existência dos objetos matemáticos, mas
negou a das Idéias. Por isso, fomos deixados com Xenócrates como o pensador que identificou
os dois.
237
Indiquei as linhas nas quais tal identificação procede, na minha edição da Metafísica, I lxxi-lxxvi
125
A Teoria das Idéias de Platão
A
s principais considerações de Aristóteles sobre a teoria das Idéias encontram-
se em duas passagens da Metafísica, A. 987a29p-b14 e M. 1078b9-32 que
lêem como se segue:
I. Depois dos sistemas dos quais falamos veio a filosofia de Platão, que, na maior partes dos
i
casos, seguiu as doutrinas destes pensadores , mas tinha peculiaridades que a distinguia da
i
filosofia dos Italianos . Pois, em sua juventude, ele primeiro conheceu as doutrinas de Crátilo e
Heráclito, de que todas as coisas sensíveis estão sempre fluindo e não há conhecimento sobre
elas, e essas visões ele manteve em tempos posteriores. Sócrates, no entanto, ocupava-se de
questões éticas, negligenciando o mundo da natureza como um todo, porém procurando o
universal em questões éticas; ele foi o primeiro a concentrar suas atenções nas definições.
Platão tirou proveito de seus ensinamentos e defendeu que a questão se referia não às coisas
sensíveis, mas a entidades de outra espécie – por esta razão que uma definição geral não
poderia ser uma definição de alguma coisa sensível, já que estas coisas estão sempre
mudando. Ele, então, chamou este outro tipo de coisas Idéias, e as coisas sensíveis, segundo
ele, eram todas determinadas conforme àquelas, e em virtude de uma relação com elas; pois
era em virtude da participação que o múltiplo tem o mesmo nome das Formas238. Apenas o
nome ‘participação’ era novo; dado que os Pitagóricos dizem que as coisas existem por imitação
dos números, e Platão diz que elas existem por participação, mudando o termo. Mas a questão
do que são participação ou imitação das Formas, eles deixaram em aberto.
2. Agora, a propósito das Idéias, devemos primeiro examinar a teoria em si, sem relacionar
esta de modo algum com a natureza dos números239, mas tomando-a da maneira que era
originalmente entendida pelos que primeiro defenderam a existência das Idéias. Os
proponentes da teria das Formas foram levados a estas pelo fato de que, na questão sobre a
realidade das coisas, aceitaram os dizeres de Heráclito que descrevem todas as coisas sensíveis
como estando sempre em transformação, de modo que se o conhecimento e o pensamento
i
i.e. os Pitagóricos
238
Eu hoje penso que a leitura correta em 987b9 é kata\ me/ qecin ga\ r einai ta\
polla\ o/ mw/ numa toij ei( / desin. É possível que um antigo copista, não reconhecendo o
significado de ta\ poll\ a/ (o múltiplo, em oposição ao uno), e tomando como seu significado “a
maioria”, tenha introduzido tw= n sunwnu/ mwn como verniz, e este verniz tenha incorporado-se ao
b
texto dos manuscritos, retirando o/ mw/ numa naquele de A , Alexandre e Asclépio. o/ mw/ numoj,
não sunwnu/ moj, é a maneira usual de Aristóteles expressar a relação dos particulares e as Idéias no
b
sistema de Platão (990 6, 991ª6), e também é a maneira de Platão (Fédon 78 e 2, Parm. 133 d 3, Tim. 52
a 5). A interpretação de ta\ polla tw= n sunwnu/ mwn como significando “o múltiplo que
consiste do sunw/ numa” parece-me muito improvável.
239
i.e. não discutindo a teoria posterior de Platão: Idéia-números.
126
A Teoria das Idéias de Platão
têm um objeto deve haver entidades outras que são permanentes, diferentes daquelas que são
sensíveis; pois não poderia haver conhecimento de coisas que estivessem em estado de
constante fluxo. Mas Sócrates estava se ocupando das virtudes morais, e por coerência a elas
foi o primeiro a procurar por definições gerais.... Era natural que Sócrates devesse procurar a
essência, pois ele buscava conclusões fundamentadas na razão, e a essência da coisa pensada
com a razão é ponto de partida para pensar sobre esta coisa... Duas coisas deve-se atribuir a
Sócrates – argumentos indutivos e definições gerais, ambos estão conectados ao ponto de
partida para o conhecimento. Mas Sócrates não fez com que os universais ou definições
existissem separadamente; aqueles pensadores, no entanto, deram a eles existências
diferentes, e este era o tipo de coisa que chamavam de Idéias.
Eles, os que acreditam nas Idéias, pensaram que os particulares, no mundo sensível, se
encontravam em estado de fluxo e nenhum tinha estabilidade, mas o universal era separado
destes e algo diferente. Sócrates motivou esta teoria....por meio de suas definições, mas ele
não separou universais de indivíduos; e ele estava certo em não separá-los.
(I) Nós sabemos muito pouco sobre Crátilo; Tudo que chegou a nós sobre ele, da
antigüidade, está contido em uma página de Diels240. Podemos inferir com razoável
certeza de Crat. 429e5 que ele era um Ateniense, e 440d5 diz que ele era
consideravelmente mais novo que Sócrates. Isto se deve, presumivelmente, ao fato
posterior de Diógenes Laércio dizer241 que somente depois da morte de Sócrates
Platão associou-se a Crátilo. Aristóteles definitivamente descreve Platão tendo
entrado em contato com Crátilo antes de ser influenciado por Sócrates, e é muito
possível que Aristóteles soubesse dos fatos melhor que Diógenes.
Com respeito aos ensinamentos de Crátilo nós temos, além do que Aristóteles diz,
seu testemunho242 de que Crátilo “no final não acha certo dizer nada e somente
movia o dedo e criticava Heráclito por dizer que era impossível pisar duas vezes no
mesmo rio; pois ele pensava que não se pode fazer isto nem uma vez”. No dialogo
que leva seu nome, Crátilo aparece como um Heracliteano convicto243.
240 5
F.V. ii. 69-70.
241
iii. 6 (8).
242 a
1010 12.
243
Crat. 440 d 7-e 2.
244
207 d 2-208 b 6.
127
A Teoria das Idéias de Platão
(II) Não é mais necessário argumentar contra a visão de Burnet e Taylor de que a
Teoria das Idéias, como a encontramos nos diálogos até, e incluindo, o Fedro e a
República, era trabalho de Sócrates e não de Platão; o julgamento dos acadêmicos
geralmente foi contrário a esta visão250. Esta visão é claramente incompatível com
o que Aristóteles diz nas passagens que mostramos, e é inconcebível que
Aristóteles, que por 19 anos, durante o tempo em que Platão era vivo, foi membro
da Academia, não soubesse da própria visão de Platão e aquela da escola, sobre a
contribuição de Sócrates para a formação da teoria.
245
78c 10-79 a 11.
246
155d 5-157 c 3.
247
e.g. Jackson, J. of Philol. Xiii (1885), 255-6; Burnet, Gk. Phil. i. 242; Cornford, P.T.K. 49.
248
18i b 8-183 c 7.
249
45 b 2-d 3, 67 c 4-68 b 5.
250
Para discussões desta visão ver G. C. Field, P.C. 202-38; Lodge, Robin, Shorey, e Heidel em
Proceedings of the Sixth International Congress of Philosophy, 559-88; também minha edição da
Metafísica, 1. xxxiii-xlv, e minha consideração à Classical Association em 1932.
251
314 c 1-4.
128
A Teoria das Idéias de Platão
Não há nem nunca haverá um tratado (su/ ggramma) meu sobre o tema. Pois este
não admite exposição como outros ramos do saber; Mas depois de muitas
conversações sobre a questão, e uma vida juntos, subitamente uma luz é acesa na
alma por uma chama que saltita de outra alma, e daí por diante sustenta-se
sozinha. Um tanto eu sei – que se essas coisas fossem escritas ou colocadas em
palavras, isto seria feito melhor por mim, e que, se elas fossem mal escritas, eu
seria a pessoa mais penalizada. Novamente, se eles tivessem aparecido para pedir
adequadamente escritos e exposições, que tarefa mais nobre eu teria feito em
minha vida, escrever algo que é de grande serviço à humanidade e trazer à luz a
natureza das coisas para que todos pudessem ver? Porém eu não acho que seja
bom para os homens que houvesse uma explanação (disquisition), como é
chamada, neste tópico – exceto para alguns poucos, que são capazes, com um
pouco de ensinamento, de encontrarem isto por eles mesmos. Já para o resto, isto
preencheria alguns deles, deveras ilogicamente, com sentimentos errôneos de
satisfação, e outros com vagas e vangloriosas expectativas, apesar de terem
aprendido algo elevado e poderoso.
O que Platão diz na Sétima Carta é que ele não escreveu nenhum su/ ggramma peri
au)tw=n, “nenhum tratado sobre estes assuntos”. O que é um su/ ggramma, e o que
seriam “esses assuntos”? A seqüência, a “digressão filosófica” a qual fizemos
considerações em outro lugar257, deixa claro que os assuntos são as Idéias e o
método para conhecê-las. Contanto que a palavra su/ ggramma seja bastante usada
para qualquer escritura, ela tem uma tendência especial a significar o tratado em
prosa258. Nenhum dos diálogos de Platão é um su/ ggramma neste sentido;
252
341 c 4-342 a 1.
253
A.P.E. 45-51.
254
P.C. 200-1.
255
Le Lettere di Platone, 173-95.
256
Para tal ver Prof. Field, P.C. 214-38.
257
pp. 139-41; cf.esp. 342 c 2-343 a 4.
258
Cf. Laws, 810 b 6, Isoc. 2. 7 (7.42), Galen 16. 532.
129
A Teoria das Idéias de Platão
É pela busca de Sócrates por definições que Aristóteles o credita como influência
na metafísica de Platão; e nós não podemos duvidar de que a busca por definições
era um dos principais interesses de Sócrates; neste ponto os diálogos de Platão
devem ser aceitos como historicamente precisos. Mesmo Xenofon, de personalidade
prática, se levanta como testemunha destes interesses quando diz261: -- “Sócrates
se pronunciaria de tempos em tempos no que diz respeito à humanidade, tecendo
considerações sobre o que é piedoso, o que é impiedoso; o que era nobre, o que
era baixo; o que era justo, o que era injusto; o que era sanidade, o que era
insanidade; o que era coragem, o que era covardia; o que era um estado e qual a
característica de um governante; qual era a natureza da governança sobre os
homens, e as qualidades de alguém habilitado a governa-los.” Xenofon, de fato, em
sua longa consideração das conversas de Sócrates, oferece muito poucos exemplos
de tais discussões262; mas isto por que seu caráter prático não compartilhava deste
interesse.
259
Poet. 1447b9-20.
260
987ª29.
261
Mem. i. 1. 16.
262
Cf. i. 2. 41, 44; iii. 9. 1-13; iv. 6. 1-12.
263
1078b27-32
264
1086b5
130
A Teoria das Idéias de Platão
Aristóteles chega aos Pitagóricos um tanto tarde em seu relato dos pré-Socráticos
– depois de Empédocles, Leucipo e Demócrito – e descreve-os como tendo sido
“contemporâneos e anteriores a estes”.265 Logo, não são pensadores muito antigos
que ele tem em mente. Ele raramente menciona Pitágoras, e nunca em conexão
com a teoria das Idéias; ele antes está pensando nos filósofos que floresceram
entre, digamos, 470 e 400, e é provável que ele tenha tido principalmente em
mente Filolau, que provavelmente nasceu por volta da metade do quinto
século.266 Descrevendo os pontos de vista dos Pitagóricos ele às vezes lhes credita
haverem dito que as coisas são números267, e às vezes que as coisas imitam
números;268 e pode ser que as duas descrições reflitam elementos diferentes nas
primeiras teorias Pitagóricas269. Dificilmente podemos supor que um pensador
relativamente tardio como Filolau tenha pretendido seriamente afirmar que todas
as coisas são números e nada mais, mas podemos facilmente supor que ele tenha
dito “todas as coisas são números”, significando que todas as coisas têm um
caráter numérico, e que isso é o mais mportante acerca delas. Esta é a perspectiva
expressa nos fragmentos atribuídos a ele270, e mesmo que (como é provável) estes
não sejam genuínos, eles podem perfeitamente se referir a seu ponto de vista. Este
ponto de vista, é provável, surgiu originalmente da descoberta de que os intervalos
concordantes principais na música – a oitava, a quinta e a quarta – correspondem
às razões de comprimento 1:2, 2:3 e 3:4 entre duas cordas vibrantes – uma
descoberta que pode bem remontar ao próprio Pitágoras. Por esta imensamente
importante descoberta os Pitagóricos foram levados a suspeitar que uma estrutura
numérica definida subjaz a toda distinção qualitativa. Alguns de seus ditados eram
sólidos, muitos outros eram imaginativos, mas o princípio era sólido o bastante –
que as distinções qualitativas baseiam-se em fatos quantitativos.
Aristóteles não descreve a teoria das Idéia como brotando dos pontos de vista
Pitagóricos; ele diz que ela os “seguia”271, e “seguia” muito provavelmente significa
“assemelhava-se a” e não “se originava de”272. Ele não representa Platão como se
tivesse, na forma inicial de sua teoria ideal, tido realmente em mente números. Ele
assinala, de fato, a afinidade entre o papel dos números na teoria Pitagórica e o
papel das Idéias na teoria Platônica,273 mas ele não sugere que uma teoria derivou
da outra, e descrevendo a doutrina de Platão como na maioria dos aspectos
265
985b23
266
Filolau é um dos dois importantes Pitagóricos (que não o próprio Pitágoras) assinalado por Platão,
que havia ouvido de Cebes e Simmias que estes eram associados a Filolau quando Filolau visitou Tebas
(Fédon 60d6-e9); Platão havia sem dúvida aprendido com eles algo sobre os pontos de vista de Filolau.
Há uma certa tradição posterior conectando Platão com Filolau; D.L.3.6 (8) diz que, quando Platão tinha
vinte e oito anos, depois de visitar Mégara e Cyrene ele foi à Itália para ver Filolau, e D.L.8. 84-5 diz que
(muito depois) Platão escreveu a Díon pedindo-lhe que comprasse livros Pitagóricos de Filolau, e ele
mesmo comprou ou procurou o único livro que Filolau havia escrito. Mas o único Pitagórico principal
com quem, conforme podemos aprender da Sétima Carta (338c5-339b3, 350a5-b5) Platão realmente
tinha intimidade era Arquitas, que era mais ou menos da mesma idade que ele. Aqui també, a tradição
posterior acrescenta algo que pode ou não ser verdade – que depois da morte de Sócrates Platão visitou
em sucessão o Egito, a Itália e a Sicília, e que na Itália “esteve muito com” Arquitas (Cic. De
Rep. 1.10.16).
267
987b27-8
268
Ibid. 11.
269
Cf. J. E. Raven, Pythagoreans and Elentics, 62-3.
270
e.g. fr. 4 kai¨ pa¹ nta ga ma¨ n ta¨ gignwsko¹ mena a) riqmo¹ n
e) ¹ xonti! ou) ga¨ r oi( o¹ n te ou) de¹ n ou) ¹ te nohqh¬ men ou) ¹ te
gnwsqh¬ men a) ¹ neu tou¹ tou
271
987a30
272
Cf. a nota de Bywater à Poética 1449b10 h) kolou¹ qhsen
273
987b7-14
131
A Teoria das Idéias de Platão
Aristóteles não diz quando ou como Platão começou a ser influenciado por
pitagóricos; ele certamente não sugere que foi através de Sócrates, e sua
linguagem sugere antes o oposto. A suposição mais natural é que o primeiro
contato de Platão com o Pitagorismo veio com Simmias e Cebes, os Pitagóricos de
Tebas que formam parte do círculo de Sócrates pintado no Fédon, e que ele
aprendeu muito mais sobre o sistema durante sua visita ao sul da Itália por volta
de 388, onze anos depois da morte de Sócrates. Mas é digno de nota que mesmo
tão tarde quanto no Fédon, que foi provavelmente escrito alguns anos depois dessa
visita, não há nada que sugira que a teoria das Idéias ali colocada deva qualquer
coisa ao Pitagorismo; são apenas as visões de Platão sobre o destino da alma que
parecem sim dever. Não é senão até o Timeu e o Filebo que nós encontramos a
teoria das Idéias começando a ser influenciada pela teoria Pitagórica de que “todas
as coisas são números”, e é apenas na ainda mais tardia teoria das Idéias-números
que sua influência chega ao auge. Se isto foi resultado de contatos posteriores com
os Pitagóricos durante a segunda ou terceira jornada de Platão à Sicília,275 ou de
mais profunda meditação no que ele havia aprendido muito antes sobre os pontos
de vista Pitagóricos, é impossível dizer.
Da magnitude da influência Pitagórica sobre Platão durante seu período tardio não
pode haver dúvida. Não apenas nós nos deparamos com o “limite” e o “ilimitado”
do Filebo já presentes de antemão entre os primeiros princípios reconhecidos por
alguns dos Pitagóricos; nós encontramos a unidade e a pluralidade (O Uno Platônico
e sua “díade indefinida”) naquela lista276; e nós encontramos bondade associada
com limite e unidade, e maldade com o ilimitado e a pluralidade, conforme também
em Platão.277
274
987b18-988a1. O ponto de vista expresso acima é confirmado pelo fato de que em Met. M. 4, onde
Aristóteles está concernido apenas com a teoria ideal de Platão, não com sua teoria das Idéias-números,
os Pitagóricos são introduzidos apenas em um parêntese. (1078b21-3)
275
Por volta de 367 e 361.
276
986a22-6. Mr. Raven assinala (Pythagoreans and Eleatics, 184-5) que enquanto o limite, o
ilimitado, e a mistura deles são introduzidos no Filebo como algo óbvio, a causa da mistura é introduzida
com grande hesitação; ele sugere, com muita probabilidade, que este último é um novo elemento que
Platão está trazendo da teoria Pitagórica.
277
988a14-15.
278
pp. 27-8
132
A Teoria das Idéias de Platão
279
Meteor. 342b30; Met.. 987a10, 988a26.
280
iii. 6 (8).
281
Fédon 59b7
133
A Teoria das Idéias de Platão
Nesse próximo momento vamos nos voltar sobre uma passagem de grande interesse
na qual Aristóteles critica a teoria das idéias, com referência a vários argumentos correntes na
Academia. A passagem corre da maneira seguinte; para conveniência da referência dividi-a em
duas seções.
Das maneiras com as quais nós [nós Platonistas; por que no livro A Aristóteles escreve
como um membro, mesmo que rebelde, da Academia] provamos que a Forma existe,
nenhuma é convincente; para [A] donde alguma inferência não necessariamente segue, e [B]
donde surgem algumas Formas de coisas que pensamos não ter Forma. Para [1] concordar
com os argumentos da existência das ciências donde terão Forma todas as coisas das quais se
em ciência; [2] concordando com o “um de muitos” argumentos onde terá Forma até da
negação; [3] concordando com o argumento que existe um objeto para o pensamento mesmo
quando a coisa pereceu, se terá Forma de coisas perecíveis; posto que nós temos uma imagem
delas. Complementando [C], dos mais precisos argumentos, [1] alguns estabelecem Ideais de
termos relativos, e [2] outros introduzem o “ terceiro homem”.
Nós precisamos não nos preocupar com a natureza precisa dos argumentos para as
Idéias ao qual Aristóteles se refere. Dos comentários de Alexandre nós podemos aprender que
existiam várias formas do argumento da ciência (O uso de Aristóteles do plural é prova
suficiente disso); e Alexandre de fato define três formas. Mas o mostrar uma lista de
argumento não é do feitio de Platão, e nós podemos ter bastante certeza que a formulação foi
trabalho da escola ( penso sem dúvida baseada em pistas nos diálogos, e provavelmente
134
A Teoria das Idéias de Platão
também nos ensinamentos orais de Platão); e por essa razão não entraremos em seus
detalhes.
Muitos estudiosos parecem ter ignorado a explicação que Aristóteles , ele mesmo,
fornece em 990b22-9 de sua declaração ibid. 11-13 que os argumentos platônicos das ciências
levam a Idéias de coisas as quais apesar o pensamento platônico, não existem tais Idéias.
Confiando na interpretação de Alexandre, eles pensam as coisas referidas a não sendo “ coisas
outras que substâncias”, mas obras de arte. Já que Alexandre se baseia em “De Ideis” de
Aristóteles, nós podemos tomar que, de acordo com Aristóteles, obras de arte eram uma
segunda classe de coisas Idéias as quais não eram admitidas pelos platonistas, mesmo que de
acordo com os argumentos das ciências elas deveriam ser admitidas. A essa questão nós
devemos retornar depois.
Nós retornamos agora a (B) (2): “ De acordo com o “um de muitos” argumentos
existiriam Formas até para negação; e ainda sim nós dizemos que não há.” Devemos perguntar
(a) se a teoria das Idéias realmente implica que existam Idéias negativas, e (b) se Platão alguma
vez negou que existissem tais Idéias.
Existem três tipos de termo que podem, de uma maneira bem genérica, serem
chamados de termos negativos, e nos devemos perguntar essas questões sobre eles. (a)
Primeiramente existem termos, amados pelos lógicos mas nunca usados na vida comum, que
são puramente negativos em seu significado- termos como “não-bom”, “ não-belo”, “não-
alto”. Platão toca em tais termos no “ Sofista”, mas sua atitude acerca deles não é no geral
clara. Em 257 e 2-4 ele diz “ a existência do não-bonito consiste em ser demarcado por um
único definido tipo de coisas existentes – por um tipo , não como um. Mas em 257e9 ele diz “
de acordo com esse argumento é a beleza algo mais e o não-beleza algo menos real?” e a
135
A Teoria das Idéias de Platão
resposta que é esperada e está por vir é “Não”. E em 258b9 ele diz, “Nós devemos agora falar
corajosamente que “ aquele que não é” é indubitavelmente uma coisa que tem natureza
própria – do mesmo jeito como o alto era alto e o belo era belo, assim também com o não alto
e o não belo – e neste sentido “ aquele que é não” também, no mesmo princípio, ambos foi e é
o-que-é-não uma Forma a ser numerada no meio das muitas realidades?” A doutrina é que
não-sendo ( que é indentificado com diferença) é uma Forma genuína, realmente uma das
maiores Formas. Dessa Forma Platão diz, “Nós mostramos que a natureza do diferente tem
existência e é parcelada sobre todo o campo de coisas existentes com referências de um ao
outro”; e ele pode ter querido significar que termos puramente negativos como “ não belo” ,
“não bom” definem Idéias específicas tomadas sob a Idéia genérica de não sendo ou diferença.
Mas ele nunca diz isso , e seu significado é provável de ser que a Idéia de diferença é parcelada
entre todas as coisas individuais que não são belas e não são boas. Ele se expressa mais
decisiva no “Polilicus”, onde ele dia que “bárbaros”( se apenas significa não- gregos) e “ não
dez mil”, mesmo que definam partes do gênero homem e número, não correspondem a
espécies desses grupos, ex. que não existe Idéia de não grego ou de não dez mil.
(b) Em segundo lugar, existem termos negativos na forma, mas que na verdade tem
um significado tanto positivo quanto negativo. Platão ocasionalmente refere a Idéias
correspondendo a tais termos, ex. para a Idéia de impiedade e para a Idéia de injustiça, e não
existe nenhuma evidência que ele algum dia cessou de acreditar na existência de tais Idéias.
Nem existia qualquer razão por que ele deveria; para tais palavras entende-se não apenas
pela ausência de qualidade - visto que nem tudo que não é justo é injusto - mas também pela
presença de outra qualidade positiva.
(y) Em terceiro lugar, existem termos não negativos nem na forma, porém
definitivamente sugerindo a ausência de alguma qualidade desejável – termos como
“doença”, “mal”, ou “feio”. Esses, também, têm um significado positivo bem como negativo.
Idéias correspondentes a tais termos são referidas tanto na maturidade como nos diálogos
da juventude, e não existe razão pela qual Platão devesse cessar de reconhecê-las. Pode ser
possível para uma teoria das Idéias dispensar Idéias como a de mal e a de suas espécies, e
explicar todos os males no mundo sensível como devidos ao fato que a relação do fenomenal
com o ideal nunca é uma de instantanieidade mas sempre uma de imitação que cai perto do
original. Mas não existe nada que mostre que Platão alguma vez tomou esse caminho.
Dos vários tipos de “ termos negativos”, parece que tinha sido por volta do primeiro
que Aristóteles diz que o argumento do “ um sobre muitos”envolvia Idéias correspondendo a
136
A Teoria das Idéias de Platão
eles, que a Academia não reconheceu; para os exemplos de Alexandre são “não homem”,
“não musical”, “não cavalo”, “não madeira”, “não branco”. Se Platão algum dia resolveu
negação convictamente, tendo analisado “A não é B” em “A é não B”, então – no princípio
geral que onde uma coisa é convictamente de muitas, uma única Idéia está sendo
confirmado – ele teria que reconhecer Idéias puramente negativas. Mas não há evidência
que ele algum dia analisou a negação. Por outro lado não existe evidência que ele algum dia
parou de reconhecer Idéias respondendo a termos gerais onde, mesmo que negativo em
forma, implica um significado positivo. Não existe então nenhuma evidência de uma
mudança de ponto de vista de sua parte.
(B)(3) Aristóteles continua para dizer que “ de acordo com o argumento que existe
um objeto para o pensamento mesmo quando a coisa quebrou, existirá Forma de coisas
quebráveis; já que temos uma imagem dessas”. A forma do argumento descrita como (p.170
2ª linha) deveria ser de algum jeito como se segue: “ Supondo que encontremos, pelo estudo
de uma particular triângulo eqüilátero sensível, que ele deve ser eqüiângulo; nós retemos
esse conhecimento mesmo depois do triângulo particular ter quebrado; logo o objeto do
nosso conhecimento deve ser outra entidade, que ainda existe, e essa entidade, que existe
independentemente dos seus encorporamentos em coisas individuais, são apenas o que
chamamos Idéias.” Aristóteles argumenta que por paridade de raciocínio, desde que
podemos lembrar uma coisa individual quebrável mesmo depois dela ter cessado de existir,
deve em princípios platônicos haver uma idéia de tal individual. A resposta de Platão seria
indubitavelmente que discutir isso é ignorar a diferença entre conhecimento de verdades
universais e memória. No passado nós estamos cientes de uma conexão eterna entre
entidades elas mesmas eternas , e por isso diferentes de qualquer coisa quebrável.
Aqui de novo não temos nenhuma base para supor que Platão algum dia mudou
sua maneira de ver; já que é certo que em nenhum momento ele teria dito que existe uma
Idéia separada correspondendo a cada coisa quebrável.
137
A Teoria das Idéias de Platão
Até agora, então, não foi achada nenhuma prova de que Platão, no final de sua
vida, negou o rank das Idéias para nada para que ele havia mais cedo concedido aquele rank.
Existem, porém, duas outras passagens das quais precisamos nos dar conta. Em (pág 171,
ultimo parágrafo, quarta linha) Aristóteles diz ‘nós (os Platonistas) não reconhecemos
Formas de coisas como casa ou anel’, e em (pág 171, ultimo parágrafo, sexta linha) ele
aprova Platão pelo nome por dizer (na presunção de que formas existem) que ‘existem
Formas tão numerosas quanto as coisas (tipo de coisa) que existem por natureza’.
Por outro lado, a declaração de Aristóteles obtém apoio, ou parece obter, pela
observação feito por Proclus, que “ Xenócrates gravou essa definição de Idéia como uma
satisfatória ao Fundador – “ A causa matriz das coisas que de tempos em tempos são
constituídas de acordo coma natureza – uma causa separada e divina”.” (p.172 2ºpr. 6ª
linha). E nós quase não podemos contra a declaração de Aristóteles nós tendo exemplificado
sua declaração mais geral que os platonistas reconheciam Idéias “de todas as coisas que são
ditas de universalidade”, e que Platão mesmo disse que muitas coisas individuais têm os
mesmos nomes que as Formas pela virtude da participação nelas.
Aqui, então, nós parecemos ter uma evidência definitiva da divergência da doutrina
da República, que existem Idéias correspondendo a todo nome comum; como isso pode ser
explicado? A questão foi bem discutida por Robin. Ele considera várias hipóteses. (a) Pode
ser dito que quando Platão fala de Formas de artefacta ele está falando não de forma exata e
meio humoristicamente. Em resposta deve ser destacado que Formas de artefacta são
requeridas pela doutrina geral que quando houver um nome comum existe uma Forma, e
que as formas de cama e mesa são uma parte essencial do argumento platônico contra a arte
no décimo livro da República. (b) Pode ser dito que Aristóteles interpretou erradamente
Platão dizendo que ele reconhecia apenas Formas de objetos naturais. Mas a interpretação
138
A Teoria das Idéias de Platão
de Aristóteles é apoiada pela definição de Idéia que Xenócrates descreve como aprovada
pelo Fundador. (c) Pode ser dito que Platão mudou sua opinião. Essa visão não pode ser
definitivamente rejeitada; mas nós podemos pelo menos dizer que não he evidência em
Platão, ou no que quer que nós lermos sobre ele, de tal mudança. (d) Pode ser sugerido que
apenas os seguidores de Platão que mudaram a teoria. Beckmann supôs que o nome de
Platão foi substituído pela dos “ que acreditam em Idéias” no lugar ( Met. 1070ª18) onde ele
é definitivamente nomeado nessa conexão nos textos de Aristóteles. Existe alguma evidência
para isso, mas o peso da evidência é contra isso. (e) Robin sugere que Platão rejeitou Formas
dos produtos das artes úteis, que tem a forma ditada pelo seu fim tão verdadeiramente
quanto objetos naturais tem um; e que Aristóteles interpretou errado ele como tendo
negado Formas do ultimo também. Essa sugestão concorda com a doutrina da República ,
onde a cama mesma corresponde a uma remoção da Forma como um objeto natural
corresponde, a cama pintada a duas remoções. Não existe Forma de cama pintada; a matriz a
qual o pintor olha não é uma Forma mas a cama mesma. Na República , também, toda a
classe de coisas manufaturadas (ex. os produtos das artes úteis) é colocado na mesma seção
da Linha como coisas vivas, a segunda seção; e no Sofistas o produto da arte imitativa é
considerado como sendo o produto das artes úteis como imagens oníricas, sombras , e
reflexos são das coisas vivas, e então pertenceriam a primeira e mais baixa divisão da Linha (
mesmo que não mencionada na passagem da Linha).
139
A Teoria das Idéias de Platão
alegação da lei mesma e da arte como natural, ou não menos real que a natureza, já que elas
são produto da mente em acordo com o som racional.”
Se essa conjectura muito provável estiver certa, não há evidência real que Platão
alguma vez negou a existência de Idéias correspondendo aos objetos das artes úteis. Mas os
primeiros platonistas evidentemente fizeram isso; como Aristóteles diz distintamente que
eles não reconheciam Idéias de casa e anel.
Chegamos a conclusão , então, que não existe evidência real que exista uma Teoria
das Idéias tardia na qual Platão negou a existência de Idéias que ele tinha antes reconhecido.
Pode ser adicionado que, como nós vimos antes, a mais completa lista de tipos de Idéias
encontrada em qualquer lugar de Platão está em um de seus últimos escritos, A Sétima Letra.
140
A Teoria das Idéias de Platão
Rosane Abreu
Ademais, ele afirma que, além dos sensíveis e das Formas, existem os Entes
matemáticos “intermediários” entre uns e as outras que diferem dos sensíveis, por serem
imóveis e eternos, e das Formas, por existirem muitos semelhantes, enquanto cada Forma é
única e individual.
Portanto, posto que as Formas são causas das outras coisas, Platão considerou os
elementos constitutivos das Formas como os elementos de todos os seres. Como elemento
material das Formas ele punha o grande e o pequeno, e como sua causa formal o Um: de fato,
considerava que as formas <e> os números derivassem por participação do grande e do
pequeno no Um.283
O fato de ter posto o Um e os Números fora das coisas, à diferença dos pitagóricos, e
também o ter introduzido as Formas foram as conseqüências da investigação fundada nas
puras noções, que é própria de Platão, pois os predecessores não conheciam a dialética. Mas,
o ter posto a díade como natureza oposta ao Um tinha vista derivar facilmente dela, como de
uma matriz284, todos os números, exceto os primeiros. Entretanto, ocorreu exatamente o
282
987b14-988a15 (N.T esta passagem em português foi retirada de Metafísica. São Paulo: Edições
Loyola, 2002. [tradução Marcelo Perine])
283
Em 987b22 touj apiqmouj dificilmente pode ser predicado ou aposicionado para ta\
ei\ ( dh. Não é certo que duas frases podem ser omitidas. Tou\ j a) piqmou/ j é surpreendente,
porque Aristóteles não disse nada sobre a identificação de Idéias com números de Platão, mas sim, para
Aristóteles Platão os ter identificado era um problema comum de conhecimento que não notou a
omissão dele para afirmar isto aqui.
284
e) kmagei/ ou. A palavra não é usada em outro lugar por Aristóteles. Alexandre (57.6) significou
isto como molde(hollow mould), alguns pesquisadores modernos seguem esta denominação. Em Platão
as vezes isto significa uma matriz, outras vezes uma cópia entendida como um material, ainda outras
vezes como um padrão ou um arquétipo. Aristóteles trata claramente o grande e o pequeno como o
elemento quase-material, o Um como elemento formal, na formação dos números, então
141
A Teoria das Idéias de Platão
contrário, pois essa doutrina não é razoável. Com efeito, ele derivam muitas coisas da matéria,
enquanto Forma deveria derivar uma única coisa. Mas é claro que de uma única matéria se
extrai, por exemplo, uma única mesa, enquanto o artesão que aplica a forma, mesmo sendo
um só, produz muitas mesas. Tem-se aqui a mesma relação que se tem entre macho e fêmea:
esta é fecundada por uma única cópula, enquanto o macho pode fecundar muitas fêmeas.
Estas são as imagens ilustrativas daqueles princípios. Platão, portanto, resolveu desse modo a
questão que estamos investigando.
Do que dissemos, fica claro que ele recorreu a apenas duas causas: a formal e a
material. De fato, as Idéias são causas formais das outras coisas, e o Um é causa formal das
Idéias. E à pergunta sobre qual é a matéria que tem a função de substrato do qual se predicam
as Idéias – no âmbito dos sensíveis-, e do qual se predica o Um – no âmbito das Idéias -, ele
responde que é a díade, isto é, o grande e o pequeno.
Com a primeira declaração feita aqui, que Platão tratou os objetos matemáticos (isto
é, números e figuras espaciais) como intermediário entre Formas e coisas sensíveis, nós
tratamos na nossa investigação da República285, e é apenas necessário repetir que esta é uma
doutrina que nos diálogos de Platão, parece de tempo em tempo, estar prestes a ser afirmada,
mas nunca é absolutamente declarada. Ele estaria disposto a pensar que era provavelmente o
desenvolvimento mais antigo da sua teoria da metafísica, fora do alcance dos diálogos; mas
isto é posto em dúvida pela sua ausência na seção metafísica da Carta Sétima286.
As outras características mencionadas por Aristóteles podem ser resumidas como se segue:
(1) Platão diz que os elementos das Formas são elementos de todas as coisas.
(2) Platão diz que “o grande e o pequeno” são os elementos materiais, o Um é o elemento
essencial ou formal, e nas Formas, os números (identificados por Aristóteles com as Formas)
são produzidos pela participação do grande e do pequeno no Um.
(3) Enquanto trata do Um como substância, não como uma atribuição, e trata os números
como causas formais de coisas sensíveis, isto parece com a visão pitagórica, mas o tratamento
do indeterminado como uma dualidade composta do grande e do pequeno é novo ponto.
(4) Esta análise do indeterminado é devido ao fato que os números (exceto os primeiros)
podem ser apropriadamente gerados por uma díade como por uma matriz.
(5) As Formas são produzidas na causa formal das coisas sensíveis e o Um na causa formal das
Formas; a causa material de ambas, Formas e coisas sensíveis, é a díade do grande e do
pequeno.
e) kmagei= on deve significar uma matriz, como se vê no Tht. 191c9, 196a3 e provavelmente em Tim.
50c2, onde Platão usa isto para ilustrar a sua visão sobre espaço.
285
pp. 58-65.
286
Cf. p. 141.
142
A Teoria das Idéias de Platão
(6) A causa formal é causa do bem e a causa material é causa do mal no mundo.
Os problemas que devemos considerar são os seguintes: (A) Quais são os números
sobre os quais Aristóteles está falado? (B) Quais são os princípios de que eles são derivados?
(C) Como eles são gerados? (D) Qual é o status deles relativos ao Mundo das Idéias?
(A) Geralmente, a resposta para esta questão é duvidosa. Os números, a geração que Platão
está considerando, são Formas, ambos distinguidos por Platão de coisas sensíveis e de
números que, de acordo com ele, são objetos da Aritmética. Eles têm características
universais, coisas semelhantes de quando nos referimos a palavras terminadas em –dade.
A existência de Idéias como unidade, dualidade, etc, está implicada na doutrina que há
uma Idéia respondendo por todos nomes em comum287, isto é explicitamente sustentado no
Fédon288, onde Platão diz que dois está compartilhando uma Idéia de dualidade, e todo um
com a Idéia de unidade. No Hípias Maior289 Sócrates chama atenção para a diferença entre
muitas Idéias, como o que caracteriza cada uma e todas as Idéias de um número das coisas
individuais, e as Idéias de números que caracterizam um grupo, mas não destes membros
individuais. Estes números ideais foram distinguidos, de números sensíveis (isto é, grupos
numeráveis) reconhecidos como “o múltiplo”, e dos números abstratos “dos filósofos” (isto é,
dos matemáticos)290.
A série de números não tem limite na ascendência, mas há uma boa evidência para
mostrar que Platão indicou, como os pitagóricos tinham feito antes dele, uma posição
prerrogativa dos números de 2 a 10. Nós deveríamos saber da Metafísica apenas o que alguns
membros da Academia293 sabiam, mas na Física 206b32, Aristóteles diz que Platão ‘fez o
número se estender até o número 10’. Nós, entretanto, não devemos tomar isto tão
literalmente. Platão não pode ter suposto que um grupo de onze membros não é caracterizado
pela “onzidade”, assim como um grupo de dez pela “dezidade”. Mas ele viu que deveria parar
sua “geração” de números em algum lugar, ele, naturalmente, parou no limite sugerido pelo
sistema grego de numeração, que é o simplesmente decimal. Ele pode ter pensado que a
produção dele era mais justificada, pelo fato que dentro da série de 2 a 10 já há exemplos de
três tipos de números em que os gregos dividiam: o número 2 e suas potências; números
ímpares; e o produto de um número ímpar multiplicado por 2 ou a potência de 2.294 Então, ele
pode ter pensado que se ele pudesse gerar um número maior que 10 ele poderia gerar todos
os números.
287
Rep. 596a6-8
288
101b9-c9
289
300d5-302b3
290
Phil. 56d4-57a2
291
Met. 1088a6
292
Met. 1016b18, &c.
293
1073a20, 1084a12-b2
294
1084a3-7, Philolaus (?) fr.5
143
A Teoria das Idéias de Platão
Existe mais uma consideração que pode ter levado Platão ao final da sua “geração” de
números com o número 10. O 1 era sem dúvidas, para ele, o princípio formal dos números
ideais, e de acordo com uma passagem em que (isto será discutido mais tarde295) ele é
referido296, nós lemos que o 2 era o princípio formal da linha, o 3 do plano, o 4 do sólido. E em
uma outra passagem, que é provável, pelo menos, que ele seja referido297, não apenas é o
indicado, mas também que o 1 era princípio formal da razão, o 2 era da ciência, o 3 da opinião
e o 4 da sensação. Ele poderia, portanto, contar ambas para a estrutura formal do Mundo
Sensível e para o intelecto sem ultrapassar o sagrado tetraktn\ j dos pitagóricos,
1+2+3+4=10.
Aristóteles atribui a Platão, pelo nome, a visão que os números são ou(
299
snmblhtoi/ e ataca o ponto de vista dele perguntando se, então, as unidades em cada
número são também a( su/ mblvtoj ou não, e chamando atenção para ambas as
alternativas300. O significado de sumblvto/ j em Aristóteles é “comparável”, e na sua visão
duas coisas são comparáveis, se e somente se, elas são múltiplas de uma unidade simples. Na
sua própria visão301, o número 2 contém duas unidades e o número 3 tem três unidades,
então, estes dois números são, obviamente, comparáveis.
E não temerias igualmente dizer - continuou Sócrates- que o dez é maior que o oito
porque o ultrapassa de dois e considerar isso como causa, ao invés de dizer que é pela
quantidade e por causa da quantidade? E serias capaz de dizer, da mesma forma, que um
objeto do tamanho de dois côncavos é maior do que outro de um côncavo pela metade, em
295
pp. 208-9
296
1090b20-4
297
De Ani.404b18-27; cf.pp. 214-5
298
A evidencia para estas limitações é afirmada em Van der Wielen, I.P. 13-17.
299
1083a34
300
1080b37-1083a17.
301
1080a30-3, 1081b12-17.
302
101b4-c7 (N.T esta passagem em português foi retirada de Diálogos/Platão, São Paulo: Nova Cultural,
1987. [trad. Jorge Paleikat e João Cruz Souza]).
144
A Teoria das Idéias de Platão
lugar de dizer que é pela grandeza? Pois, sem dúvida, isso não é menos estapafúrdio! –
Efetivamente. – Não te envergonharias de dizer que, acrescentando-se a unidade à unidade,
esse acréscimo, e dividindo-se a unidade, essa separação, são ambos causas da formação do
dois? Não protestarias aos gritos que não compreendes como cada coisa se possa formar por
outro modo que não seja pela participação na própria substância em que essa coisa toma
parte? Não dirias, neste caso, que não encontras outra causa de formar-se o dois a não ser a
participação na idéia do dois, e que deve participar dela o que vem a tornar-se dois, e também
que deve participar da idéia de unidade o que se torna unidade?
Isto pode ser notado, embora Aristóteles não tendo mencionado este ponto, alguma
coisa exatamente correspondente a isto é uma verdade das Idéias geométricas. Estes são
também incomparáveis, de um certo modo. Um quadrado em particular pode ser maior que
um triângulo em particular, mas “quadridade” não é maior que a “triangulidade”. É uma
unidade indivisível, como todas as Idéias descritas no Filebo303.
Na Metafísica 1080a 17, Aristóteles diz que uma visão que pode ser assegurada sobre
as séries de números é que dentro delas há uma distinção de anterior e posterior. Ele
evidencia isto com uma frase “cada número é formalmente diferente um do outro”, e em
1080b11 ele diz que alguns platônicos (em outra passagem deixa claro que Platão está neste
grupo) separaram um número ideal de um número matemático, como se cada um tivesse esta
característica. Na verdade, Platão reconhece que embora um grupo particular com dois
membros difere de um grupo com três membros somente em tamanho e não em natureza, os
números ideais são séries de diferentes naturezas que mostra o crescimento do grau de
complexidade que nós passamos da dualidade para a tríade e assim por diante. Este
reconhecimento é totalmente independente da geração de números vindos do Um e do
grande e do pequeno. Este reconhecimento é do fato claro que 2 é definível como o sucessor
do 1, e 3 como sucessor do 2 em uma série de números naturais.
303
1096a17
145
A Teoria das Idéias de Platão
da sua constituição. Do mesmo modo, nós podemos supor que alguns platônicos (não
sabemos se Platão estava entre estes) asseguravam que número ou pluralidade não eram uma
Idéia autêntica, porque os números sucessivos têm pluralidade apenas desigualmente304.
(B) Agora nós voltamos para os primeiros princípios que Platão derivou os números
ideais, o Um e o grande e o pequeno. Os entes não são “gerados” nem por números sensíveis
(grupos de dois, três, etc) nem por números matemáticos (as entidades que os matemáticos
falam quando dizem 2+3=5, sem considerar qualquer grupo particular de duas ou três coisas),
mas sim de números ideais (isto é, dualidade, tríade, etc). Platão não fez a tentativa para gerar
a unidade, mas ele acreditou na existência da unidade, não menos que na dualidade ou na
tríade, o Um que ele propôs como princípio de geração era simplesmente a unidade, a Idéia do
Um.
Taylor fez uma ingênua sugestão305 ao considerar o “grande e o pequeno”, que a frase
aponta para um método, que o saber dos gregos já possibilita no tempo de Platão306, chegar
por aproximações ao valor de √2, por aproximação deste valor alternadamente do lado do tão
pequeno ou do tão grande. Eles partem de uma coluna de “lado-raiz” e uma coluna
correspondente de “diagonal-raiz”. Os primeiros números em cada coluna era o 1. Cada
subseqüente número-lado era formado por uma adição do número anterior número-lado
correspondente ao número-diagonal, cada número diagonal subseqüente era formado pela
adição do número-diagonal anterior duas vezes o número-lado correspondente. Então temos
Números-lado Números-diagonal
1 1
2 3
5 7
12 17
29 41
70 99
... ...
Isto pode ser facilmente verificado com 1/1, 3/2, 7/5, 17/12, 41/29, 99/70, eles são,
sucessivamente, valores aproximados perto de √2, alternadamente menor ou maior que ele.
304
Nos assuntos tratados nas últimas quatro páginas, e muitos outros aspectos da doutrina platônica,
uma “inundação de luz” foi projetada pelo artigo de Cook Wilson, On the Platonic Doutrine of the
a) s/ umblhtoi a) piqmoi/ , no Class rev. xviii (1904), 247-60.
305
Em Mind xxxv (1926), 419-40 e xxxvi (1927), 12-33, reimpresso em P.S. 91-150.
306
Embora os primeiros pensadores mencionaram isto está em Theo Smyrnacus (fl.c. A .D. 115-40) (ed.
Hiller, pp. 42.10-45.8).
146
A Teoria das Idéias de Platão
Taylor pensou que Platão sabia deste método e este método307 sugestionou a ele o uso da
frase “o grande e o pequeno” para o princípio material na geração dos números inteiros.
Entretanto, Taylor errou ao mostrar que os números do lado e da diagonal não têm nada a ver
com o grande e o pequeno. Não há uma relação real entre a valoração dos números irracionais
e da derivação dos inteiros, exceto uma que é fatal para a interpretação de Taylor, que é que a
valoração dos números irracionais pressupõe a existência dos inteiros, e nenhum dos antigos
escreveu sobre o grande e o pequeno sugerindo alguma conexão, nem descreveu o método de
valoração dos números irracionais usando a frase “o grande e o pequeno”. Quando Taylor veio
para a geração atual dos inteiros, isto somente considerando a geração dos números primos,
ele usou o conjunto da aproximação para cima ou para baixo. Por conseguinte, sua explicação
do “grande e do pequeno” não pode ser aceita308, mas ele diz o quanto é verdade e
importante os méritos e deméritos da atual derivação dos inteiros de Platão e a critica de
Aristóteles a ela.
Aristóteles, às vezes, fala de “grande e pequeno”, mas usa com mais freqüência “o
grande e o pequeno”. A diferença é importante, pois na primeira frase sugere dois princípios,
já na primeira sugere um princípio que tem duas características. Embora ele use às vezes a
segunda alternativa309, não há dúvida que a primeira é a que representa o significado dado por
Platão. O melhor indício para isto foi dado por Aristóteles na Física 206b27, quando ele diz:
“Platão fez o duplo indeterminado, porque eles supõem exceder todos os limites e seguir ad
infinitum na direção do aumento e da redução. Uma afirmação semelhante é feita pelo
platonistas da primeira geração, Hermodorus citou o comentário de Simplício na Física310. Mas
nós devemos olhar mesmo para Platão. Nós achamos no Filebo311 a distinção entre limitado e
ilimitado, e nós achamos o ilimitado descrito nas frases “mais e menos” e “maior e menor”312.
Nós encontramos Platão dizendo “todas as coisas agora no mundo”313 têm um caráter delas
próprias (por exemplo, estar em uma temperatura314) que podem existir em algum grau ou em
um grau definido de caráter. Lá não há referências aos números. Nós devemos supor que ele
veio igualmente para distinguir a mínima pluralidade dos graus definidos de pluralidade e que
“grande e pequeno” são apenas outros nomes para o que um dos seus seguidores chamava315
(talvez com mais satisfação), plh= foj, mínima pluralidade. Agora nós podemos ver a
justificação para a declaração de Aristóteles316 que Platão pensou que os elementos dos
números eram também elementos de todas as outras coisas. Nos seus estudos sobre os
números, Platão encontrou os números para pressupor os mesmos dois elementos- limite (que
ele agora chama o Um) e o ilimitado (chamado grande e pequeno)- que ele tinha analisado no
Filebo, os fenômenos sensíveis.
307
Ele certamente sabia que 7/5 é uma aproximação do valor de 2 (Rep. 546c4-5), e Heath (Hist. Of Gk.
Math. I. 93) pensa que o método era pitagórico.
308
Discuti isto por bastante tempo em Ross and Forbes, Theophrastus’ Metaphysica, 50-4.
309
1083b23-8, 1087b12-16, Phys. 203a-15, 206b27-8.
310
247.30-248.18.
311
23c4-26c2
312
24a9, c5, 25b9
313
23c4
314
24a7.
315
Provavelmente Speusippus.
316
Met. 987b18-20.
147
A Teoria das Idéias de Platão
Aqui se tem uma discussão sobre uma questão não tão importante, se Platão usou a
frase “a díade indefinida” como um nome para o princípio material na geração dos números.
Em lugar nenhum Aristóteles atribui explicitamente esta frase a Platão como ele faz com
“grande e pequeno” 317. Mas ele usa uma frase complexa “aqueles que fizeram a díade um
composto indefinido de grande e pequeno”318, que pelo menos sugere que Platão usou ambas
as frases e em outra passagem ele aponta para a mesma direção319. Teofrasto, Hermodorus,
Alexandre, Simplício, Siriano e Asclépio usam a frase livremente na descrição da doutrina de
Platão. “A díade indefinida” é apenas um nome para o ilimitado como sendo capaz de ser
indefinidamente grande e indefinidamente pequeno320.
317
987b20, 26, 988a13, 26.
318
1088a15
319
987b25-7, 33, 988a13, 1083b23-36, 1090b52- 1091a5.
320
Cf. Robin, T.p.I.N. 641-54 e minha nota na Met, 1081a14.
321
Adv. Math. X.258-80.
322
Adv. Math. x. 276
323
Z. a .F.I. 191.
148
A Teoria das Idéias de Platão
324
Adv. Math. x. 261.
325
Phys. 247.30-248.18.
326
Met. 56.13-18.
327
Ibid. 33-5.
328
987b25-7.
329
Há interessantes pontos de contato entre afirmação de Sexto e as Categorias, que considera as
questões, que de as categorias admite grau (3b33-4a9, 6a19-25, b20-6, 10b26-11a14), e se a existência
de um dos dois correlativos envolve a existência do outro. A distinção entre relativos e contrários e a
questão que os contrários admitem de um significado, reaparece na última parte de Categorias (o pós-
predicamentos), em 11b32-12a25. Isto confirma a visão que a linha de pensamento relatada por Sexto é
Acadêmica, não pitagórica. O ponto é mostrado por C.J. de Vogel em Mnemosyne, ii (1949), 205-16.
149
A Teoria das Idéias de Platão
exemplo de uma tendência comum nos primeiros escritores gregos que queriam achar o
pitagorismo em todos os lugares330.
(C) Agora nós devemos examinar o método da geração dos números. Há uma
passagem em Platão que oferece uma “geração” dos números. Em uma “segunda hipótese” de
Parmênides, em que as razões para as conclusões positivas que podem ser deduzidas da
suposição de que há o Um, ele argumenta assim331:
Esta prova é tão superficial desde que ela não forneça provisão aos primeiros
números, exceto 2 e 3. Se nós estivermos certos em nossa visão da “segunda parte” do
Parmênides o argumento é um exercício dialético em vez de uma exposição de doutrina, e em
qualquer caso de “geração” de números oferecida aqui não parece com a que Aristóteles nos
informa. Ela não faz uso dos princípios perguntando para o Um e o grande e o pequeno, mas
produz os números pelo processo normal de adição e multiplicação.
Aristóteles tentou mostrar332 que a geração descrita para os números-Idéias eram uma
geração a tempo, mas esta interpretação pode ser posta de lado e é provavelmente uma mera
dialética da parte dele. O que Platão ofereceu foi uma dedução lógica dos números,
condicionada em termos temporais ‘para ajudar a contemplação da natureza delas’333. Em
330
Cf. G.C. Field, p.C. 175-6.
331
143a4-144a5. (N.T esta passagem em português foi retirada de Parmênides/ Platão, texto
estabelicido e anotado por John Burnet; tradução, apresentação e notas de Maura Iglésias
e Fernando Rodrigues- Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2003.)
332
1091a23-9.
333
1091a28-9.
150
A Teoria das Idéias de Platão
outras palavras, ele estava distinguindo dois elementos no ser de todo número ideal-
chamando atenção que a dualidade, por exemplo, um do grupo sendo um grupo de dois-
envolvido (a) uma pluralidade e (b) uma pluralidade definida. A implicação destes dois
elementos deste ser ele descreveu metaforicamente com a geração do grande e do pequeno,
que fez a pluralidade, e o Um, que fez a pluralidade particular.
Aristóteles diz334 que a razão de Platão para fazer o segundo princípio de geração, uma
díade, foi que os números e)/cw tw=n prw/twn poderiam ser, apropriadamente, gerados fora
da díade como fora da matriz. Esta consideração é difícil de interpretar e a dificuldade é que
entendendo o que significa oi/ prw=toi a)rifmoi/. Aristóteles usa freqüentemente a frase para
designar o ideal de Platão como oposição aos números matemáticos, mas isto não pode ser,
claramente, o significado aqui, onde é preciso a geração dos números ideais, que estão em
questão. Taylor sugeriu335 que ‘exceto os primeiros números’, isto quer dizer, ‘exceto 1 e 2’, e
Becker336 assegurou que com ou sem a inserção do kai/ antes do e)/cw as palavras significam
‘depois dos primeiros números’ (1 e 2), mas estas interpretações estão abertas para objeção
que para os gregos 1 não era um número, e sim o ‘o princípio de número’337, e a interpretação
de Taylor está aberta para mais objeções, que até agora para ser alguma coisa que não pode
ser apropriadamente gerada dos primeiros princípios, o número 2 oferece o primeiro e mais
óbvio exemplo de tal derivação338.
334
987b33-988a1.
335
Em Mind, xxxvi (1927), 22-3 (=P.S. 135-6).
336
O. Becker, em Quellen u. Studien zur Geschichte der Mathematik, Astronomie u. Physyk, Abt. B, i. 4
(1931), 483 n.
337
Cf. 1088a6-8.
338
1081a23-5, 1083b23-5, 1091a9-12.
339
O. Toeplitz, em Quellen u. Studien, &c. Abt. B, i. I (1929), 22.
340
Platão também tem para isto a frase pro\j a)pifmo\j h)/ me/tron pro/j me/tron (Phil. 25 a 8), que é
inconsistente com o uso de a)pifmo/j sozinho no mesmo sentido.
341
1091a9-12
151
A Teoria das Idéias de Platão
ser que, se uma vez os números ímpares poderiam ser gerados, a geração dos números pares
deles não ofereceriam nenhuma nova dificuldade. Mas não há evidência externa para a
correção, e não há paralelo na literatura grega para esta interpretação. Então, nós estamos
nos dirigindo na suposição que Aristóteles quis dizer ‘exceto os primos’.
Neste caso Aristóteles omitiu os casos (b) e (c). Até esta omissão não é muito séria, o
significado dela pode ser que se Platão podia ter derivado os números primos, assim como o 2
e suas potências, dos princípios deles, os números compostos não teriam oferecido nenhuma
dificuldade; 6 poderia ser gerado do 3 e 10 do 5, assim como 2 já teria sido gerado pelo 1, e o 9
pelo 3 como o 3 teria sido gerado do 1.
Pode haver objeção para esta interpretação de prw/twn que 2, que Aristóteles,
repetidamente, descreve como o primeiro número gerado por Platão, é mesmo um número
primo. Mas Van der Wielen342 está provavelmente certo em sugerir que Platão seguiu uma
classificação pitagórica, na qual os números primos eram uma subdivisão dos números
ímpares e não era um número primo343.
Ibid. 30, “Se cada uma das unidades da díade deriva da equalização do grande e do
pequeno...”
1091a10, “De fato, eles [o grande e o pequeno] não podem dar origem ao número
senão pela duplicação do um.”
342
I.P. 131.
343
Nichomachus, Introductio Arithmetica, t.ii.2.
344
N.T: Trechos que seguem da Metafísica foram retirados de Aristóteles, Metafísica. São Paulo: Edições
Loyola, 2002. [tradução Marcelo Perine]
152
A Teoria das Idéias de Platão
Ibid. 33, “As unidades que se encontram na primeira díade produzem as quatro que se
encontram na tétrade.”
1082a28, “De fato, mesmo admitindo que as díades compreendidas na tétrade sejam
simultâneas, não obstante isso elas devem ser anteriores às díades contidas no oito, e como a
díade primeira gerou essas díades, assim elas geraram as tétrades contidas no oito-em-si.”
Aristóteles tem muito menos a dizer sobre a geração de números que não o 2 e suas
potências. O que ele diz é como segue:
1o83b28, ‘Como é que se dá com as unidades dentro do 3 ele mesmo? Uma delas é
uma unidade ímpar. Mas talvez seja por esta razão que eles dão ao 1 ele mesmo o lugar do
meio dentre os números ímpares.’
1091a23, ‘Estes pensadores dizem que não há geração dos números ímpares. ’
345
‘Recebendo’ não pegou, para o modelo de pequeno e grande era passivo, assim como para o da
fêmea em copulação, ou o da matriz.
346
O significado disto é bastante obscuro.
347
T.p.I.N. 280-2.
348
PP. 442-50.
349
1081ª25, 1083b24, 31, 1091ª25; em 1081ª24 a frase é explicitamente atribuída a Platão.
350
1132ª6-10, 24-30.
153
A Teoria das Idéias de Platão
conexão com 2 e suas potências, as quais são produzidas não pela partilha de uma diferença
mas pela duplicação, que Aristóteles usa a palavra ‘equalizar’.
Taylor sugere algumas pequenas variações da segunda sugestão de Robin, mas no final
expressa uma preferência por essa mesma sugestão351.
Estas interpretações estão suscetíveis a certas objeções. (1) É improvável que Platão,
alguém que insistia que os números ideais possuíam uma ordem fixa352, teria os produzido em
qualquer outra ordem que não a natural, e em especial, que ele teria trazido o número
sagrado 10 em qualquer posição que não a final. Aristóteles tem muito a dizer em sua crítica à
teoria platônica, mas ele em nenhum lugar reclama que ela produziria os números numa
ordem não-natural, e em duas passagens ele parece indicar o oposto disto. Em 1081ª17-29 ele
argumenta como se segue: ’Se as unidades, uma a uma, são incomparáveis entre si, a série
numérica então produzida (i) não pode ser numérico matemática, já que esta consiste de
unidades comparáveis, e (ii) não pode ser um número ideal, já que o número 2 não será o
primeiro produto do Um e da dualidade indefinida, e ser seguido pelos números sucessivos
como se é dito – 2, 3, 4 – porque as duas primeiras unidades em 2 serão anteriores ao 2’. Se
(como o argumento parece indicar) ‘como se é dito’ significar ‘como os Platonistas dizem’, a
passagem indica que os números foram gerados na ordem natural deles (mesmo que nem
todo número tenha sido necessariamente gerado a partir do seu antecessor imediato). A
mesma conclusão é sugerida pela passagem 1080ª33-5, ‘número ideal é contado, portanto -
depois de 1, um distinto 2 que não inclui o primeiro 1, e um 3 que não inclui o 2, e o resto da
série numérica similarmente’.
É tão improvável que Platão tenha gerado os números em qualquer ordem que não a
natural que alguém é tentado a sugerir uma variante da primeira interpretação de Robin, na
qual pelo uso alternado de multiplicação e adição os números podem ser gerados na sua
ordem natural. As duas sugestões de Robin e esta terceira sugestão podem ser
esquematizadas como se segue:
A B C
4+1 = 5 b
4+1 = 5 b 6+1 = 7 b
351
Mente, xxxvi (1937), 19-20 (=P.S. 131-2).
352
1080b12.
154
A Teoria das Idéias de Platão
8+1 = 9 b
5X2 = 10 a (6+8)/2 = 7 c
6+1 = 7 b
5 X ind.2 = 10 a
(8+10)/2 = 9 c
Se adição foi sequer usada, é provável que tenha sido usada como em C ao invés do
modo como é usada em A. Entretanto, cada um destes três esquemas é aberto a objeção de
que usam dois métodos diferentes para a geração de números diferentes; nós deveríamos
esperar que Platão se utilizasse de um método único. Neste ponto, nós podemos considerar (i)
A e C conjuntamente, e (ii) B.
(i) Teria Platão sequer usado a adição em sua geração dos números? O testemunho de
Aristóteles neste quesito é de difícil interpretação. Em 1081b12-2 ele diz, ‘Quer as unidades
sejam indiferenciadas ou diferentes uma a uma entre si, números devem ser contados por
adição, ex 2 através da adição ao 1 de um outro 1, 3 através da adição ao 2 de um outro 1, e 4
similarmente. Assim sendo, números não podem ser gerados como os Platonistas os geraram,
a partir de 2 e de 1; porque 2 torna-se parte de 3, e 3 de 4, e o mesmo acontece no caso dos
números sucedentes’. Isto sugere que no esquema Platônico 3 não foi produzido pela adição
de 1 ao 2, e de fato esta adição não foi sequer utilizada. Por outro lado, em 1083b28-30
Aristóteles diz, ‘Como é que se dá com as unidades no 3 ideal? Uma delas é uma unidade
ímpar. Mas talvez tenha sido por esta razão que eles deram ao 1 ele mesmo o lugar do meio
dentre os números ímpares’. Isto sugere que números ímpares foram produzidos pela adição
de 1 aos números pares anteriores.
Nós podemos ter certeza, todavia, que Platão não produzia os números ímpares pela
adição de 1 aos números pares; porque para fazê-lo seria necessário tratar o Um como parte
do ‘material’ dos números ímpares, quando é claro que ele tratava-o como um princípio
formal puro e simples. Nós devemos rejeitar os esquemas A e C igualmente, e supor que na
última passagem citada, Aristóteles está falando não sobre Platão, mas de algum membro
dissidente de sua escola.
155
A Teoria das Idéias de Platão
(ii) Não há nada nas considerações fornecidas por Aristóteles ou pelos comentadores
antigos que poderia definitivamente sustentar o esquema B. A abordagem mais próxima para
tal apoio pode ser encontrada na passagem da Física353 que diz ‘Platão concebeu os
indeterminados dois em número, porque supõe-se que eles excedam todos os limites e
procedem ad infinitum na direção de ambos do aumento e da diminuição’; mas não se pode
dizer que isso fornece sustentação bem definida ao esquema B. Mais provavelmente é apenas
um modo de dizer que pelo ‘grande e pequeno’ Platão quis dizer pluralidade indefinida,
variando de 2 à infinidade. O esquema B não pode ser descartado de primeira, mas também
não se pode declarar que ele está definitivamente estabelecido.
Uma nova linha de interpretação foi iniciada por Stenzel em seu livro Zahl und Gestalt.
Ele começa354 a partir de um exemplo típico do método de divisão aconselhado e praticado no
Sofista e Político:
onde a classe de coisas sem vida poderia, claro, ser dicotomizada assim como Platão
dicotomiza a de coisas vivas. Então355 sobre a analogia deste diagrama ele oferecesse o
diagrama seguinte como representação da geração de números de Platão:
353
206b27.
354
P. 11.
355
p. 31.
156
A Teoria das Idéias de Platão
A consideração de Stenzel é tão vaga que é impossível enxergar exatamente qual é sua
teoria. Sua abordagem inteira do problema é vulnerável a objeções fatais. (a) É baseada na
presunção que a derivação dos números de Platão pode ser explicada por uma referência ao
método de διαίρεσις exposto e ilustrado no Sofista e no Político. Mas não há nenhuma
analogia real entre os dois diagramas que ele usa para ilustrar sua teoria. Os números 2 e 3
não são espécies do gênero 1, como as coisas vivas e coisas sem vida são espécies do gênero
‘coisas que podem existir’. (b) Em tudo o que Aristóteles diz sobre a questão – e deve ser
relembrado que Aristóteles é nossa única autoridade original para a derivação dos números
platônicos – não há nenhuma sugestão que διαίρεσις tenha alguma coisa a ver com ela. O que
Aristóteles diz é que o Um era o elemento formal, e o grande e o pequeno o elemento quase
material, na geração dos números. O que isto sugere, como o ponto de partida da derivação
dos números platônicos, não é mesmo διαίρεσις, mas a πέρας e a άπειρον do Filebo. Stenzel
ignora completamente esta evidência. (c) Ele ignora as sugestões detalhadas que Aristóteles
fornece sobre a derivação de números particulares.356
Ele entende que o número 2 não poderia ser produzido, como na hipótese de Stenzel,
pela mesma dicotomia que produz o número 2, e para a produção do 3 e outros números
ímpares, ele se apóia em dicotomia subseqüente de uma das unidades produzidas por uma
dicotomia anterior:359
356
Para uma crítica mais completa da perspectiva de Stenzel’s, cf. Van der Wielen, I.P. 220-4.
357
Em Quellen u. Studien zur Geschichte der Mathematik, Astronomie u. Physik, Abt. B, i.
358
Quellen u. Studien, &c., p. 462.
359
Ibid. 468.
157
A Teoria das Idéias de Platão
A parte fundamental dessa teoria é, entretanto, que ‘às Idéias no esquema dicotômico
(a cadeia de Formas) respondem as unidades dos números ideais, não estes números eles
mesmos’364. Em outras palavras, um número ideal não é uma única Idéia, mas um grupo de
Idéias, cada qual responde à uma das unidades envolvidas no número ideal (ou até certo
ponto, pressuposto, já que é evidente que na perspectiva de Platão um número ideal não
continha unidades); um número ideal é um ‘número de Idéias’ no sentido de um grupo de
Idéias. Para apoiar esta tese, Becker cita um número de passagens365 nas quais άριθμός ocorre
360
Ibid. 467.
361
Ibid.
362
Ibid. 468.
363
Ibid. 473.
364
Ibid. 467.
365
1080b12, 1081ª21, 1083b3, 6-7, 1090b33, De Philosophia fr. 9.
158
A Teoria das Idéias de Platão
no singular em conjunção com o plural de ειδος ou de ίδέα. Mas um exame dessas passagens
mostra que nelas se faz uso não de um número ideal particular, mas de um âmbito inteiro de
números ideais, justamente como ό μαθηματικός άριθμός é usado coletivamente a partir dos
números matemáticos. Isto é ressaltado por Van der Wielen,366 que também mostra367 que
algumas outras passagens368 nas quais Becker se sustenta não provam seu ponto de vista.
366
P. 235.
367
Pp. 235-6
368
Phil. 18 c3-6; Met. 987b20-2, 1080a30-5, 1081a32-5, 1082a33-6, b23-6.
369
Quellen u. Studien zur Geschichte der Mathematik, Astronomie u. Physik, Abt. B, i. 1 (1929), 3-33.
370
Ibid. 10.
371
Ibid. 22.
159
A Teoria das Idéias de Platão
quais os números-Idéia são cópias372. Isto implica que Toeplitz considera que o έκμαγεϊον de
Aristóteles, que claramente no seu contexto373 significa ‘material plástico’, é um mould
impresso neste em tal material. Em geral, há uma grande dificuldade em descobrir exatamente
o que Toeplitz considera que ‘o Um’ e ‘o grande e o pequeno’ representam esignificam. E,
ademais, não há nenhuma evidência que mostre que, no tempo de Platão, άριθμός possa ter
sido usado com o significado de ‘proporção’, para o qual Platão tem suas próprias expressões,
λόγος e πρός άριθμόν άριθμός.374
Há uma passagem379 na qual Aristóteles vislumbra uma divisão similar de uma linha
como produzindo um ‘infinito por adição’ e um ‘infinito por divisão’, e conclui dizendo, ‘é por
esta razão que Platão também fez do infinito dois em número, porque se supõe que seja
possível exceder todos os limites e prosseguir ad infinitum na direção de ambos o aumento e
redução’.
372
P. 22.
373
988a1.
374
The former, passim. O ultimo em Phil. 25 a 8.
375
25 a 6-b 3, d 11-e 2.
376
Pp. 200-2.
377
I.P. 118-37.
378
453.25-454.7
379
Phys. 206b3-29.
160
A Teoria das Idéias de Platão
Baseado na passagem de Porfírio, Van der Wielen sugere que Platão usou uma linha
dividida, como ele já havia feito muito antes, para ilustrar uma doutrina filosófica. A linha pode
ser representada portanto:
Aristóteles descreve a gênese dos números ideais como um processo que tem o Um
como elemento formal e o grande e pequeno como o elemento material. Van der Wielen
interpreta isto significando que se ΓΔ (que é capaz de ser dividido em qualquer ponto Πn) for
dividido em seu ponto médio Π1, a forma Um, i.e a proporção 1 : 1, que é a proporção de ΓΠ1
à Π1Δ, transforma a proporção indeterminada de ΓΔ à Πn na proporção determinada (2 : 1) de
ΓΔ à Π1Δ, e portanto gera o número 2. Se Π1Δ for dividido em seu ponto médio Π2, a
proporção 1 : 1 de Π1Π2 à Π2Δ transforma a proporção indeterminada de ΓΔ à ΠnΔ na
proporção determinada (4 : 1) de ΓΔ à Π2Δ, e portanto produz o número 4; e um processo
similar determinará a proporção 8 : 1, e portanto produzir o número 8.
A teoria de geração dos números ideais de Van der Wielen é de alguns modos a melhor
dentre as quais, até aqui, já adiantamos. É baseada num estudo muito cauteloso de todas as
evidências encontradas em Aristóteles e outras referências. Faz total uso da importante
evidência fornecida por Platão quando ele identifica o ‘limite’ e o ‘ilimitado’ do Filebo, que são
claramente os ancestrais do Um e do grande e pequeno, com a proporção definida e a
ausência da proporção definida380. Mas ainda permanece uma grande brecha em sua
consideração; ela faz com que Platão gere apenas 2 e suas potências.
De fato, todavia, através, exatamente, de um método similar, Platão pode ter gerado
cada número a partir de seu predecessor:
Se ΓΔ é dividido em seu ponto médio Π1, a proporção 1 : 1 de ΓΠ1 a Π1Δ faz com que a
proporção de ΓΔ à Π1Δ seja 2 : 1 e portanto gera o número 2. Se ΓΔ for então dividido no
ponto Π2 para que a proporção de ΓΠ2 à Π2Δ seja 2 : 1, isto faz com que a proporção de ΓΔ à
Π2Δ seja 3 : 1 e portanto cria o número 3. E assim se segue ad infinitum.
Van der Wielen reconhece381 a possibilidade deste método de geração de números que
não o 2 e suas potências, mas o deixa de lado porque é inconsistente com a declaração em
Met. A. 6 de que o Um é o princípio formal na geração de todos os números. Mas não há
nenhuma inconsistência; o Um é decerto o princípio ativo na geração de todos os números,
mas isto não implica que ele intervenha recorrentemente a cada estágio; sua função é iniciar o
processo, como a proporção 1 : 1 de fato o faz. Tal situação é justamente o que a crítica de
Aristóteles em A. 6382 subentende:
380
24 e 7-25 b 3.
381
I.P. 132-3.
382
988a1-7
161
A Teoria das Idéias de Platão
A teoria não é sensata. Pois eles fazem muitas coisas a partir da matéria e a forma gera
uma única vez, mas o que observamos é que apenas uma única mesa é feita a partir de Uma
matéria, enquanto o homem que aplica a forma, apesar de ele ser um, faz diversas mesas. E a
relação do macho com a fêmea é similar; pois a última engravida por uma cópula, mas o
macho engravida diversas fêmeas; contudo estes são análogos àqueles primeiros princípios.
A crítica de Aristóteles é que uma única forma operando em uma única matéria pode
produzir somente um resultado, enquanto os Platonistas geram muitos produtos de uma única
matéria apesar da forma operar apenas uma vez; e isto é justamente o que acontece; numa
reação em cadeia tal como as que podemos supor que Platão tivesse em mente. Se podemos
aceitar a interpretação do Um como a proporção 1 : 1 de Van der Wielen, podemos segui-lo ao
dizer que o Um, i.e a proporção 1 : 1 entre as duas partes da linha, engloba a proporção 2 : 1
entre a linha inteira e uma de suas metades; e então o Um não necessita intervir novamente,
ou o 2 ira similarmente englobar o 3, e assim se segue ad infinitum.
Esta interpretação não deve ser rejeitada sob o domínio da declaração383 de Aristóteles
de que apenas os números compostos poderiam ser gerados adequadamente a partir dos dois
princípios de Platão, ou sua declaração384 de que ‘o grande e o pequeno proclamam-se contra
a tentativa de gerar a partir deles outros números que não o 2 e suas potências’, ou sua
declaração385 de que ‘eles dizem que não há geração dos números primos’, pois ele também
diz claramente que Platão afirmava poder gerar todos os números ideais. As primeiras duas
declarações subentendem apenas que Aristóteles considera que a tentativa de Platão tenha se
mostrado falha quando aplicada aos números primos, ou quando aplicada a qualquer número
exceto o 2 e suas potências, e a terceira declaração pode referir-se muito bem a alguns
seguidores de Platão, mas não a Platão.
162
A Teoria das Idéias de Platão
precisam desiguais porque uma era grande e a outra pequena. Sua perspectiva torna-se mais
clara em Phys. 203a15 e 206b27, onde ele diz, ‘Platão concebeu os indefinidos dois em
número’. Mas é muito mais provável, particularmente tendo em vista a indubitável
descendência do ‘grande e pequeno’ a partir do ‘mais e menos’ do Filebo, que Platão não
tenha o entendido como duas coisas, mas uma coisa só, pluralidade indefinida, que foi
chamada ‘o desigual’ simplesmente porque era capas de ser particularizada em números
desiguais variando de 2 à infinidade; de certo, em uma passagem,388 Aristóteles reclama que
Platão ‘trata o desigual, ou o grande e o pequeno, como sendo um’. Se Platão entendia ‘o
desigual’ como pluralidade indefinida, a função do Um, descrita como equalização, deve ter
sido uma de injetar definição, de impor forma definida sobre a pluralidade indefinida.
Nós não temos nenhuma garantia de que a expressão ‘dobrar’ para a função do grande
e pequeno remete à Platão. Não poderia ser que o uso dela por Aristóteles se deve ao mesmo
desentendimento, o de supor que o grande e pequeno de Platão fosse duas coisas, e não uma
coisa indefinida? Se esta suposição estiver certa, a função do grande e pequeno não teria sido
estritamente a de dobrar (apesar de sua primeira tarefa ser a de fornecer matéria para a
formação do número 2), mas simplesmente a de fornecer pluralidade ilimitada na qual o Um, o
princípio de definição, impunha especificações sucessivas e, portanto, produzia-se os números
sucessivos. Em uma passagem389 Aristóteles descreve o grande e o pequeno como uma
‘pluralidade generosa’.
388
1087b11.
389
1083a13 ---, não, como de costume, ---.
390
1081b21, 1082ª13, 33.
391
1082ª28-31.
392
1084ª6.
393
Cf. PP. 180-1.
163
A Teoria das Idéias de Platão
sendo aulas que teriam deixado seus ouvintes tentando entender e adivinhar os seus
significados. Como evidência de que há um certo montante de mal-entendidos na
consideração de Aristóteles sobre a ‘geração dos núumeros’ de Platão, alguém poderia indicar
duas passagens na Física as quais já receberam os devidos comentários394. Também pode ser
que algumas críticas de Aristóteles sejam direcionadas não ao que Platão disse, mas contra o
que Speusipo ou Xenócrates imaginaram que ele entendia, ou contra alguma nova ‘geração
dos números’ proposta dentro da Academia; pois na Metafísica M e N Platão é mencionado
pelo nome395 apenas uma vez, e das passagens nas quais a geração de um número particular é
descrita apenas uma396 claramente referem-se a ele.
(D) A questão da relação dos números ideais com as Idéias em geral pode ser melhor
considerada quando tivermos, primeiramente, examinado a perspectiva de Platão sobre as
‘coisas por trás dos números’, e das relações entre as Idéias e alma.
394
P. 147 supra.
395
1083ª32.
396
1081ª23-5.
397
1083b29.
164
A Teoria das Idéias de Platão
Eduardo Kisse
H
á três passagens nas quais Aristóteles se refere a uma crença sustentada por uma
parte da escola Platônica, em entidades espaciais como uma classe de coisas “depois
dos números” ou “depois das Idéias”:
992b13-18: “Nem isso pode ser explicado nem por como as linhas, planos e sólidos,
que vêm depois dos números, existem ou podem existir ou qual significância têm; pois eles não
podem nem ser Formas (visto não serem números), nem intermediários (visto ser objetos da
matemática) nem coisas perecíveis. Isso é, evidentemente, uma quarta classe.”
1080b23-8: “O caso das linhas, planos e sólidos é similar. Alguns pensam que o que é
objeto da matemática é diferente do que vem depois das Idéias e, dos que se expressam de
outro modo, a saber: os que não vêem as Idéias como números ou dizem que não existem,
alguns falam de objetos da matemática e num modo matemático; outros falam de objetos
matemáticos, mas não de modo matemático.
A descrição usual que Aristóteles faz da doutrina de Platão é a de que ele distinguia
três tipos de entidades: as Idéias, os objetos da matemática e as coisas sensíveis. O
reconhecimento de uma quarta classe logo após as Idéias, numa ordem hierárquica, deve
evidentemente ter sido um desenvolvimento tardio no pensamento de Platão. Há duas
passagens da Metafísica que iluminam sua origem2. Em1036a26 - b17, Aristóteles mostra que
quando uma forma é achada em conjunto com uma variedade de materiais, como a forma
398
Capítulo IX.
2
A importância disso é muito bem apresentada por Van der Wielen, em I.P. 144 à 147.
165
A Teoria das Idéias de Platão
circular pode ser encontrada tanto em bronze, quanto em pedra ou em madeira, é fácil ver
que o material não é parte da essência. Mas, quando a forma é sempre combinada com o
mesmo material ou conjunto de materiais, como as do homem são sempre com carne e ossos,
torna-se duvidoso se a definição deve conter referência ao material. Essa dificuldade, ele
acrescenta, é sentida por algumas pessoas sobre o círculo mesmo. Debate-se se extensão
espacial pertence mais à essência de uma linha do que bronze ou pedra pertencem à de uma
estátua e alguns platonistas chamam de dualidade a linha mesma, enquanto outros chamam
de Forma da (i.e. apenas seu elemento formal) linha, porque a linha não pode ser identificada
com o que é apenas seu elemento formal. Além disso, em 1043ª29 – 36, Aristóteles faz alusão
à questão sobre se a essência da linha é dualidade incorporada em comprimento ou
simplesmente o dois.
Até um certo tempo então Platão estava satisfeito em simplesmente distinguir Idéias,
objetos matemáticos e coisas sensíveis399, mas, quando ele identificou as Idéias ou, antes, as
mais altas, mais abstratas Idéias com números, ele teve que reconhecer uma classe mais baixa
de Idéias, cada uma das quais incluía em sua essência uma referência a extensão espacial e
também a números, então a Idéia de linha, por exemplo, era “dualidade em comprimento”.
Essas Idéias eram para os objetos da geometria e para os objetos espaciais sensíveis como as
Idéias-números eram para os objetos da aritmética e para grupos de números sensíveis. Eles
diferenciavam-se dos objetos matemáticos por serem únicos e dos objetos sensíveis por serem
únicos, eternos e imutáveis.
Temos que considerar agora se Platão considerava como princípios geradores essas
“magnitudes” e o que deve ser considerado primeiro é a questão dos princípios materiais. Na
terceira das passagens nas quais há referência a essas magnitudes2 e em duas outras3,
Aristóteles fala dos platonistas que trataram do longo e do curto como os princípios materiais
da linha ideal, do largo e do estreito como os do plano e o fundo e o raso como os do sólido.
Em nenhuma das passagens, essa doutrina é expressamente atribuída a Platão, contudo, como
havíamos visto, foi ele quem acreditou nessa “quarta classe”. Além disso, em cada passagem,
indica-se que esses princípios matérias são formas do grande e do pequeno. Desde que o
tratamento do grande e do pequeno enquanto princípios materiais das Idéias-números é
atribuído a Platão, é menos natural supor que foi ele quem tinha a visão correspondente sobre
linhas, planos e sólidos e que, por grande e pequeno, ele quis dizer pluralidade indefinida e,
por longo e curto, extensão indefinida em uma dimensão e, por fundo e raso, extensão
indefinida em uma terceira dimensão.
A conclusão que Platão estava entre aqueles que tinham essa visão é confirmada por
duas outras passagens. Em 1085ª31-4, ela é distinguida de outra que era muito certamente a
de Espeusipos4 e, em 1090b37-1091ª1, uma passagem que certamente refere-se a Platão5,
vemos que ele gerava magnitudes espaciais de grande e pequeno de outro modo que não
aquele pelo qual ele gerou as Idéias-números. Isso claramente refere-se ao longo e ao curto,
ao largo e ao estreito e ao fundo e ao raso.
399 b b 2 3 b b
987 14-18, 1028 18-21. 1085ª7-12. 992 10-13, 1089 11-14
4
Nela, o princípio material de número é referido por plêthos, que era provavelmente o nome para isso.
5 b
Oi prôtoi dúo toùs arithmoùs poiésantes, 1090 32.
6 b 7 b 8
1036 12-17, 1043ª29-36. 1090 20-32. i.e. qualquer teorema matemático.
166
A Teoria das Idéias de Platão
Mas serão essas magnitudes espaciais Idéias, quais são seus modos de existência e
quais são suas contribuições às coisas? Elas não contribuem em nada, tal como os objetos da
matemática. No entanto, não há exatamente um teorema8 verdadeiro sobre eles [exceto por
alguém que escolha adulterar os objetos matemáticos e inventar doutrinas próprias. Mas não
é difícil assumir qualquer hipótese ao acaso e daí derivar uma longa lista de conclusões. Então,
esses pensadores, sendo apegados deste modo aos objetos da matemática tanto quanto às
Idéias, estão errados.] Os que primeiro colocaram dois tipos de números, os das Formas e os
que são matemáticos, não disseram ou podem dizer como números matemáticos existem nem
do que derivam-se.
Aqui, a frase “os que acreditam nas Idéias” inclui Platão e Xenócrates e separa-os de
Espeusipos, de quem se trata em b13-20, e a atribuição dos números 2, 3, 4 à linha, ao plano e
ao sólido refere-se aos dois. Mas a frase “Elas não contribuem em nada, tal como os objetos da
matemática.” Mostra que Aristóteles tem primeiro em mente um pensador que distinguia
Idéias dos objetos da matemática, i.e. não Xenócrates, mas Platão. É apenas na passagem que
marquei com os colchetes, que há referência exclusiva a Xenócrates e, imediatamente após
isso, Aristóteles retorna a Platão.
Do mesmo modo que Platão no Timeu modela a alma a partir de seus elementos.
Semelhança, diz ele, conhece-se por semelhança e as coisas são formadas dos princípios ou
elementos.2 (l.18) Também de modo semelhante, em tois peri filosofías legoménois, foi
estabelecido que o Universo vivente é composto da Idéia mesma do Um em conjunto com os
comprimento, largura e profundidade primários, todas as outras coisas sendo
semelhantemente constituídas. (l. 21) De novo, desta vez em outros termos, foi dito que a
razão seria o Um, ciência seria a díade (porque vai sem desviar-se a um ponto), opinião seria o
número do plano e sensação seria o número do sólido. Pelo fato dos números serem
identificados com as Formas mesmas ou princípios e serem formados dos elementos. (l. 25)
400 b 2 3
404 16-27. De modo que a alma assim também deve ser. I.P.158-68.
4
A.C.P.A. 565-80.
5
É assim que Filoponus (75.34-76.1) toma a passagem. Simplício expressa mais resumidamente a
mesma visão (28.7-9). Themistius toma a passagem para referir-se às visões de Xenócrates (11.37-12.7),
mas também àquelas de Platão (12.28).
6 b
Met. 6ª23- 9.
167
A Teoria das Idéias de Platão
Agora as coisas são apreendidas por razão, por ciência, por opinião ou por sensação e esses
mesmos números são as Formas das coisas.
Eu deixei as palavras en tois perì filosofías não traduzidas, porque seus significados são
questionados. Alguns acham que se referem às leituras de Platão da filosofia e elas, às vezes,
têm sido identificados com a leitura do Bem. Outros pensam que se referem ao diálogo
aristotélico Da Filosofia, na qual ele estabeleceu e comentou as mais importantes doutrinas
dos primeiros filósofos, incluindo Platão e sua escola. Van der Wielen3 entende as palavras
num sentido mais primário e afirma que a passagem toda refere-se a Platão. Professor
Cherniss4 entende-as num sentido menos formal e afirma com igual convicção que a passagem
refere-se, exceto pela primeira sentença, a Xenócrates. A questão se en tois perì filosofías
legoménois significa “no meu Da Filosofia” ou “nas leituras de Platão da filosofia” não é crucial.
Pois, mesmo se a visão mais primária estiver correta (como acho que está), a referência deve
muito bem ser ao relato de Aristóteles da doutrina platônica.5 A passagem toda 404b16-27 é
lida mais naturalmente se vista como fazendo referência inteiramente a Platão. E deve-se
notar que, quando em b27-30, Aristóteles menciona uma visão que é certamente a de
Xenócrates, ele marca a transição, dizendo “alguns pensadores achavam” isso e aquilo.
A maioria das pessoas vai a um certo ponto e então param, como aqueles que
configuram o Um e a díade indefinida fazem. Gerando os números, planos e sólidos, eles
omitem quase todas as outras coisas restantes, exceto por tocar no assunto e deixar mais claro
que algumas coisas procedem da díade indefinida, como por exemplo, lugar, o vazio, o infinito
e outras, dos números e do Um, como por exemplo, alma e certas outras coisas... no entanto
dos Céus e das coisas restantes no universo, eles não fazem nenhuma menção além. E,
similarmente, a escola de Espeusipos não o faz, nem tampouco outros filósofos, exceto
Xenócrates, pois ele, de algum modo, atribui a tudo seu lugar no universo, de modo parecido
com os objetos dos sentidos, objetos da razão ou objetos da matemática e coisas divinas
também.
Qual, então, é a visão até a qual linhas, planos e sólidos dizem respeito? É a que a Idéia
de linha foi derivada do número 2 e de comprimento indefinido, a Idéia de plano, do número 3
e de profundidade indefinida. A isso, podemos dar um significado inteligível. Para Platão, os
401 2
Adv. Math. 10.278-80. Cf. capítulo XII. 3 1043ª34
4
30 b 8.
168
A Teoria das Idéias de Platão
169
A Teoria das Idéias de Platão
Juliana Rabelo
O
grande platonista, Leon Robin, pondera a visão platônica que atribui à alma uma
afinidade especial com os ‘’inter-mediários’’, os objetos da matemática. É pouco
provável que Platão tenha considerado tal estranho ponto de vista, e não há provas
de que ele o tenha de fato feito.
Há ainda evidências para dizer que Platão considerou que a alma é, em algum sentido,
intermediária entre as Idéias e as coisas sensíveis, assim como, que ele tenha considerado que
os objetos da matemática também sejam (embora por um motivo bem diferente). Há uma
passagem no Fédon que descreve a alma como semelhante às Idéias e mais real do que os
corpos: “A alma é mais similar ao divino, imortal,
inteligível, uniforme, indissolúvel, e imutável; assim como o corpo é mais similar ao humano,
mortal, multiforme, ininteligível, dissolúvel, e em perpétua mudança". Existe a afirmação, nos
sofistas de que a alma possui a verdade do ser, nada menos do que as Idéias. Há uma
afirmação nas Leis de que “a alma está entre as coisas primeiras, a mais velha nascida do que
todos os corpos e fonte primordial de todas as suas alterações e transformações”. Além de
tudo, há também a passagem do Timeu na qual ele atribui à alma formas de existência,
igualdade e diferença intermediária entre os que são próprios das Idéias e os que são próprios
dos corpos. Com esta passagem, podemos conectar a declaração de Aristóteles de que "Platão
no Timeu constrói a alma sem elementos, para então manter, como se sabe as coisas
compostas de elementos finais”. Robin supõe que os elementos em questão são o Uno e a
indeterminada Díade, que iriam ligar a alma de uma só vez com os números ideais. Mas no
Timeu nada é dito sobre o Uno e a indeterminada Díade; os únicos elementos atribuídos à
alma são igualdade e diferença. Da mesma maneira que Aristóteles pensa, é mostrado,
também, por sua declaração de que a razão para Platão ter atribuído os mesmos elementos a
alma assim como para as coisas sensíveis
170
A Teoria das Idéias de Platão
pode apenas ser conhecida da seguinte maneira: precisamente a razão que é dada por Platão
na passagem do Timeu atribui ao ser, igualdade e diferença como semelhantes às idéias, almas
e corpos. O argumento é corretamente resumido por Proclus: A alma consiste de três partes:
Existência, igualdade e diferença, sob uma forma inter-mediária entre as coisas indivisíveis e
divisíveis, por meio destas, ela conhece ambas as ordens das coisas... Para todo efeito é assim
realizado através da semelhança entre o conhecedor e o conhecido.
Mais tarde, porém, Platão parece ter oferecido outra proposição análoga entre a alma
e os objetos de sua consciência. Teofrastus nos diz que Platão derivou a alma dos números e
do Uno. E Aristóteles, na De Anima, imediatamente após demonstrar que no Timeu Platão
usou o princípio da reminiscência diz:
“Semelhantemente também ev góis pepi filouofiaj legouevoij foi separado que o animal em si
mesmo é composto da idéia – em si mesma do Uno junto com o primário comprimento,
largura e profundidade, e tudo mais semelhantemente constituído. Novamente, isso foi
colocado de outra maneira: Razão é o mono, ciência o duo (isso vai de acordo com uma única
conclusão), opinião do número do plano, sensação do número do sólido. Os números são
expressamente identificados com suas próprias formas ou princípios, e são formados sem
elementos; agora as coisas são apreendidas também pela razão ou pela ciência ou pela opinião
ou pela sensação, e esses mesmos números são as formas das coisas.”
A razão era correlata com o Uno porque era a apreensão direta da idéia única. Ciência era
correlata com o número 2 porque vem de um dado único até uma única conclusão (assim diz
Aristóteles), e os antigos comentadores do De Anima são portanto,
171
A Teoria das Idéias de Platão
provavelmente, corretos em dizer que opinião era correlata com número 3 porque este se
move diferentemente de um único dado também à uma verdade ou a uma falsa conclusão;
alternativamente talvez tenha sido correlato com o número do plano porque, a partir de um
ponto em um plano linear pode ser atraída qualquer direção, então de um único dado a
opinião pode atrair qualquer um dos números de conclusões.
A razão dada pelos antigos comentadores para a correlação da sensação com o número 4 –
que os objetos no mundo sensível são sólidos e 4 era o número atribuído ao sólido – não está
nas mesmas linhas como suas proposições de outras correlações, mas isso se deriva de uma
base da passagem nas Leis: “a condição em que vem-a-ser universalmente acontece – o que é
isso?” Manifestadamente é resultado sempre que um ponto de partida recebe uma melhoria e
então vem para sua segunda fase, e desta para próxima e assim por três fases adquire
perceptibilidade. Desse modo, Platão diz que nem um ponto, nem uma linha, nem um plano,
mas somente um sólido é um possível objeto de percepção.
Em sua última fase, então, Platão estabelece uma correlação entre quatro faculdades da alma
e quatro tipos de objetos geométricos. Entre sensação e o sólido, ele reconheceu uma direta
correlação, tratando um propriamente como objeto do outro. Entre razão e o ponto, entre
ciência e a linha, entre opinião e o plano, ele reconheceu nenhuma correlação direta, mas ele
correlacionou ambas razões e o ponto com o Uno, ciência e sua linha com seu número 2,
opinião e seu plano com seu número 3.
172
A Teoria das Idéias de Platão
Beatriz Feretti
N
ós estamos agora em uma posição melhor do que estivemos até agora, considerando
a relação, no sistema de Platão, entre os números ideais e as Idéias em geral. Por um
lado, existe uma série de passagens impostas nas quais Aristóteles diz, ou claramente
sugere, que para Platão todas as idéias eram números. Por outro lado tem uma passagem
importante na qual Teofrasto diz que números(ex. os números ideais) eram mais fundamentais
do que as idéias (ex. as outras Idéias). 'Platão ao reduzir as coisas aos princípios regentes
parecia estar tratando de outras coisas' (ex. coisas sensíveis) 'relacionando-as com Idéias, e
estas com os números, e estes números com os princípios regentes. Existe aqui um a aparente
contradição. Aristóteles identifica os números ideais com Idéias em geral; Teofrasto coloca os
números ideais acima dos das outras Idéias, intermedia entre eles e os primeiros princípios, ex.
Aquela e a 'grande pequena'. Prima facie, as evidências de Aristóteles tinha mais peso do que
as de Teofrasto, partindo do princípio de que Teofrasto provavelmente aprendeu o que ele
sabia sobre as ‘doutrinas não escritas’ de Platão com Aristóteles. Mas o argumento de
Teofrasto é muito definido e recebe apoio de uma passagem em qual Sexto Empírico diz: ‘As
idéias, que são incorpóreas, estão, de acordo com a Platão, anteriores aos corpos, e cada uma
das coisas que venha a existir está modelada nelas; mas elas não são o primeiro princípio das
coisas existentes, pois cada idéia tomada separadamente admite-se como uma unidade, em
virtude de suas inclusões de outras idéias, é dito ser duas ou três ou quatro, para que haja algo
maior do que a natureza delas, especificamente número, pela participação em que ‘um’ ou
‘dois’ ou ‘três’ ou até números maiores são predicados delas. Além disso, uma das passagens
em que Aristóteles se refere a esta questão, acaba por criar uma certa duvida em sua
identificação das idéias com números; “Se as idéias não são números, então nenhuma delas
pode existir de fato. De que princípios essas idéias serão derivadas? É o número que vem ou
provem daquela e da indefinida interação e os princípios ou elementos são ditos a serem
princípios e elementos de número, e as idéias não podem ser classificadas como anteriores ou
posteriores aos números”. A última cláusula dessa passagem sugere que o argumento de
Aristóteles em que Platão identificou as idéias com números foi baseado em sua inferência
sobre o que Platão disse, e não só como um simples argumento de Platão.
173
A Teoria das Idéias de Platão
raças que o mundo conheceu, no auge de sua civilização. Só podemos concluir que se eles
disseram, ‘todas as coisas são números’, o que eles quiseram dizer era que na base de todas as
coisas reside uma certa estrutura aritmética. Nós conhecemos algumas das instâncias que se
tinham em mente. Eles sabiam que as medidas 1:2, 2:3, 3:4 estavam na base de intervalos
melódicos; eles conheciam muitas das medias que existem entre as figuras geométricas.
Partindo de fatos como estes, eles fizeram a ousada generalização de que números sustentam
a base de tudo. E eles também disseram, ao expressar isto, 'todas as coisas são números', que
na verdade, não significa mais do que as “coisas existem por imitação dos números”, como
Aristóteles expressa, em uma das suas passagens, a visão deles.
É provável, então, que Platão não tenha identificado as idéias com números, mas
apenas atribuiu números a idéias; ele resguardou algumas idéias como monádicas, outras
como diádicas e assim por diante. Se procurarmos por espécimes de sua atribuição de
números a idéias, nós encontramos duas passagens que parecem promissoras. Em Met.
1081a11 Aristóteles diz, “Esse três não e mais como o homem em sido que qualquer outro
três”, e em 1084ª14, “Se o número três é o homem em si”. Mas em 1084ª25, ele diz “Se o
homem é o número 2”; então ele está claramente criando suposições pelo propósito do
argumento; então é ele quando ele diz “Se 4 ele mesmo é a idéia de nada, assim como idéia de
cavalo e como idéia de branco”
Existem duas outras referências que devem ser consideradas juntas. Uma está em
Met. 1084ª33-7, onde nos dizem que membros da Academia 'criam os derivados – o vácuo,
proporção, o estranho, e outras coisas do gênero – dentro da década. Para algumas coisas –
movimento e descanso, o bem e mal – eles atribuem aos primeiros princípios, e para os outros
números. Isso é o porquê eles identificam o estranho com Aquele.' A segunda passagem é
Teofratos, Met.6ª23-b3, que foi citada na página 210 – 11 acima.
174
A Teoria das Idéias de Platão
Como para princípios gerais os quais, separados desses casos, Platão conectou uma
idéia particular a um número particular do qual não temos nenhuma informação definitiva.
Mas seria seguro dizer que ele atribuiu um número dado a uma idéia dada apenas se ele
pensou que a idéia de alguma maneira envolvia aquele número de elementos; e podemos
talvez ser um pouco mais definitivos do que isso. Stenzel, e a escola de intérpretes que o
seguiu, interpreta a teoria do número ideal pela luz da divisão pregada e praticada em Sofista e
Político. Na base do número 1, seria atribuído a qualquer summum genus o número 2 a
espécies vindas imediatamente sobre um summum genus (desde que este contenha dois
elementos, um genérico e um diferencial), e assim por diante. Mas isso não é o principio em
qual os números 2, 3 e 4 foram atribuídos à linha, ao plano, e ao sólido, e os números 1, 2, 3, 4
para razão, ciência, opinião, sensação; para uma linha não e o tipo de ponto, para o plano não
é o tipo de linha, para um solido não é um tipo de plano, nem a ciência é um tipo de razão,
opinião é um tipo de ciência, sensação é um tipo de opinião. O argumento de Platão sobre os
números para com essas entidades é muito maior nas linhas do artigo pitagórico do número 4
para justiça. Por essa analogia, podemos justamente supor que Platão atribuiria 1 a idéia de
ser, e 2 a esse mesmo e a diferença deste. Atribuições de outros números a outras idéias
podem ser facilmente deduzidas; mas a extrema insuficiência da atual atribuição reportada em
Aristóteles ou em qualquer outro lugar sugestiona que Platão confinou-se declarando seus
princípios gerais e deu algumas ilustrações disso.
175
A Teoria das Idéias de Platão
Se Platão não identificou as idéias com números, mas apenas atribuiu números às
idéias, ex: classificar idéias como monádicas, diádicas, etc, a teoria não é, de forma alguma, a
fantasia selvagem a qual a primeira vista parece ser: nela, Platão estava apenas carregando o
esforço da abstração para um ponto mais longe que esta já havia sido carregada em abstralizar
idéias de senso particular.
176
A Teoria das Idéias de Platão
Diogo
E
m seu resumo da fase mais recente de metafísica de Platão, Aristóteles não diz
somente que Platão tratou o Uno e o grande e o pequeno como sendo
respectivamente a forma e o princípio material envolvido no ser das Idéias, mas
também que ele considerou as Idéias de grande e pequeno como os princípios envolvidos no
ser nas coisas sensíveis; e temos agora que considerar uma interpretação de tal afirmação. A
linguagem de Aristóteles sugere que o elemento material nas coisas sensíveis eram idênticas
aos elementos materiais nas Idéias, mas é difícil acreditar que Platão em sua construção de
coisas sensíveis simplesmente adicionou uma segunda dose exatamente do mesmo princípio
que ele já usou uma vez na construção das Idéias. O mais óbvio fato sobre os corpos é sua
extensão espacial, e elas não poderiam derivar nem dos números Ideais ou do grande e
pequeno que Platão usou ao construir os números Ideais, que eram pluralidade simplesmente
indefinida. No Timeu ele havia claramente reconhecido espaço como algo que era tão
necessário para a existência das coisas sensíveis assim como para as Idéias das quais elas eram
cópias; e dificilmente acreditaremos que ele tenha voltado atrás nesta doutrina.
Aristóteles toca nessa questão em sua discussão sobre ‘lugar ' na Física; Platão no
Timeu observa 'digamos que matéria e espaço são os mesmos; para o participante (to
metalvptikov) e espaço são idênticos. É verdade, de fato, que a proposição lá dada por
ele de participante é diferente do que ele diz em seu tão chamado ensino não escrito. Não
obstante, ele identificou lugar e espaço. E mais tarde afirma ‘Platão devia nos dizer por que as
Formas e os números não estão no lugar, se o que participa é lugar-- se o que participa é o
grande e pequeno ou a matéria, como ele chamou no Timeu. Estas alusões mostram
claramente que Aristóteles não leu o Timeu com cuidado; elas contêm dois erros óbvios.
402
177
A Teoria das Idéias de Platão
‘cadeira' (edpa)' adequada. Mas em primeiro lugar Aristóteles está errado em identificar isto
como a ‘matéria ' que toca uma parte tão grande de sua própria filosofia. A palavra ulv;
aparece no Timeu, mas em um contexto muito diferente e com um significado distinto; e
Platão deixa isso tão claro que ele concebe espaço não como a matéria das coisas sensíveis,
mas como o campo em que elas passam a ser. Ele se coloca passível ao erro quando ele ilustra
a função de espaço referindo tal como um tipo de matéria plástica (ekmageion), e compara
isto a um amontoado de ouro que pode ser formado e reformado. Mas isto é só uma
comparação; sua proposição tomada como um todo torna isto claro de maneira que ele
considera espaço não como uma matéria a ser formada em coisas sensíveis, mas como o
campo em que elas vêm a ser. E em segundo lugar, o que este campo recebe não são as Idéias
(como a objeção do Aristóteles implica), mas as cópias das Idéias.
Já que Aristóteles comete seguramente tais enganos, é fácil supor que ele tenha
cometido ainda outro. Platão pode ter usado muito bem, em sua proposição da gênese dos
números Ideais, a frase ‘o participante ' ou algo equivalente, mas Aristóteles deve ter se
enganado em supor que através disso Platão quis falar do mesmo participante que ele usa no
Timeu; o que ele necessitou na derivação das coisas sensíveis foi extensão ilimitada, mas na
derivação números Ideais pluralidade indefinida. Novamente, Platão poderia ter também a
frase ‘o grande e pequeno ' em ambas as conexões, mas essa frase é aplicável tanto para
extensão indefinida pelo menos como também para pluralidade indefinida.
Se esta linha de pensamento for correta, a afirmação de Aristóteles de que 'a matéria
subjacente das Formas são predicadas no caso das coisas sensíveis, e o Uno na tranqüilidade
das Formas, é um Duo, o grande e pequeno é de certo modo uma leitura precipitada do Timeu,
e de certo modo um precipitado conflito de que Platão escreveu no Timeu sobre a geração de
coisas sensíveis com que ele havia dito em seus ‘ensinos não escritos ' sobre a geração das
Idéias.
178
A Teoria das Idéias de Platão
Platão não fez como Aristóteles diz uso do mesmo participante em sua construção dos
números ideais e nem em sua construção de coisas sensíveis, mas no primeiro caso pluralidade
indefinida e no outra extensão indefinida. Não poderia existir um número a não ser que tivesse
unidade e pluralidade, já que cada número era tanto Forma única como também uma espécie
da pluralidade de gênero. Não poderiam ser coisas sensíveis a não ser que tivessem existido
Idéias das quais eram imperfeitas exemplificações e extensão em que elas devem existir, ‘sob
pena de sequer existir'.
Neste momento uma questão surge naturalmente. Platão já tinha pelo que parece,
usado extensão indefinida (a longa e curta, &c.) na geração da linha ideal, plano, e sólido. Ele
usa a mesma extensão indefinida na geração de coisas sensíveis? A resposta, acho pouco
distante para encontrar. O ‘sólido ideal' não é um sólido; é solidez; e o ‘ espaço envolvido em
seu ser não é espaço, mas espacialidade; o ‘sólido ideal' é o quatro exibido em espacialidade.
Deste modo, espaço em si mesmo, que tem espacialidade, ainda existe para ser usado na
geração de coisas sensíveis que são exemplificações de ‘o quatro’ exibidos na espacialidade.
¹ Tim. 52 c 5.
² `Platão mesmo acostumado a se opor aos pontos como um dogma geométrico. Ele
costumava dar o nome de “princípio da linha” – assim ele usualmente posicionava – a suas “indivisíveis
linhas” ‘ (992 a 20-2).
179
A Teoria das Idéias de Platão
Isto se torna mais inteligível se nós supusermos que ele não só pensou em um ponto de
posição, sem nenhuma magnitude impossível, mas pensou também uma linha de
comprimento, mas nenhuma largura ou profundidade, e um plano de comprimento e largura,
mas nenhuma profundidade, impossível. As Idéias de posição, comprimento, largura, e
profundidade permanecida para ele como real e distinta; mas pode-se sugerir que ele veio a
pensar que a suposição da existência de pontos, linhas, e planos que definiu pelos
matemáticos eram simplesmente uma invenção necessário por fazer possíveis o estudo de
sólidos.
Deve ser lembrado que no Timeu, explicar a existência do mundo sensível de Platão
sugere somente três coisas, separadamente de Diógenes — as Idéias, ‘as coisas que entram e
saem do espaço ', e espaço propriamente. Mais adiante, as coisas que entram e saem do
espaço não são o intermediárias como são os objetos da matemática; para elas são sensíveis e
produzíveis enquanto os intermediários não são sensíveis e eternos. Novamente, as coisas que
entram em e somem do espaço não são perfeitos exemplificações de Idéias, mas
aproximações somente íntimas para tal ser; ‘no que se relaciona a seus números, seus
movimentos, e seus poderes em geral, nós devemos supor que o deus ajustou elas em
proporção devida, quando ele trouxe para dentro cada detalhe para a mais perfeição de exato
permitido por Necessidade de boa vontade concordando com persuasão'. Assim, os
intermediários não formam nenhuma parte de esquema cosmológico de Platão, e ele parece
altamente provável que ele veio considerá-los como ficções necessárias para geometria, mas
não tendo nenhum lugar em realidade. É possível que até quando ele escreveu a República ele
veio pensar que isto é parte de seu significado quando ele falar de dialético como anulando as
hipóteses de matemática.5
_______________________________________________
¹ 51 e 6-52 b 5. ² 52 a 5.
180
A Teoria das Idéias de Platão
XVII - RETROSPECTO
Tradução:
A
essência da teoria das idéias se apóia no reconhecimento consciente do fato que há
uma classe de entidades, para a qual o melhor nome provavelmente é ‘universais’, que
são totalmente diferentes das coisas sensíveis. Consciente ou não, qualquer uso da
linguagem envolve o reconhecimento do fato de que há tais entidades; pois toda palavra
usada, exceto nomes próprios – substantivo abstrato, substantivo comum, adjetivo, verbo, até
mesmo todo pronome e toda preposição – é o nome para alguma coisa da qual há ou talvez
haja exemplares. O primeiro passo para o reconhecimento consciente desta classe de
entidades foi, se nós podemos acreditar em Aristóteles, tomado por Sócrates quando ele se
concentrou na busca por definições; a pergunta pelo sentido de uma palavra comum foi um
passo do mero uso da palavra para o reconhecimento dos universais como uma classe distinta
de entidades. Mas Sócrates deu a impressão de estar interessado na definição de uma coisa
por vez, e não pareceu ter visto o significado geral do que ele estava fazendo; Platão
realmente viu que o que era comum a toda busca de definição era a suposição que há tais
coisas como os universais. Ele viu também que a diferença objetiva entre universais e
particulares corresponde à diferença subjetiva entre ciência e percepção dos sentidos. Os
sentidos tornam presentes para nós um mundo de eventos particulares, no qual as qualidades
estão presentes quase inextricavelmente conjugadas e confusas; se nós recorrêssemos apenas
aos sentidos, nunca seríamos capazes de nos desvencilharmos deles e alcançar o claro
entendimento da estrutura do mundo. Mas, com razão, nós temos uma faculdade pela qual
nós podemos capturar os universais na sua forma pura e até certo ponto ver a relação que
necessariamente existe entre eles. O melhor exemplo que nós temos deste poder se acha na
matemática, e Platão foi o primeiro pensador que viu isto claramente. Quando dizemos que ‘2
mais 2 são 4’, nós não estamos simplesmente insinuando que experimentamos com
freqüência exemplos, situações, nos quais isto é assim, e que nunca achamos um exemplo do
contrário; o que é verdadeiro de ‘2 mais 2 são 4’, nos advém das mais avançadas proposições
matemáticas, ou seja, nós percebemos da natureza do sistema dos números que isto deve ser
assim. Platão viu na matemática o mais claro exemplo do poder da mente para perceber
relações entre os universais, e é por isso que, na República, ele faz da matemática a introdução
necessária à filosofia. Mas isto era somente o começo para o que ele considerou como a
possibilidade de percebermos similarmente as relações necessárias entre outros universais,
diferentes daqueles tratados pela matemática; no Fedon ele nos deu uma, e no Sofista uma
outra, modesta demonstração de tal compreensão403. De maneira geral, isto ainda é um anseio
insatisfeito; mas nós devemos a Platão que tenhamos tal aspiração de todo modo. Ele às vezes
expressava seu anseio intensamente, como na República, por exemplo, em que ele fala da
dedução de toda a natureza do sistema das Idéias de um único indubitável primeiro princípio.
Nisto ele estava enganado; Aristóteles estava mais próximo da verdade quando sustentou – e
403
Cf. pp. 32-3, 111-16.
181
A Teoria das Idéias de Platão
isto é a essência da sua teoria do silogismo – que apenas por combinar duas premissas
relacionadas de certa maneira é que nós podemos extrair novas conclusões. Mas, como nós
vimos404, a doutrina de Aristóteles ela mesma deve sua origem a um princípio metafísico que
Platão descobriu, que são as Idéias tão relacionadas entre si mesmas que uma ‘arrasta’ a outra
consigo – em outras palavras, na sua crença de que o mundo das Idéias forma um sistema de
relações necessárias. Apesar desta comunidade de pensamento entre Platão e Aristóteles, a
questão na qual Aristóteles coloca tanta tensão – aquela quanto a se os universais existem a
parte dos particulares ou não - parece quase ser uma mera questão de palavras.
Qualquer um que escreva sobre a teoria das Idéias é obrigado a declarar tão
precisamente quanto possa o que realmente era a concepção de Platão da relação das Idéias
com os particulares. Quando a escola de Marburg de Cohen e Natorp estava em ascensão, era
comum dar-se um valor puramente conceitualista da visão de Platão, e se falar que toda noção
de ‘separação’ das Idéias dos particulares foi forjada nele por Aristóteles. Este ponto de vista
não sobreviverá a um exame; ele é a expressão do que os seus detentores pensam que Platão
deveria ter dito, e não o que ele realmente disse. Seria fácil encadear passagens tiradas de
todos os períodos da vida literária de Platão nas quais existência objetiva é atribuída as Idéias.
Aqui estão passagens de três períodos.
‘No início de nossa palestra foi afirmado que uma coisa se forma da coisa contrária;
mas, neste momento, o que se diz é que o contrário em si não se forma de seu contrário, tanto
em nós mesmos quanto em sua natureza’.
‘Estas formas são, como eram, modelos fixos da natureza das coisas; as outras coisas são feitas
segundo sua imagem e lhes são semelhantes.’
‘Haverá o que se denomina o fogo em si mesmo, e todas as coisas a que nos referimos
a cada instante, como existentes em si mesmas? Ou só terão esta realidade as coisas que
vemos ou de outro modo percebemos por meio do corpo, nada mais havendo, além dessas
coisas em parte alguma, e não passando de palavrório sem significado tudo o que afirmamos a
respeito da existência de uma idéia inteligível para cada coisa? Simples palavreado tudo
isso?...Se a inteligência e a opinião verdadeira constituem gêneros distintos, então essas coisas
existem certamente em si mesmas: são idéias que não percebemos por meio dos sentidos, mas
apenas por intermédio do espírito...Se for assim, teremos que admitir que há, primeiro, a idéia
imutável, que não nasce nem perecerá nada recebe em si mesma do exterior nem entra em
nada, não é visível nem perceptível de qualquer jeito, e só pode ser apreendida pelo
404
P. 34.
405
103 b 2-5.
406
132 d 1 -3.
407
51 b 7-52 d 1.
182
A Teoria das Idéias de Platão
pensamento...que a imagem , por isso que não lhe pertence nem mesmo o princípio em vista
do qual ela se formou, não passando, pois, de um fantasma sempre mutável de outra coisa,
deve, por tal razão, nascer em outra coisa e agarrar-se, de qualquer modo à existência, sob
pena de não ser nada, absolutamente, ao passo que o ser real conta com o raciocínio exato e
verdadeiro, o qual declara que, enquanto duas coisas forem diferentes, jamais uma delas
poderá nascer na outra, de forma que ambas se tornem uma e a mesma e duas coisas ao
mesmo tempo’.
Primeiro, claro, que Platão constantemente pensava nas Idéias como diferentes das
coisas sensíveis. Em segundo, e com igual certeza, que ele considerava as Idéias como
entidades completamente objetivas, cuja existência é pressuposto de todo nosso
entendimento; ou seja, que ele não pensava nas Idéias nem como pensamentos nem como
‘conteúdo de pensamentos’ (seja o que for que essa frase possa significar). Em terceiro, que
ele pensava nelas como existindo separadamente das coisas sensíveis; logo, para esta questão
uma simples resposta pode ser dada. Pode-se buscar ajuda num estudo das palavras que ele
usa ocasionalmente para expressar a relação entre Formas e particulares. Estas palavras
podem ser divididas em dois grupos: um grupo que sugere a imanência das Formas, e um
outro grupo que sugere a sua transcendência.
(I)
( 5) prosgígnesthai.
( 8) katékhein.
( 9) iénai eîs.
183
A Teoria das Idéias de Platão
(e) takeî.
A seguinte lista de ocorrências destas palavras nesta seqüência está sem dúvida
incompleta, mas é suficiente para fornecer uma indicação fiel do uso de Platão fazia delas. A
‘primeira parte’ do Parmênides é omitida, porque nele Platão não está expressando seu ponto
de vista, mas, discutindo-o. A parte do Sofista na qual a ‘comunhão dos tipos’ é discutida é
omitida também, porque a relação de uma Idéia com uma outra Idéia é um assunto diferente
da sua relação com os particulares.
Laques.
(2) 192 a 4.
Eutifron.
(2) 5 d 3. (a) 6 e 4.
Górgias
(3) 467 e 7.
184
A Teoria das Idéias de Platão
(4) 506 d 1.
Hípias Maior.
Lisias.
(4) 217 b 6, d 4, 5, 8.
Eutidemo.
Menon.
(1) 72 e 1, 7.
Crátilo.
Banquete.
(2) 204 e 6.
185
A Teoria das Idéias de Platão
Fédon.
e 8, 9, 105 a 2, 5, 7, b 1, (c) 74 d 9, 75 b 1, 7.
d 11-106 d 4.
(4) 100 d 5.
(5) 100 d 6
(6) 100 d 6.
(8) 104 d 1.
República.
(3) 476 d 1, 2.
(6) 476 a 7.
(9) 434 d 3.
Parmênides.
(1) 150 a 1, 2, 3.
(2)149 e 5, 159 e 5.
186
A Teoria das Idéias de Platão
(3)158 b 6 - c 4, 160 a 2.
Teeteto
Sofista.
(2) 247 a 5.
(3) 228 c 1.
(4)247 a 5, 8.
(6)252 b 9, 260 e 2.
Timeu (a) 28 a 7, 29 b 4, 39 e 7, 48 e 5, 49 a 1.
(b) 51 e 1
(d) 29 b 2, 3, c 1, 2, 52 c 2, 92 c 7.
(f) 50 d 1, 51 a 2.
(g) 39 e 2, 48 e 6, 50 e 5.
Filebo.
(1) 16 d 2.
(2) 25 b 6.
187
A Teoria das Idéias de Platão
significativa da visão ‘transcendental’ está na passagem do Fedon408 , já citada, onde ele diz: ‘...
o que se diz é que o contrário em si não se forma de seu contrário, tanto em nós mesmos
quanto em sua natureza’.
Que Platão não estava totalmente satisfeito com a visão ‘transcendente’ é mostrado
também pelos seguintes fatos: o argumento final na ‘primeira parte’ do Parmênides412 é
dirigido precisamente contra a visão ‘transcendente’, não contra a visão ‘imanente’; esta
objeção não é encontrada em nenhum lugar por ele; e ele continua nos diálogos da velhice a
usar com alguma amplitude a linguagem da imanência.
A única conclusão possível parece ser que, enquanto ele não estava totalmente satisfeito nem
com uma nem com outra expressão, ele não viu outro caminho para chegar mais perto da
verdade do que usar ambas, uma enfatizando a familiaridade do elo entre um universal e seus
particulares, a outra a incapacidade de cada particular ser uma perfeita exemplificação de
algum universal. Ele pode mesmo ter pressentido o fato de que a relação é completamente
única e indefinível. ‘Participar’ e ‘imitar’ são metáforas para a relação, e o uso das duas
complementarmente é melhor do que o uso exclusivo de uma delas.
408
103 b 2-5.
409
132 a 1- b 2.
410
132 c 12 – 133 a 7.
411
132 d 3 -4.
412
133 b 4 – 134 e 8.
188
A Teoria das Idéias de Platão
caso das últimas, algumas coisas admitem propriamente que seja dito que elas possuem as
qualidades, e de algumas das coisas que não possuem as qualidades pode-se razoavelmente
dizer que se aproximam de possuir as qualidades ou, como Platão falou, ‘imitam-nas'. Em
nenhum lugar ele atribui expressamente a relação dos particulares com o universal nem a
estas duas classes de qualidade, nem às suas duas classes de expressão, mas pode ser que a
existência das duas classes tenha influenciado-o a usar uma variedade de expressões.
Quanto à fase do pensamento de Platão representada pelo Timeu, Aristóteles foi justo
em atribuir-lhe413 uma completa separação entre as idéias e as coisas sensíveis, o que é
confirmado por uma consideração do que Platão acreditava sobre tempo e espaço. Sua
concepção da relação das Idéias com o tempo e com o espaço está claramente declarada no
Timeu. Assim como mudança envolve tempo, ele considera o tempo como envolvido na
mudança. A natureza das Idéias para ele era tal, que justificadamente, não admitia
mudança414. Platão descreve o tempo como tendo sido trazido à existência pelo Demiurgo
simultaneamente com o mundo sensível regular; correspondentemente, as Idéias e o
Demiurgo são eternos.
‘Quando o pai percebeu vivo e em movimento o mundo que ele havia gerado à
semelhança dos deuses eternos, regozijou-se, e na sua alegria determinou deixa-los ainda mais
parecido com o seu modelo. E por ser esse modelo um animal eterno, cuidou de fazer também
eterno o universo, na medida do possível. Mas a natureza eterna desse ser vivo não podia ser
atribuída em toda a sua plenitude ao que é engendrado. Então, pensou em compor uma
imagem móbil da eternidade, e, ao mesmo tempo em que organizou o céu, fez da eternidade
que perdura na unidade essa imagem eterna que se movimenta de acordo com o número a que
chamamos tempo’.415
189
A Teoria das Idéias de Platão
Eventualmente, é um erro dizer que Platão reconhece a causa material. Como diz
Aristóteles, é indubitável que Platão na sua última fase descreve as Idéias-números como
‘gerados’ pela união do elemento formal (singularidade) com o elemento quase material (o
grande e o pequeno, ou pluralidade indefinida); mas Platão em nenhum lugar reconhece
literalmente o elemento material na existência das coisas sensíveis. No Timeu, o único dos
seus diálogos no qual ele seriamente leva em conta o mundo sensível, o espaço não é a
matéria implícita na existência das coisas sensíveis, mas apenas o meio no qual elas se tornam
existentes. Como exemplo da sua boa vontade de ler em pensadores anteriores o prenúncio
da sua própria doutrina, Aristóteles identificou o ‘espaço’ de Platão com a sua própria
‘matéria’420. Platão num ponto deixa uma abertura para o mau entendimento, quando usa o
símile da matéria plástica para ilustrar sua concepção do espaço,421 o que não deve ser tomado
como uma descrição mais precisa da natureza do espaço do que sua comparação da função do
espaço com uma enfermeira ou uma mãe422.
A passagem que Aristóteles indica como evidência para a acusação contra Platão por
ele haver ignorado a causa eficiente é uma passagem do Fedon onde Sócrates diz:
‘Não compreendo nem posso admitir aquelas outras causas científicas. Se alguém me
diz por que razão um objeto é belo, e afirma que é porque tem cor ou forma, ou devido a
qualquer coisa do gênero – afasto-me sem discutir, pois todos esses argumentos me causam
unicamente perturbação. Quanto a mim, estou firmemente convencido, de um modo simples e
natural, e talvez até ingênuo, que o que faz belo um objeto é a existência daquele belo em si,
de qualquer modo que se faça uma comunicação com este. O modo por que essa participação
se efetua, não o examino neste momento; afirmo, apenas, que tudo o que é belo é belo em
virtude do Belo em si. Acho que é muitíssimo acertado, para mim e para os demais, resolver
assim o problema, e creio não errar adotando esta convicção. Por isso digo convictamente, a
mim mesmo e aos demais, que o belo é belo por meio do Belo’.
418
Para uma vigorosa defesa da correção da imputação de Aristóteles a Platão sobre a separação
das Ideais, cf. J. D. Mabbott in Class. Quart. XX (1926), 72 – 9.
419
988 a 7 – 11.
420
Phys. 209 b 11.
421
Tim. 50 a 5 – b 6.
422
49 a 6, 50 d 2 – 3.
190
A Teoria das Idéias de Platão
É claro, Platão não esqueceu que na vida humana as coisas belas não são trazidas à
existência exceto por um artífice, nem os bons feitos são executados exceto por um agente.
Nem ele era cego para o problema da causa eficiente em larga escala. Mesmo no Fedon a
causa eficiente e a causa final não são ignoradas. A primeira é reconhecida na passagem onde
Sócrates critica Anaxágoras por não se manter fiel à sua própria máxima de que a razão é a
causa de todas as coisas – por recorrer à causa física, e então falhar na distinção entre causa e
meras condições423. E com esta concepção do intelecto como a causa eficiente do ser do
mundo enquanto tal há associada a noção do bem como a causa final em vista da qual o
intelecto age.
‘Esperava também que ele, dizendo –me que a terra se encontra no centro do
universo, ajuntasse que , se assim é, é porque é melhor para ela estar no centro. Se me
explicasse tudo isso, eu ficaria satisfeito e nem sequer desejaria tomar conhecimento de outra
espécie de causa424.
Porque de fato Platão falhou em descobrir a natureza ‘do bem’ – porque ele não
viu caminho entre o ente temporal e uma explicação teleológica – ele voltou a explicar pela
presença das Idéias o fato de que as coisas são como elas são425 - uma explicação que
claramente não exclui a explicação teleológica, mas pode ser suplementada por ela.
423
97 b 8 – 99 e 6.
424
97 e 3 – 6.
425
99 e 6 – d 3.
426
400a5-b7
427
507c6-8
428
530a3-7
429
504c4-509b10
191
A Teoria das Idéias de Platão
Há uma passagem na República430 onde Platão é injusto para com sua própria
perspectiva. Esta é a passagem na qual ele descreve Deus como fazendo a Idéia de cama.
Descrever qualquer Idéia como “feita” é destituí-la da completa independência com que Platão
as caracteriza em toda parte. O que lhe concerne naquela passagem não é metafísica, mas a
inferioridade das artes imitativas relativamente às úteis, e as exigências de seu argumento
quanto a isso levam-no a usar a frase que ele não pode ter seriamente defendido. Seu tema é
que as artes imitativas – pintura, escultura e poesia – produzem objetos que estão removidos
em dois graus da realidade completa. A cama pintada é apenas uma imitação da cama na qual
alguém pode dormir, e esta por sua vez é apenas uma imitação da cama ideal. E assim como a
cama pintada é o trabalho do pintor, e a cama comum, o trabalho do carpinteiro, a simetria
leva Platão a dizer que a Idéia de cama é obra de Deus. Não há nada em qualquer outro lugar
de seus escritos que justifique-nos em levar a sério isto como expressando seu real ponto de
vista. Conforme devemos ver presentemente, seu esquema requer tanto uma inteligência
divina como um sistema de Idéias, e destes a primeira é, se tanto, pensada como objeto do
segundo; a atividade da inteligência divina é objeto do controle exercido pelas relações
necessárias entre as Idéias.
Na República as Idéias são o tema central, e a função de Deus como causa eficiente da
mudança não é enfatizada. Mas a necessidade da alma e da razão de contarem para a
mudança é reconhecida crescentemente nos diálogos tardios. No Fedro a reflexão sobre a
origem da mudança leva Platão a encontrá-la na alma, que ele descreve como auto-
movente:431
“Toda alma é imortal. Pois aquilo que é auto-movido432 é imortal; mas aquilo que move
a outro e é movido por outro, em cessando de mover cessa também de viver. Apenas o auto-
movente, jamais abandonando a si próprio, jamais cessa de estar em movimento, mas é
também fonte e primeiro princípio de movimento para tudo o mais que se move. Agora, um
primeiro princípio é inprincipiado; pois o que é principiado necessariamente tem um primeiro
princípio, mas um primeiro princípio não é principiado por nada; porque se fosse, então
cessaria de ser primeiro princípio.”433
Mesmo quando escreveu o Cármides434 Platão havia falado de automoção como uma
possibilidade a ser não facilmente descartada; mas ele não aprofunda o ponto; automoção é
mencionada apenas como uma de muitas relações que pode-se supor haver numa coisa.
Quando ele veio a escrever o Fedro, porém, estava intelectualmente ocupado com o problema
da origem da mudança. A mudança em algo normalmente é causada por mudança em uma
outra coisa, mas isso não provê uma origem absoluta para a mudança; isso só pode ser se
houver alguma coisa que possa originar movimento em si mesma; e no Fedro aquilo que pode
mover a si mesmo é identificado com a alma. Ele não aprofunda a significação cósmica disso; o
que lhe concerne é provar a imortalidade da alma humana. Mas ele fala de “afecções e ações
430
597b5-d8
431
245e7
432
Lendo-se em 245c5 au)toki¹nhton conforme o papiro Oxyrhynchus 1016.
433
245c5-d3
434
168e9
192
A Teoria das Idéias de Platão
da alma humana e divina”435, e mais tarde ele trará à tona o sentido cósmico da descrição da
alma como auto-movente.
No Sofista ele se aproxima do assunto por outro ângulo. Ele veio a pensar que seu
tratamento prévio das Idéias como as únicas entidades completamente reais, ou ao menos
que a concentração de seu interesse nelas apenas, estava errado, e agora ele expressa a
convicção de que “mudança, vida, alma, entendimento” são completamente reais.436 Em
dizendo isso ele não admite, como algumas vezes se supôs, que haja mudança no mundo das
Idéias; fazer isso seria admitir que, por exemplo, 2+2 possa vir a ser 5 em vez de 4, e que
bondade possa vir a ser maldade; ou beleza, feiúra. Na mesma passagem na qual ele assevera
a realidade da mudança, ele reafirma a imutabilidade das Idéias.437
Do Sofista em diante, Platão está cada vez mais ocupado com o problema da causação
dos eventos no mundo sensível. Há uma passagem bem conhecida no Político438 na qual ele
explica a presença tanto de bem quanto de mal no mundo pelo fato de que “há um tempo em
que o próprio Deus guia e ajuda a conduzir o mundo em seu curso; e há um tempo, na
completude de um certo ciclo, em que ele o abandona, e o mundo, sendo uma criatura viva, e
havendo originalmente recebido inteligência de seu artífice, muda de direção, e por inerente
necessidade volta-se à direção oposta.” Essa sugestão não é repetida em outra parte, e se ela
estivese sozinha poderíamos supô-la apenas uma momentânea divagação. Mas se
recordarmo-nos do Timeu veremos no Político uma primeira tentativa de explicar a presença
do mal no mundo, a qual no Timeu439 Platão explica pela influência da “causa errante”, a
necessidade; e nas Leis ele associa à ação de uma ou mais almas malignas.440
“Desejando que todas as coisas fossem boas e, tanto quanto possível, nenhuma fosse
imperfeita, o deus tomou tudo que é visível – não em repouso, mas em movimento discordante
e desordenado – e trouxe-o da disordem à ordem, uma vez que ele julgou que a ordem era de
todo modo melhor.”441
435
245c2-4
436
248c6-249b4
437
249b8-c5
438
269c4-d3
439
48a6-7
440
896d10-e7
441
30a2-6
193
A Teoria das Idéias de Platão
seja brancura, ou vício seja virtude; ele não pode passar por cima de incompatibilidades que,
como Platão assinalou no Sofista442 existem entre algumas Idéias e outras. Mas ele é a causa
de toda ordem e de tudo que é bom no mundo da natureza e do homem.
Finalmente, nas Leis444, Platão argumenta que, enquanto um corpo pode mover outro
apenas estando em movimento ele mesmo, deve haver algo que possa originar movimento em
si mesmo, e doravante iniciá-lo em outras coisas. Esse originador de movimento ele encontra,
como havia feito muito antes no Fedro, na alma. Adiante, enquanto que, para dar conta do mal
no mundo, ele assume não (como com frequência supôe-se) uma grande alma maligna, um
tipo de Ahriman Zoroastriano, mas uma ou mais más almas,445 ele remete a regularidade dos
movimentos das estrelas e planetas, e o ritmo geral do mundo, à “melhor alma”.446
Fica claro, então, que em seu período tardio, ao menos, Platão está longe de fazer das
Idéias o âmbito exaustivo e cabal de sua filosofia. Ele reconhece também a necessidade de
causas eficientes, e identifica todos os últimos originadores com almas. Tampouco está ele
cego para a necessidade de causas finais assim como de causas eficientes; pois que entre os
“movimentos” assinalados à alma estão o desejo, a consideração, o cuidado, a deliberação447 -
todos eles com caráter de propósito – e o controle supremo do universo é assinalado ao
“propósito de uma vontade ligada à consecução do bem”.448
reconhecimento da mente como a última causa eficiente de toda mudança, e do Bem como a
causa final contemplada pelo intelecto.
442
252d2-253c5
443
28d3-e6
444
894c10-897c10
445
896d10-e7
446
897c4-9
447
896e8-897a3
448
967a4
194
A Teoria das Idéias de Platão
É verdade que o método da divisão é usado nestes dois diálogos não como um meio de
obter uma compreensão de toda a estrutura do mundo das Idéias, mas como um dispositivo
para alcançar a definição do sofista e do governante. Por outro lado, no Fedro o método é
marcado como o método da filosofia, em um tom que nos proíbe de subestimar sua
importância para Platão. No Sofista, de fato, Platão aponta que sua primeira aplicação do
método o levou a uma variedade de definições discrepantes do sofista, nenhuma das quais
reveladora de sua verdadeira natureza.451 Mas isso não é porque o método seja equivocado ou
sem importância, mas porque ele não foi cuidadoso o bastante em sua aplicação, e ele
adequadamente começa com uma nova aplicação dele, principiando com o gênero ao qual o
sofista essencialmente pertence, o gênero “controversialista”452. No Político, novamente, ele
aponta para que a excessiva confiança no método possa nos levar a “recortar uma parte
demasiado pequena” do gênero, i.e. omitir estágios intermediários e tratar como espécie o
que é apenas uma sub-espécie.453 Mas mesmo em dizendo que nem toda “parte” do gênero é
uma espécie,454 ele implica que há espécies reais e que um uso mais cuidadoso do método nos
levaria a estas.
“Nem há nem haverá jamais um caminho melhor que o meu próprio e favorito, que não
obstante me tem muitas vezes desertado e deixado-me indefeso na hora da necessidade... um
que pode facilmente ser apontado, mas de modo algum é de fácil aplicação; ele é o pai de
todas as descobertas nas artes... um presente dos céus, o qual, como eu concebo, os deuses
arremessaram entre os homens pelas mãos de um novo Prometeu, e com um fulgor luminoso;
e os antigos... dada a tradição, de que quaisquer coisas são ditas serem compostas do uno e do
múltiplo, e têm o finito e o infinito nelas implantados: vendo, então, que tal é a ordem do
mundo, nós também buscamos em toda investigação começar por propor uma Idéia daquilo
que é o objeto da investigação; esta unidade haveremos de achar em tudo. Havendo-a
encontrado, podemos a seguir procurar por pelo dois, se houver o dois, ou, se não, então pelo
três ou algum outro número, subdividindo cada uma dessas unidades, até que enfim a unidade
com que começamos seja vista não apenas como a do uno e do múltiplo e do finito e do infinito
das coisas, mas também um número definido; nós não devemos atribuir infinidade ao múltiplo
449
Em Zahl u. Gestalt e Stud. Zur Entw. d. Plat. Dialektik, passim.
450
A.C.P.A. 46-7
451
231b9-232a7
452
232b1-7
453
262a5-e1
454
263b2-11
455
16b5-e2
195
A Teoria das Idéias de Platão
até que o número completo das espécies intermediárias entre a unidade e a infinidade tenha
sido descoberto – aí então, e não antes, poderemos descansar da divisão, e sem perturbarmo-
nos acerca de cada um deles poderemos permitir-lhes caírem na infinidade.”
Isto, ele conclui, como ele havia feito no Fedro, é a verdadeira dialética.
Essas variedades de apresentação estão por serem explicadas, tanto quanto possam
ser explicadas, por meio de uma consideração dos vários pontos de vista pelos quais Platão se
aproxima do assunto em diferentes ocasiões. Na República, e novamente no Filebo, ele
aproxima-se pelo lado da ética; e na ética Platão deu lugar fundamental à Idéia de bem em vez
dea única outra que poderia reclamar o mesmo lugar, a Idéia de justo; ele fala “da natureza
essencial do Bem, a partir da qual todas as coisas que são boas e justas (di¹kaia) derivam seu
valor para nós”.456 É como supremo objeto do esforço humano que o Bem primeiro aparece,457
e é por uma bem pouco rigorosa transição que Platão passa de assinalar-lhe o mais alto lugar
em sua ética para assinalar-lhe o mais alto lugar de sua ontologia. Há uma igualmente pouco
rigorosa transição, e uma combinação entre a questão ética e a ontológica, no Filebo, onde ele
fala do desejo “de ver a mais bela mistura, minimamente desfigurada por divisão; e de ver aí o
que é bom tanto no homem como no universo”.458
Mais tarde no Filebo459 há o que parece uma pista de um sistema hierárquico, onde
Platão diz: “Se nós não somos capazes de caçar o bem com uma Idéia apenas, com três talvez
capturemos nossa presa, Beleza, Simetria, Verdade.” Mas estas não são três espécies do
456
505a2-4
457
505d11
458
63e9-64a2
459
65a1-2
196
A Teoria das Idéias de Platão
gênero bem, mas, como a sequência mostra, três condições que aquilo que é bom deve
satisfazer.
Outra Idéia veio à baila no período mais tardio de Platão; a Idéia de Uno foi feita
princípio formal de todas as Idéias. Aqui novamente não há uma mudança de posição
fundamental, mas muda-se de perspectiva. Não quanto às Idéias consideradas em sua
natureza total, mas quanto a seu aspecto numérico – se lhes considera como implicando, cada
qual, um sistema de dois ou mais elementos – que a Unidade foi concebida como princípio
formal. Assim foi concebida porque ele queria manter que cada Idéia, quaisquer que fossem
suas relações internas, era em si mesma uma unidade.
O que, poderíamos perguntar, era a relação entre o Uno e o bem, nesta fase tardia da
doutrina de Platão? Em sua consideração sumarizada do ensinamento de Platão, na Met.
A.6,460 Aristóteles se contenta em dizer que “ele associou a causa do bem e do mal a seus dois
elementos respectivamente”, i.e., a causa do bem ao Uno e a causa do mal ao “grande e
pequeno”. Duas outras passagens da Metafísica461 lidam com a concepção de Platão do bem
mas acrescentam-nos pouca luz. Em 1091a29-b3, b13-15, no entanto, Aristóteles retorna ao
assunto. Ele distingue entre alguns pensadores (i.e. a escola de Espeusipo)462 que recusam-se a
associar bondade e maldade respectivamente aos primeiros princípios, e outros (i.e. a escola
de Platão) que de fato associam-nos, e dos últimos ele reitera que “eles dizem que o Uno ele
mesmo é o bem em si mesmo, mas trataram a unidade como sendo seu caráter fundamental”.
Doravante em duas passagens Aristóteles deixa claro que para Platão a unidade, não a
bondade, era a fundamental característica do primeiro princípio, o qual era de fato tanto uno
como bom. Em outras palavras, a Idéia de Uno havia tomado formalmente o lugar ocupado
pela Idéia de bem, como centro do sistema de Platão. Fazendo esta mudança Platão pagou
tributo ao fato de que, enquanto a unidade é o que pode ser chamado de um atributo
primário, a bondade é necessariamente um atributo secundário ou consequencial – de que
nada pode ser bom a não ser que possua primeiro alguma outra característica. Essa
substituição do bem pelo Uno era ao mesmo tempo sintoma de uma crescente matematização
do sistema de Platão, o que levou Aristóteles a acentuar em outra parte463 que “para os
pensadores da atualidade a matemática tornou-se filosofia”.
460
988a14-15
461
988b6-16, 1075a36-b1
462
Cf. 1072b32-4
463
992a32-3
197
A Teoria das Idéias de Platão
Há ainda mais uma passagem de Aristóteles na qual se toca na relação entre unidade e
bondade. Na Ética Eudêmia464 ele critica os Platonistas por deduzirem da bondade coisas que
não são obviamente boas a bondade de coisas que são obviamente boas.
“Eles argumentam que a justiça e a saúde são bens, uma vez que são arranjos de
números, na suposição de que bondade é uma propriedade de números e unidades porque a
unidade é boa em si mesma. Mas eles querem demonstrar, a partir do que são admitidamente
bens, como a saúde, força, e temperança, que a excelência está presente tanto mais nas coisas
que são imutáveis, pois todas aquelas coisas no mundo sensível são formas de ordem e
repouso; se estas coisas, no entanto, são excelentes, as coisas que são imutáveis são ainda
mais excelentes, uma vez que elas têm estes atributos ainda mais.”
Finalmente, devemos tomar nota da frase usada por Aristoxeno465 para descrever as
leituras de Platão Sobre o Bem – kai¨ to¨ pe¹raj o(¹ti a(gaqo¨n e)¹stin (ou a)gaqo¹n e)stin) e(¹n.
Isto frequentemente foi traduzido como “e que o limite é o único bem”, e em vista da pressão
que Platão faz sobre o “limite” no Filebo esta consideração tem alguns atrativos; mas
gramaticalmente é dificilmente permissível. To¨ pe¹raj deve ser tomado adverbialmente; a
única significação que a frase pode realmente assumir é “e a leitura culminou na proposição de
que há um Bem.” Isso pode ser o que Platão disse; é apenas contra a doutrina de que há
apenas um bem, no sentido em que “bem” é um termo não-ambíguo, que o ataque de
Aristóteles na Ética Nicomaquéia466 se dirige. Mas é igualmente possível que o relato de
Aristoxeno seja impreciso, e que Platão tenha mantido que o Uno é bom – a doutrina que
Aristóteles em duas passagens467 lhe atribui. Nós não sabemos, e seria infrutífero conjeturar.
De toda esta evidência segue-se que havia se tornado uma fundamental característica
do sistema de Platão que a unidade engloba a bondade. Na ausência de mais evidências é
impossível assegurar o significado preciso que ele dava a isto. Mas nós já vimos que na mais
tardia fase de sua filosofia, assim como o grande e o pequeno corresponderam ao “mais ou
menos” e ao “ilimitado” do Filebo, o Uno correspondeu ao “limite” do Filebo, e carregou
consigo tonalidades que a palavra “uno” não nos sugere. A associação do limite com a
bondade não era novidade no pensamento de Platão. Pense-se na condenação, na
República,468 das ilimitadas pleoneci¹a. O homem justo, o músico, o competente médico, o
sábio, todos colocam limites (ele ali havia dito) às suas atividades; eles evitam o demasiado
tanto quanto o insuficiente. Pode-se pensar, novamente, na passagem do Político469 onde ele
insiste que as excelências moral e artística igualmente dependem precisamente do evitar o
464
1218a15-24
465
Harm. II. 30 (Meibom)
466
I.6.
467
988b11-16, 1091b13-15
468
349b1-350c11
469
283c3-285c3
198
A Teoria das Idéias de Platão
excesso e da observância da medida; e da passagem do Filebo470 onde ele argumenta que “na
medida, e no médio, e no adequado, e no semelhante, a natureza eterna foi encontrada”. É no
contexto de tais tonalidades que devemos interpretar seu ensinamento de que a unidade é a
base de toda excelência.
Platão, conforme vimos, parece jamais haver trazido suas “mais altas Idéia” a um
sistema único, mas no Bem da República e do Filebo, na Existência do Sofista, na Verdade do
Filebo471, e no Uno da teoria das Idéias-número, nós encontramos as fontes da lista original
dos transcendentais – Bonum, Ens, Verum, Unum – que os escolásticos trataram como
estando acima das categorias e sendo verdadeiras de tudo que há.
470
64c1-66a8
471
65a2
199