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A mulher que não sabia contar histórias

Angela Teodoro Grillo- (adaptação Talita Lima de Araujo)

Para minhas sobrinhas Letícia, Bianca, Fernanda, Beatriz e


Tainá

Essa história quem me contou foi a minha avó, é a história da mulher que não sabia
contar histórias. Ninguém sabe ao certo a explicação, mas o fato é que ela não sabia contar
histórias. Muita incomodada com a situação, ela decidiu viajar pelo Brasil e ver histórias para
contar. Foi nos coqueirais Pernambucanos, conheceu o coco e o maracatu (Eâ!) de lá foi pras
puxadas de rede e afoxés da Bahia(filhos de Gandhi Badauê!!), o samba-reggae ( Madagascar
Olorum...) , no Rio de Janeiro conheceu as histórias e ritmos do samba carioca ( não Vadeia
Clementina...) em São Paulo conheceu o Samba de bumbo, o jongo, conheceu ainda as
congadas, os moçambiques e o Candombe Mineiros. Viajou quase todo o Brasil e cada vez que
ela voltava, os amigos iam à casa dela e diziam:

- E então? Conte-nos uma história.

A mulher que não sabia contar histórias ficava envergonhada porque não conseguia
colocar em palavras tudo o que tinha visto, ficavam guardadas como tesouros as histórias
indígenas, pernambucanas, baianas, paulistas, cariocas que ela havia visto. Então ela decidiu
que invés de ver histórias iria lê-las. Entrou na biblioteca e leu muitas e muitas histórias. Leu,
Carolina Maria de Jesus, Conceição Evaristo, Mário de Andrade, Machado de Assis, Solano
Trindade, João Ubaldo Ribeiro, Allan da Rosa, Akins Kintê, Dinha... também leu Craveirinha,
Hampate Ba, Ondjaki, Paulinia Chiziane, Noemia de Souza e tantos outros, e no final de cada
livro seus amigos lhe telefonavam e diziam:

- E então? Conte-nos uma história.

Nenhuma palavra, ainda que todos personagens daqueles escritores fizessem parte de
sua vida, não conseguia contar nenhuma das histórias lidas. Um dia, uma amiga, muito
comovida com a sua situação, disse que a levaria para conhecer um homem que contava
histórias com o corpo, ele contava histórias de seus ancestrais de muitos e muitos anos atrás.
Seu mestre, de nome engraçado, o Pinguim, ensinou à mulher que não sabia contar histórias, a
histórias dos deuses africanos no Brasil, os Orixás. Ela aprendeu a dança de Iansã, senhora dos
ventos que quando agita os braços faz a tempestade. E também, os movimentos firmes e
precisos do forte guerreiro Ogum que carrega nas mãos suas poderosas espadas e é dono dos
metais. E o corpo da mulher que não sabia contar histórias aprendeu a andar pela floresta
como Ossain em busca de folhas para curar doenças. Ossai conhece cada uma das folhas, faz
poções que cura tudo, dor de barriga, unha encravada e dizem que até dor de amor. Nesse
lugar, onde eles moram, que se chama Orum, anda também Xangô que tem firme na mão sua
machadinha que representa a justiça e ninguém, nenhum homem, nenhum outro Orixá, é mais
justo que Xangô. Nas águas doces mora uma rainha linda que tem a pele negra como a noite e
encanta a todos com sua dança que balança docemente seus braços, Oxum adora se banhar
nas águas da cascata, admirar-se no seu espelho dourado enquanto ajeita seus lindos cabelos
volumosos enfeitados de pedras preciosas. Essa rainha além de muito bonita e vaidosa, guarda
o mistério da fertilidade. Ela é filha de Yemanjá, a grande rainha do mar, mãe de quase toda a
água do mundo e essa mulher deusa mexe seu corpo lindo de sereia no balanço das ondas do
mar. Dizem que Yemanjá é casada com Oxalá, o mais velho dos orixás, ele anda todo
curvadinho com seu cajado, dizem que ele aparenta ter mais de 300 anos, Oxalá é quem oferta
a paz para os homens. O mestre Pinguim ainda ensinou à mulher que não sabia contar
histórias, a história do Maculelê, um guerreiro valente que mora no Recôncavo baiano, sua
armas são duas grimas de madeira, Maculelê tem sangue indígena e africano, e luta como
ninguém.

A mulher que não sabia contar histórias aprendeu então a dançar histórias com seu
corpo, contava a dança dos Orixás e a dança/luta do Maculelê e as danças dos lugares e povos
por onde passava.

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