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Apostila Filosófia
Apostila Filosófia
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Introdução
à Filosofia
Para início de conversa...
e que a Filosofia é uma delas, sendo caracterizada, antes de mais nada, pela
sua criticidade.
Criticidade
Além disso, vamos tentar desfazer aquela visão preconceituosa que algu-
mas pessoas ainda têm sobre a filosofia ser uma “viagem”, coisa de quem não tem
o que fazer, e que fica apenas divagando sobre questões inúteis ou impossíveis
de serem respondidas.
Considerá-la assim, objetiva, pode fazer com que a aceitemos de modo passivo.
Mas se nos tornarmos capazes de refletir e questionar poderemos nos tornar ver-
dadeiramente cidadãos e, desse modo, intervir e lutar por um mundo melhor.
Situar a Filosofia como uma das dimensões para compreender e transformar o homem e o mundo;
Distinguir o pensamento mítico do pensamento filosófico, identificando elementos que indicam a ruptura
e a continuidade entre Mito e Filosofia.
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Seção 1
Apenas (mais) uma forma de introdução à
Filosofia
Já dizia Wittgenstein que “a Filosofia não é uma doutrina, mas uma atividade”. E ele estava certo. Diferentemen-
te das outras disciplinas, a Filosofia não se encontra limitada por seu objeto de estudo, mas revela-se como uma forma
especial de pensamento que, apesar de, em si mesma, não possuir um conteúdo (pré)determinado, pode pôr-se a
refletir e a questionar todos os segmentos da atividade humana.
O termo grego Filosofia (philosophia) é a expressão do amor ao conhecimento e da busca incansável do ho-
Por um lado, distingue-se da religião, uma vez que não assenta suas bases na fé ou na crença, mas na razão. Por
outro, não deve ser confundida com a opinião, pois prima pelo rigor e profundidade em suas argumentações.
Mas essa atividade da razão humana não existiu desde sempre, a Filosofia é um produto da genialidade grega.
Vamos aprender um pouco mais sobre sua história?
E no princípio, o Mito
Ninguém precisa ser filósofo para fazer perguntas, concorda? Faz parte de nossa própria natureza esta necessida-
de de se obter respostas e, se possível, certezas a respeito das coisas e de nós mesmos. Dessa forma, basta pesquisarmos
um pouco para encontramos uma série de perguntas fundamentais que acompanham os seres humanos desde sempre.
De onde viemos? Como surgiram todas as coisas? Por que e como acontecem os fenômenos naturais? Qual o
Nesta seção, iremos acompanhar a passagem do modelo de explicação que chamamos mítico ao modelo ra-
cional, proposto pelos primeiros filósofos. Mas você sabe o que é um Mito?
O Mito, assim como a Filosofia e a Ciência, constitui uma tentativa de se responder àquelas perguntas sobre
as quais falamos anteriormente a partir da ação de agentes sobrenaturais. Assim, uma catástrofe causada por uma
tempestade em um vilarejo poderia ser entendida como uma forma de punição em razão de uma desavença entre
alguma divindade e seus habitantes. Do mesmo modo que um ato heróico em uma guerra seria o indício de uma
certa ascendência divina. Em outras palavras, aos olhos do Mito, toda a realidade existente remete, necessariamente,
a uma força, a um deus ou uma criatura com habilidades sobre-humanas.
É importante que desfaçamos, antes de mais nada, a ideia comumente passada de que existia uma única
Grécia na antiguidade. Na verdade, existiam muitas Grécias. Divididos em um grande número de pólis (ou Cidades-
-Estado), seus habitantes compartilhavam poucas coisas além de uma língua em comum. Dependendo da cidade, a
mulher era vista como igual ou inferior ao homem. A educação era voltada para a prática política ou militar e o conta-
to com o estrangeiro poderia ser estimulado ou evitado. Cada cidade possuía o seu deus protetor e, ao seu lado, um
Mito rememorado pelos seus habitantes e que marcava a sua superioridade sobre os demais. Não havia igualmente
uma capital, apesar da superioridade evidente das duas pólis mais famosas do mundo antigo: Atenas e Esparta.
Atenas e Esparta foram as principais Cidades-Estado gregas, e servem como exemplo para nos mostrar
que cada pólis possuía costumes e visões de mundo bastante diversos. Os Espartanos, de tradição mi-
litarista, ficaram conhecidos pela valorização da figura do Guerreiro, enquanto os Atenienses por prio-
rizar a educação de seu povo, tendo transformado Atenas em um grande centro intelectual e no berço
da democracia. Vamos conhecer um pouco mais sobre a vida nas duas Cidades? Acesse os links a seguir:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_de_Atenas
http://pt.wikipedia.org/wiki/Esparta
Mas então, frente a tantas diferenças, o que une os gregos? Em primeiro lugar, como já dissemos, a existência
de uma única língua capaz de produzir um sentimento de pertença e, ao mesmo tempo, que seja flexível o suficiente
A língua − não só a grega, lógico – é um importante elemento de coesão cultural. E, no caso grego, nutriu-se
das histórias míticas contadas inicialmente pelos poetas e, mais tarde, pelos filósofos. Imagine aprender a ler a partir
das histórias contadas por Homero, o grande poeta grego do século VIII a.C.? Devia ser incrível, não concorda? Mas, é
importante ressaltar que não se tratavam de textos ao estilo das nossas conhecidas cartilhas, mas livros como a Ilíada
e a Odisséia que retratam, em detalhes, acontecimentos históricos, permeados de seres divinos e lições de moral. O
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que isso significa? Simples: o grego, desde pequeno, pensava e sentia e vivia num mundo rodeado de forças sobrena-
turais. Dedicava sua vida, a de sua família e cidade aos seus deuses e deusas. Vivia e morria a partir de uma perspectiva
mágico-religiosa. O que chamamos de Mito, nos nossos dias, era para os gregos antigos, sua religião.
Ilíada
Poema épico de 15.693 versos, escrito por Homero, que narra a história da Guerra de Tróia (Ílion, em grego).
Odisséia
Poema épico de 12.110 versos, atribuído Homero, que conta as aventuras do herói grego Odisseu (ou Ulisses) em seu retorno a
Ilha de Ítaca, logo após o desfecho da Guerra de Tróia.
Apesar de não haver uma unidade nas histórias e da própria caracterização de suas divindades, a Mitologia
grega assenta as suas bases em fontes como as obras dos poetas Homero e Hesíodo e do filósofo Platão. Era baseada
na crença de um panteão de divindades chamadas olimpianas, governadas por Zeus. De modo geral, cada deus re-
presentava uma aspecto da realidade. Havia, assim, um deus da guerra (Ares), um dos mares (Poseidão), uma deusa
do amor, (Afrodite), uma outra protetora dos casamentos (Hera) ou mesmo da sabedoria (Atená).
A própria Terra, o Céu e os Mares eram vistos como entidades dotadas de vontade.
Figura 1: A pintura de Giorgio Vasari and Gherardi Christofano (séc. XVI) retrata a mutilação de Urano (O Céu) por seu filho
Cronos (O Tempo). Assim, a partir do estratagema de Gaia (Terra), os Titãs assumem o poder.
Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/d7/The_Mutiliation_of_Uranus_by_Saturn.jpg
Por esse motivo, durante muitos anos, os historiadores foram unânimes em apontar o surgimento da Filosofia
como produto do que chamaram de o “milagre grego”. Não conseguiam entender como os filósofos puderam romper
radicalmente com as explicações míticas que traziam tanto sentido ao mundo grego.
As histórias contadas pelos mitos são de grande importância para que possamos, ainda hoje, compre-
ender a visão de mundo dos gregos. Suas mensagens, embora utilizando-se de seres sobrenaturais,
vêm atribuir sentido a um mundo em uma época em que ainda não existiam as explicações científicas
ou filosóficas, e traziam lições acerca da moral e da organização da vida em sociedade. Os valores
culturais e religiosos expressos através dessas narrativas pretendiam, desse modo, dar conta de um
universo fabuloso e cheio de mistérios.
Segundo os historiadores, a Filosofia teria surgido pela primeira vez na Grécia, por volta do século VI a.C., na
antiga cidade da Ásia Menor chamada Mileto, tendo como protótipo o pensamento de Tales (c. 624/5 a.C.- 556/8 a.C.).
Inventor, astrônomo e matemático – você deve lembrar do seu famoso teorema −, Tales é o resultado de toda uma
série de fatores que lhe permitiram registrar seu nome na história como sendo o primeiro filósofo.
Antes de mais nada, Mileto era uma cidade que mantinha vínculos comerciais bem estreitos com o Oriente,
como com o Egito e cidades do sul da atual Itália. A sua localização geográfica privilegiada permitiu contato com
essas culturas e assim o fortalecimento da economia milésia através do comércio, ocorreu juntamente com a troca de
conhecimentos e, a inevitável relativização de valores.
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Figura 2: O Mundo Grego na antiguidade. A Filosofia surge na periferia. Repare no mapa a localização da cidade de Mileto,
antiga colônia da Jônia e as futuras potências mundiais Atenas e Esparta. Adaptação do mapa por Emmanuel Fraga.
Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/3/39/Greecemap_EL.png
A própria religião grega, politeísta e antropomórfica, revelava-se mais aberta a novas leituras e manifesta-
ções que as posteriores crenças em uma única divindade.
A pólis teria surgido, dois séculos antes de Tales nascer, nas comunidades da Ásia Menor. A maioria delas não
era verdadeiramente “democrática” como alguns gostam de afirmar, mas a vida em seu interior girava em torno das
decisões de instituições que funcionavam como espécies de conselhos e assembleias, ora do povo, ora aristocratas
ou dos magistrados. E em que isso ajudaria a Filosofia? Simples: a prática do diálogo e o estímulo ao exercício da
discussão, inerentes ao debate político, criaram as condições ideais para essa nova forma de pensar a realida-
de que toma como princípio não mais a fé nos deuses, mas a razão humana. Por isso, frequentemente ouvimos
que a “Filosofia é filha da pólis”.
Mas seria um equívoco pensarmos que bastou a Filosofia surgir no século VI a.C. para que os gregos abando-
nassem as suas crenças. Obviamente, o processo de dessacralização do saber não ocorreu de uma hora para outra,
mas foi resultado de um longo processo histórico no qual, aos poucos, foi-se percebendo que as histórias contadas
pelos antigos poetas não mais eram suficientes para dar conta do real. Ainda assim, por muito tempo, o Mito coexistiu
com pensamento filosófico, mantendo-se presente até mesmo nos escritos de filósofos de renome como Platão (c.
428/7 a.C. - 348/7 a.C.).
A predominância da razão (chamada de logos pelos gregos) na explicação da realidade que percebemos nos
dias de hoje tem sua origem na Filosofia, quando, pela primeira vez, ocorre um distanciamento da concepção mítica
da realidade em direção a uma explicação que parte da observação e do raciocínio.
Dissemos anteriormente que a tradição conferiu a Tales de Mileto o título de primeiro filósofo da história. No
entanto, muito pouco restou de suas ideias. Sabe-se que foi o responsável por inaugurar uma nova forma de pensar,
caracterizada pela recusa dos modelos mágico-religiosos tradicionais e pela exaltação da razão como a principal
forma de compreensão da realidade.
A palavra Filosofia (philosophia, em grego) só apareceu tardiamente com Heráclito de Éfeso (c. 535 a.C. - 475
a.C.) ou Pitágoras de Samos (c. 5701/0 a.C. - 497/6 a.C) como forma de saber humano caracterizado pela busca inces-
sante de respostas.
Etimologicamente, a palavra Filosofia significa amor ou amizade (philia, em grego) à sabedoria. O filósofo,
portanto, seria o amante do saber, um protótipo de sábio, sempre disposto a apontar problemas e propor soluções às
diferentes questões da vida e do mundo.
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A despeito das inúmeras definições e matizes que a Filosofia possa ter, parece ser um consenso entre os
profissionais que dela se ocupam dizer, à exemplo de Wittgenstein, que “A Filosofia não é uma doutrina, mas uma
atividade”. Atividade esta, de origem grega e de natureza racional, expressa por meio de um posicionamento crítico
frente à realidade.
O Valor da Filosofia
O valor da filosofia, na realidade, deve ser buscado, em grande medida, na sua
própria incerteza. O homem que não tem umas tintas de filosofia caminha pela
vida afora preso a preconceitos derivados do senso comum, das crenças habitu-
ais de sua época e do seus país, e das convicções que cresceram no seu espírito
sem a cooperação ou o consentimento de uma razão deliberada. Para tal homem
o mundo tende a tornar-se finito, definido, óbvio; para ele os objetos habituais
não levantam problemas e as possibilidades infamiliares são desdenhosamente
rejeitadas. Quando começamos a filosofar, pelo contrário, imediatamente nos
damos conta (...) de que até as coisas mais ordinárias conduzem a problemas
para os quais somente respostas muito incompletas podem ser dadas. A filosofia,
apesar de incapaz de nos dizer com certeza qual é a verdadeira resposta para as
dúvidas que ela própria levanta, é capaz de sugerir numerosas possibilidades que
ampliam nossos pensamentos, livrando-os da tirania do hábito. Desta maneira,
embora diminua nosso sentimento de certeza com relação ao que as coisas são,
aumenta em muito nosso conhecimento a respeito do que as coisas podem ser;
ela remove o dogmatismo um tanto arrogante daqueles que nunca chegaram a
empreender viagens nas regiões da dúvida libertadora; e vivifica nosso sentimen-
to de admiração, ao mostrar as coisas familiares num determinado aspecto não
familiar. (RUSSELL, B. Os Problemas da Filosofia, Capítulo XV.).
Como vimos anteriormente, a Filosofia constitui, ao mesmo tempo, uma atividade e uma atitude racional de
busca do conhecimento verdadeiro. Nesse sentido, qualquer tema, a princípio, pode ser objeto da reflexão de um
filósofo, não é mesmo?
De qualquer forma, basta um estudo mais atento da própria História da Filosofia para percebermos que alguns
desses problemas mostram-se recorrentes e, apesar de distintos, nos permitem extrair características em comum. Em
outras palavras, os filósofos, de modo geral:
preocupam-se com a questão da fundamentação das ideias e práticas (as chamadas “condições de
possibilidade”);
acabam por desenvolver um sistema conceitual a partir do qual pretendem explicar determinados fenô-
menos ou atividades;
partem de observações críticas sobre os demais pensadores a fim de justificar a sua “solução” aos proble-
mas encontrados.
O filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) disse, pela primeira vez, que a Filosofia deveria se ocupar de 3
perguntas fundamentais, a saber:
No entanto, segundo Kant, essas três questões podem – e devem – ser reduzidas a uma outra que questiona
sobre o que é o homem.
De certa forma, esta é uma maneira bem interessante encontrada pelo filósofo de abordar os campos de in-
vestigação filosófica, uma vez que, cada uma dessas perguntas, representaria uma área específica da própria Filosofia.
Os períodos da Filosofia
A divisão em períodos históricos, como tudo o mais no campo da Filosofia, é palco de grandes polêmicas. No
entanto, a fim de deixarmos de lado – pelo menos provisoriamente – esse complicado debate, optamos por apresen-
tar uma versão bastante simplificada a partir da linha do tempo abaixo:
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Figura 3: Linha do Tempo – Periodização da história da Filosofia que começa com o pré-socrático Tales, passando por séculos
de influência cristã e chegando até os nossos dias com as inúmeras escolas e pensadores contemporâneos.
1) Filosofia Antiga (VI a.C. – VI d.C.): Composta pela escola pré-socrática (de Tales a Empédocles), pelos filó-
sofos chamados “clássicos” (Sócrates, Platão e os Sofistas), pelo período sistemático representado por Aristóteles e,
finalmente, pelo período helênico das escolas epicuristas, estoicas, céticas e cínicas tanto gregas quanto romanas.
2) Filosofia Cristã (I d.C. – XIV d.C.): Composta pela Patrística (que abrange desde os primeiros escritos cris-
tãos até a filosofia de Sto. Agostinho de Hipona) e todo o período medieval ou escolástico, cujo principal represen-
3) Filosofia Moderna (XIV d.C. – XIX d.C.): Iniciada pelos filósofos renascentistas como René Descartes, segui-
dos pelos Iluministas como Immanuel Kant.
4) Filosofia Contemporânea (a partir do final do séc. XIX d.C.): Marcada pela reflexão dos filósofos como
A Filosofia tem, portanto, quase 27 séculos de história. Uma história fascinante cheia de discussões acaloradas
e teorias que pretendem dar conta, senão da totalidade, da maior parte das questões que assolam o espírito humano.
Que tal conhecermos um pouco mais sobre o que pensaram alguns dos personagens responsáveis por tudo isso?
A tradição costuma atribuir a expressão “pré-socráticos” a todos os pensadores que antecederam o grande
filósofo da cidade de Atenas chamado Sócrates (c. 470/69 - 399 a.C.). Essa anterioridade, em sua grande maioria, é
histórica. No entanto, alguns pré-socráticos – como Demócrito de Abdera (c. 460 a.C. – 370 a.C.) – parecem ter vivido
na mesma época que o filósofo ateniense. De qualquer forma, pode-se afirmar com uma certa convicção que nenhum
deles conseguiu alcançar a profundidade e, muito menos, o grau de abstração típico do pensamento socrático.
Nesse sentido, a anterioridade é, sobretudo, filosófica. A maioria desses pensadores fez da questão da origem
(archê) e da natureza (physis) o seu objeto de reflexão, mas, por outro lado, também foram incapazes de romper definiti-
vamente com a estrutura típica do discurso mítico. Veja o exemplo de Parmênides de Eléia. Considerado o “pai” da lógica
pela descoberta dos princípios de identidade e da não contradição, escreveu todo o seu discurso sob a forma de
poemas e dedicou os 32 versos de seu proêmio a uma espécie de hino de exaltação à deusa da justiça e da verdade, Diké:
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Apesar de toda a série de dificuldades em se estudar o pensamento pré-socrático – sobre o qual só resta-
ram fragmentos − não podemos descartar a sua importância no desenvolvimento desta atividade tão complexa
que é o filosofar.
A fim de facilitar o primeiro contato com esses filósofos, optamos por dividi-los em 3 grandes grupos ou esco-
las, sabendo, por outro lado, que longe de ser perfeita, esta divisão deixa de lado pontos divergentes de suas teorias
a favor de uma pretensa unidade.
Na escola jônica, agrupamos os pensadores que elegeram um único elemento como princípio fundante do
real. São eles: Tales (A Água), Anaximandro (O Ilimitado), Anaxímenes (O Ar), Heráclito (O Fogo), Xenófanes (A Terra).
Aqueles pertencentes à escola italiana de Pitágoras (O Número), Parmênides e seus discípulos Zenão e Melisso
(O Ser) desenvolvem teorias bem complexas tomando como base princípios abstratos e que virão, mais à frente, in-
Por fim, os filósofos pluralistas (ou de 2ª fase) que defenderam que a realidade é o resultado de dois ou mais
elementos. São eles: Anaxágoras (A multiplicidade e o Espírito), Empédocles (Os 4 elementos) e os atomistas Leu-
cipo e Demócrito.
O período clássico
Chamamos de período clássico da Filosofia, toda a produção intelectual grega compreendida entre os anos
de 500 a.C. e 338 a.C. e que tem em Sócrates a sua figura mais importante. Historicamente, os gregos viviam em seu
período de apogeu econômico marcado pela disputa entre a democracia ateniense e a oligarquia espartana.
A Filosofia viu em Atenas o espaço ideal para o seu florescimento, mas foi apenas com Platão, principal discí-
pulo de Sócrates, que atingiu o seu ponto mais alto.
Enfim Sócrates
Sócrates foi um ateniense exemplar. Apesar de sua origem humilde (filho de um escultor e de uma parteira),
serviu como soldado de infantaria na Guerra do Peloponeso, vindo a dedicar-se à Filosofia através dos ensinamentos
de Anaxágoras e Arquelau. Segundo a tradição, Sócrates teria despertado para a sua verdadeira vocação ao ver um
parto feito por sua mãe, passando a chamar o seu próprio método de maiêutica (em grego esse termo significa dar à
luz, parto). Para ele, a tarefa do filósofo não seria fazer de seus alunos depósitos do conhecimento de seu mestre, mas,
Por meio de perguntas sobre os fundamentos das coisas e de sua famosa ironia, Sócrates tornou-se o modelo de
filósofo recorrente ainda nos dias de hoje. Eternamente distraído com suas reflexões, possuía uma legião de jovens segui-
dores que, juntamente com ele, perambulavam pelas ruas da Cidade de Atenas para ouvir as suas preleções sobre ética.
Figura 4: Sócrates filosofando ao ar livre com seus alunos. Pintura de Johann Friedrich Greuter: “Sócrates e
seus estudantes”.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Greuter_Socrates.jpg
Diferentemente dos seus antecessores, Sócrates fora capaz de apresentar argumentos consistentes, mesmo
que por vezes inconclusivos, sobre uma infinidade de temas, em especial os relacionados à virtude e ao questiona-
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Apesar de não ter deixado nenhum texto escrito, tornou-se célebre por duas passagens registradas por seus
alunos Platão e Xenofonte: a ida ao Oráculo de Delfos e o processo de seu julgamento.
A sua visita à sacerdotisa (ou Pitonisa) do mais famoso Oráculo daquela época fez de Sócrates o homem mais
sábio do mundo. Humilde, aceitou as palavras do deus como reflexo de sua própria consciência diante de suas limi-
tações. “A verdadeira sabedoria – dizia o filósofo – consiste em se saber que nada se sabe”. Essa é de uma das
máximas mais famosas da história que traz consigo a concepção que identifica a Filosofia não como posse e
Figura 5: As Ruínas do Templo de Apolo em Delfos/ Pintura de Michelângelo – Síbila Délfica (1509). – Edição de Emmanuel Fraga.
Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/a/ac/Sibila_D%C3%A9lfica.jpg e http://upload.wikimedia.org/wikipedia/
commons/c/c1/Delphi_temple_of_Apollo_dsc06283.jpg
O oráculo de Delfos era um dos mais famosos de toda a Grécia antiga. Diversas figuras importantes para lá se
dirigiam a fim de conhecer as enigmáticas previsões do deus Apolo ditas através de sua Pitonisa. Conta a tradição,
que nas paredes do Templo havia um grande número de provérbios e máximas. Uma delas teria inspirado o próprio
Sócrates e sua filosofia: “Conhece-te a ti mesmo!”
Outra passagem famosa de Sócrates aconteceu em tempo de sua condenação. O jovem e desconhecido poeta
Apesar de sua articulada defesa, Sócrates, com 70 anos, é condenado à morte, por envenenamento por cicuta,
no ano de 399 a.C..
Para Platão, a morte de seu amado professor representou a perda não só para aqueles que tiveram a chance
de conhecê-lo, mas para toda a Atenas, uma vez que ele: “foi o melhor e também o mais sábio e mais justo dos ho-
mens.” (Fedon, LXVI)
Diante de seus discípulos mais próximos, Sócrates encarou a morte com dignidade. Após recusar as diversas
propostas de fuga da prisão, manteve a sua ironia ao pronunciar suas últimas palavras: “Críton, dê um galo ao deus
Asclépio – do qual somos todos devedores”.
Uma excelente dica para quem ficou com vontade de saber mais sobre Sócrates é o filme do diretor
italiano Roberto Rossellini, Socrate (1971). Durante os seus 120 minutos, você acompanhará todo o
processo de julgamento e condenação de um dos filósofos mais famosos de todos os tempos.
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Os Sofistas
Diferentemente dos primeiros filósofos, cujo interesse girava em torno da natureza (physis) de questões mais
gerais de ordem metafísica, os Sofistas eram mestres das artes do discurso. Enquanto isso, profissionais do ensino
cobravam caro pelos serviços prestados à educação dos mais jovens que almejavam ingressar na carreira política.
A aparente despreocupação com a busca da verdade e o fato de serem, em sua maioria, estrangeiros, cons-
tituíram os principais motivos que fizeram da escola sofística uma espécie de antagonista das ideias filosóficas, em
especial as de Sócrates.
Assim como o filósofo ateniense, os sofistas deixaram pouquíssimos escritos. No entanto, sabe-se que os seus
discursos caracterizavam-se por uma espécie de relativismo e convencionalismo, expressos em sua concepção de
linguagem entendida exclusivamente como discurso de convencimento.
Relativismo
Perspectiva filosófica que defende que várias (ou mesmo todas) as perspectivas a cerca da verdade são relativas a sua época e
local de produção.
Convencionalismo
Teoria que defende a ideia de que os valores, os costumes e a verdade são frutos de um acordo coletivo.
Entre os sofistas mais famosos afiguravam-se Protágoras de Abdera (481 a.C.- 420 a.C.) e Górgias de Leôn-
cio (483 a.C.-376 a.C.). O primeiro ficou célebre pelas implicações de sua máxima: “O homem é a medida de todas
as coisas, das que são que elas são, das que não são que elas não são”. O segundo pelo seu “Tratado do Não Ser”
e “Elogio de Helena”.
Na polêmica obra “Tratado do Não Ser”, Górgias pretendeu desconstruir todos os principais pressu-
postos metafísicos através de três afirmações categóricas: “nada existe; mesmo se o ser existisse, então
seria incognoscível; e se fosse cognoscível, então este conhecimento (do Ser) seria incomunicável”.
Em “Elogio de Helena”, o sofista se utiliza de uma outra estratégia. Ao absolver Helena de Tróia – odiada
pelo povo grego que, desde sempre, lhe imputou toda a culpa pela guerra – Górgias pretendeu provar
que, basta uma boa argumentação para que se atinja o convencimento.
A filosofia de Platão
Platão (437 a.C.- 347 a.C.) foi o mais famoso discípulo de Sócrates e professor de Aristóteles.
Em sua fase inicial, seus escritos têm na figura de Sócrates o seu principal protagonista e caracterizam-se pela
crítica ao conhecimento sensível e na tentativa de reprodução do pensamento socrático. Mais tarde, Platão − mesmo
que a partir dos ensinamentos do mestre – desenvolve as suas três teorias principais, a saber:
a teoria das ideias ou formas (apresentada de modo didático no diálogo “Fédon”) que defende a existência
de 2 mundos distintos: o sensível e o inteligível;
a teoria da linha dividida (explicitada na obra “República”), onde propõe uma hierarquia entre as diferentes
formas de conhecimento e, finalmente;
a teoria da reminiscência da alma, delineado no “Fedro”. A partir do Mito da parelha alada, Platão justifica
a educação como um processo de relembramento (anamnese, em grego), uma vez que, enquanto almas,
havíamos contemplado todas as ideias existentes, mas que foram esquecidas no ato da encarnação.
É importante ressaltar que as duas primeiras teorias foram uma espécie de resposta aos problemas deixados
pelos pré-socráticos Heráclito e Parmênides, isto é, o impasse entre o mobilismo universal e o imobilismo. E a última,
um recurso à crença pitagórica da mentempsicose e ao papel de “parteiro” do educador, defendido por Sócrates.
Crença, de origem indiana ou egípcia, na transmigração das almas e sua encarnação em homens, animais ou mesmo vegetais.
O pensamento platônico é considerado um marco na história da Filosofia, tanto pela sua complexidade quanto
pela abrangência de temas, e sua influência se fez sentir não somente na Grécia, com a sua Academia, mas durante
todos os longos séculos da Filosofia cristã.
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Figura 7: Academia platônica: mosaico de Pompeia, agora no Museu Arqueológico Nacional (Nápoles).
Fonte: http://mais.uol.com.br/view/xgzhj84w45eg/academia-de-platao-04023772C0895366?types=A&&fullimage=1
A Academia, fundada por Platão por volta de 387 a.C. em Atenas, é considerada a primeira escola de Filosofia.
Seu principal aluno, Aristóteles, ingressou na Academia com apenas 17 anos de idade e lá permaneceu por 20 anos,
vindo mais tarde (em 335 a.C.) a fundar a sua própria escola chamada Liceu. Devido à influência pitagórica, a Acade-
mia de Platão atribuía uma grande importância ao estudo da Matemática e, em seu pórtico de entrada, havia uma
inscrição que dizia: “Que não entre quem não souber Geometria”.
mações constantes apontado pelos mobilistas como Heráclito de Éfeso. De acordo com
essa teoria, podemos-se afirmar que:
d. a nossa mente produziu o mundo das ideias, que nada mais são do que concei-
tos que habitam o nosso intelecto.
Conclusão
Já dizia um ilustre filósofo alemão que “não se aprende Filosofia e sim a filosofar”. Por outro lado, sem conhecer
um pouco de sua história, esta fascinante arte de admirar-se e refletir sobre nós mesmos e o mundo que nos cerca
poderia parecer ainda mais estranha e desprovida de sentido.
Em razão disso, aprendemos que a Filosofia é, ao mesmo tempo, um produto grego e de todo aquele que,
assim como Tales, procura por respostas. E, mesmo tendo entrado em contato com diversas teorias − por vezes con-
traditórias − percebemos que une os seus autores é uma certa inquietação em relação a (quase) tudo.
Esse espírito questionador, crítico e curioso estava presente em todos os filósofos que foram abordados nesse
primeiro módulo, não é mesmo? E em você? Esperamos sinceramente que sim...
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Resumo
Existem diferentes formas de explicação da realidade, tais como o Mito, a Ciência e a Filosofia.
Até a época do nascimento da Filosofia, a concepção grega do mundo baseava-se na crença de seres
e forças sobrenaturais.
Entre as condições históricas para o surgimento da Filosofia na Grécia estão a questão cultural e a
organização política.
A Filosofia surge no século VI a.C., na cidade de Mileto, antiga colônia grega da Jônia.
A Filosofia, antes de mais nada, revela-se como uma espécie de atitude de natureza racional e crítica de
busca das origem e fundamentos das coisas.
Tradicionalmente divide-se a história da Filosofia em 4 grandes períodos ou fases: antiga, cristã, moderna
e contemporânea.
Os pré-socráticos foram os primeiros filósofos de que temos conhecimento e suas teorias giravam em torno
da questão da origem, da natureza, da identidade e da diferença de todas as coisas.
Sócrates é considerado o mais importante representante do período clássico, ao lado de seu aluno Platão.
A Filosofia socrática dedicou-se à reflexão sobre a natureza humana, do conhecimento e do ensino da vir-
tude (ética).
A máxima socrática “só sei que nada sei” foi a fórmula encontrada pelo filósofo a fim de definir a sabedoria
como uma forma de reconhecimento de nossas ignorâncias.
Os sofistas foram mestres das artes do discurso e do convencimento e defendiam, em sua maioria, uma
posição contrária a de Sócrates no que diz respeito à busca da verdade.
Platão foi o principal discípulo de Sócrates e, em seus diálogos, dedicou-se a desenvolver e aprofundar o
pensamento de seu professor.
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda e MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando; introdução à filosofia. São
Paulo: Moderna, 1993.
BLACKBRUN, Simon. Dicionário Oxford de filosofia. Trad. de Desidério Murcho et all . Rio de janeiro: Zahar,
1997.
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PRÉ-SOCRÁTICOS, Sócrates, Platão e Aristóteles – São Paulo: Nova Cultural, 1996 (Coleção Os Pensadores)
308
Atividade 01
Atividade 02
Resposta Correta: B.
Mito da Caverna.
Apesar de considerar o mundo inteligível (das ideias) verdadeiro, Platão jamais de-
fendeu que o mesmo seria uma cópia do mundo concreto como consta na letra A.
Mesmo entendendo as ideias como fundamento do mundo sensível, Platão não foi
tão radical a ponto de negar algum nível de realidade às coisas como sugere a resposta C.
Para Platão, as ideias possuem uma existência própria e independente dos con-
ceitos que formulamos em nossas mentes. Por esse motivo, não poderíamos assinalar a
“Zeus ocupa o trono do universo. Agora o mundo está ordenado. Os deuses disputaram entre si, alguns triunfa-
ram. Tudo o que havia de ruim no céu etéreo foi expulso, ou para a prisão do Tártaro ou para a Terra, entre os mortais. E
os homens, o que acontece com eles? Quem são eles?” (VERNANT, Jean-Pierre. O universo, os deuses, os homens. Trad.
de Rosa Freire d’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. p. 56.) O texto acima é parte de uma narrativa mítica.
Considerando que o Mito pode ser uma forma de conhecimento, assinale a alternativa correta.
b. O conhecimento mítico segue um rigoroso procedimento lógico-analítico para estabelecer suas verdades.
d. O Mito busca explicações definitivas acerca do homem e do mundo, e sua verdade independe de provas.
e. A verdade do Mito obedece a regras universais do pensamento racional, tais como a lei de não-contradição.
Gabarito: D
A sabedoria de Sócrates, filósofo ateniense que viveu no século V a. C., encontra o seu ponto de partida na afir-
mação “sei que nada sei”, registrada na obra Apologia de Sócrates. A frase foi uma resposta aos que afirmavam que
ele era o mais sábio dos homens. Após interrogar artesãos, políticos e poetas, Sócrates chegou à conclusão de que ele
se diferenciava dos demais por reconhecer a sua própria ignorância.
a. Aquele que se reconhece como ignorante torna-se mais sábio por querer adquirir conhecimentos.
b. É um exercício de humildade diante da cultura dos sábios do passado, uma vez que a função da Filosofia
era reproduzir os ensinamentos dos filósofos gregos.
c. A dúvida é uma condição para o aprendizado e a Filosofia é o saber que estabelece verdades dogmáti-
cas a partir de métodos rigorosos.
d. É uma forma de declarar ignorância e permanecer distante dos problemas concretos, preocupando-se
apenas com causas abstratas.
Gabarito: A
Gabarito:
A verdade do Mito não pode ser contestada, enquanto a verdade filosófica é construída a partir do de-
bate racional.
312
CADERNO DE ESTUDOS
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Quem é o ser
humano?
Para início de conversa...
o que são. Não é porque um cavalo se modifica que ele deixa de ser cavalo e
se torna uma pedra. Antes disso, tudo indica que há no cavalo, assim como nos
outros seres, alguma coisa que permite que haja transformação em seu ser sem
destruição de suas particularidades. Esta natureza que sustenta cada ser, que os
permite se transformarem e se preservarem sendo o que são, foi o objeto primei-
ro da Filosofia. É como se o filósofo se encantasse com a multiplicidade de seres
do mundo, com suas transformações (devir) e com o fato de que, ainda que tudo
mude, há algo que preserva cada ser sendo o que é. O que seria esse algo? Como
podemos entendê-lo?
Aos poucos, os filósofos deslocaram sua atenção para o ser humano. Isto
não é difícil de ser compreendido. Somos nós que admiramos o mundo. Somos
nós, seres humanos, que perguntamos por que as coisas são do jeito que são e
não de outro modo. Somos nós que criamos a Filosofia, assim como a poesia, os
mitos e a religião. Por isso, nada mais justo do que a Filosofia concentrar-se, tam-
bém, no ser humano e buscar entender sua essência e sua riqueza. Entretanto, se
hoje, com o desenvolvimento de diversas ciências (como a medicina, a psicologia,
nheceu uma teoria que conseguisse responder, de uma vez por todas, quem é o ser humano. Estamos sempre ques-
tionando quem somos e dizendo de modo renovado quem é o ser humano. Nesse nosso estudo, entre outras coisas,
iremos mostrar alguns modos e alguns conceitos que a Filosofia, ao longo da história da cultura ocidental, criou para
entender quem é o homem.
Objetivos da aprendizagem
314
Seção 1
A explicação mitológica e o homem como ser
racional entre os antigos
Como vimos na última aula, a Filosofia nasceu de uma ruptura com os mitos. Isto quer dizer que, antes mesmo
de o homem grego questionar a realidade filosoficamente (racionalmente), ele encontrou diversas explicações para o
mundo em que vivia. Os mitos, de algum modo, mesmo sem utilizar conceitos racionais, davam respostas a diversas
indagações humanas: por que o mundo existe? Qual o sentido da vida? O que acontece após a morte? Por que existe
o maremoto? Essas questões e outras encontravam nos mitos suas respostas. Neste sentido, o homem, primeiramen-
te, pensou a si mesmo através dos mitos. Sua existência foi explicada diversas vezes por meio de forças divinas, perso-
nagens religiosos e, assim, o homem grego encontrava sentido em sua vida e conseguia lidar, de modo mais seguro,
com seu dia a dia. Vejamos um desses mitos. Trata-se de um mito famoso chamado Fábula de Higino. Ela estruturou
a compreensão dos romanos antigos, que era muito parecida com a dos gregos, sobre quem é o homem e qual o seu
destino. Seus personagens correspondem a outros personagens presentes na cultura grega antiga:
Certo dia, ao atravessar um rio, Cuidado viu um pedaço de barro. Logo teve uma ideia inspirada. Tomou
um pouco de barro e começou a dar-lhe forma. Enquanto contemplava o que havia feito, apareceu Júpiter.
Cuidado pediu-lhe que soprasse espírito nele. O que Júpiter fez de bom grado.
Quando, porém, Cuidado quis dar um nome à criatura que havia moldado, Júpiter o proibiu. Exigiu que
fosse imposto o seu nome.
Enquanto Júpiter e Cuidado discutiam, surgiu, de repente, a Terra. Quis também ela conferir o seu nome à
criatura, pois fora feita de barro, material do corpo da terra. Originou-se então uma discussão generalizada.
De comum acordo pediram a Saturno que funcionasse como árbitro. Este tomou a seguinte decisão que
pareceu justa:
“Você, Júpiter, deu-lhe o espírito; receberá, pois, de volta este espírito por ocasião da morte dessa criatura.
Você, Terra, deu-lhe o corpo; receberá, portanto, também de volta o seu corpo quando essa criatura morrer.
Mas como você, Cuidado, foi quem, por primeiro, moldou a criatura, ficará sob seus cuidados enquanto ela
viver.
E uma vez que entre vocês há acalorada discussão acerca do nome, decido eu: esta criatura será chamada
Homem, isto é, feita de húmus,que significa terra fértil.
Esse é um mito que explica para o homem romano antigo diversos elementos importantes para sua vida. Nele,
ser humano é ser feito de barro (terra), o que mostra sua fragilidade, sua precariedade e mortalidade. Por sermos bar-
ro, devemos cuidar de nós mesmos, buscar meios que fortaleçam nossa condição frágil. No entanto, Júpiter, o deus
criador das coisas, nos deu o espírito, o que indica um elemento divino e forte no próprio ser humano. É por causa do
espírito que conseguimos viver de modo íntegro em nossa condição mortal. E quem decide o nosso nome (homem)
é Saturno, deus do tempo e pai de Júpiter. É o deus do tempo que diz que somos feitos de barro e espírito e, assim,
somos feitos de Humus, a terra fértil. Como o ser humano foi planejado pela mente do Cuidado, enquanto ele está
na Terra, fica amparado pelo próprio Cuidado. Por isso, é o cuidado que nos faz viver a fragilidade de nossa condição
mortal enquanto estamos vivos. Isto indica que, para que vivamos na Terra, é preciso cuidado constante, pois a fragi-
lidade da nossa vida nos ameaça a todo instante.
Esse tipo de discurso, apesar de não ser filosófico, gerou para os antigos um modo de compreensão da natu-
reza do homem. Com a Filosofia, rapidamente, esta maneira de entendimento da natureza humana se renovou. Foi o
que aconteceu entre os gregos na época de Sócrates (469-399 a.C.). Eles começaram a perguntar racionalmente pela
essência humana. Perguntar pela essência humana é perguntar por aquilo que diferencia os seres humanos de todos
os outros seres do mundo: o que faz o ser humano ser quem ele é, diferente do cavalo, da pedra e dos deuses? Ao
mesmo tempo, a essência do homem é aquilo que, se for retirado do ser humano, aniquila sua identidade. Se retirar-
mos do ser humano o seu cabelo ou se alguém ficar mais magro ou mais gordo, estas mudanças não mudam a sua es-
sência. A pessoa não deixa de ser um ser humano. Mas, se retirarmos a essência, aí as coisas mudam completamente.
Acaba-se com o homem. Foi assim que Sócrates e seu discípulo Platão (427-347 a.C.) enxergaram o ser humano: eles
tentaram saber qual é a sua essência, qual é o elemento que, se for retirado do homem, destrói sua natureza.
316
Como já foi dito, os gregos se espantaram com o dinamismo e com a pluralidade dos seres do mundo. É como
se eles achassem tudo isso um verdadeiro milagre. É claro que para nós, homens orientados pela ciência e pela tec-
nologia, o que encantava os gregos não chama mais a nossa atenção. Apesar disso, devemos levar em conta que
eles viveram em outro tempo e, por isso, tinham outro modo de compreender a realidade. Justamente esse modo
singular de entender as coisas gerou uma concepção peculiar de ser humano. Por um lado, nós percebemos que as
coisas mudam, se transformam e ganham, por isso mesmo, novas configurações. Uma semente se transforma e o
caule surge. Logo depois, uma árvore nasce daquele caule. Quando madura, essa árvore pode deixar nascer frutos.
O mesmo acontece com um rio. Ele nasce, suas águas fluem e ele desemboca no mar. Percebemos, por todos lados,
o fluxo transformador de todas as coisas. Nós mesmos nascemos, crescemos e morremos. Por outro lado, por mais
que tudo se transforme, a identidade de cada coisa de algum modo continua preservada. Quando um ser humano se
transforma, ele não deixa de ser ser humano e se transforma em borboleta. Uma semente de limoeiro não se transfor-
ma em abacateiro. Isto mostra que nós captamos uma dimensão da realidade que se transforma e outra que é estável.
É como se tivéssemos duas visões: uma vê a transformação constante das coisas; já a outra percebe algo constante,
que fornece aos seres suas identidades. A partir dessa compreensão do mundo, que o divide em dimensão transitória
e dimensão permanente, os gregos criaram seu modo de entendimento de quem é o ser humano. Vejamos o modelo
que nasceu com a Filosofia de Platão.
Com Platão, os gregos antigos conseguiram encontrar uma resposta para a pergunta: quem é o homem?
Assim como o mundo possui uma dimensão transitória e outra permanente, o homem, enquanto é um dos seres do
mundo, também possui uma dupla dimensão. A dimensão transitória do homem é o corpo. Através do corpo, os seres
humanos sentem os sabores dos alimentos, a espessura dos objetos, o cheiro das coisas, o som dos pássaros e, por
meio da visão, vê as coisas ao seu redor. Isso quer dizer que o nosso corpo é composto por diversos sentidos: olfato,
paladar, tato, audição e visão. Através dos sentidos, as coisas do mundo mostram sua transitoriedade. Em outras
palavras: para os sentidos humanos, tudo flui, tudo se altera, nada é imutável. É o corpo, então, que se relaciona com
a dimensão transitória do mundo. Mais: o nosso corpo é tão transitório quanto as coisas transitórias que ele capta. Se
os nossos olhos veem uma flor nascer, crescer e morrer, o nosso corpo também nasce, cresce e morre. Neste sentido,
o corpo humano é o que faz com que o ser humano seja mortal. Nós morremos porque o nosso corpo não é imutável.
Ora, mas, como já foi dito, apesar de nós captarmos a transitoriedade das coisas pelos sentidos, de algum modo nós
também percebemos no mundo algo de constante, algo que não é transitório. Captamos com os olhos uma criança
ou uma obra de arte bela. Mas, a criança e a obra de arte não são eternas. Elas se transformam. A criança se transforma
em adolescente e a obra de arte pode ser quebrada ou queimada por um incêndio. Mesmo que elas se transformem,
a beleza não desapareceu por causa dessa transformação. Pelo contrário: nós continuamos a perceber a beleza em
outras coisas: em poesias, nos carros, em outras pessoas etc. Isso quer dizer que a beleza não muda só porque os
objetos belos mudaram. A essência de beleza não é transitória. Ora, se o nosso corpo só capta o que é transitório,
como é que nós captamos o que não se transforma?
Platão entendia que o homem não é somente corpo. Há algo nele que não é transitório. Esse algo é a alma.
Ela está no nosso corpo, mas não se confunde com ele. É ela que conhece a dimensão permanente da realidade. Se
o corpo capta os seres transitórios por meio dos sentidos, a alma capta a essência eterna das coisas através da razão.
Quando vemos uma pessoa agir de maneira justa, reconhecemos que aquela ação que os nossos olhos veem é justa,
porque nossa razão conseguiu “enxergar” através daquela ação transitória a essência eterna da justiça. Se nossa razão
conhece o que é a justiça, nossos olhos podem ver diversas ações humanas, que nós iremos reconhecer, por mais di-
ferentes que elas sejam, se elas são justas ou não. Outro exemplo: os nossos sentidos podem captar diversas cadeiras
de diferentes tipos: cadeira de madeira, cadeira de plástico, cadeira de ferro, cadeira grande, cadeira de balanço. No
entanto, só sabemos que todos aqueles objetos que os nossos sentidos captam são cadeiras, porque nossa alma, atra-
vés da razão, enxergou a essência eternal e universal da cadeira. Isso quer dizer que o nosso corpo capta o transitório,
mas nossa razão consegue ir para além do transitório e captar o que é eterno.
É fácil entender por que os gregos definiram o homem como animal racional. Ele é animal porque possui uma
dimensão transitória, que nasce, cresce e morre. Essa dimensão possui sentidos e capta o mundo transitório. Essa di-
mensão não está presente somente nos homens. Outros seres (animais) também possuem essa dimensão. Cachorros
e gatos, por exemplo, sentem cheiro, veem as coisas, ouvem barulhos de modo parecido com o ser humano. O que
diferencia o homem dos outros animais é sua razão. Se o ser humano é constituído de corpo e de alma, o que o define
como homem, que não está presente em outros seres vivos, é a alma racional. Por isso, o homem pensa, fala, cria obras
de arte. Isso tudo não pode ser feito por gatos, peixes, cavalos, por mais que eles possam conhecer os objetos singula-
318
res através de seus sentidos. Se a razão é o que diferencia o homem dos demais animais, quanto mais ele orientar sua
vida pela razão, mais ele realiza sua essência. Podemos, então, dizer que, com os gregos, o ser humano se entendeu
como um animal racional.
Seção 2
O homem medieval:
magem e semelhança de Deus
O homem medieval não enxergou o ser humano tão somente como animal racional. Isso porque o homem
medieval era essencialmente religioso. Neste momento da história, o homem encontrou três grandes religiões
para orientar sua vida: judaísmo, cristianismo e islamismo. Importa perguntar aqui pelo homem medieval cristão.
Diferentemente dos gregos e romanos antigos, o homem cristão não pensou o ser humano somente através da
razão. O cristianismo, como sabemos, orienta-se pela Bíblia, a Sagrada Escritura. Por outro lado, na Idade Média, o
cristianismo sofreu grandes influências da Filosofia grega. Ainda hoje essa influência se manifesta. Por exemplo: vamos
a uma Igreja participar de um culto ou missa de morte de alguém que conhecemos. O celebrante começa a falar de
vida após a morte e diz que o corpo morre, mas a alma é imortal. Esse pensamento, que é comum a todas a tradições
cristãs, surgiu no cristianismo por causa da influência do pensamento grego antigo. Como vimos, os gregos pensaram
o ser humano como um corpo habitado por uma alma. O corpo é transitório e mortal e a alma é imortal. Por isso, com
a morte, o corpo se deteriora e a alma sobrevive. Dessa concepção, surgiu, na Filosofia, a ideia de imortalidade da
alma. Como o cristianismo medieval sofreu influência dos gregos, ele também pensou (e ainda pensa) que a morte do
Também disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem e semelhança, conforme a nossa semelhança; te-
nha ele o domínio sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus , sobre os animais domésticos, sobre toda
a terra e sobre todos os répteis que rastejam pela terra.
Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou.
E Deus os abençoou e lhes disse: Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e sujeitai-a; dominai sobre os
peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todo animal que rasteja pela terra. (Gênesis 1, 26-28)
Que é o homem mortal para que te lembres dele? e o filho do homem, para que o visites?
Pois pouco menor o fizeste do que os anjos, e de glória e de honra o coroaste.
Fazes com que ele tenha domínio sobre as obras das tuas mãos; tudo puseste debaixo de seus pés:
Todas as ovelhas e bois, assim como os animais do campo,
As aves dos céus, e os peixes do mar, e tudo o que passa pelas veredas dos mares.
O SENHOR, Senhor nosso, quão admirável é o teu nome sobre toda a terra! (Salmo 8, 4-9)
Para o homem medieval, o ser humano é imagem e semelhança de Deus. A grandeza de Deus de algum modo
está presente no ser humano. É neste sentido que o ser humano é a “coroa da criação”. Todas as criaturas foram criadas
para que o homem as dominasse. Assim como Deus é Senhor e, por isso, está acima de toda criação, o homem, feito
à imagem e semelhança de Deus, foi criado para dominar a criação. É ele que dá nome às criaturas e, assim, as usa em
benefício próprio. Usa o boi, come a galinha, corta os galhos de uma árvore e constrói casas com pedras. Assim como
Deus cria as coisas do mundo, o ser humano cria novas coisas a partir daquelas que encontra no mundo: moradia,
arte, jogos. Ao mesmo tempo, o salmo reproduzido acima pergunta: “ Que é o homem mortal para que te lembres
dele?” Isso mostra que o ser humano relaciona-se com Deus. Deus preocupa-se com o homem. Por isso, sua vida está
destinada a relacionar-se com Deus. A Bíblia inteira exorta o ser humano a, cada vez mais, se relacionar com Deus.
Somente quando o homem relaciona-se com Deus pode ele viver plenamente. É nesse sentido que se diz que o ho-
mem medieval entendia Deus como o eixo em torno do qual gira a vida humana. Ser imagem e semelhança de Deus
não é somente ser parecido com Deus. É, sobretudo, ser capaz de se relacionar conscientemente com Deus e buscar
Nele o sentido da vida humana. Em vários momentos a Bíblia chama Deus de Senhor. Se Deus é o Senhor, é porque
Ele domina a vida. O homem medieval reconheceu em Deus o Senhor de sua existência.
Por um lado, o homem medieval reconheceu o ser humano como “senhor” da criação; por outro lado, ele se viu
dependente de Deus, pois somente Deus é o Senhor da criação. Por isso, o homem medieval entendeu o ser huma-
no como criatura de Deus: uma criatura superior às outras criaturas, mas, ainda assim, o ser humano é uma criatura.
320
Ser criatura significa ser dependente de Deus. Para o homem medieval, todo ser humano depende de Deus. Sem
Deus, a vida humana é pura infelicidade. Com Deus, o homem atinge sua felicidade suprema. Nele, o homem medie-
val encontrava socorro, alegria, força, paz, perdão, salvação, amor. Sem esta dependência de Deus, o ser humano não
seria ninguém. Essa dependência do ser humano em relação a Deus foi expressa pelo pintor Michelangelo, na famosa
pintura A criação de Adão (1511).
Figura 3: A Criação de Adão, de Michelangelo Buonarroti, por volta de 1511. A pintura figura no teto da Capela
Sistina.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:God2-Sistine_Chapel.png
A imagem é clara. Deus está sobre a Terra. Acabou de criar Adão. Deus está pairando sobre a Terra, o que é um
sinal de superioridade. Adão, desprotegido, sem roupa, só existe porque Deus o criou. Sem Deus, Adão não seria nin-
guém, um puro nada, sem qualquer existência. Criatura de Deus, Adão necessitará sempre se relacionar com Ele para
que sua vida seja plena e feliz. Justamente isto exige do homem fé. O homem medieval entendeu o ser humano como
um ser que deve ter fé. Se os gregos antigos valorizaram a razão humana, o homem medieval, além da razão, valori-
zou a fé. Segundo os medievais, a fé leva o homem para uma dimensão mais elevada que aquela que a razão atinge.
Isto acontece sobretudo de duas maneiras. Em um primeiro momento, o homem medieval entendeu a fé como o ato
de acreditar na revelação de Deus presente na Bíblia. Crer é acreditar naquilo que a Bíblia diz como sendo Palavra de
Deus. É claro que a Bíblia afirma várias coisas que a nossa razão por si só não conseguiria alcançar. A Bíblia fala que o
Mar Vermelho se abriu por causa de Deus. Só conseguimos saber disso por meio da Bíblia e não porque nossa razão
descobriu isto através de sua atividade. A Bíblia diz que Jesus multiplicou pães e peixes. Como nossa razão consegui-
ria entender este milagre? É a fé que leva o homem a alcançar este conhecimento que a razão sozinha não conseguiria
saber. Este conceito de fé orientou toda Idade Média. A fé leva o homem a conhecer algo mais elevado que aquilo
que é conhecido pela razão. Mas isso não quer dizer que o homem medieval desconsiderasse a razão humana. Pelo
contrário. Para ele, o ser humano deveria sempre usar a razão para explicar melhor aquilo que a fé conhece. Por isso,
Mas, a fé não se reduz ao conhecimento de coisas que estão além da razão. Ela diz respeito à vida humana con-
creta. O homem de fé vive de modo diferente. Experimenta na sua existência o que a Bíblia chama de salvação. Paulo
chega a afirmar: “o homem é justificado pela fé” (Romanos 3, 28). Pela fé, o homem não pensa em Deus, mas sente Sua
presença em sua existência. Por isso, a fé decide o destino da vida humana e possibilita a ele uma vida de plenitude,
que a Bíblia chama de bem-aventurança. O homem medieval orientava-se por esses dois conceitos de fé. De qualquer
forma, para ele, a razão humana deveria servir à fé e a fé deveria colocar o homem a serviço de Deus. Somente assim,
o ser humano assumiria sua essência de imagem e semelhança de Deus.
− Não, venho aqui para encher o teu vazio, já o tens sentido há algum tempo. Deus
ouviu as tuas preces e encarregou-se de me enviar para te ajudar.
Teresa, um pouco incrédula com a situação, esfregou os olhos para tentar acordar
daquilo que só podia ser um sonho, mas não resultou, o ser iluminado ainda se encontrava
à sua frente.
− Deus entregou-me esta lança para que possa satisfazer o teu mais eterno desejo.
322
O Êxtase de Santa Teresa
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:
Ecstasy_St_Theresa_SM_della_Vittoria.jpg
Com o auxílio do diálogo reproduzido, diga por que a concepção de ser humano
manifestada na escultura sobre o Êxtase de Santa Tereza diz respeito àquela concepção
Seção 3
O homem moderno: centro do universo
Acabamos de falar sobre o homem medieval. Para ele, Deus é o centro do universo. Isso porque o homem é
criatura de Deus, ou seja, o ser humano não seria ninguém se Deus não o tivesse criado. Por isso, seu ser depende de
Deus, mas Deus não depende do seu ser. Esse pensamento está hoje em dia expresso em alguns adesivos que muitos
motoristas colocam em seus carros. Um deles diz assim: “Você sem Deus não é nada. Deus sem você é Deus”. De forma
Inquisição
O termo inquisição refere-se de modo geral ao conjunto de instituições e instrumentos de caráter judicial criados para combater
as heresias no mundo católico medieval. As heresias caracterizam-se como doutrinas contrárias ou diferentes de um sistema
doutrinal ortodoxo. Por exemplo, se a afirmação da Trindade é aceita como um dogma do catolicismo cristão, qualquer doutrina
pretensamente cristã que ouse negar o dogma da Trindade será considerada herética.
324
Figura 4: O Homem Vitruviano de Leonardo da Vinci
(por volta de 1490). O desenho de Leonardo é inspi-
rado em uma passagem de uma obra da Antiguida-
de, o tratado De Architetura, de Vitrúvio. No terceiro
livro de sua obra Vitrúvio dedica-se à descrição das
proporções do corpo humano. O Homem Vitruviano
é uma tentativa de Leonardo de esboçar essas pro-
porções e ilustra um novo tipo de preocupação do
pensamento europeu, que aos poucos distancia-se
de Deus e passa a ter como tema o homem.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Homem_vitruviano
O homem moderno é insubmisso, ou seja, ele não se submete a nenhum controle. Por isso, ele não “abaixa a
cabeça” para as autoridades do seu tempo. Toda tradição antiga, baseada no poder da Igreja e no poder da monarquia
(rei e nobreza), passa a ser questionada. A modernidade é a época de inúmeras revoluções: Revolução Científica, Re-
volução Francesa, Revolução Industrial. Toda autoridade antiga passa a ser questionada. Não importa se as coisas são
do jeito que são porque a Igreja diz que devem ser assim. O homem moderno quer saber se ele mesmo pode dizer o
porquê das coisas. Isso mostra uma primeira característica do homem moderno: a separação entre fé e razão.
Diferentemente da Idade Média, o homem moderno não conjuga fé e razão e não acredita que a fé deve levar
a razão a um nível que ela, por si mesma, não alcançaria. Se a fé estava atrelada à Igreja e aos seus conhecimentos
e dogmas, o homem moderno vai querer libertar a razão do jugo da fé. Isto significa que, para a modernidade, a
razão deveria lutar contra o poder de dominação da Igreja e de seus conhecimentos. Por isso, a modernidade, cada
vez mais, luta contra o poder da Igreja. Hoje em dia, isso aparece com mais clareza. Nós não perguntamos o que as
igrejas cristãs pensam para lidarmos com diversos problemas da vida atual. O nosso governo não é obrigado a acatar
o que as igrejas querem, só porque elas querem algo. Em nossas escolas, as crianças e adolescentes não aprendem,
nas aulas de biologia, a doutrina da criação do universo em sete dias, mas aprendem a teoria da evolução de Darwin.
A política moderna também é marcada por um claro desejo de libertação. A sociedade antiga era organizada
por um tipo de poder que era considerado sagrado. Considerava-se os reis como escolhidos por Deus. A pobreza era
resultado da vontade divina. As classes sociais também eram desejadas por Deus. Havia, portanto, uma autoridade
divina que justificava as injustiças sociais. O homem moderno, aos poucos, começa a lutar contra esta ordem. Os
governos passam a ser formados pela vontade dos indivíduos: os cidadãos. Não há nenhum poder que seja eterno,
pois todo poder tem de ser construído por meio da participação do povo. Ao mesmo tempo, quem cria as leis não é
a fé religiosa, mas a razão humana. Cada vez mais surgem países que assumem regimes democráticos e retiram do
poder reis e nobres. As revoluções surgem por todos os lados, para destruir as bases das velhas políticas. Tudo o que se
relaciona com opressão e controle passa a ser questionado pelo homem moderno. Isso significa que a modernidade
entende o ser humano de modo diferente do modo como os gregos e medievais entenderam.
Para os gregos, o homem, enquanto animal racional (corpo e alma), deveria orientar-se pela razão e seguir as
leis que governam sua natureza e o mundo. Essas leis seriam encontradas através da razão. Já os medievais, como
vimos, consideraram o ser humano como criatura de Deus. Os homens deveriam se submeter à Deus pela fé e pelo
seguimento da autoridade da Bíblia. Tanto os gregos quanto os medievais achavam que o ser humano deveria se
submeter a alguma autoridade previamente instituída: ou Deus ou a natureza humana. Para os gregos, a natureza
humana contém uma ordem e uma finalidade que podem ser captadas pela razão e seguidas por cada indivíduo. Já
os medievais acreditavam que Deus instituiu leis que devem ser seguidas, para que o ser humano seja salvo e con-
quiste o céu.
O homem moderno é diferente. Não se submete a nenhuma autoridade que não tenha sido criada pela razão.
O homem se torna o autor das leis que explicam o mundo e que orientam suas ações. A natureza passa a se submeter
à razão humana. Mas, como os modernos entendem a natureza do ser humano, para que consigam atribuir a ela tanto
poder? Resposta: na modernidade o ser humano não é o animal racional grego, também não é a criatura de Deus dos
medievais, mas o ser humano é considerado sujeito. Vejamos o que isto significa.
Em nosso dia a dia, aplicamos a palavra sujeito sempre a pessoas humanas. Por exemplo, um policial diz: “Ali
está um sujeito suspeito”; “O sujeito de camisa branca está andando na contramão”. Do mesmo modo, alguns homens
dizem: “ Eu sou sujeito homem”. Não dizemos hoje que uma pedra é um sujeito ou que um cachorro seja um sujeito.
Sujeito é uma palavra que se usa para falar do ser humano. Se fosse na Idade Média, as coisas seriam diferentes. Para
os medievais, a pedra, Deus, os anjos, todos eles eram sujeitos, assim como o ser humano. Sujeito era uma dimensão
presente em todos os seres. Mas, para os modernos, sujeito é um termo que se aplica somente ao ser humano. Isto
não é assim à toa. Todos nós já ouvimos uma frase famosa do filósofo Descartes (1596-1650): “Penso, logo existo”. Po-
de-se dizer que esta frase sintetiza o espírito da modernidade. Através dela conseguimos entender por que o homem
moderno pensa o ser humano como sujeito. Descartes, assim como todo pensamento moderno, tinha duvidado de
todo conhecimento da tradição filosófica. No seu tempo, a ciência moderna estava nascendo, mas não se sabia muito
bem como justificar filosoficamente essa ciência. Por isso, Descartes passa a duvidar de tudo e caminha em direção a
326
um conhecimento que não possa ser duvidado. Desse modo, Descartes queria conquistar um novo fundamento para
o pensamento filosófico. Qual seria esse fundamento que não poderia ser posto em dúvida?
Podemos duvidar de tudo. Podemos duvidar de que estamos acordados, pois, quando sonhamos, em meio ao
sonho, não sabemos que estamos sonhando. Basta pensar em nossos pesadelos. Se estamos tendo um pesadelo, só
ficamos desesperados, se achamos que o que está acontecendo no pesadelo é verdadeiro. No entanto, aquilo tudo
é ficção. Podemos, então, estar sonhando, quando achamos que estamos acordados. Desse modo, Descartes diz que
podemos duvidar de se estamos acordados. Podemos também duvidar dos nossos sentidos: paladar, olfato, tato,
audição e visão. Quando vemos uma barra de ferro dentro de um balde de água, achamos que a barra está torta e, na
verdade, ela está reta. Podemos supor que nossos sentidos nos enganam sempre. Por outro lado, podemos também
pensar que estamos sempre pensando algo que seja ilusório. Descartes chega a propor a ideia que pode existir um
demônio nos enganando 100% do dia, nos fazendo pensar algo que é pura ilusão. Se pensarmos que podemos estar
sendo enganados a todo momento, há algo que não podemos duvidar. Quando estamos iludidos, estamos pensando
e quando pensamos, por mais que estejamos enganados, não podemos duvidar de que nós existimos. Daí a frase: “
Penso, logo existo”. O critério para chegarmos a está descoberta é que algo só é verdadeiro se for evidente, ou seja,
se a razão humana não puder colocar em dúvida. Tudo o que o homem conhece – inclusive Deus – como evidente é
verdadeiro. Com esse tipo de entendimento, o homem é sujeito e a realidade que ele conhece é objeto. Por isso, para
o homem moderno, o ser humano é essencialmente sujeito: nele está o critério da verdade dos objetos (evidência) e,
sem ele, a realidade não pode ser considerada verdadeira ou falsa.
O que interessa observar é que, quando nos consideramos sujeitos, e as coisas, objetos, estamos dizendo que
nada do que for evidente para a razão humana pode ser considerado verdadeiro. A consequência disso é clara: as
ciências modernas são evidentes, logo são verdadeiras. As artes não são evidentes, logo não podem ser levadas a
sério, pois não são portadoras de verdade. O que a Igreja diz não é evidente, logo não pode ser comparado às ciências,
que são portadoras da verdade. Os governos autoritários monárquicos não podem ser justificados racionalmente,
logo não podem ser considerados verdadeiros. Considerado sujeito, o homem, através da razão, passa a dominar a
realidade, que é um conjunto de objetos. Cria as ciências, que ajudam a controlar a estrutura dos objetos, arrancar deles
suas energias e colocá-las a serviço do ser humano. Cria a técnica, que faz com que os homens possam transformar
a natureza segundo sua vontade. Com a técnica e ciência, o homem moderno prevê chuvas, constrói pontes, produz
carros, prevê doenças, cria prédios que o protegem de chuvas e alagamentos. É assim que o homem se transforma
em centro do universo. Ser sujeito é sujeitar, ou seja, dominar todos os seres por meio da razão e colocar tudo à
disposição do ser humano.
uma forma não mais ligada ao eterno. A partir da análise da tela reproduzida a seguir, diga
qual a concepção de ser humano que está representada na tela e justifique sua resposta.
328
Seção 4
O homem contemporâneo:
ser social e de desejos
Vivemos hoje em um outro momento da história. Já não acreditamos mais no tipo de homem pensado pela
modernidade. Por mais que muitas vezes falemos que somos sujeitos, não acreditamos que essa palavra signifique
a mesma coisa pensada pelos modernos. Por quê? Não há uma resposta isolada, mas muitas possíveis respostas.
Primeiramente, não há como pensar que somos um ser que possa ser pensado como o centro do universo. Cada vez
mais nós percebemos que somos seres dependentes. Não somos sujeitos acima das coisas. Não somos seres des-
conectados da realidade. Nossa vida está entrelaçada com diversos outros seres. Os filósofos contemporâneos, de
diversos modos, mostraram que a nossa natureza ou o nosso ser é formado pelas relações sociais em que vivemos.
Apesar de os filósofos gregos, como Aristóteles (384-322 a. C.), terem afirmado que o ser humano é um ser social, eles
acreditavam que nós temos uma essência igual a dos demais seres humanos: somos animais racionais. Vejamos dois
pensadores que nos ajudam a compreender como nós, contemporâneos, compreendemos o ser humano.
O primeiro pensador é Karl Marx (1818-1883). Marx mostrou que o nosso ser é formado pelo lugar social que
ocupamos e pelo que nós produzimos nesta mesma sociedade. Se somos pobres, o nosso ser é diferente do ser dos
ricos. Do mesmo modo, se somos negros pobres, somos diferentes dos negros ricos. Quem vive em uma favela do
Rio de Janeiro, vê a vida de um modo diferente dos ricos que moram nessa mesma cidade. Basta pensar que aqueles
que vivem nas ruas possuem corpos, doenças, desejos, medos, valores diferentes daqueles que são de classe média.
Por outro lado, Marx mostra que nós nos construímos por meio daquilo que produzimos em nossa sociedade. Se
trabalharmos como pedreiros 14 horas por dia, nosso ser será diferente daqueles que são jogadores de futebol e
treinam 3 horas por dia. Mas, isso não significa que todo pedreiro seja igual. Se o pedreiro viver em um país rico, como
a Alemanha, e tiver boas condições econômicas, ele será diferente de um pedreiro que mora no Brasil, que precisa
trabalhar umas 10 a 12 horas por dia para receber um salário mínimo por mês. Ora, como as sociedades se transfor-
mam, mudam os seres humanos que nelas vivem. Por isso, todo ser humano é histórico: as pessoas se renovam com
as transformações da sociedade e a sociedade muda quando as pessoas a transformam.
Se por um lado, somos seres sociais, por outro, não somos totalmente racionais e conscientes. No século XX,
Sigmund Freud (1856-1939), considerado o pai da psicanálise, mostrou que o ser humano não é essencialmente ra-
cional. Freud mostrou que o que orienta o homem são desejos inconscientes. Estes desejos buscam sempre o prazer.
No entanto, a cultura em que vivemos regula os nossos prazeres. Por exemplo, uma criança deseja andar nua na rua.
Os pais, entretanto, não permitem que ela se comporte desse modo. Isso porque a cultura e a sociedade em que eles
vivem não permitem que se ande nu nas ruas. Desse modo, as normas sociais e culturais orientam a maneira com que
conduzimos os nossos desejos inconscientes. A nossa consciência, então, é criada através da relação do nosso incons-
ciente com a cultura da qual fazemos parte. Mesmo assim, Freud mostra que os nossos desejos inconscientes não vão
embora por causa das leis sociais. Independente do modo como pensamos, o nosso inconsciente muitas vezes deseja
o contrário do que aquilo que a nossa consciência diz que deve ser desejado. Por mais que a nossa consciência diga
que não devemos desejar sexualmente pessoas casadas, muitas vezes, inconscientemente, nós as desejamos. Outro
exemplo: sabemos que não podemos comer comidas gordurosas, mas geralmente são os alimentos mais desejados
por nós. Isso mostra que todo o ser humano vive uma grande cisão (divisão). Por um lado, somos seres orientados
pelos desejos inconscientes, que buscam prazer. Por outro lado, nossa consciência é formada pelo modo como assi-
milamos as normas da nossa cultura e da nossa sociedade. Grande parte das vezes, a nossa cultura não permite que
realizemos os nossos desejos e, por isso, ficamos frustrados. Orientados pelo inconsciente, não é a razão que nos
determina, como pensaram os modernos. Somos seres que desejam e não somente seres que pensam. Nossos pen-
samentos são orientados pelos nossos desejos e não o contrário.
330
Figura 6: Sigmund Freud em 1900.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Freud_ca_1900.jpg
Esses dois pensadores (Marx e Freud) nos mostram que o pensamento contemporâneo desconstrói a autono-
mia da razão humana e mostra que os seres humanos são formados por elementos não racionais mais fundamen-
tais que a própria razão. Nossos desejos e nosso lugar social são mais essenciais do que a nossa razão. Os nossos
pensamentos dependem dos nossos afetos (desejos), do lugar que ocupamos em nossa sociedade e da função que
nela desempenhamos. Como os nossos desejos são realizados de acordo com a sociedade em que vivemos, nós não
somos sujeitos acima das nossas relações sociais, mas nosso ser depende dos laços sociais e culturais onde vivemos.
Isto mostra que não nascemos prontos, não temos uma essência imutável. Quem nós somos depende da sociedade
em que vivemos, da função que nela desempenhamos e dos desejos que nos orientam. Nada há de pronto em nós.
Somos produzidos historicamente.
que estudamos de Marx, qual a compreensão de ser humano que orienta o texto de Vinícius
de Moraes.
(…)
O operário emocionado
De operário em construção
332
Foi dentro dessa compreensão
Em largo e no coração
− Exercer a profissão −
O operário adquiriu
A dimensão da poesia.
(…)
Resumo
Pelo que vimos, nós seres humanos nunca conseguimos compreender de modo absoluto quem somos. Em
cada momento da história do Ocidente e da História da Filosofia, os homens se compreenderam de uma determinada
maneira. Animal racional, criatura de Deus, ser que deve ter fé, sujeito racional autônomo, ser social, ser que possui
desejos inconscientes – eis algumas definições de ser humano criadas pela História da Filosofia. Pode-se ver, então,
que o ser humano é profundamente misterioso. Podemos ainda acrescentar outros elementos que pertencem ao ser
humano e que foram destacados ao longo da história: ser que possui emoções, ser religioso, ser lúdico, ser artístico,
ser cultural. Por mais que o homem possa ter diversas definições, nenhuma delas esgota a sua riqueza. Podemos dizer
que o homem é um eterno enigma para si mesmo. Nunca ele se sentirá satisfeito com os conceitos e definições que
ele cria para entender a si mesmo. Talvez sua maior definição seja: o homem é um ser indefinível.
334
Referências
ANSELMO, Santo. Proslógio. In: Coleção os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
FREUD, Sigmund. Freud. In: coleção os pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1979.
GILSON, Etienne. O espírito da Filosofia medieval. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2006.
HRYNIEWICZ, Severo. Para filosofar: Introdução e História da Filosofia. Rio de Janeiro: Edição do autor, 1998.
MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. Rio de Janeiro: Contraponto; São Paulo: Fun-
dação Perseu Abramo, 1998.
1) Os gregos entendiam o ser humano como uma totalidade estruturada por dois
elementos: o corpo e a alma. O corpo é responsável por relacionar o ser humano com o
mundo transitório: o mundo das coisas que nascem e morrem. Já a alma é possuidora de
razão e, por isso, pode conhecer uma dimensão essencial dos seres, que não é transitória;
2) Corpo e alma são essenciais porque sem eles não se explica o modo como o ser
humano relaciona-se com o mundo das transformações e o plano das verdades eternas.
Estas duas dimensões humanas não podem deixar de existir sem que o homem deixe de
ser ele mesmo. Por isso, corpo e alma são essenciais.
Atividade 2
336
Atividade 3
que o orientava. Isto só é possível porque a época moderna é o momento em que o ser
humano, por meio das ciências, se arroga o posto de controlador e explorador da realidade.
Já o homem à direita é o padre, que representa o homem medieval que está sendo subs-
tituído pela modernidade, pois nela o homem não é mais imagem e semelhança de Deus,
mas sujeito controlador dos objetos.
Atividade 4
Para Marx, o ser humano é fruto das atividades produtivas que desempenha. Por
isso, o lugar que ocupa na sociedade em que vive e o trabalho que desempenha são essen-
ciais para se compreender quem é cada ser humano. Neste sentido, o poema de Vinícius
de Moraes mostra que o operário compreendeu que por meio dele uma realidade nova
surgia, mesmo que não fosse usufruir daquilo que foi por ele criado. Contudo, quando ele
se conscientizou disso, algo novo nascia para ele, pois geralmente o operário não percebe
que o que ele produz surge dele, porque seu trabalho é fruto da exploração do seu “patrão”.
Ao se conscientizar de que o produto vem das mãos do operário, ele pode lutar por novas
Atividade 5
Animal racional;
Homem grego A alma conhece a verdade não transitória e o corpo co-
nhece o mundo transitório.
338
O que perguntam por aí?
O filósofo Karl Marx afirmou que “Os filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diferentes maneiras; o
que importa é transformá-lo”. (Karl Marx. Teses sobre Feuerbach. São Paulo: Hucitec, 1991). Essa “mudança do mundo”
significava, para ele, a transformação das condições sociais e econômicas dos seres humanos. Qual é a concepção de
ser humano que determina esta frase de Marx?
Gabarito: B
O filósofo René Descartes (1596-1650) afirmou, na sua obra Discurso do método, que o homem deve ser mestre
e dominador da natureza. Por que este pensamento retrata o ideal de ser humano da modernidade?
d. Por causa das empresas capitalistas que necessitam destruir a natureza para aumentar sua produção.
Gabarito: C
No início da sua obra Confissões, Santo Agostinho escreveu: “O homem, fragmentozinho da criação, deseja
louvar-vos; o homem que publica sua mortalidade, arrastando o testemunho de seu pecado e a prova de que Vós
resistis aos soberbos. Todavia, esse homem, particulazinha da criação, deseja louvar-vos. Vós o incitais a que se deleite
nos vossos louvores, porque nos criastes para Vós e o nosso coração vive inquieto, enquanto não repousar em Vós”
(Agostinho, Confissões. Petrópolis/Bragança Paulista: Vozes/São Francisco, I, cap. I). Trata-se de um pensamento que
conecta Deus e homem. Esse pensamento se tornará característico de toda Idade Média. Qual o termo que melhor
define esta característica do pensamento medieval-cristão?
a. Teocentrismo.
b. Antropocentrismo.
c. Heliocentrismo.
d. Medievalismo.
e. Cosmocentrismo.
Gabarito: A
340
CADERNO DE ESTUDOS
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A questão do
conhecimento
Para início de conversa...
Platão disse certa vez que é próprio de todo ser humano uma espécie sin-
gular de pathós, isto é, um sentimento ou disposição para espantar-se frente às
coisas. Segundo ele, é dessa admiração fundamental que precederia o impulso da
busca pelo conhecimento comum a todos os seres humanos. Essa é a origem do
Epistemologia
(do grego epistême, conhecimento). Área da Filosofia que se dedica ao estudo das con-
dições de possibilidade do conhecimento e das relações existentes entre o sujeito (que
conhece) e o objeto (a ser conhecido). Teoria do Conhecimento ou Filosofia da Ciência.
Assim, a nossa “missão” nesta aula é acompanhar as diferentes respostas dadas pelos filósofos a esses questio-
namentos e, se possível, criarmos, nós mesmos, novas e intrigantes perguntas. Mas, antes, precisamos refletir sobre
Objetivos de aprendizagem
Relacionar os diversos tipos de conhecimento;
264
Seção 1
Conhecer para quê?
Em linhas gerais, conhecer significa o resultado da relação entre um sujeito (que conhece) e um objeto (o qual
se quer conhecer). Transformamos constantemente informação em conhecimento quando lemos uma notícia, estu-
damos atentamente alguma coisa ou mesmo quando pensamos sobre nós mesmos.
E para que conhecemos? Simples: para satisfazer a nossa enorme curiosidade a respeito das coisas. Engana-
-se, assim, quem pensa que pertence apenas à classe dos filósofos a tarefa de questionar sobre tudo. Os cientistas, os
religiosos e as pessoas em geral formulam perguntas durante toda a sua existência. Isso porque buscar saber mais faz
parte da própria natureza humana. Já dizia Aristóteles: “Todos os homens têm, naturalmente, o desejo de conhecer”
(Aristóteles, Metafísica).
Tipos de conhecimento
Se, segundo Aristóteles, todo ser humano tende ao conhecimento, resta-nos, antes de mais nada, saber quais
tipos e formas existentes, não é mesmo?
Imagine a seguinte situação: dois carros colidem em uma autoestrada sem vítimas fatais e três testemunhas
presenciam o acontecimento. Teremos o mesmo relato? Provavelmente não. As diferenças serão relatadas de acordo
com a ótica de cada uma das testemunhas; esta ótica é, de certo modo, determinada pela familiaridade com determi-
nado tipo de conhecimento.
Vejamos: Se a testemunha X for uma pessoa religiosa, o relato do acidente será recheado de explicações de
Já um físico tenderia a observar com os olhos de um cientista, cheio de demonstrações e atenção ao que
chama de “fatos”.
E, por fim, uma dona de casa, sem muito estudo e moradora local que já viu muitos acidentes como este bem
na porta da sua casa. Nesse caso, você concorda que o relato dessa senhora seria um resultado direto de suas expe-
riências anteriores?
Pois então. Existem muitos tipos de conhecer, cada uma com suas particularidades e limitações. Dentre eles: o
conhecimento vulgar, o racional e o religioso.
Esta sentença do filósofo inglês Francis Bacon é difícil de ser refutada, não é mesmo? Se pararmos um pouco
para olhar atentamente a história da Humanidade, veremos, em quase todas as civilizações, a busca incansável das
classes dominantes em instruir-se, ao mesmo tempo que procuram dificultar ou mesmo tornar criminoso o acesso
das massas populares ao conhecimento. Foi assim no Egito, onde a família real e uns poucos privilegiados detinham
todo o saber à custa da submissão de seu povo. Foi assim na China Comunista, onde o próprio acesso à informação
era limitado por uma censura do Estado como forma de manutenção de poucos indivíduos no poder. Que não nos
esqueçamos da nossa própria história recente... Após o Golpe de 64, uma das primeiras ações dos militares foi a de
abolir as disciplinas de Filosofia e Sociologia dos currículos escolares e, em grande parte, perseguir os profissionais
que se ocupavam de seu ensino, bem como os jovens estudantes que protestavam contra o regime.
266
Isso tudo por quê? Simples: conhecimento e poder sempre mantiveram uma relação estreita. Quem conhece,
estuda e desenvolve argumentos, está sempre pronto a questionar. O conhecimento que está a favor das elites revela-se
perigoso aos seus interesses, pois constitui um importante fator de desalienação.
Desalienação
Conceito de raízes marxistas, significa o processo de tomada de consciência, por parte da classe dominada, no que diz respeito
ao seu verdadeiro lugar no processo produtivo e das formas de exploração as quais se encontra submetida.
Nem sempre o conhecimento foi entendido com o resultado de uma prática ou metodologia formais de en-
sino-aprendizagem. A boa e velha história pode-nos ajudar uma vez mais nessa questão confirmando que a própria
ideia de Escola e a noção de “curriculum” são invenções tardias no que diz respeito à própria produção do conheci-
mento pelo homem. Seja como for, um conhecimento apreendido em uma Instituição de Ensino é premiado com a
famosa certificação. Um diploma ou certificado é muito mais que um papel com letras e assinaturas; trata-se de um
reconhecimento social de que o indivíduo domina uma série de saberes e técnicas. Essa é principal característica de
um conhecimento formal, o seu exercício encontra-se circunscrito nos limites das Instituições autorizadas a ensiná-lo.
No entanto, vemos um grande número de pessoas que fazem coisas impressionantes: um pedreiro que, ape-
sar de não ter tido aulas de engenharia, conhece melhor do que o responsável-técnico a resistência de determinado
material utilizado na obra em que trabalha, não é? Ele não tem diploma ou mesmo passou por uma escola que o
capacitasse. Mas é possuidor de um conhecimento informal, adquirido pela observação das ações de um colega mais
experiente na função ou mesmo pelo famoso método de tentativa-e-erro.
Se não podemos, com absoluta convicção, afirmar qual dos tipos de conhecimento é o melhor, sabemos
que, em uma sociedade moderna, há uma sobrevalorização daquele adquirido pelos meios formais. Fato simples
de se observar: basta comparar os salários do nosso pedreiro autodidata e do engenheiro responsável pela obra
Mesmo entre os filósofos chamados pré-socráticos, já é possível notar a preocupação crescente com a questão
do conhecimento. Seja na filosofia do devir de Heráclito ou mesmo no imobilismo defendido por Parmênides encon-
tramos alguns dos elementos fundamentais para o desenvolvimento da epistemologia na era moderna.
Os sofistas foram, em sua grande maioria, estrangeiros versados nas artes da retórica e da oratória. Contratados
pelos homens de influência das cidades gregas, tinham por missão educar e transformar os seus filhos em grandes
oradores e políticos.
Ao defenderem uma espécie de relativismo − expresso de modo emblemático na máxima “O homem é a medi-
da de todas as coisas”, de Protágoras − tornaram injustificável a própria missão da Filosofia. Essa missão seria, segundo
Sócrates, a libertação das ilusões dos sentidos, em busca do conhecimento das essências.
Em outras palavras: se é apenas o próprio homem o único critério de verdade para as coisas, não haveria nada
além que pudesse legitimar a crença na possibilidade do conhecimento das verdades. Para Sócrates, o verdadeiro não
só existe como constitui a pedra angular de toda a ação filosófica.
A partir da perspectiva socrática de busca da verdade e de suas duras críticas ao conhecimento sensível, Platão
(seu mais famoso aluno) postula a existência de dois mundos em sua célebre teoria das ideias.
A teoria das ideias ou das formas de Platão encontra-se presente em diversos textos do filósofo, em
especial no diálogo o Fédon. No entanto, popularizou-se por meio de seu célebre Mito (ou alegoria) da
caverna presente no Livro VII de A República.
268
Vivemos em um mundo de ilusão − diz a dupla de filósofos – cercados de objetos e seres captados pelos nos-
sos sentidos. No entanto, esse mundo sensível nada mais é do que uma cópia, um simulacro de sua ideia fundadora
que habitaria junto com as demais em um outro mundo, dito inteligível. Quem concordar com essa teoria deverá
defender que tudo o que vemos a nossa volta não passa de um reflexo imperfeito de sua ideia correspondente, enten-
deu? Assim, existiria nesse mundo suprassensível uma única ideia de Bem, Justiça, gato, cavalo, homem etc. Quando
olhamos, por exemplo, para o felino, nosso espírito faz um tremendo esforço para apreender a sua essência, que se
encontra fora desse ser que está, por sua vez, bem a nossa frente.
Para esses filósofos, o ato de conhecer, portanto, se daria por meio da apreensão dessas ideias, e todo esse
processo de libertação das correntes do mundo sensível em direção ao verdadeiro seria responsabilidade do filósofo.
Para quem quer revisar ou mesmo conhecer outra forma de entrar em contato com o Mito da Caverna
de Platão, a animação da Bullhead Entertainment <http://platosallegory.com/> é uma excelente opção.
http://www.youtube.com/watch?v=Rft3s0bGi78&feature=related
Ora, se os sofistas dizem que a própria verdade não passa de uma questão de assentimento coletivo e mo-
mentâneo a respeito de algo, não há coisa alguma além de ilusão e persuasão. Vence não o que aponta para a ideia
verdadeira, e sim aquele que apresenta argumentos mais convincentes em torno de determinado assunto.
A preocupação de Platão com a problemática do conhecimento vai mais além ao caracterizar diferentes níveis
de saberes, a partir da sua proximidade com o mundo ideal. Juntamente com a Alegoria da Caverna, Platão apresenta
a sua teoria da linha dividida nas páginas de sua obra de maior renome, A República. Veja o esquema:
Aristóteles
Se, para a dupla de filósofos atenienses, a ideia é anterior e até mesmo independente dos objetos concretos,
para Aristóteles (384 a.C-322 a.C.) ela é o resultado da observação dos próprios seres humanos.
A solução aristotélica é brilhante: não vivemos em um mundo que aponta constantemente para fora de si, diz o
filósofo, e sim em uma única realidade que é composta pelo conjunto de forma e matéria. Com isso, Aristóteles realiza
uma espécie de unificação dos 2 mundos platônicos, cabendo à Filosofia não mais a tarefa de libertar os seres huma-
nos das correntes da ignorância e do erro oriundo dos sentidos, mas o papel de diferenciar aquilo que é essencial do
que é acidental nas coisas.
270
Mas o que Aristóteles entende por matéria e forma? Em sua obra, A Metafísica, define esses conceitos de diver-
sas formas diferentes. Em linhas gerais, identifica a forma com a própria ideia de uma coisa, a representação de sua
figura ideal. Em contrapartida, a matéria revela-se como um elemento fundamental, mas ainda em estado bruto, à
espera de algo que justifique a sua existência. Ao conjunto de matéria e forma, Aristóteles deu o nome de substância.
Um bom exemplo para tornar clara essa distinção é o da estátua de bronze dado pelo próprio filósofo. Para
Aristóteles, o bronze seria a matéria, enquanto a figura ideal, a forma. A estátua realizada representaria o conjunto de
Esta postura de um realismo mais empírico defendido por Aristóteles é tema de frequentes comparações entre
o filósofo e seus antecessores, e foram muito bem retratadas em uma das maiores obras de Rafael.
Figura 4: Escola de Atenas (Scuola di Atenas:1509/10) é uma das mais famosas pinturas do pintor Rafael. Em meio a dezenas
de pensadores, o renascentista italiano optou por pintar Platão e Aristóteles bem ao centro. Podemos notar que Platão, mais
velho, aponta o seu indicador para o alto, enquanto Aristóteles parece querer trazê-lo a uma posição mais intermediária.
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Sanzio_01.jpg
Para Aristóteles, as coisas não estão mais numa relação entre cópia e modelo, como defendia Platão. Não se faz
mais necessária a referência de essências imutáveis extramundanas, juntamente com a sua impossibilidade de mudan-
ça. Para Aristóteles, esse processo revela-se fruto da inseparável relação entre forma e matéria cuja atualização das es-
sências nada mais é do que o resultado da passagem daquilo que é potencial para algo que agora encontramos em ato.
Postura filosófica que nega, ao menos indiretamente, a capacidade da razão humana de alcançar ou mesmo produzir um conhe-
cimento verdadeiro. Segundo o filósofo e escritor espanhol Miguel de Unamuno (1864-1936):
“Ser cético não significa ser aquele que duvida, mas sim aquele que investiga e pesquisa, ao contrário daquele que afirma e que
pensa que achou.”
Para alguns pensadores, a própria atitude filosófica traria inevitavelmente consigo uma pitada de ceticismo,
exatamente em virtude de sua natureza crítica e propensa à dúvida. Nesse sentido, o ceticismo seria uma espécie de
contraparte da Filosofia, fazendo-se evidente, desde a posição defendida pelos sofistas, até na célebre máxima pro-
nunciada por Sócrates: “Só sei que nada sei”.
Enquanto movimento filosófico coerente, no entanto, o Ceticismo surge com o recatado e misterioso Pirro de
Élis (360 a.C.-270 a.C.), e a maioria de suas teses remonta aos escritos de seus seguidores, chamados “pirrônicos”. Em
linhas gerais, os céticos empenhavam-se constantemente em demolir todos os dogmas das demais escolas sem, no
entanto, expressarem as suas próprias teses de modo categórico. Limitavam-se a apontar e expor os dogmas de seus
opositores, mostrando como teses contrárias poderiam ser igualmente válidas. Diante dessa multiplicidade de juízos,
leis, costumes e teorias e, desse modo, da impossibilidade de se encontrar um critério único da verdade, o cético opta
pela suspensão do juízo (em grego, epoché). Frente às incertezas, a melhor opção, segundo ele, seria a de abster-se de
emitir quaisquer juízos ou posicionamento definitivo em relação a tudo. Como não acredita que exista algo que jus-
tifique a preferência de uma teoria em favor de outra, prefere argumentar pelas aporias a que levam a argumentação
dos demais, mas evitando a todo custo posicionar-se de modo conclusivo.
Impasse lógico ou argumentativo. Paradoxo que impede o prosseguimento ou conclusão de um determinado raciocínio.
272
Leia atentamente a citação e atenda ao solicitado:
Cuido que ele ia falar, mas reprimiu-se. Não queria arrancar-lhe as ilusões.
Também ele, em criança, e ainda depois, foi supersticioso, teve um arsenal in-
teiro de crendices, que a mãe lhe incutiu e que aos vinte anos desapareceram.
No dia em que deixou cair toda essa vegetação parasita, e ficou só o tronco da
religião, ele, como tivesse recebido da mãe ambos os ensinos, envolve-os na
mesma dúvida, e logo depois em uma só negação total. Camilo não acredi-
tava em nada. Por quê? Não poderia dizê-lo, não possuía um só argumento;
limitava-se a negar tudo. E digo mal, porque negar é ainda afirmar, e ele não
formulava a incredulidade; diante do mistério, contentou-se em levantar os
ombros, e foi andando.
do, sua postura é, além de estratégica, muito mais cômoda e coerente, e, exatamente por
saber que “negar é ainda afirmar”, ele é levado a optar pela indiferença – a versão moderna
para a epoché grega.
Dica:
Diferentemente dos antigos e medievais, em que a própria realidade é a presença manifesta ao intelecto hu-
mano, a atenção dos filósofos modernos volta-se para o sujeito que conhece e, consequentemente, para a questão:
quais as condições de possibilidade do conhecimento verdadeiro?
A acentuação do dualismo sujeito-objeto, a pergunta pela origem do conhecimento e a inevitável busca por um
método capaz de conferir um status seguro às ciências marcam toda a modernidade.
É importante lembrar que acontecimentos históricos como o Renascimento e o avanço das ciências
experimentais, tiveram grande impacto nas teorias que veremos a partir de agora. Por isso, vale a pena
dar uma revisada em um bom livro ou site de história.
Sugestões:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Renascimento
http://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_da_ci%C3%AAncia
Sem sombra de dúvida, René Descartes (1596-1650) é um dos nomes de maior destaque neste período. Consi-
derado o “pai” do Racionalismo, Descartes foi, além de um importante filósofo moderno, um matemático de renome.
Você pode não estar lembrado, mas, com certeza, já foi obrigado a marcar os pontos x e y no plano cartesiano, não é
mesmo? Pois bem. Culpa de Descartes. Apesar de francês, o filósofo ficou conhecido por seu nome em latim, Carte-
sius, o que acabou batizando o conjunto de sua doutrina e raciocínios.
Racionalismo
Doutrina filosófica que toma a razão humana como único critério válido para o conhecimento da realidade. Defende que é
possível a obtenção da certeza a partir das ideias produzidas sem o apoio da experiência (inatismo). Principais representantes:
Descartes, Spinoza, Leibniz e Hegel.
274
Em sua obra mais popular, o Discurso do Método, Descartes empenhou-se na busca de um fundamento que
julgasse seguro para as ciências de sua época. Como procurava uma fonte de certeza, optou por iniciar o seu pensa-
mento com uma espécie de ceticismo, recusando, assim, toda informação proveniente dos sentidos, dos costumes e
mesmo da Matemática, pelo simples motivo de os mesmos já terem sido fonte de erro e engano. Vamos acompanhar
o seu raciocínio?
Assim, porque os nossos sentidos nos enganam às vezes quis supor que não havia coisa alguma que fosse
tal como eles nos fazem imaginar. E, por haver homens que se equivocam mesmo em seus raciocínios no
tocante às mais simples questões de Geometria, e cometem aí paralogismos, rejeitei como falsas − julgando
que estava sujeito a falhar como qualquer outro − todas as razões que eu tomara até então por demons-
trações. Enfim, considerando que mesmo os meus pensamentos que assaltam quando acordados também
podem nos ocorrer quando dormimos, sem que nesse caso haja nenhum que seja verdadeiro, resolvi fazer
de conta que todas as coisas que até então haviam entrado no meu espírito não eram mais verdadeiras que
as ilusões de meus sonhos (DESCARTES, 1985, p. 55).
Ora, a estratégia de Descartes revela-se bem-sucedida. Se somos obrigados a dar ouvidos ao ceticismo no
que diz respeito à impossibilidade de se chegar a algum critério único e seguro de certeza, quando voltamos para o
nosso próprio raciocínio nos vemos obrigados a concluir que: "Se, duvidamos, pensamos. Se pensamos, somos" (essa
substância que pensa e duvida).
É justamente nesse ponto que o filósofo chega a sua mais famosa figura: o cogito. Quem não ouviu ao menos
uma vez a expressão: “Se penso, logo existo”, de Descartes?
Cogito
É a forma abreviada da máxima de Descartes: Cogito ergo sum (Penso, logo existo), escrito em latim pelo filósofo em suas obras
Meditações e o Discurso do Método.
É com a descoberta do cogito que a Filosofia moderna efetivamente se inicia. Mas o que é esse “eu que pensa”?
A subjetividade, ora! Aquilo que há de mais caro entre os pensadores a partir de Descartes confunde-se, por vezes,
com a própria noção de consciência e de pessoa humana.
Mas, se o cogito é a certeza que Descartes procurava, como ligá-lo ao mundo exterior e às ciências? Até o
momento, só podemos ter certeza de que, enquanto pensamos, existimos. Mas não há nenhuma garantia de que
possamos conhecer as coisas.
Não se espante de estar achando essa 2ª parte do raciocínio um tanto “forçada”. Saiba que diversos
pensadores contemporâneos a Descartes também compartilham a sua opinião. No entanto, o fato de
Descartes ter invertido a relação entre Criador e criatura em sua epistemologia já é motivo de aplausos.
Na visão de Santo Agostinho, por exemplo, nós somente podemos conhecer porque somos iluminados
pela divindade. Dependemos da vontade de Deus que, em todos os sentidos, antecede e tem priorida-
de sobre o nosso aparato cognitivo. A filosofia cartesiana rompe com tudo isso: a existência de Deus é
agora garantida pela certeza do cogito, isto é, do homem.
A partir daí fica bem mais simples justificar a existência de um mundo exterior à nossa consciência. Uma vez
que Deus é perfeito, em sua infinita bondade conferiria realidade ao mundo material. Este pode ser conhecido a partir
de um método rigoroso descrito por Descartes, pautado, sobretudo, na clareza e simplicidade das ideias.
Figura 5: Esquema do raciocínio cartesiano. Em linhas gerais, podemos simplificar o raciocínio de Descartes (ex-
posto no Discurso do Método) conforme as 4 etapas acima. Da dúvida generalizada (1) à descoberta do sujeito (2)
e da percepção de Deus (3) à existência do mundo físico. (4).
276
O critério da verdade defendido por Descartes e pela maioria dos racionalistas baseia-se na possibilidade
de obtenção, por meio do método analítico, de verdades evidentes. Quanto mais clara e distinta mostra-se uma
ideia, mais verdadeira ela será. Ora, ideias verdadeiras são, em última análise, aquelas que nascem conosco, o que
chamou de inatas.
As ideias “inatas” (como a do próprio cogito, da alma e Deus) existem, desde sempre, em nossa mente sem
termos que nos referir à experiência. Por outro lado, as ideias ditas “adventícias” (como as de sol, maçã etc.) são o
resultado das nossas experiências sensíveis e dependem das anteriores para servir-lhes de fundamento. Por fim, as
“fictícias” não passam de ideias fabricadas pela própria imaginação do sujeito e, como tal, não possuem compromisso
com o verdadeiro.
O Empirismo
Do lado oposto à resposta de Descartes e dos racionalistas à questão sobre a origem do conhecimento, temos
os filósofos que partilham da visão empirista.
Orientação filosófica que toma a experiência sensível como única ou principal fonte do conhecimento verdadeiro.
Principais representantes: Aristóteles, S. Tomás de Aquino, Bacon e Hobbes (antecessores). Locke, Berkeley, Hume, John Stuart Mill.
Em linhas gerais, chama-se empirista toda doutrina que sustenta − assim como o provérbio latino − que “Nada há
no intelecto que antes não tenha estado nos sentidos”. Esse lema, por vezes atribuído a Aristóteles, revela-se uma crítica
severa ao inatismo dos racionalistas ao creditarem ao intelecto a produção de ideias sem o apoio da experiência.
Para os empiristas, os seres humanos, ao nascer, são como folhas em branco onde serão, aos poucos, gravadas
as informações à medida que começarem a receber do exterior as impressões sensíveis. Essa atitude de hipervalori-
zação da experiência remontaria ao próprio Aristóteles, passando por Galileu e sua iniciativa de olhar para o espaço
com a sua luneta, chegando ao método de Francis Bacon e demais filósofos modernos de língua inglesa. E assim
Defende que não existem ideias inatas na mente humana e exemplificam utilizando pessoas portadoras de
deficiência. Por exemplo: Seria, para estes, impossível um cego formar ideias correspondentes às cores; do
Compara as ideias produzidas pela reflexão indireta e aquelas que são o resultado dos sentidos. Opta pela
segunda opção, dizendo que os pensamentos são sempre inferiores às sensações mais embaçadas.
1. Platão
2. Aristóteles
3. Protágoras (Sofista)
4. Descartes
a. ( ) “Parece-me que, se existe algo de belo fora do Belo em si, essa coisa só é bela
porque participa desse Belo em si, e digo que o mesmo ocorre quanto a todas
as outras coisas.”
c. ( ) “Mas o que sou eu? Uma substância que pensa. O que é uma substância que
pensa? É uma coisa que duvida, que concebe, que afirma, que nega, que quer,
d. ( ) “[Uma vez que o homem é a medida de todas coisas...] as coisas são para
278
Seção 4
Filosofia x Ciência
Apesar de diversos povos antigos possuírem sólidos conhecimentos sobre Astronomia e Matemática, é igual-
mente verdadeiro que a atitude científica, tal como a concebemos hoje nasce, uma vez mais, com os gregos.
Os pré-socráticos, como Tales de Mileto (c. 624/5 a.C.-556/8 a.C.) foram os primeiros a demonstrar uma certa
preocupação em produzir um conhecimento livre das concepções mágico-religiosas que, até então, constituíam o
único modelo de explicação das coisas. É por essa razão que Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.) se referia a esses pensa-
dores como físicos <physiólogoi> e não como propriamente filósofos. Segundo ele, ao dedicarem as suas vidas ao
estudo <logos> da Natureza <physis>, entendida como princípio <arché> fundante da realidade, os pré-socráticos
acabaram por dar os primeiros passos em direção a um conhecimento que aprendemos a chamar de “racional”.
Na prática, durante toda a antiguidade, Ciência e Filosofia andaram lado a lado, sendo extremamente
difícil e polêmico separar os seus métodos e conclusões. No entanto, a tendência de se considerar a Filosofia
como algo superior – em virtude da importância de seus temas − misturava-se com a própria tendência a tomá-
-la como a arte do bem viver.
De qualquer forma, a concepção que credita à Filosofia o papel de “mãe das ciências” parece resistir ao tempo
e, pelo menos até meados do século XVIII, cientistas como Isaac Newton (1643-1727), preferiam a expressão “filósofo
da natureza” a físico, por exemplo.
Para os antigos, talvez em virtude da proximidade com o fazer próprio da Filosofia, as ciências caracterizavam-
-se pela busca das causas a partir da noção de finalidade <télos>.
O modelo clássico de ciência era voltado para a especulação racional (ciência contemplativa) e dava – mes-
mo nos moldes do pensamento de Aristóteles – pouca importância à experimentação. A natureza e suas leis não
passavam de um mero reflexo de um mundo finito, ordenado e perfeito. Modelo esse exemplarmente descrito pela
cosmologia de Ptolomeu (c. 90-168 d.C.), grande matemático e astrônomo grego, responsável pela sistematização do
geocentrismo introduzido por Aristóteles e que manteve-se como a teoria oficial até meados da era moderna.
Teoria de explicação do universo proposta por Aristóteles e desenvolvida por diversos astrônomos como Claudius Ptolomeu.
Contrariamente ao modelo heliocêntrico, colocava a Terra como o centro de todo o universo e defendia que a sua órbita era
povoada pelo Sol e demais planetas conhecidos.
Seja no interior da Academia platônica, na cosmologia ptolomaica ou na concepção de física dos estoicos,
encontramos uma Ciência que não pode, de forma alguma, ser desvinculada de uma filosofia preocupada com a
apreensão das essências e de uma inevitável hierarquização qualitativa dos seres e das coisas.
Observe que a Terra (em repouso absoluto) ocupa o centro do universo e a órbita circular dos planetas reflete a na-
tureza perfeita dos próprios deuses que lhes conferem os nomes. Uma vez mais concepções metafísicas e religiosas
misturam-se às observações.
280
A concepção moderna
Durante todo o período medieval pouca coisa mudou em relação ao modelo científico vigente. Mesmo
com a contribuição de grandes nomes como Roger Bacon (1214-1294) – e sua aptidão para uma prática mais
voltada para a experimentação – a concepção greco-romana baseada na física de Aristóteles e astronomia
ptolomaica, permaneceu praticamente inalterada.
Por outro lado, a religião cristã, em muitos aspectos, constituiu um verdadeiro obstáculo para as novas
descobertas que, aos olhos da Igreja, representariam sérias ameaças ao conjunto dos dogmas instituídos. O
Santo Ofício (ou Inquisição) controlava toda a produção intelectual da época e foi o responsável pela morte de
muitas personalidades, até início do século XVII, como Giordano Bruno (1548-1600) – queimado vivo como
herege por defender sua teoria do universo infinito.
Mas, então, quando viria a surgir uma nova concepção de ciência? A resposta não é tão simples quanto
alguns livros de história costumam apresentar. De qualquer forma, os chamados “tempos modernos” forjaram
as condições mais que ideais para o desenvolvimento de um método, isto é, um conjunto de princípios e,
sobretudo, procedimentos, que serviriam de garantia para a objetividade do conhecimento científico.
Objetividade
Qualidade daquilo que é objetivo, resultado da observação imparcial, independente de preferências individuais.
Aliada às inovações tecnológicas tais como o telescópio e a prensa móvel – patrocinadas pela classe burguesa
em ascensão – e ao enfraquecimento do poder da Igreja, importantes descobertas passaram a ser feitas e que causa-
Assim, a preocupação com a observação, a experimentação e a matematização dos resultados fez de Galileu
Galilei (1564-1642) o primeiro grande divulgador da ciência moderna. Tomando como base a teoria heliocêntrica
de Nicolau Copérnico (1473-1543), Galileu abriu caminho para outros expoentes como Johannes Kepler (1571-1630)
e, mais tarde, Isaac Newton (1643-1727) e até mesmo Antoine Lavoisier (1743-1794) e Charles Darwin (1809-1882).
A despeito de suas diferenças, o que une a teoria da gravitação de Newton, as leis de conservação da matéria
de Lavoisier ou o evolucionismo de Darwin é uma nova concepção de Ciência, não mais fundadas em princípios me-
tafísicos, mas centrada na descrição quantitativa dos fenômenos.
Uma excelente dica para os curiosos é assistir ao primeiro episódio (em 6 partes) da série História da Ciên-
cia produzida pelo canal BBC de Londres. De modo descontraído, você acompanhará as principais ideias
e invenções ligadas à Astronomia que contribuíram para a nossa atual concepção do universo.
http://www.youtube.com/view_play_list?p=7FB70D635679D947
A questão do método
Uma teoria científica é um sistema ordenado e coerente de proposições ou enunciados baseados em pe-
queno número de princípios, cuja finalidade é descrever, explicar e prever do modo mais completo possível
um conjunto de fenômenos, oferecendo suas leis necessárias.
Mas como um cientista cria uma teoria? Conforme dissemos, a criação de um método rigoroso e sistemático
utilizado pelos modernos funda o que, hoje em dia, entendemos por ciência. Esse método experimental, por sua vez,
pressupõe um tipo específico de raciocínio chamado indução, pautado na observação de casos particulares e, final-
282
Indução
Tipo de raciocínio ou inferência que conduz de enunciados particulares (resultado de observações ou experimentos) para enun-
ciados universais (leis e teorias).
De modo simplificado, o método científico experimental já havia sido objeto de estudo de diversos filósofos
modernos como René Descartes (1596-1650) e Francis Bacon (1561-1626) e, em linhas gerais, pode ser representado
conforme o esquema abaixo:
Emmanuel Fraga
Figura 8 : Esquema do método experimental.
A formulação de uma lei ou teoria inicia-se com a formulação de um problema e tem o seu termo quando o
cientista consegue elaborar uma lei geral ou teoria capaz de dar conta do conjunto de fenômenos observados.
Com base nisso, podermos dizer que o método experimental segue as seguintes etapas: 1) a observação dos
fenômenos para posterior formulação de um problema; 2) a construção de uma hipótese que é submetida a uma
série de testes a fim de validá-la ou refutá-la; 3) e, por fim, a partir de um processo de generalização, a elaboração das
leis pelos quais são descritos os fenômenos em sua regularidade.
O mito da neutralidade
Sabemos que o conhecimento científico é, sem sombra de dúvida, a forma de conhecimento mais reconhecida
O principal motivo dessa “predileção” funda-se, antes de mais nada, no fato de a ciência possuir critérios rígi-
dos de verificação e validação de suas hipóteses, como vimos no item sobre o Método Científico.
Ao contrário do senso comum, a ciência tem a pretensão de ser um conhecimento objetivo, ou seja, indepen-
dente do sujeito que o produz.
Senso comum
Opinião baseada em hábitos, preconceitos, tradições. O senso comum, diferentemente da ciência e da filosofia caracteriza-se
pela superficialidade de suas conclusões.
Essa autonomia em relação ao sujeito sugere que o cientista, ao estudar um determinado objeto, deve enxer-
gá-lo como algo distinto independente de si. A observação científica deve, ainda, ser feita sem levar em consideração
qualquer concepção prévia, para que não haja interferência, por parte do cientista, em relação aos resultados obtidos.
O problema em acreditar em tal “neutralidade” está no fato de que o cientista, como qualquer outro ser hu-
mano, não é capaz de “livrar-se”, mesmo que momentaneamente, de sua visão de mundo, de seus valores e crenças,
enfim, de tudo aquilo que o torna quem ele é.
Outra questão, não menos relevante, está no fato de que vivemos em um sistema capitalista, onde grande
parte dos recursos destinados à pesquisa científica provém de fontes privadas. Isso quer dizer que, juntamente com
a interferência do próprio sujeito que faz efetivamente a Ciência, devemos contar com os interesses dos investidores.
Desse modo, algumas descobertas que poderiam melhorar ou até mesmo salvar muitas vidas não recebem o finan-
ciamento adequado, uma vez que o seu custo, aos olhos dos interesses econômicos, não se justifica.
Se a ideia da ciência enquanto procura desinteressada pela verdade não tem lugar em uma sociedade ca-
pitalista, do mesmo modo podemos discordar daqueles que defendem que um domínio progressivo da Natureza,
proporcionado pelo conhecimento científico, teria a finalidade de garantir uma vida melhor para toda a humanidade.
O que verificamos na realidade é uma lógica dentro da qual o “valor” do conhecimento gerado está cada vez mais
Tecnologia
Atividade de aplicação das leis científicas para criar e aperfeiçoar instrumentos e objetos. Fusão de ciência e técnica.
284
Vimos que os conhecimentos filosófico e científico assentam suas bases em critérios racionais. Mas
como somos capazes de estruturar raciocínios válidos que sustentem suas conclusões? Simples: por-
que nos utilizamos do raciocínio lógico.
A Lógica não pode ser entendida como uma ciência, e sim como uma espécie de "instrumento" ou
meio de validação de nossos raciocínios tanto científicos quanto filosóficos.
Mesmo sem um estudo prévio, utilizamos frequentemente a lógica em nosso cotidiano − seja no de-
senvolvimento de uma argumentação coerente ou na solução de um exercício de matemática.
Por esse motivo, ter noções mínimas dessa "arte de pensar corretamente" sempre se mostrou de gran-
de valia para o exercício das diferentes formas de pensamento.
b. Indução – Argumento que parte do particular (Algum y) para o geral (Todo y). É o tipo de
raciocínio adotado pelas ciências experimentais e, como tal, apresenta-se como uma gene-
ralização a partir de dados ou fatos observados.
Segundo Kant (1992: p.151) não devemos confundir o raciocínio indutivo com o analógico, uma vez que:
Saber e poder mantêm uma relação bem próxima desde os tempos antigos.
Apesar das mudanças no mundo do trabalho, o conhecimento dito “formal” (isto é, aprendido e certificado
nas Instituições reconhecidas) ainda tem prioridade sobre os saberes informais.
Apesar da reflexão sobre o ato de conhecer já estar, de certo modo, presente nos escritos dos pré-socráti-
cos, é a partir do pensamento socrático-platônico que ganha maior relevo.
A teoria das ideias (ou formas) de Platão defende que o mundo em que vivemos só possui alguma verdade
na medida em que participa, como cópia, do mundo inteligível.
A teoria de Aristóteles diz que os conceitos das coisas podem ser apreendidos nelas mesmas, sem o recurso
Os sofistas defendiam uma espécie de relativismo, uma vez que a verdade constitui uma consequência da
capacidade de persuasão do argumentador.
Os céticos pirrônicos eram aqueles que, diante do grande número de explicações acerca das coisas e da
impossibilidade de decidirmos um critério de escolha justificável, optam pela suspensão do juízo.
Na Idade Média, Agostinho defendia a teoria da Iluminação enquanto Guilherme de Ockham, uma versão
do nominalismo.
A filosofia moderna efetivamente começa com a descoberta da subjetividade por Descartes, considerado
o “pai” do racionalismo.
A filosofia transcendental de Kant pretendeu encontrar um ponto de equilíbrio entre as duas teorias ante-
riores e postulou a existência de duas faculdades inatas: a sensibilidade e o entendimento como produto-
ras de todo saber humano.
286
Referências
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BICCA, Luiz. Carnéades em Roma: ceticismo e dialética. Revista Sképsis, ano IV, n. 5, p. 77-101, 2009. Disponí-
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HABERMAS, Jürgen. Observações preparatórias para uma teoria da competência comunicativa. Trad de Guido
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PLATÃO. A República. Trad. de Pietro Nasseti. São Paulo: Martin Claret, 2004.
POPPER, Karl. A lógica da pesquisa científica. Trad. de Leonidas Hegenberg e Octanny Silveira da Mota. São
Paulo: Cultrix, 2001.
288
Atividade 01
O ceticismo é uma postura filosófica que sustenta de modo indireto a crença na im-
possibilidade de o intelecto humano alcançar qualquer certeza a respeito de algo. Frente à
multiplicidade de critérios do “verdadeiro”, opta por isentar-se de qualquer opinião. Prefere
manter-se a par das discussões ou empenha-se em apresentar as contradições das postu-
ras dos demais participantes do debate.
Trata-se de uma postura bastante cômoda, mas extremamente frágil, pois, uma vez
que o cético ceda à pressão por posicionar-se, é levado a cair em contradição, pois toda
afirmação traz consigo uma pretensão ao verdadeiro.
Atividade 02
A disputa entre racionalismo e empirismo se dá no ramo da filosofia destinado ao estudo da natureza, das fon-
tes e dos limites do conhecimento. Essa disputa diz respeito à questão sobre se e em que medida somos dependen-
tes da experiência sensível para alcançar o conhecimento. Os racionalistas afirmam que nossos conhecimentos têm
sua origem independentemente da experiência sensível, isto é, independentemente de qualquer acesso imediato a
coisas externas a nós. Os empiristas, por sua vez, consideram que a experiência sensível é a fonte de todos os nossos
conhecimentos. Em relação ao tema, considere a seguinte afirmativa: "Primeiramente, considero haver em nós certas
noções primitivas, as quais são como originais, sob cujo padrão formamos todos os nossos outros conhecimentos”
(DESCARTES, R. Carta a Elizabeth de 21 de maio de 1743. Col. Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1978).
Com base no que foi exposto acerca da oposição entre racionalismo e empirismo, responda: a frase de Des-
cartes é mais representativa da posição racionalista ou da posição empirista? Justifique sua resposta, indicando o(s)
elemento(s) da frase que a sustenta(m).
Gabarito oficial:
Com base no que foi exposto na apresentação da questão, a frase de Descartes é mais representativa da po-
sição racionalista do que da posição empirista na medida em que identificar a origem do nosso conhecimento em
noções primitivas presentes em nós é alinhar-se com a tese racionalista, apresentada no enunciado, de que a origem
do conhecimento independe da experiência sensível, entendida como acesso imediato a coisas externas a nós.
Comentando...
Como vimos, Descartes sustenta um posição francamente racionalista, uma vez que defende a existência de
ideias inatas, de certo modo responsáveis, em virtude de sua clareza e evidência, pela própria certeza em relação às
demais. Um empirista, ao contrário, sustenta que o conteúdo de nossos intelectos depende necessariamente das
impressões sensíveis, recusando com veemência o inatismo dos racionalistas.
"A PÁTRIA Desde dezoito anos que o tal patriotismo lhe absorvia e por ele fizera a tolice de estudar inutilidades.
Que lhe importavam os rios? Eram grandes? Pois que fossem... Em que lhe contribuiria para a felicidade saber o nome
dos heróis do Brasil? Em nada... O importante é que ele tivesse sido feliz. Foi? Não. Lembrou-se das suas cousas de tupi,
do folclore, das suas tentativas agrícolas... Restava disso tudo em sua alma uma satisfação? Nenhuma! Nenhuma! O tupi
encontrou a incredulidade geral, o riso, a mofa, o escárnio; e levou-o à loucura. Uma decepção. E a agricultura? Nada. As
terras não eram ferazes e ela não era fácil como diziam os livros. Outra decepção. E, quando o seu patriotismo se fizera
combatente, o que achara? Decepções. Onde estava a doçura de nossa gente? Pois ele não a viu combater como feras?
Pois não a via matar prisioneiros, inúmeros? Outra decepção. A sua vida era uma decepção, uma série, melhor, um en-
cadeamento de decepções". (BARRETO, Lima.Triste fim de Policarpo Quaresma. São Paulo: Brasiliense, 1986.)
O personagem Policarpo Quaresma, no trecho acima, se encontra preso, prestes a ser executado pelo exército
de Floriano Peixoto, por ter escrito uma carta ao presidente protestando contra o assassinato de prisioneiros. Antes
de ser executado, ele reflete sobre a noção de pátria. Nos dois primeiros parágrafos, ele parte de suas próprias expe-
Gabarito: A
292
CADERNO DE ESTUDOS
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Filosofia política:
da descoberta
da cidade
à situação atual
do homem
no mundo
Para início de conversa
Essa relação não se apresenta como uma relação meramente de conteúdo, como
sadas também durante muito tempo como irmãs siamesas, como dois aspectos
e política tem seu fundamento, por sua vez, nos primeiros passos do pensamento
te ter em vista algumas coisas. Antes de mais nada, é decisivo, no presente contexto,
da palavra grega “pólis”, que significa o mesmo que “cidade”. A política nada mais é, a
princípio, do que a arte de bem governar a cidade, a “pólis”, de propiciar aos cidadãos
uma experiência que seja compatível com a sua experiência de vida comum.
com atenção durante o espaço da presente lição. Como diriam os gregos antes de começarmos: eu práttein! (agi de
maneira plena).
Os gregos costumavam iniciar suas cartas com esta saudação, eu práttein, como uma forma de lembrar
os homens da necessidade de agirem sempre de maneira plena e integral.
Objetivos de aprendizagem
Reconhecer a proximidade essencial entre filosofia e política desde os primeiros passos do pensamento filosófico.
Identificar as razões que levaram os gregos a considerar a vida pública na cidade como a forma de vida mais ple-
namente humana, como o modo de ser mais próprio do homem.
Identificar elementos estruturais de uma reflexão filosófica no interior de questionamentos relativos à política:
argumentação, compromisso com a verdade, retórica, participação, responsabilidade etc.
Distinguir a relação entre filosofia e política na Antiguidade e na Modernidade: ver a diferença entre cidade e Es-
tado e entender as consequências dessa diferença para a nossa existência atual.
Reconhecer as possibilidades abertas pelo mundo tecnológico e os impasses éticos que acompanham essas
possibilidades.
278
Seção 1
Filosofia e política: a história de um
nascimento conjunto no interior
dos portões da cidade antiga!
Há um fato curioso que explica, em certa medida, a importância da política para aquele povo que levou a
termo pela primeira vez o que hoje chamamos de filosofia: os gregos. Em todas as casas na Grécia antiga, as portas e
janelas abriam para fora! Esta parece ser, inicialmente, uma mera curiosidade, mas fala muito sobre a essência da vida
de um cidadão grego.
Enquanto nós vivemos completamente voltados para o interior de nossas casas e vemos a vida pública como
um espaço só justificável em função do espaço privado, dos sonhos privados, das realizações particulares, os gregos
viviam totalmente orientados para o espaço público e só se consideravam como homens plenos em meio à atividade
política. A palavra “idiota”, por exemplo, que tem para nós o significado de estúpido, tolo e imbecil, provém do termo
grego “idiotes”, que designava pura e simplesmente o privado. Viver de maneira privada, ou seja, viver orientado para
a sua casa e para as suas conquistas pessoais era, para os gregos, coisa de idiota. Essa experiência tem uma grande
Figura1: Vista da Acrópole, em Atenas, um sítio arqueológico que concentra boa parte dos prédios administrativos e religiosos
da Grécia antiga.
A filosofia, por sua vez, tal como nós a conhecemos hoje, tem uma relação direta com o que procuramos mos-
trar acima. Em verdade, se perguntarmos sobre o que caracteriza propriamente o exercício filosófico em sua natureza
questões relativas à experiência, sobre a essência universal das coisas. A filosofia, diferentemente de outras possibili-
dades do saber, não trata de posições particulares sobre certos campos de problemas, mas se baseia, antes de tudo,
na capacidade humana de se ligar e de perguntar sobre o modo de ser universal, não particular, de todas as coisas.
Filosofia, assim, tem sempre algo em comum com a experiência pública dos homens, com a nossa capacidade de nos
Dessa forma, filosofia e política estão ligadas na origem por um campo comum de perspectivas e descobertas.
Leia atentamente o texto e responda às perguntas com base no que nos diz o texto
palavra sobre todos os outros instrumentos do poder. Torna-se o instrumento político por exce-
lência, a chave de toda autoridade no Estado, o meio de comando e de domínio sobre outrem.
Este poder da palavra – de que os gregos farão uma divindade, Peithó, a força de persuasão –
lembra a eficácia das palavras e das fórmulas em certos rituais religiosos, ou o valor atribuído
aos ditos do rei (...): entretanto, trata-se na realidade de coisa bem diferente. A palavra não é
mais o termo ritual, a fórmula justa, mas o debate contraditório, a discussão, a argumentação.
Supõe um público ao qual ela se dirige como a um juiz que decide em última instância, de mãos
erguidas, entre os dois partidos que lhe são apresentados; é essa escolha puramente humana
que mede a força de persuasão respectiva dos dois discursos, assegurando a vitória de um dos
oradores sobre o seu adversário.” (Trecho do livro As origens do pensamento grego, do filósofo
b. Em que medida a mudança acima descrita evidencia uma proximidade inicial en-
c. O que Vernant procura acentuar ao afirmar que a palavra agora é a única fonte
real de poder?
280
d. Explique com as suas palavras o que Vernant tem em mente na seguinte passa-
gem: “A palavra não é mais o termo ritual, a fórmula justa, mas o debate contradi-
Seção 2
A experiência política dos homens e
a escuta ao outro: o caráter dialógico
do pensamento filosófico
Acabamos de ver como a vida dos gregos estava, a princípio, completamente voltada para o espaço público. O
que precisamos perguntar agora é em que medida exatamente esta característica do mundo grego nos revela o cará-
ter propriamente dito do pensamento filosófico e até que ponto a filosofia se mostra realmente em uma proximidade
direta com a política? Para respondermos a essas perguntas, é absolutamente decisivo retomar algo que dissemos na
Se considerarmos o que acontece hoje muitas vezes no campo da política, pode ser que tenhamos dificuldade
de entender a relação entre filosofia e política. Campanhas políticas são marcadas atualmente pelo uso de propagan-
da maciça, pela produção de uma imagem que muitas vezes não possui muito em comum com a história e com o ca-
minho trilhado pelo candidato. Um político pode passar uma imagem de honestidade, mesmo que esteja envolvido
em esquemas de corrupção. Mesmo neste caso, porém, o que está em jogo é persuadir os eleitores. Assim, mesmo
em nosso caso, o fenômeno inicial reconhecido pelos gregos vem à tona de maneira clara. A vida pública envolve
necessariamente argumentação, convencimento, defesa de posições. Mais do que isso: no espaço público, não pode-
mos defender nossas posições de maneira arbitrária. O “eu acho” e o “é assim e pronto” não têm lugar aqui. No espaço
público, todos têm de tentar convencer os outros com argumentos que se mostrem como válidos para todos, como
universais. Tudo isso coloca a experiência política originária em uma relação com a filosofia.
tação. Este é o sentido da postura fundamental de Sócrates, por exemplo, em todos os diálogos platônicos. Sócrates
não é alguém que não sabe nada, tal como comumente se compreende a partir de uma versão um pouco alterada
da sabedoria socrática. Sócrates é alguém que, quando sabe, sabe que sabe e quando não sabe, sabe que não sabe.
Este, por sua vez, é o ideal de todo pensamento filosófico: escapar de todo e qualquer falso conhecimento, de toda
e qualquer falsa pretensão de saber. Exatamente por isso, a filosofia nasceu em uma proximidade essencial com a
política e em uma confrontação imediata com a retórica e com a oratória, ou seja, com a arte do convencimento sem
Apresentação rigorosa (lógica, coerente, consistente) das posições defendidas (filosofia nunca pode se basear
Condução cuidadosa da argumentação em direção a conclusões que podem ser compreendidas em sua ne-
Abertura constante para a escuta de novos argumentos e de novas críticas, ou seja, uma disposição incessante
Não deixe de ver o brilhante discurso de Martin Luther King sobre a possibilidade de supe-
282
Vejamos uma passagem de uma defesa filosófica de uma posição. A passagem aponta para um ensaio chama-
do Ética a Nicômaco, um livro escrito por Aristóteles para a educação de seu filho:
“(...) as ações são chamadas justas e temperantes quando são tais como as que praticaria o homem justo ou
temperante; mas não é temperante o homem que as pratica, e sim o que as pratica tal como o fazem os justos e tem-
perantes. É acertado, pois, dizer que pela prática de atos justos se gera o
homem justo, e pela prática de atos temperantes, o homem temperante; sem essa prática, ninguém teria se-
quer a possibilidade de tornar-se bom. Mas a maioria das pessoas não procede assim. Refugiam-se na teoria e pensam
que estão sendo filósofos e se tornarão bons dessa maneira. Nisto se portam, de certo modo, como enfermos que
escutassem atentamente os seus médicos, mas não fizessem nada do que estes lhes prescrevessem. Assim como a
saúde destes últimos não pode restabelecer-se com tal tratamento, a alma dos segundos não se tornará melhor com
O que Aristóteles nos diz na passagem citada é algo que nos faz pensar até hoje exatamente pela clareza e
logicidade do que ele nos diz. Na verdade, ninguém é de início dotado de qualidades morais. Ninguém é virtuoso,
honesto, altruísta ou empreendedor dormindo. É apenas por meio das ações que nos tornamos moralmente quem
somos, e é o fato de agirmos de maneira moral, ou seja, virtuosa, altruísta, empreendedora e honesta que nos torna
mais propensos a agir de tal maneira no futuro. Trata-se de um círculo virtuoso que todo homem deveria por meio da
educação alcançar.
É um termo para designar uma pessoa não egoísta, que está sempre voltada para o outro e que é capaz de se sacrificar pelo outro.
Assinale com um “C” as argumentações abaixo que lhe parecerem corretas e com um
“F” as que você considerar falsas. Oriente-se pela presença de saltos na argumentação e de
conclusões infundadas:
a. Se os doentes em estado terminal puderem usar heroína, todos têm de poder usá-la.
Porque não se pode criar um privilégio no interior de uma sociedade democrática. ( )
dra, jogando-a para o alto, em algum momento ela tende a retornar ao estado de
repouso. Por outro lado, aquilo que tem em si mesmo o princípio de seu movi-
mento não pode deixar jamais de se encontrar em movimento. A alma, por outro
c. Um amigo me traiu. Logo, não se pode confiar nos amigos como um todo. Todos
eles acabam algum dia nos traindo. ( )
d. “Temos de colocar no lugar do amor de deus o amor dos homens, como uma
acima dela, mas dela própria, que o único diabo do homem é o próprio homem.”
(L. Feuerbach) ( )
284
e. Há muitas provas da existência de Deus. Mês passado escutei a história de uma
moça com câncer. Sua família rezou por uma semana inteira e, depois de uma
algum tempo. Depois de entrar para a igreja, contudo, sua vida mudou e ele
Seção 3
O mundo moderno e a perda da relação direta
com o lugar de origem
“Ainda em algumas partes há povos e rebanhos; mas entre nós, irmãos, entre nós só há Estados. Estados? Que é
isso? Vamos! Abri os ouvidos, porque vos vou falar da morte dos povos. Estado chama-se o mais frio dos monstros. Mente
também friamente, e eis que mentira rasteira sai da sua boca: ‘Eu, o Estado, sou o Povo’. É uma mentira!” (F. Nietzsche, As-
Esta pequena passagem de um dos pensadores mais importantes para a filosofia e mesmo para o mundo con-
temporâneo, Friedrich Nietzsche, traz consigo uma reflexão sobre a origem do mundo moderno, sobre o surgimento
do Estado moderno, sobre a tensão entre o Estado e o povo. O que Nietzsche nos diz basicamente na passagem? Bem,
ele não nos diz outra coisa senão que o Estado é uma estrutura formal, sem uma relação direta com aquilo mesmo
Outrora, antes de nosso tempo, havia povos, porque havia uma participação direta dos homens na vida da
cidade. Em um burgo medieval, por um lado, por maior que fosse a distância entre o que o senhor feudal tinha o
direito de fazer e o que um cidadão comum podia realizar, havia uma identificação imediata do homem com a sua
terra, com o seu brasão, com o seu burgo, com as pessoas humildes que dividiam com ele as agruras e os desalentos
de uma existência dura e seca. No mundo moderno, por outro lado, o homem perde essa relação imediata com o seu
É comum para nós reclamarmos do Estado, dos serviços públicos, das decisões políticas, da corrupção etc.
Quando fazemos isso, contudo, normalmente nos sentimos algo desamparados. Por quê? Porque as vias que
temos para protestar e reclamar são todas elas formais. Nós nunca temos como chegar diretamente às pessoas
que poderiam ou deveriam resolver problemas pontuais, mas dependemos de ouvidorias ou de agências de
controle de prestadoras de serviço. Herbert Viana deixou clara essa situação certa vez em uma música intitulada
Ao acentuar a distância de Brasília em relação ao povo, ao mencionar a diferença que existiria se a política
tivesse seus escândalos revelados em um lugar próximo do povo, como a Cinelândia, Herbert acaba destacando o
problema de todos os Estados modernos: a sua distância, a sua falta de concretude, o seu caráter abstrato, em suma,
o fato de o Estado ser uma construção ideal, sem uma relação direta com as pessoas. Tudo isso tem consequências
286
Figura 3: Foto de Nietzsche em 1869, com vinte e cinco anos. Não há como deixar de notar a força de seu olhar e o aspecto
algo sonhador de sua figura.
Nietzsche é um dos pensadores mais geniais e ao mesmo tempo mais polêmicos de toda a história da fi-
losofia ocidental. Ele desperta tanto a fúria de alguns por sua ironia, por seu modo ensaístico de escrever,
por sua crítica feroz à moral e à religião, como encontra em outros uma relação de quase veneração. De
qualquer modo, porém, o importante é que não podemos pensar o século XX sem os desdobramentos
do pensamento nietzschiano, sem a sua avaliação do fenômeno do niilismo, ou seja, da sensação repen-
tina de vivermos em um mundo desprovido radicalmente de sentidos, assim como sem a liberdade a que
Nietzsche nos incita. Tudo isso faz de Nietzsche até hoje um dos ícones de nosso tempo.
a. Procure exemplos em sua própria vida de como o Estado possui hoje, para nós,
b. b) Partindo desse caráter abstrato e frio do Estado, em que medida esse caráter
mo do asfalto.
d. Para você, o fato de o Estado possuir uma distância em relação aos cidadãos co-
dade:
“(...) numa comunidade podemos contar com a boa vontade dos outros. Se tropeçarmos
e cairmos, os outros nos ajudarão a ficar de pé outra vez. Ninguém vai rir de nós, nem ridiculari-
zar nossa falta de jeito e alegrar-se com nossa desgraça. Se dermos um mau passo, ainda pode-
mos nos confessar, dar explicações e pedir desculpas, arrepender-nos se necessário; as pessoas
ouvirão com simpatia e nos perdoarão, de modo que ninguém fique ressentido para sempre. E
sempre haverá alguém para nos dar a mão em momentos de tristeza. Quando passarmos por
momentos difíceis e por necessidades sérias, as pessoas não pedirão fiança antes de decidirem
se nos ajudarão; não perguntarão como e quando retribuiremos, mas sim do que precisamos. E
raramente dirão que não é seu dever ajudar-nos nem recusarão seu apoio só porque não há um
contrato entre nós que as obrigue a fazê-lo, ou porque tenhamos deixado de ler as entrelinhas.
Nosso dever, pura e simplesmente, é ajudar uns aos outros e, assim, temos pura e simplesmente
o direito de esperar obter a ajuda de que precisamos. E assim é fácil ver por que a palavra ‘comu-
nidade’ sugere coisa boa. Quem não gostaria de viver entre pessoas amigáveis e bem intencio-
nadas nas quais pudesse confiar e de cujas palavras e atos pudesse se apoiar? Para nós em par-
ticular — que vivemos em tempos implacáveis, tempos de competição e de desprezo pelos mais
288
quando em resposta a nossos pedidos de ajuda ouvimos advertências para que fiquemos por
nossa própria conta, quando só os bancos ansiosos por hipotecar nossas posses sorriem dese-
jando dizer ‘sim’, e mesmo eles apenas nos comerciais e nunca em seus escritórios — a palavra
‘comunidade’ soa como música aos nossos ouvidos. O que essa palavra evoca é tudo aquilo de
que sentimos falta e de que precisamos para viver seguros e confiantes” (BAUMAN, 2009, p. 9).
Seção 4
O niilismo contemporâneo e os dilemas do
pensamento político atual
O mundo contemporâneo é marcado por uma série de transformações radicais: o crescimento descomunal das
grandes cidades, o desenvolvimento vertiginoso de novas tecnologias, a experiência de duas guerras mundiais com o
emprego de tecnologias que ampliaram consideravelmente o poder de destruição das armas utilizadas, entre muitas
outras. Essas transformações, por sua vez, trouxeram consigo consequências decisivas para o homem e para a existência
humana em geral. Tratar dessas consequências no âmbito da filosofia política é justamente a tarefa dessa seção.
“O suicídio é a única questão realmente filosófica. Saber se a vida vale ou não a pena ser vivida.” Essas são as
palavras que abrem o livro O mito de Sísifo, do filósofo francês Albert Camus. Com certeza, alguém pode achar a afir-
mação do suicídio como a única questão filosófica um exagero de Camus, e ela certamente o é. De qualquer modo,
porém, ela nos diz algo que merece toda a nossa atenção. O que Camus está nos dizendo é que o homem contem-
Em verdade, o homem antigo tinha um sentido claramente estipulado para a sua existência. Para ele, viver só
tinha sentido a partir da entrega a uma vida heroica e da conquista de um lugar na memória eterna dos homens. O
sentido. Viver era se sentir sob o domínio de um poder maior que fornecia desde o princípio as orientações para a
existência. O que acontece com o homem contemporâneo é algo marcado por uma perda radical de todo e qualquer
sentido. É claro que as pessoas podem continuar se entregando a atividades heroicas. É claro também que elas po-
dem continuar indo a igrejas e vivenciando uma relação de crença com Deus. Tudo isso, contudo, perdeu no mundo
contemporâneo a força e a obviedade que possuíam no mundo antigo e medieval. É por isso que vemos hoje algo
como a ligação entre religião e comércio ou entre religião e propaganda. Bem, mas o que tudo isso tem em comum
Niilismo é um termo para designar precisamente a situação de perda radical de sentido no mundo contem-
porâneo, a repentina sensação de que a existência não possui mais nenhuma justificativa imediata, de que todos nós
vivemos em um mundo onde os critérios tradicionais de orientação do homem caíram por terra. Assim, ele funciona
como o nosso centro de gravidade, como o ponto em torno do qual giram todas as nossas experiências.
Figura 4: Albert Camus (1913-1960), pensador existencialista francês e prêmio Nobel de literatura com a obra A peste, em 1957.
O fenômeno do niilismo, por outro lado, torna possível considerar uma série de fenômenos políticos contempo-
râneos. Tanto o comunismo quanto o capitalismo são modos específicos de responder ao problema da falta de sentido:
o comunismo por meio da promessa de uma resolução de todas as tensões sociais e pela constituição de um estado de
290
realização plena dos homens; o capitalismo, pela absorção dos homens em breves sonhos de consumo, aquisição e prazer.
Mas como você se coloca em relação a essa situação? Em que medida a questão acerca do sentido atravessa sua existência?
Responda às perguntas a seguir e veja até que ponto a questão acerca do sentido
Questão 1: Você já se perguntou alguma vez sobre o sentido de sua existência como
um todo? Não apenas sobre o sentido de uma pequena parte, mas de tudo o que está em
jogo na existência?
Questão 2: Na sua opinião, como a política pode auxiliar os homens na sua busca
Questão 3: Qual a função do trabalho em sua existência? Ele tem para você um sen-
tido maior do que a remuneração ou ele só tem o sentido de pagar as suas contas?
Questão 4: Para você, os pequenos prazeres da vida são capazes de dar sentido à sua
A Unidade 2 tratou da relação originária entre filosofia e política. O que tivemos a oportunidade de ver foi em
que medida filosofia e política crescem, a princípio, sobre uma base comum e só posteriormente vão se afastando
uma da outra.
Resumo...
Nós procuramos mostrar, em primeiro lugar, como a filosofia nasce do fato de o homem grego ter se voltado
Em terceiro lugar, analisamos a situação do homem moderno, o desenraizamento e a perda da ligação com a
cidade. Assim, pudemos acompanhar a contraposição hoje usual entre comunidade e sociedade.
Por fim, tratamos do conceito de niilismo e de suas implicações sobre a existência do homem contemporâneo.
Veja ainda!
Dicas de leitura e de cinema: há muitas opções para acompanhar a relação entre política e filosofia, uma vez
que o cinema e a literatura trataram muitas vezes dos riscos da ideologia e do fanatismo. Nossas dicas vão na direção
BARRETO, Lima. Triste fim de Policarpo Quaresma. Rio de Janeiro: Record, 2000.
A onda. Filme de Dennis Gansel, com Jürgen Vogel e Frederick Lau, 2008.
Matrix. Filme dos irmãos Wachowski, com Keanu Reeves e Laurence Fishburn, 1999.
Referências
BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.
VERNANT, Jean Pierre. A origem do pensamento grego. Rio de Janeiro: Difel, 2002.
Imagens
• http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Akropolis.jpg
292
• http://en.wikipedia.org/wiki/File:Martin_Luther_King_-_March_on_Washington.jpg
• http://en.wikipedia.org/wiki/File:Nietzsche187c.jpg
Atividade 1
nossas posições. Não de maneira particular, mas de uma maneira que possa ser
seguida por qualquer um. Agora, é preciso, antes de tudo, reconhecer o lugar do
b. Política e filosofia têm aqui um pouco em comum, uma vez que a vida política
exige um discurso voltado sempre para o universal, construído para além dos
c. Vernant está acentuando aí, antes de tudo, o fato de que não há agora mais ne-
nhum poder legítimo por si, mas todos os poderes precisam se justificar aqui por
d. A palavra perdeu agora o seu papel religioso, coberto por uma atmosfera de
filosófico.
a. Falso, pois não se pode tratar casos diferentes como se fossem iguais. Por mais
c. Falso, pois o fato de um amigo em particular ter lhe traído não pode ser estendi-
do a todos os amigos.
d. Correto, pois coerente com a posição de Feuerbach, por mais que possamos dis-
Atividade 3
tamente com os responsáveis pelos serviços de água, luz, gás etc.; a distância en-
tre o cidadão e os políticos em geral; a diferença entre a máquina que aplica uma
e experimentar um conjunto de relações algo abstratas. Para ver isto, basta pen-
d. Sim, pois a distância entre políticos e cidadãos torna mais difícil o acompanha-
294
Atividade 4
positivo, à presença calorosa e direta das pessoas que se importam conosco, que sofrem
com as nossas dores e se alegram com as nossas alegrias. Exatamente por isso, a comuni-
dade parece um conceito político por excelência, um conceito que deve funcionar para nós
Atividade 5
1. Perguntar sobre o sentido da existência como um todo é uma necessidade para todos
nós, algo que nos distingue daqueles que apenas deixam a vida correr sem reflexão.
2. A política pode auxiliar os homens na busca por sentido existencial, na medida em que
ela pode propiciar uma relação mais plena com os outros cidadãos e uma aquisição
3. O sentido do trabalho não pode se reduzir à remuneração. Quando isso acontece, o tra-
balho vira um mero modo de manutenção do trabalho, uma pedra que rola sem cessar,
4. Pensar o prazer como o único sentido da existência é, cedo ou tarde, se ver obrigado
a experimentar o sem sentido da vida, o sem sentido diante dos desprazeres e aflições
“Os três tipos de poder representam três diversos tipos de motivações: no poder tradicional, o motivo da obediência
é a crença na sacralidade da pessoa do soberano; no poder racional, o motivo da obediência deriva da crença na racio-
nalidade do comportamento conforme a lei; no poder carismático, deriva da crença nos dotes extraordinários do chefe”.
(BOBBIO, N. Estado, Governo, Sociedade: para uma teoria geral da política. São Paulo: Paz e Terra, 1999 [adaptado].)
O texto apresenta três tipos de poder que podem ser identificados em momentos históricos distintos. Identifi-
Resolução
A resposta correta é B, pois na República Fascista Italiana no século XX o sistema de governo republicano era
completamente fundado no poder carismático do líder popular/populista representado por Benito Mussolini.