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INTRODUÇÃO

O objetivo deste livro é fazer uma apresentação geral dos tópicos normalmente
estudados em disciplinas de lógica matemática para cursos de graduação ou pós-graduação
em Filosofia ou Matemática, incluindo tópicos de fundamentos da matemática, considerados
de um ponto-de-vista formalista. Desse modo, o livro cobre os seguintes assuntos: cálculo
proposicional, cálculo de predicados, fundamentos da aritmética, fundamentos da análise e
teoria dos conjuntos.

1. CÁLCULO PROPOSICIONAL

A lógica proposicional é a teoria dos operadores lógicos, ou das funções de verdade.


Seu objetivo é determinar como o valor de verdade de uma sentença composta depende dos
valores de verdade das sentenças simples e dos operadores lógicos que entram na composição
da mesma, tais como ‘e’, ‘ou’, ‘implica’, ‘é incompatível com’ e ‘não’. Tendo este objetivo
sido alcançado, torna-se possível mostrar que determinadas sentenças devem ser verdadeiras
se um certo conjunto de sentenças só contiver sentenças verdadeiras, caso em que dizemos
que aquela é uma consequência lógica destas últimas. Também se torna possível verificar que
determinadas sentenças compostas são verdadeiras ou falsas independentemente dos valores
de verdade das sentenças simples que entram na sua composição, e que alguns conjuntos de
sentenças não podem conter apenas sentenças verdadeiras, independentemente do valor de
verdade das sentenças simples que aparecem no conjunto, ou na composição de sentenças
compostas do mesmo conjunto.
Uma vez que o sentido, ou o pensamento expresso por cada sentença não é relevante
para as determinações das quais falamos no parágrafo precedente, é conveniente, para o
estudo da lógica proposicional, utilizar uma linguagem formal no lugar do português ou de
qualquer outra língua natural, com as sentenças simples representadas por variáveis
proposicionais que – vamos admitir – assumem um valor de verdade dado arbitrariamente,
mas não expressam pensamento algum. Para ilustrar, a sentença ‘Se não é verdade que Paula e
Marcos foram a Veneza, então ou Paula ou Marcos não foi para lá’ – composta pelas
sentenças simples ‘Paula foi a Veneza’ e ‘Marcos foi a Veneza’ – é uma sentença verdadeira,
independentemente do valor de verdade dessas últimas sentenças simples. Mas essa
circunstância independe do significado dessas sentenças. Por exemplo, se mantivermos a
2

estrutura da sentença composta, substituindo as sentenças simples que entram na composição


por ‘as ações da Petrobrás tiveram alta’ e ‘as ações da Vale tiveram alta’, obteremos a
sentença ‘Se não é verdade que as ações da Petrobrás e as da Vale tiveram alta, então ou as
ações da Petrobrás ou das Vale não tiveram alta’, que continua verdadeira,
independentemente do que andou ocorrendo com as ações mencionadas. Isso mostra que as
únicas expressões cujo significado faz alguma diferença para o valor de verdade de sentenças
desse tipo são os operadores lógicos, como os denominamos acima, ‘não é verdade que’, ‘e’,
‘se ... então’ e ‘ou’. Para evidenciar esse estado de coisas, é conveniente substituir as
sentenças simples por variáveis sentenciais como P e Q, obtendo a sentença formal, ou a
fórmula, ‘Se não é verdade que P e Q, então ou não P ou não Q’. Para ganho em termos de
praticidade e precisão, é interessante também representar os operadores lógicos por meio de
símbolos, e utilizar parênteses para determinar exatamente o escopo de cada operador, sem ser
necessário um apelo ao contexto. Na sentença acima, por exemplo, só por um apelo ao
contexto podemos determinar se estamos dizendo, no antecedente do condicional – a parte da
sentença que precede o operador ‘então’ – que não temos a ocorrência de P e Q, ou que não
temos a ocorrência de P e temos a de Q.
Na sequência, vamos determinar a sintaxe da linguagem formal que utilizaremos para
o estudo da lógica proposicional. Depois disso, vamos apresentar a semântica dos operadores
lógicos que, como vimos, são as únicas expressões cujo significado é relevante para as
determinações que interessam à lógica proposicional1, como é o caso da relação de
consequência lógica entre uma sentença e um conjunto de sentenças.

1.1. SINTAXE I

Definições básicas

DEF. 1.1.1: O alfabeto do cálculo proposicional  ou, simplesmente, alfabeto proposicional 


é o conjunto de símbolos A = {P, Q, R, ..., &, v, , ↔, ~, ), (}, onde {P, Q, R, ...} forma um
conjunto denumerável de variáveis proposicionais; ~, &, v,  e ↔ são chamados de
1
Na realidade, o significado de outras expressões como os assim-chamados quantificadores ‘todo’ e ‘algum’, ou
as modalidades ‘é possível que’ e ‘é necessário que’, apenas para citar alguns exemplos, é relevante para a
determinação de se uma sentença dada é uma consequência lógica de um conjunto de sentenças, ou de se uma
dada sentença composta é verdadeira independente dos valores de verdade das sentenças simples que entram em
sua composição. Podemos chamar ao conjunto dessas expressões de ‘termos lógicos’, e, nesse caso, vamos dizer
que a lógica proposicional é aquele ramo da lógica que se dedica ao estudo daquelas sentenças cujos únicos
termos lógicos são os operadores lógicos. Assim, a lógica proposicional é apenas uma parte de sistemas lógicos
mais amplos, como veremos mais adiante.
3

operadores lógicos, respectivamente, da negação, da conjunção, da disjunção, da implicação,


e da equivalência; ) e ( são sinais de pontuação.

DEF. 1.1.2: Uma expressão sobre A é qualquer sequência finita de elementos de A;


designamos por E(A) o conjunto de todas as expressões sobre A; genericamente, para
qualquer conjunto de símbolos (alfabeto) X, uma expressão sobre X é uma sequência finita
qualquer de elementos de X, e E(X) é o conjunto de todas as expressões sobre X.

DEF. 1.1.3: A linguagem formal sobre A, que designaremos por L(A), é o menor subconjunto
de E(A) que satisfaz as seguintes condições:
i) se   {P, Q, R, ...}, então   L(A), e dizemos que  é uma fórmula atômica sobre A
ii) se   L(A), então ~  L(A)
iii) se ,   L(A), então ( & ), ( v ), (  ), ( ↔ )  L(A)
um elemento qualquer de L(A) é uma fórmula sobre A.

Uma vez que se aplica a uma fórmula, o operador da negação é dito um operador
monádico, ou de aridade 1. Os demais operadores lógicos, que relacionam duas fórmulas, são
operadores binários, e têm, portanto, aridade 2. Uma generalização da definição 1.1.3, que é
útil para os propósitos deste livro, pode ser obtida da seguinte maneira:

DEF. 1.1.3’: Seja X um conjunto qualquer de símbolos contendo {), (}; considere-se uma tri-
partição (VX, OX, PX) de X2; vamos chamar VX de conjunto das variáveis proposicionais de X,
OX de conjunto dos operadores lógicos de X, e PX = {); (} de conjunto dos sinais de pontuação
de X; agora, vamos tomar uma multi-partição (O X1 ; O X2 ; ...; O Xn ) de OX, com n < ;
vamos chamar O Xi de conjunto dos operadores lógicos i-ádicos de X, para 1  i  n; então a
linguagem formal sobre X, que designaremos por L(X), é o menor subconjunto de E(X) que
satisfaz as seguintes condições:
i) se   VX, então   L(X)
ii) se 1, ..., i  L(X) e   O Xi , então  (1, ..., i)  L(X)
um elemento qualquer de L(X) é uma fórmula sobre X.

2
Ou seja, VX, OX e PX são subconjuntos de X tais que VX  OX  PX = X e VX  OX = VX  PX = OX  PX = .
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Como uma concessão à praxe, podemos admitir que, no caso de um operador lógico
binário (2-ádico)  qualquer de X, uma fórmula  (1, 2) seja escrita na forma (1  2), e
que, no caso de um operador lógico monádico (1-ádico)  qualquer de X, uma fórmula  (1)
seja escrita na forma 1.

1.2. SEMÂNTICA

Princípios

Enquanto a sintaxe de uma linguagem L qualquer, natural ou formal, cuida de


determinar propriedades puramente estruturais de L, a semântica de L determina as relações
entre as expressões de L e os objetos aos quais tais expressões se referem. Assim, ao
estudarmos a sintaxe de L, estamos interessados em determinar que símbolos pertencem ao
léxico de L, que sequências desses símbolos formam expressões, e quais dessas expressões
são sentenças. Podemos também, como veremos mais adiante, especificar determinados
subconjuntos do conjunto das sentenças, ou determinadas relações entre conjuntos de
sentenças e sentenças, desde que o façamos apelando unicamente a características relativas à
forma de tais sentenças, isto é, aos símbolos que ocorrem nas mesmas e ao modo como estão
dispostos ali.
Já ao estudarmos a semântica de L, procuramos especificar a que objeto ou conjunto
de objetos um dado símbolo ou expressão de L se refere. No caso das sentenças de L,
podemos estar interessados em determinar seu sentido, ou a que objetos elas se referem.
Segundo o matemático e filósofo G. Frege, determinamos o sentido de uma sentença quando
especificamos o pensamento que ela expressa, e determinamos o objeto denotado por uma
sentença quando especificamos seu valor de verdade 3. Nesse caso, no que atine às
determinações que são do interesse da lógica, vai bastar que especifiquemos o objeto
denotado pelas sentenças de L, isto é, seu valor de verdade, pelas razões que expusemos mais
acima. De um ponto de vista formal, teremos estabelecido a semântica de L de um modo
rigoroso se formos capaz de determinar que objetos estão no conjunto D das possíveis
denotações das expressões de L, e de especificar uma função f (ou uma família f1, f2, ... de
funções) definida do conjunto de tais expressões em D, tal que f (e) forneça a denotação de e,
para uma expressão e qualquer de L.

3
Cf. FREGE,
5

No caso da linguagem L(A), que especificamos para nosso estudo da lógica


proposicional, vamos obter a seguir uma função que satisfaz essas condições. Como L(A) é
uma linguagem formal, vamos falar em fórmulas de L(A), em vez de sentenças de L(A),
como já vínhamos fazendo acima. Vamos assumir os pressupostos mencionados acima, e
portanto estaremos interessados apenas na denotação das fórmulas de L(A), isto é, em seu
valor de verdade. De fato, vamos entender que as fórmulas de L(A) assumem valores de
verdade, mas não expressam pensamento algum. A essa pressuposição vamos chamar de
princípio de extensionalidade. Como os valores de verdade que as fórmulas de L(A) podem
assumir são dois – a verdade e a falsidade – diremos que a semântica de L(A) é bivalente. Por
fim, a função que vai determinar o valor de verdade de uma fórmula qualquer de L(A) será
definida recursivamente, como veremos a seguir, de modo que o valor de verdade de uma
fórmula de L(A) vai depender dos valores de verdade das fórmulas atômicas que entram em
sua composição, e dos operadores lógicos aplicados às mesmas. A isso vamos chamar de
princípio de composicionalidade. Em síntese, podemos enunciar os três princípios básicos aos
quais a semântica de L(A) obedece do modo seguinte:

Extensionalidade: Cada fórmula de L(A) designa um valor de verdade, e nada mais significa
além do valor de verdade que designa.
Composicionalidade: O valor de verdade de uma fórmula de L(A) é uma função dos valores
de verdade de suas componentes e de como elas se compõem.
Bivalência: os valores de verdade são o Verdadeiro, ou 1, e o Falso, ou 0.

Esses princípios não são de modo algum necessários, de modo que é comum chamar a
semântica que obedece aos mesmos de clássica, entendendo-se que é possível obter
semânticas não-clássicas para L(A), que rompem com um ou mais desses princípios. Por
exemplo, há semânticas intensionais, em que os pensamentos expressos pelas sentenças de
uma linguagem L são considerados relevantes para as determinações de interesse da lógica, e
semânticas polivalentes, em que o número de valores de verdade que uma sentença de L pode
assumir é maior do que dois.

Definições
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DEF. 1.2.1: Seja u uma função qualquer definida do conjunto das fórmulas atômicas de L(A)
em {0, 1}; para cada uma dessas funções, uma valoração é uma extensão v de u definida de
L(A) em {0, 1}, tal que:
i) v () = u (), se  é atômica
ii) v (~) = 1 sse v () = 0
iii) v (  ) = 0 sse v () = 1 e v () = 0
iv) v ( v ) = 0 sse v () = v () = 0
v) v ( & ) = 1 sse v () = v () = 1
vi) v (  ) = 1 sse v () = v ()

Claramente, as valorações são as funções de que falamos mais acima, que fornecem,
para qualquer fórmula  de L(A), o valor de verdade de , em função dos valores de verdade
das fórmulas atômicas que ocorrem em . Os valores de verdade das fórmulas atômicas são
arbitrariamente distribuídos por cada uma das funções u que as valorações estendem para
L(A). Como as fórmulas atômicas de L(A) são variáveis proposicionais, isto é, expressões
que ocupam o lugar que normalmente seria ocupado por uma sentença de uma dada
linguagem L em um conjunto de sentenças ou em um período composto de L, é bastante
natural que não tentemos determinar o valor de verdade de tais fórmulas. Em vez disso,
vamos assumir que dada fórmula atômica  é verdadeira ou que é falsa, e averiguar quais as
consequências de fazê-lo para determinações de interesse da lógica, como, por exemplo, o
valor de verdade de uma fórmula em que  ocorre. As definições a seguir especificam como
tais determinações podem ser feitas.

DEF. 1.2.2: Seja  um conjunto de fórmulas de L(A) e v uma valoração; então, dizemos que v
é um modelo de  (em símbolos: v╞ ) sse v () = 1 para todo   .

DEF. 1.2.3: Seja  um conjunto de fórmulas de L(A); então; dizemos que  é satisfatível (ou
consistente) sse existe ao menos uma valoração v tal que v ╞ .

DEF. 1.2.4: Seja  um conjunto de fórmulas de L(A) e  uma fórmula de L(A); então,
dizemos que  é uma conseqüência lógica de  sse v () = 1 para toda valoração v tal que v ╞
.
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DEF. 1.2.5: Seja  uma fórmula de L(A); então, dizemos que  é válida sse v () = 1 para
toda valoração v.

DEF. 1.2.6: Seja  uma fórmula de L(A); então, dizemos que: i)  é uma tautologia sse  é
válida, ii)  é uma contradição sse ~ é válida, iii)  é contingente sse  não é uma
tautologia nem uma contradição.

Exemplo 1.2.1
Considerando uma valoração v tal que v (P) = 1, v (Q) = 0, v (R) = 0 e v (S) = 1, vamos
determinar v (P → ~ (R ↔ ~S)) e v ((P v ~R) → (S ↔ ~ (Q & ~P))).
a) como v (S) = 1, temos que v (~S) = 0; daí, como v (R) = 0, temos que v (R ↔ ~S) = 1, e
portanto que v (~ (R ↔ ~S)) = 0; daí, por fim, temos que v (P → ~ (R ↔ ~S)) = 0, já que v (P)
= 1.
Essa verificação que acabamos de fazer pode ser feita de modo simples mediante o uso da
seguinte tabela:
P → ~ (R ↔ ~ S)
1 0 0 0 1 0 1
Nessa tabela, colocamos abaixo das variáveis proposicionais da fórmula sob análise os valores
dados a elas pela valoração v que estamos considerando. Depois, colocamos sob os
operadores os valores da fórmula obtida pela sua inclusão, a partir das variáveis
proposicionais. Assim, sob o segundo ~ que ocorre na fórmula acima colocamos o valor da
fórmula ~S em nossa valoração v, sob o operador ↔ colocamos o valor em v da fórmula R ↔
~S e assim por diante. Sob o operador →, então, teremos o valor em v da fórmula P → ~ (R
↔ ~S), que é a fórmula na qual estamos interessados.
b) vamos determinar v ((P v ~R) → (S ↔ ~ (Q & ~P))) utilizando o procedimento de
construção de tabela:
(P v ~ R) → (S ↔ ~ (Q & ~ P))
1 1 1 0 1 1 1 1 0 0 0 1
Assim, como 1 é o valor sobre o operador →, temos que v ((P v ~R) → (S ↔ ~ (Q & ~P))) =
1.

Exemplo 1.2.2
8

Vamos verificar se o conjunto A = {P → ~Q; ~ (R ↔ Q); (P v ~~R) → Q} é


satisfatível.
Para fazer a verificação em questão, de acordo com a definição 1.2.3, temos que verificar se
existe alguma valoração v que seja modelo de A. A maneira mais óbvia de se fazer isso
consiste em construir uma tabela do tipo das que construímos acima, mas com um número de
linhas que corresponda ao número de valorações relevantes para o conjunto de fórmulas sob
consideração. Uma valoração, conforme a definição 1.2.1, é uma função que associa um valor
0 ou 1 a qualquer fórmula de L(A), com base em uma distribuição prévia de valores 0 e 1 para
todas as fórmulas atômicas de L(A). Isso quer dizer que uma valoração v é completamente
determinada pelo valor que v associa a cada uma das fórmulas atômicas de L(A). Como o
conjunto das fórmulas atômicas de L(A), {P; Q; R; ...}, é um conjunto denumerável, e como o
contradomínio das funções v possui 2 elementos – 0 e 1 –, segue-se que há 2 0 valorações v.
No entanto, como o valor de uma fórmula  depende completamente do valor das variáveis
sentenciais que ocorrem em , como claramente se segue da definição 1.2.1, temos que para
uma fórmula  em que só ocorra a variável P, por exemplo, vi (P) = vj (P) para quaisquer
valorações vi e vj tais que vi (P) = vj (P). Assim, para uma tal fórmula , só teremos duas
valorações relevantes, por assim dizer, uma valoração vi tal que vi (P) = 1, e uma valoração vj
tal que vj (P) = 0. Claramente, se  possuir um número n qualquer de variáveis sentenciais,
teremos 2n valorações relevantes para . Para um conjunto de fórmulas {1, ..., k}, é claro,
teremos um número de valorações relevantes igual a 2 m, onde m é o número de variáveis
sentenciais que ocorrem em cada uma das fórmulas i, para 1  i  k. No caso do conjunto de
fórmulas de nosso exemplo, teremos portanto 8 valorações relevantes, correspondendo a todas
as possíveis distribuições dos valores 0 e 1 para as variáveis sentenciais P, Q e R. Assim, a
tabela abaixo, que vamos chamar de tabela-verdade de A, lista todas as valorações relevantes
para A, sendo que cada linha da tabela representa uma dessas valorações.

{ P → ~ Q; ~( R ↔ Q); (P v ~ ~ R) → Q}
v1 1 0 0 1 0 1 1 1 1 1 1 0 1 1 1
v2 1 0 0 1 1 0 0 1 1 1 0 1 0 1 1
v3 1 1 1 0 1 1 0 0 1 1 1 0 1 0 0
v4 1 1 1 0 0 0 1 0 1 1 0 1 0 0 0
v5 0 1 0 1 0 1 1 1 0 1 1 0 1 1 1
v6 0 1 0 1 1 0 0 1 0 0 0 1 0 1 1
9

v7 0 1 1 0 1 1 0 0 0 1 1 0 1 0 0
v8 0 1 1 0 0 0 1 0 0 0 0 1 0 1 0

O que a tabela-verdade de A, acima, nos mostra é que v6 é uma valoração modelo de A. Na


verdade, é claro, há infinitas valorações modelo de A, mas em todas elas o que temos é que P
recebe valor 0, Q recebe valor 1 e R recebe valor 0, o que é tudo o que importa saber para
determinar o valor de cada fórmula em A. Desse modo, como há ao menos uma valoração
modelo de A, temos que A é satisfatível.

Exemplo 1.2.3
Vamos determinar se ~ (P → Q) é uma conseqüência lógica do conjunto de fórmulas
B = {P ↔ R; ~ (~R v Q)}.
Vamos montar a tabela-verdade conjunta de B e de ~ (P → Q), isto é, a tabela de B  {~ (P
→ Q)}.

{ P ↔ R; ~( ~ R v Q)} ╞ ~ (P → Q)
v1 1 1 1 0 0 1 1 1 / 0 1 1 1
v2 1 1 1 1 0 1 0 0 / 1 1 0 0
v3 1 0 0 0 1 0 1 1 / 0 1 1 1
v4 1 0 0 0 1 0 1 0 / 1 1 0 0
v5 0 0 1 0 0 1 1 1 / 0 0 1 1
v6 0 0 1 1 0 1 0 0 / 0 0 1 0
v7 0 1 0 0 1 0 1 1 / 0 0 1 1
v8 0 1 0 0 1 0 1 0 / 0 0 1 0

A tabela acima nos mostra que v2 é a única valoração modelo de B. Como v2 (~ (P → Q)) = 1,
como também nos mostra a tabela acima, temos, de acordo com a definição 1.2.4, que ~ (P →
Q) é uma conseqüência lógica de B.

Há uma série de fatos interessantes sobre a noção de conseqüência lógica, que convém
comentar aqui. Em primeiro lugar, temos que qualquer fórmula é conseqüência lógica de um
conjunto de fórmulas insatisfatível. De fato, Se  é insatisfatível, por definição não há
nenhuma valoração v tal que v╞ . Nesse caso, obviamente, não há nenhuma valoração v que
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seja modelo de , e tal que v () = 0, para uma fórmula  qualquer, o que é o mesmo que
dizer que v () = 1 para toda valoração v tal que v╞ . Uma decorrências direta desse fato é a
seguinte: se  é um conjunto de fórmulas insatisfatível, então, para qualquer conjunto de
fórmulas ,    é insatisfatível, e portanto   ╞ , para qualquer fórmula .
Um outro fato interessante é que, se  é válida, então ╞ , para qualquer conjunto de
fórmulas . De fato, se  é válida, temos por definição que v () = 1 dada qualquer valoração
v, e nesse caso é claro que v () = 1 para toda valoração v tal que v╞ . Em particular, no caso
do conjunto vazio, note-se que qualquer valoração v é um modelo para esse conjunto, já que
não há nenhuma valoração v tal que v () = 0 para alguma fórmula   , como é óbvio. Isso
é o mesmo que dizer que v () = 1 para toda fórmula   , dada qualquer valoração v. Assim
sendo, vamos ter que uma fórmula  qualquer é uma conseqüência lógica de  se e somente
se v () = 1 dada qualquer valoração v, isto é, se e somente se  é válida. Isso justifica a
introdução de uma definição de validade em termos da noção de conseqüência lógica, do
seguinte modo: uma fórmula  de L(A) é válida sse ╞ .
Mencionamos acima um fato relativo à noção de satisfatibilidade, tendo em vista a
operação  sobre conjuntos. Outros fatos interessantes do mesmo tipo são: se uma família C
de conjuntos de fórmulas é tal que, para todo   C,  é consistente, temos que C é
consistente. Note-se que, no entanto, dada a mesma família de conjuntos C, C não é
necessariamente consistente. Outro fato interessante: se um conjunto de fórmulas  é
consistente, então  é consistente, para todo   . Daí temos, dado o fato anterior, que se 
é consistente para todo   C, então P C
é consistente. Note-se que se  é
inconsistente, um subconjunto  qualquer de  não é necessariamente inconsistente.
Tendo em vista as definições de satisfatibilidade e conseqüência lógica, as
propriedades mencionadas dessas noções são intuitivas, mas pode-se construir facilmente
provas formais das mesmas mediante o uso das definições em questão e de uma teoria formal
de conjuntos, tal como ZFC.

Exemplo 1.2.4
Vamos determinar o estatus semântico das fórmulas  = ~ (~P → R) → (~P & ~R), 
= P → (~Q & P) e  = ~ (P → (~Q v P)), isto é, vamos verificar se cada uma dessas fórmulas
é uma tautologia, uma contradição ou uma fórmula contingente.
Vamos montar a tabela-verdade de cada uma dessas fórmulas:
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~( ~ P → R) → (~ P & ~ R)
v1 0 0 1 1 1 1 0 1 0 0 1
v2 0 0 1 1 0 1 0 1 0 1 0
v3 0 1 0 1 1 1 1 0 0 0 1
v4 1 1 0 0 0 1 1 0 1 1 0

P → (~ Q & P)
v1 1 0 0 1 0 1
v2 1 1 1 0 1 1
v3 0 1 0 1 0 0
v4 0 1 1 0 0 0

~( P → (~ Q v P))
v1 0 1 1 0 1 1 1
v2 0 1 1 1 0 1 1
v3 0 0 1 0 1 0 0
v4 0 0 1 1 0 1 0

Com base nessas tabelas e na definição 1.2.6, podemos determinar que  é uma tautologia, já
que v () = 1 para toda valoração v, e que  é uma contradição, já que v () = 0 para toda
valoração v. Como v1 () = 0 e v2 () = 1, temos que  é uma fórmula contingente.

Exercício 1.2.1
Seja v uma valoração tal que v (P) = 0, v (Q) = 0, v (R) = 0, v (S) = 0 e v (T) = 0; e seja
w uma valoração tal que w (P) = 0, w (Q) = 1, w (R) = 1, w (S) = 0 e w (T) = 1. Determine:
a) v ((P ↔ ~Q) v ~ (~~R & (T → ~S)))
b) w ((P ↔ ~Q) v ~ (~~R & (T → ~S)))
c) v (~ ( ~ ( ~ (R v ~S) → ~T) ↔ (R & ~P)) → ~~Q))
d) w (~ ( ~ ( ~ (R v ~S) → ~T) ↔ (R & ~P)) → ~~Q))

Exercício 1.2.2
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Seja A = {(P → ~Q) ↔ (R v Q); ~ (P & R); P → (R ↔ ~~Q)}, B = {(Q & R) ↔ P; R


→ ~S; ~ (Q v ~S)}; C = {T ↔ ~P; ~ (Q → ~~T)} e D = {P → ~Q; R → ~S; ~P v R}.
Determine quais dos seguintes conjuntos de fórmulas são consistentes e, para os que forem,
indique uma valoração modelo.
a) A
b) B
c) C
d) D
e) A  B
f) A  C
g) A  D
h) B  C
i) B  D
j) C  D
k) A  B  C
l) A  B  D
m) A  C  D
n) B  C  D
o) A  B  C  D
p) A  C
q) B  D
r) A  B  D
s) (B  D)  C
t) (B  C) – D
u) B – D
v) D – B
w) A – B

Exercício 1.2.3
Seja  = P → ~R;  = ~ (~P v ~Q);  = R→ ~ (P & Q);  = P v ~S;  = R ↔ (~P v Q);
 = H v ~J;  = P → (Q → P) e  = ~ (~P v Q) ↔ ~P. Verifique quais dentre as seguintes
afirmações são corretas.
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a) A╞ 
b) B╞ 
c) C╞ 
d) C╞ 
e) D╞ 
f) D╞ 
g) B╞ 
h) B  C╞ 
i) B  C╞ 
j) B  C╞ 
k) B  D╞ 
l) A  B╞ 
m) A  B╞ 
n) A – B╞  → ~

Exercício 1.2.4
Determine o estatus semântico das seguintes fórmulas:
a) P
b) ~P
c) P → ~Q
d) (P → ~Q) → ~ (Q & P)
e) (Q & P) → (P → ~Q)
f) (Q & P) ↔ (P → ~Q)
g) (P v (R → ~Q)) → (P v ~ (Q & R))
h) P → P
i) P ↔ P
j) P v (P & P)

Para qualquer fórmula  de L(A), há uma fórmula  de L(A) que não possui
ocorrências de outros operadores lógicos além de → e ~, e tal que  ↔  é uma tautologia.
Obviamente, em casos como esse v () = v () dada qualquer valoração v. Como, pelo
princípio de extensionalidade, o significado de uma fórmula de uma linguagem formal
qualquer para o cálculo sentencial se reduz ao seu valor de verdade, temos que as fórmulas 
14

e  mencionadas acima são sinônimas em um sentido bem determinado de sinonímia. De fato,


uma valoração é totalmente definida pelo valor de verdade que atribui às fórmulas atômicas, o
que quer dizer que o valor de verdade de uma fórmula – o seu significado, portanto – só varia
com as valorações consideradas. Nesse caso, se v () = v () dada qualquer valoração v,
temos que  significa o mesmo que  em todos os casos possíveis. Podemos fazer referência a
esse fato dizendo que o conjunto de operadores lógicos {→; ~} é funcionalmente completo
com relação a {&; v; →; ↔; ~}. Isso então quer dizer que qualquer fórmula composta
mediante o uso dos operadores de {&; v; →; ↔; ~}, tais como definidos na definição 1.2.1,
pode ser substituída por uma fórmula que não utiliza outro operador lógico além de → e ~, e
que é sinônima da primeira no sentido especificado de sinonímia entre fórmulas. É fácil
mostrar que {&; ~} e {v, ~} também são conjuntos de operadores lógicos funcionalmente
completos com relação a {&; v; →; ↔; ~}.
A partir do que foi dito até aqui sobre operadores lógicos podemos levantar algumas
questões interessantes. Com base na definição 1.2.1 para o conceito de valoração podemos
definir explicitamente o operador monádico ~, por exemplo, como uma função definida de {0;
1} em {0; 1}, tal que ~ (1) = 0 e ~ (0) = 1. Já o operador binário → pode ser definido como
uma função binária de {0; 1}2 em {0; 1} tal que → (1, 0) = 0 e → (i, j) = 1 para (i, j) ≠ (1, 0).
Considerando essas definições percebemos que há outros operadores lógicos binários, por
exemplo, além dos quatro que aparecem na definição 1.2.1. Um exemplo é o operador lógico
binário , definido de {0; 1}2 em {0; 1} tal que  (i, j) = 1 para todo par (i, j)  {0; 1}2. A
questão interessante a fazer aqui então é a seguinte: quantos operadores lógicos há? É claro
que – no caso de uma lógica que obedece ao princípio de bivalência, como é o caso do cálculo
sentencial clássico, que estamos estudando aqui – para responder a essa questão basta
verificar, no caso de operadores n-ádicos, para um número natural n qualquer, quantas
funções podem ser definidas de {0; 1}n em {0; 1}. A resposta, evidentemente, é que podem
n
ser definidas 2 (2 ) dessas funções. A resposta para nossa questão é pois que há um número
infinito de operadores lógicos em uma lógica bivalente, já que podemos definir operadores n-
ádicos para qualquer número natural n, sendo portanto o número de tais operadores igual a

2
n 1
(2 n )
. No entanto, se perguntarmos quantos operadores n-ádicos há em uma lógica

n n
bivalente, a resposta é que há 2 (2 ) operadores desse tipo. Generalizando, temos que há k (k )

operadores lógicos n-ádicos em uma lógica k-valente.


15

Neste ponto há uma outra pergunta interessante que podemos fazer. A cláusula da
definição 1.2.1 para o operador lógico & é tal que esse operador funciona em uma fórmula 
&  de modo semelhante à conjunção ‘e’ em uma sentença da forma ‘p e q’, em que p e q
sejam sentenças quaisquer do português. Podemos nos referir a esse fato dizendo que nossa
noção intuitiva relacionada à palavra ‘e’ do português convém ao operador &. Desse modo,
vamos dizer que a noção intuitiva associada à palavra ‘não’ convém ao operador ~, aquela
associada á palavra ‘ou’ convém ao operador v, a associada à expressão ‘se e somente se’
convém ao operador ↔ e o conceito associado à palavra ‘implica’ convém, mais ou menos, ao
operador →. Nossa questão então é a seguinte: há outras noções intuitivas associadas a outras
palavras ou expressões do português que convenham a algum operador n-ádico diferente dos
cinco que aparecem na definição 1.2.1? Essa obviamente não é uma questão formal, que possa
ser tratada de modo rigoroso, mas ela pode receber uma resposta que provavelmente vai ser
considerada razoável por qualquer falante competente do português.
Para responder a questão que formulamos no parágrafo precedente podemos começar
considerando que, em línguas naturais, não costumamos formular sentenças compostas com
relações de verdade ternárias, ou de qualquer aridade superior a 2. Sendo assim, vamos
considerar apenas os operadores lógicos monádicos e binários. Sabemos que há 4 operadores
monádicos e 16 binários em lógicas bivalentes. A tabela abaixo lista os 16 operadores
binários.

  1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16


11 1 1 1 1 0 1 1 0 0 1 0 0 0 0 1 0
10 1 1 1 0 1 1 0 0 1 0 1 0 0 1 0 0
01 1 1 0 1 1 0 0 1 1 1 0 0 1 0 0 0
00 1 0 1 1 1 0 1 1 0 0 1 1 0 0 0 0

Obviamente 2 = v, 4 = →, 7 = ↔ e 15 = &. Mais fácil que tomar cada um dos


operadores restantes e tentar encontrar uma noção intuitiva que lhe convém é fazer o oposto,
isto é, considerar determinados conceitos intuitivos e tentar encontrar os operadores aos quais
esses conceitos convém. Para começar, vamos considerar o conceito associado associado à
palavra ‘ou’. Quando proferimos uma sentença do tipo ‘p ou q’ em português, nem sempre
queremos dizer que ocorre p ou ocorre q ou ambos, como sugere a tabela de verdade para o
operador v, em que uma fórmula  v  somente é falsa quando ambas  e  são falsas. Às
16

vezes, ao proferir uma sentença do tipo ‘p ou q’ queremos dizer que ocorre p ou ocorre q, mas
não ambos. Costuma-se dizer que este último é um uso exclusivo da palavra portuguesa ‘ou’,
ao passo que o anterior é um uso inclusivo dessa palavra. Assim, temos que o que convém ao
operador v é a noção intuitiva associada ao uso inclusivo de ‘ou’. Algum dos 16 operadores
da tabela acima convém ao uso exclusivo de ‘ou’? O operador 9 é tal que uma fórmula 9 (,
) é verdadeira precisamente quando somente  é verdadeira ou quando somente  é
verdadeira, de modo que claramente o conceito associado ao uso exclusivo de ‘ou’ convém a
9. Em alguns materiais de lógica o operador 9 é representado pela notação ‘w’, de modo que
podemos escrever uma fórmula 9 (, ) na forma  w .
Duas outras expressões portuguesas que utilizamos para construir sentenças compostas
cujo valor de verdade depende das sentenças componentes são ‘é incompatível com’ e ‘nem...
nem’. No caso de uma sentença do tipo ‘p é incompatível com q’, consideramos que é falsa no
caso de as sentenças componentes poderem ser ambas verdadeiras. Isso quer dizer que, ao que
parece, o conceito intuitivo associado à expressão ‘é incompatível com’ convém a algum
operador da lógica modal, que lida com noções como a de possibilidade. No entanto, podemos
dizer que a noção intuitiva de incompatibilidade convém, mesmo que de modo imperfeito, ao
operador 5 da tabela acima, que é tal que uma fórmula 5 (, ) é falsa apenas quando ambas
 e  são verdadeiras. Esse operador costuma ser representado com a notação |, de modo que
uma fórmula 5 (, ) pode ser escrita na forma  | . Já sentenças do tipo ‘nem p nem q’ são
obviamente consideradas verdadeiras apenas quando ambas as sentenças componentes p e q
são falsas, de modo que a noção intuitiva em questão claramente convém ao operador 12 da
tabela acima. Para esse operador é costume utilizar a notação , de modo que fórmulas da
forma 12 (, ) podem ser escritas na forma   .
Não parece haver outras noções intuitivas relacionadas aos operadores binários
restantes. Contudo, notando que alguns desses operadores dão para fórmulas compostas
mediante a sua utilização valores opostos aos dados por um outro operador nas mesmas
valorações, podemos dizer que a esses operadores convém as noções das negações do seus
“opostos”. Por exemplo, o operador 14 é tal que uma fórmula da forma 14 (, ) é verdadeira
exatamente quando  →  é falsa e vice-versa. Assim, podemos dizer que a noção intuitiva
associada às palavras ‘não implica’ convém a 14, mas de modo tão imperfeito, é claro, quanto
a noção intuitiva associada à palavra ‘implica’ convém a →. Além de → e 14, outros pares de
operadores “opostos” são & e |, v e  e ↔ e w, todos operadores aos quais já associamos
determinadas noções intuitivas. Aos operadores restantes parece não estar associada nenhum
17

conceito intuitivo, de forma que devemos considerá-los como operadores lógicos puramente
“técnicos”. Esse é o caso de 1, um operador que, ao relacionar duas fórmulas  e  sempre
produz uma tautologia, e também o de seu oposto 16, que produz sempre uma contradição ao
associar quaisquer duas fórmulas  e . Esses operadores podem ser representados,
respectivamente, pelo símbolos T e . O operador 6 é tal que uma fórmula 6 (, ) tem
sempre o valor de , e seu oposto 8 é tal que uma fórmula 8 (, ) tem sempre o valor
oposto ao de , de modo que podem ser chamados, respectivamente, de identidade de  e
oposto de . Os operadores identidade de  e oposto de  são, então, os operadores 10 e 11,
respectivamente. Restam apenas os operadores 3 e seu oposto 13. Uma fórmula 3 (, ) é tal
que v (3 (, )) = v ( → ) para toda valoração v, e isso torna natural o fato de que 3
costuma ser representado com a notação ←. O operador ← é bastante utilizado na linguagem
de programação PROLOG.
No caso dos operadores monádicos, ~ é o único ao qual convém uma noção intuitiva,
que é a de negação. Os outros três operadores monádicos são versões monádicas dos
operadores T,  e identidade de . Assim, mesmo se nos restringirmos ao uso dos operadores
aos quais convém alguma idéia intuitiva, temos um número razoável de operadores lógicos, o
que pode complicar a sintaxe de sistemas formais do tipo de Dn4. Um sistema formal com os
operadores de Dn e mais |,  e w teria de possuir 16 regras de inferência. E um tal sistema
com uma linguagem formal que incluísse todos os operadores lógicos n-ádicos, para qualquer
n, teria de possuir um número infinito de postulados. Neste ponto podemos então levantar
mais uma questão interessante: há algo que podemos exprimir mediante o uso de um operador
n-ádico qualquer, para n > 2, que não podemos exprimir mediante o uso de operadores
monádicos e binários apenas? Uma formulação mais exata para essa questão é a seguinte: o
conjunto dos operadores n-ádicos com n  2 é funcionalmente completo com relação ao
conjunto de todos os operadores n-ádicos, para qualquer n natural? Na realidade, podemos
demonstrar um resultado mais forte que esse. Vamos, na seqüência, demostrar que {&, v, ~} é
funcionalmente completo com relação ao conjunto de todos os operadores n-ádicos, para
qualquer n natural.
Seja  um operador lógico n-ádico qualquer; vamos estender a definição 1.2.1 de
modo que a mesma inclua a seguinte cláusula:

4
Cf. seção 1.3.
18

vi) v ( ((1, 2, ..., n)) = k para vi = (k1; k2; ..., kn), para cada i tal que 1  i  2n, e para cada
n-upla ordenada (k1; k2; ..., kn)  {0; 1}n, sendo que vi = (k1; k2; ..., kn) sse v (j) = kj para
qualquer j tal que 1  j  n, e sendo que k, kj  {0; 1}
vamos denotar por V ao conjunto de todas as valorações e vamos definir uma função f de
L(A) X V em L(A) para o efeito de que tenhamos f (, v) =  se v () = 1 e f (, v) = ~ se v
() = 0; além disso, dada uma fórmula  qualquer da forma  (1, 2, ..., n) e uma n-upla
ordenada (k1; k2; ..., kn) do tipo mencionado em vi) acima, vamos dizer que uma valoração v
qualquer é associada a (k1; k2; ..., kn) com respeito a  caso tivermos v (j) = kj para qualquer
j tal que 1  j  n; agora, vamos considerar uma fórmula qualquer da forma  (1, 2, ..., n);
tomemos as n-uplas ordenadas vi = (k1; k2; ..., kn) tais que v ( ((1, 2, ..., n)) = 1 para
qualquer valoração v associada a vi com relação a  ((1, 2, ..., n); suponha-se que haja m
dessas n-uplas; vamos denotar por p, com 1  p  m, à fórmula f (1, v) & f (2, v) & ... & f
(n, v)5, sendo v qualquer valoração associada a vi com respeito a  (1, 2, ..., n); agora,
tome-se a fórmula  = 1 v 2 v ... v m; vamos demostrar que  ((1, 2, ..., n) e  são
equivalentes; i) vamos começar considerando os casos de valorações v tais que v ( ((1,
2, ..., n)) = 1; cada uma dessas valorações está associada, com respeito a  (1, 2, ..., n), a
uma determinada n-upla vi = (k1; k2; ..., kn), o que significa que v (j) = kj para 1  j  n; i.a)
suponha-se que kj = 1; então f (j, v) = j, e nesse caso v (f (j, v)) = v (j) = kj = 1; i.b) agora
vamos supor que kj = 0, então f (j, v) = ~j, e como v (j) = kj = 0, temos que v (~j) = 1, isto
é, v (f (j, v)) = 1; mas, nesse caso, v (f (1, v) & f (2, v) & ... & f (n, v)) = 1, o que significa
que existe um p tal que v (p) = 1, e sendo assim v () = 1; ii) agora consideremos os casos de
valorações w tais que w ( ((1, 2, ..., n)) = 0; essas valorações diferem de cada uma das
valorações v do caso i) no sentido de que w (j) ≠ v (j) para pelo menos um j tal que 1  j 
n; assim, ii.a) se w (j) = 1, então v (j) = 0, f (j, v) = ~j e v (f (j, v)) = 1, enquanto w (f (j,
v)) = 0; assim sendo v (f (1, v) & f (2, v) & ... & f (n, v)) = 0, e ii.b) se w (j) = 0, então v
(j) = 1, f (j, v) = j e v (f (j, v)) = 1, enquanto w (f (j, v)) = 0; de novo v (f (1, v) & f (2,
v) & ... & f (n, v)) = 0; como cada uma das m n-uplas vi a partir das quais construímos cada
disjunto p de  está associada a um dado conjunto de nossas valorações v, temos não há
nenhum p tal que w (p) = 1, e sendo assim w () = 0; logo,  (1, 2, ..., n) e  são
equivalentes dado o conceito de equivalência entre fórmulas que definimos mais acima. Como
 é um operador n-ádico qualquer, e  é uma fórmula em que ocorrem apenas os operadores

5
A colocação de parênteses é desnecessária, já que a conjunção é associativa.
19

&, v e ~, o resultado do que acabamos de demonstrar é que {&, v, ~} é um conjunto de


operadores lógicos funcionalmente completo com relação ao conjunto de todos os operadores
lógicos.

EX. 1.2.5: Considere-se um operador tetrádico (4-ádico) , e acrescente-se à definição 1.2.1 a


cláusula:
vi) v ( ((1, 2, 3, 4)) = 1 para v1 = (1; 1; 1; 1), para v2 = (1; 0; 0; 1) e para v3 = (0; 0; 0; 1);
v ( ((1, 2, 3, 4)) = 0 para as restantes 13 quádruplas (k 1; k2; k3; k4)  {0; 1}4; sendo que vi
= (k1; k2; k3; k4), 1  i  16, sse v (j) = kj para qualquer j tal que 1  j  4.
Podemos representar o conteúdo de vi) através da tabela de verdade de , do seguinte modo:
     (, , , )
v1 1 1 1 1 1
v2 1 0 0 1 1
v3 0 0 0 1 1
v4 1 1 1 0 0
v5 1 1 0 1 0
v6 1 1 0 0 0
v7 1 0 1 1 0
v8 1 0 1 0 0
v9 1 0 0 0 0
v10 0 0 0 0 0
v11 0 1 1 1 0
v12 0 1 1 0 0
v13 0 1 0 1 0
v14 0 1 0 0 0
v15 0 0 1 1 0
v16 0 0 1 0 0
Vamos tomar as quádruplas ordenadas tais que v ( (, , , )) = 1 para toda valoração v
associada com respeito a  (, , , ), ou seja, v1 = (1; 1; 1; 1), v2 = (1; 0; 0; 1) e v3 = (0; 0; 0;
1); i) comecemos considerando as valorações v associadas a v1 com respeito a  (, , , );
como v () = v () = v () = v () = 1, temos que f (, v) = , f (, v) = , f (, v) =  e f (, v) =
; nesse caso, 1 =  &  &  & ; ii) vamos considerar agora as valorações v associadas a v2
com respeito a  (, , , ); como v () = v () = 1 e v () = v () = 0, temos que f (, v) = ,
20

f (, v) = ~, f (, v) = ~ e f (, v) = ; nesse caso, 2 =  & ~ & ~ & ; iii) vamos por fim
considerar as valorações v associadas a v3 com respeito a  (, , , ); como v () = v () = v
() = 0 e v () = 1, temos que f (, v) = ~, f (, v) = ~, f (, v) = ~ e f (, v) = ; assim, 3 =
~ & ~ & ~ & ; temos, portanto, que  = ( &  &  & ) v ( & ~ & ~ & ) v (~ &
~ & ~ & ); para demostrar que  (, , , ) e  são equivalentes, basta construir a tabela
de verdade de  e verificar que v ( (, , , )) = v () para qualquer valoração v, mas vamos
fazer essa demonstração seguindo a prova geral de equivalência que demos acima; i) vamos
começar considerando os casos de valorações v tais que v ( (, , , )) = 1; cada uma dessas
valorações está associada, com respeito a  (, , , ), a uma e apenas uma das quádruplas v1,
v2 ou v3; i.a) quando kj = 1 temos f (j, v) = j, e nesse caso v (f (j, v)) = v (j) = kj = 1; esse é
o caso de k4 em v3, e. g., de modo que v (f (, v)) = v () = k4 = 1; i.b) quando kj = 0, temos f
(j, v) = ~j, e como v (j) = kj = 0, temos que v (~j) = 1, isto é, v (f (j, v)) = 1; esse é, e. g.,
o caso de k2 em v2, de modo que f (, v) = ~, e como v () = k2 = 0, temos que v (~) = 1, isto
é, v (f (, v)) = 1; desse modo, v (f (1, v) & f (2, v) & f (3, v) & f (4, v)) = 1, donde se
conclui que, para cada uma das valorações v sob consideração, v (1) = 1, ou v (2) = 1, ou v
(3) = 1; sendo assim, temos que v () = 1 para cada uma dessas valorações; ii) agora
consideremos os casos de valorações w tais que w ( (, , , )) = 0; essas valorações
diferem de cada uma das valorações v do caso i) no sentido de que w (j) ≠ v (j) para pelo
menos um j tal que 1  j  4; assim, ii.a) se w (j) = 1, então v (j) = 0, f (j, v) = ~j e v (f
(j, v)) = 1, enquanto w (f (j, v)) = 0; esse é o caso, por exemplo, w () no caso de valorações
w associadas a v4 com relação a  (, , , ); como w () = 1, e v () = v () = 0 para o caso de
valorações v associadas a v2 ou a v3 com relação a  (, , , ), temos que w () ≠ v () neses
casos; daí se segue que f (, v) = ~ e v (f (, v)) = 1, enquanto w (f (, v)) = 0; assim sendo, v
(f (, v) & f (, v) & f (, v) & f (, v)) = 0, quando v for uma valoração associada a v2 ou a v3
com relação a  (, , , ); ii.b) mas se v for uma valoração associada a v1 com relação a 
(, , , ), teremos w () = v (); no entanto, como nos casos sob consideração w () = 0 e v
() = 1, teremos w () ≠ v (), e é claro que qualquer de nossas valorações w, associadas a
uma das quádruplas v4-v16, difere no valor dado a j por qualquer das valorações v associadas
a uma das quádruplas v1-v3 para pelo menos um j  {1; 2; 3; 4}; ora, se w (j) = 0, então v
(j) = 1, f (j, v) = j e v (f (j, v)) = 1, enquanto w (f (j, v)) = 0; como w () = 0 dadas as
valorações w sob consideração, temos que v () = 1, f (, v) =  e v (f (, v)) = 1, enquanto w
(f (, v)) = 0; de novo v (f (, v) & f (, v) & f (, v) & f (, v)) = 0, dadas agora as valorações
21

associadas a v1 com relação a  (, , , ); como cada uma das 3 quádruplas v1, v2 e v3 a partir
das quais construímos os disjunto 1, 2 e 3 de  está associada a um dado conjunto de nossas
valorações v, temos não há nenhum p  {1; 2; 3} tal que w (p) = 1 dadas as valorações w
associadas a v4, o mesmo valendo, é claro, para aquelas associadas a v5-v16; sendo assim w ()
= 0 dadas todas essas valorações; temos, pois, que  (, , , ) e  são equivalentes dado o
conceito de equivalência tal como foi definido mais acima.

Assim, podemos responder à pergunta que fizemos antes, concluindo que a infinidade
de operadores n-ádicos definíveis em uma lógica bivalente, além de nossos cinco operadores
tradicionais, é supérflua no sentido semântico de que não há nada que possamos exprimir por
meio daqueles operadores que não podemos exprimir mediante o uso exclusivo dos
operadores tradicionais. Melhor ainda do que isso, podemos utilizar apenas os operadores &,
v e ~ para exprimir o que quer que seja exprimível mediante o uso de qualquer operador
lógico n-ádico, para qualquer n natural. Como {~, &}, por exemplo, é funcionalmente
completo com relação a (&, v, ~}, temos, na realidade, que & e ~ são suficientes para
exprimir qualquer coisa exprimível mediante o uso de qualquer operador lógico n-ádico, para
qualquer n natural. Aqui então temos uma outra questão interessante a propor: a menor
cardinalidade de um conjunto de operadores funcionalmente completo com relação ao
conjunto de todos os operadores em uma lógica bivalente é igual a 2, ou podemos encontrar
algum conjunto unitário de operadores que fosse funcionalmente completo com relação ao
conjunto de todos os operadores em uma lógica bivalente? A resposta é que os conjuntos {|} e
{} são funcionalmente completos com relação ao conjunto de todos os operadores em uma
lógica bivalente, além de outros inúmeros conjuntos unitários de operadores n-ádicos
semelhantes a | e , mas com n > 2. Para verificar isso, como já sabemos que {~, &} e {~, v}
são funcionalmente completos com relação ao conjunto de todos os operadores em uma lógica
bivalente, basta mostrar que {|} e {} são funcionalmente completos com relação a qualquer
um desses conjuntos.
Comecemos com {|}. É fácil verificar que qualquer fórmula da forma ~ é equivalente
a uma outra da forma  | , e que qualquer fórmula da forma  &  é equivalente a uma outra
da forma ( | ) | ( | ), o que quer dizer que {|} é funcionalmente completo com relação a
{~, &}. Também é fácil verificar que qualquer fórmula da forma ~ é equivalente a uma
outra da forma   , e que qualquer fórmula da forma  v  é equivalente a uma outra da
forma (  )  (  ), donde se conclui que {} é funcionalmente completo com relação a
22

{~, v}. Esse resultado surpreendente mostra só precisamos, de fato, de um operador lógico, |,
por exemplo, para desenvolver todo o cálculo sentencial. A questão final a fazer é: é
conveniente de um ponto de vista prático, trabalhar com um único operador lógico? Para
responder, basta tomar uma fórmula da qual temos uma intuição simples, como ~ (P ↔ Q), e
substituí-la por sua equivalente que só possui ocorrência de | (exercício 1.2.5). A fórmula em
questão é demasiado longa. No extremo oposto, podemos substituir fórmulas muito longas
que utilizam os cinco operadores tradicionais por fórmulas curtas quando permitimos o uso de
qualquer operador lógico. Um exemplo é qualquer fórmula da forma  (, , , ) do ex.
1.2.5, que substitui uma fórmula razoavelmente longa que utiliza os operadores tradicionais.
Mas se, por um lado, temos uma intuição clara do sentido de uma fórmula da forma ( &  &
 & ) v ( & ~ & ~ & ) v (~ & ~ & ~ & ), a despeito de seu comprimento, não
temos intuição nenhuma do sentido de fórmulas da forma  (, , , ). Além disso, admitir
muitos operadores lógicos implica em complicar nossas definições semânticas, como a
definição de valoração, que deverá possuir uma cláusula distinta para cada operador, e
também implica em complicar a construção de sistemas formais do tipo de Dn, em que temos
sempre duas regras de inferência para cada operador. Assim, do ponto de vista da praticidade,
o melhor mesmo parece ser a manutenção dos cinco operadores tradicionais apenas, ou,
melhor ainda, trabalhar com o número de operadores que for mais conveniente em cada
situação específica.

Exercício 1.2.5: Reescreva cada uma das seguintes fórmulas de L(A +) (o resultado de se
acrescentar a L(A) todas as fórmulas com qualquer operador n-ádico resultantes do acréscimo,
na definição 1.2.1, de cláusulas do tipo de vi) na prova de completude funcional dada mais
acima) em L(A), isto é, substitua cada uma delas por fórmulas equivalentes que só utilizem
operadores do conjunto {&, v, →, ↔, ~}.
a) (P w ~Q) → ~ (R  ~ ((P | ~Q), ~ (~R ← P), ~ (~ (Q  ~S) ← R); (P  (~Q |R)))); onde 
é o operador lógico do exemplo 1.2.5
b) P T (Q  R)
c) P  (~Q ↔ (R | ~Q))

Exercício 1.2.6: Reescreva cada uma das seguintes fórmulas de L(A) em L(A) e, depois, em
L(A|)’ (o resultado, respectivamente, de se eliminar da definição 1.2.1 as cláusulas ii) e iii), e
de se acrescentar a ela uma cláusula do tipo de vi) na prova de completude funcional dada
23

mais acima para o operador , e para o operador |, mantendo as interpretações sugeridas para
os mesmos em tabela de verdade proposta mais acima), isto é, substitua cada uma delas por
fórmulas equivalentes que só utilizem operadores do conjunto {}, e depois do conjunto {|}.
a) ~ (P ↔ Q)
b) (P v ~Q) → ~ (~R & P)
c) ~ (R ↔ (~Q v P))

1.3. SINTAXE II

Como vimos na seção 1.2, dadas as definições de tautologia e consequência lógica,


podemos verificar, utilizando a noção de valoração, se uma fórmula  qualquer de L(A) é
uma tautologia, ou se  é uma consequência lógica de um conjunto  qualquer de fórmulas de
L(A). Uma vez que esses conceitos são definidos com base na noção de valoração, e esta, por
sua vez, é definida com base na noção de valor de verdade de uma fórmula, os conceitos em
questão têm natureza semântica. Entretanto, há contrapartes puramente sintáticas desses
conceitos. Isso quer dizer que é possível verificar se uma fórmula é uma consequência lógica
de um conjunto de fórmulas, ou se é uma tautologia, atentando unicamente à forma de tal
fórmula, e, no primeiro caso, também das fórmulas do conjunto em questão.
Entretanto, a rigor, esses conceitos sintáticos são completamente distintos de suas
contrapartes semânticas. De fato, as definições que daremos para tais conceitos, como se pode
conferir na sequência, não estão relacionadas com aquelas de suas contrapartes semânticas em
nenhum sentido óbvio. Nesse caso, ao verificar que uma fórmula é uma consequência lógica
de um conjunto de fórmulas no sentido sintático, isso não significa, em princípio, que essa
fórmula é uma consequência lógica desse conjunto de fórmulas no sentido semântico. Mas,
nesse caso, em que sentido esses conceitos são contrapartes um do outro? Como veremos na
seção 1.4, é possível provar que uma fórmula  é uma consequência lógica de um conjunto de
fórmulas  no sentido sintático (em determinados sistemas formais) se e somente se  é uma
consequência lógica de  no sentido semântico, e que uma fórmula  é uma tautologia se e
somente se  for um teorema de determinados sistemas formais, que é a contraparte sintática
do conceito de tautologia.

DEF. 1.3.1: Um conjunto de axiomas para uma linguagem formal L é um subconjunto


qualquer de L.
24

DEF. 1.3.2: Um conjunto de regras de inferência para uma linguagem formal L é um


subconjunto qualquer de Ln x L, n < , isto é, um conjunto de relações entre n-uplas de
fórmulas de L e fórmulas de L.

DEF. 1.3.3: Um conjunto de postulados para uma linguagem formal L é AX  RI, onde AX é
um conjunto de axiomas para L e RI é um conjunto de regras de inferência para L.

DEF. 1.3.4: Um sistema formal é um par-ordenado (L, P), onde L é uma linguagem formal, e
P é um conjunto de postulados para L.

DEF. 1.3.5: Seja  um conjunto de fórmulas de uma linguagem formal L,  uma fórmula de L
e F = (L, PF) um sistema formal, sendo P F = AXF  RIF; então, uma dedução de  a partir de
 em F é uma seqüência 1, 2, ..., n de fórmulas de L, n < , tal que n = , e, para cada i, 1
 i  n, i  , ou i  AXF, ou i foi obtida de fórmulas anteriores na seqüência, por meio de
aplicação de uma regra de inferência de RI F, ou seja, há uma sequência  ,  , ...,  j1 j2 jm de
fórmulas extraídas da sequência 1, 2, ..., i-1, tal que ((  ,  , ...,  ), i)  RIF.
j1 j2 jm

DEF. 1.3.6: Seja  um conjunto de fórmulas de uma linguagem formal L,  uma fórmula de L
e F = (L, PF) um sistema formal; então, dizemos que  é uma conseqüência lógica de  em F
(em símbolos: ├F )6 sse há uma dedução de  a partir de  em F.

DEF. 1.3.7: Seja  uma fórmula de uma linguagem formal L e F = (L, PF) um sistema formal,
sendo PF = AXF  RIF; então, uma prova de  em F é uma seqüência 1, 2, ..., n de fórmulas
de L, n < , tal que n = , e, para cada i, 1  i  n, i  AXF, ou i foi obtida de fórmulas
anteriores na seqüência, por meio de aplicação de uma regra de inferência de RI F, ou seja, há
uma sequência  ,  , ..., 
j1 j2 jm de fórmulas extraídas da sequência 1, 2, ..., i-1, tal que ((
j , j , ..., j ), i)  RIF.
1 2 m

DEF. 1.3.8: Seja  uma fórmula de uma linguagem formal L e F = (L, PF) um sistema formal;
então, dizemos que  é um teorema em F (em símbolos:├F ) sse há uma prova de  em F.
6
Nas situações em que estiver claro o sistema formal no qual se está trabalhando, pode-se escrever simplesmente
├, em vez de ├F.
25

TEO. 1.3.1: Seja  uma fórmula de uma linguagem formal L e F = (L, PF) um sistema formal;
├F  sse ├F .
Prova: Suponha-se que ├F , segue-se que há uma prova de  em F, ou seja, há uma
seqüência 1, 2, ..., n de fórmulas de L, n < , tal que n = , e, para cada i, 1  i  n, i 
AXF, ou i foi obtida de fórmulas anteriores na seqüência, por meio de aplicação de uma regra
de inferência de RIF; mas isso é o mesmo que dizer que há uma seqüência 1, 2, ..., n de
fórmulas de L, n < , tal que n = , e, para cada i, 1  i  n, i  , oui  AXF, ou i foi
obtida de fórmulas anteriores na seqüência, por meio de aplicação de uma regra de inferência
de RIF, donde se segue que ├F ; a obtenção de ├F  a partir de ├F  segue o mesmo
raciocínio, como é óbvio.

O sistema formal M

Seja M o seguinte sistema formal:


M = (L(A-), PM)
A- = A - {v; &; ↔}
PM = AXM  RIM
AXM = {(  (  )), ((  (  ))  ((  )  (  ))), ((~  ~)  ((~ 
)  ))}, onde ,  e  são fórmulas quaisquer de L(A)
RIM = {(( (  ), ), }, onde e  são fórmulas quaisquer de L(A)

Portanto, M possui um conjunto infinito de axiomas e um conjunto infinito de regras de


inferência. Contudo, todos os axiomas de M se encaixam em um dos seguintes esquemas de
axiomas:
AX1: (  (  ))
AX2: ((  (  ))  ((  )  (  )))
AX3: ((~  ~)  ((~  )  ))

Quanto às regras de inferência, todas se encaixam no seguinte esquema de regras de


inferência, a que chamaremos modus ponens:
MP: (( (  ), ), )
26

ou, em forma de operação:


(  )


Nasfórmulas da forma (  ), dispensaremos o uso do primeiro e último parênteses, e


escreveremos   . Assim, por exemplo, escreveremos P  ~ (P  Q), em vez de (P  ~
(P  Q)). Além disso, as seguintes abreviações serão usadas:  v  para abreviar ~  ,
 &  para abreviar ~ (  ~), e    para abreviar (  ) & (  ).

Exemplo 1.3.1
Como exemplo de uma dedução em M, vamos mostrar que há uma dedução de  a
partir de {, ~} em Mpara quaisquer fórmulas ,   L(A).

1)  P
2) ~ P
3)   (~  ) AX1
4) ~  (~  ~) AX1
5) ~   1,3 MP
6) ~  ~ 2,4 MP
7) (~  ~)  ((~  )  ) AX3
8) (~  )   6,7 MP
9)  5, 8 MP

Nesse exemplo, em vez de apenas apresentarmos a seqüência de fórmulas na qual


consiste a dedução apresentada, dispusemos as fórmulas da seqüência em uma coluna
numerada à esquerda da página, e à direita da página indicamos, para os axiomas, em que
esquema de axiomas cada um se encaixa e, para as fórmulas obtidas por MP, em que linhas se
encontram as fórmulas das quais cada uma foi obtida. No caso das duas fórmulas do conjunto
de fórmulas do qual a dedução parte, nós as rotulamos com a letra ‘P’, para indicar que são as
premissas da dedução.
27

Exemplo 1.3.2
Agora, vamos dar um exemplo de uma prova em M, demonstrando que P  P é um
teorema de M.

1) (P  ((P  P)  P))  ((P  (P  P))  (P  P)) AX2


2) P  ((P  P)  P) AX1
3) (P  (P  P))  (P  P) 1,2 MP
4) P  (P  P) AX1
5) P  P 3,4 MP

Para demonstrar algumas deduções e para provar alguns teoremas em M, por vezes
será conveniente – embora não necessário – obter uma dedução de outra dedução. Para tanto,
vamos demonstrar o seguinte resultado metateórico sobre M, ao qual vamos chamar de
teorema da dedução.

TEOREMA DA DEDUÇÃO: As deduções em M são tais que de uma dedução   {}├ 


podemos obter a dedução ├  → .
Prova: Seja  = {1, ..., n}, para algum n < , então temos por hipótese que 1, ..., n ,  ├ 7;
representemos essa dedução por 1, 2, ..., m, m < ; temos então, por definição de dedução,
que para todo i, 1  i  m, ├  → i; de fato, a definição de dedução nos diz que ou i  ,
ou i  AXM, ou i foi obtida de fórmulas anteriores a ela na seqüência 1, 2, ..., m, por meio
da aplicação de regras pertencentes a RIM; consideremos cada caso:
i) i   ou i  AXM; i → ( → i) é uma instância de AX1; logo, temos daí por MP que 
→ i;
ii) i foi obtida de fórmulas anteriores a ela na seqüência 1, 2, ..., m, mediante aplicação de
MP; temos então que, para algum número natural j e algum número natural k, j, k < i, j = k
→ i; assuma-se como hipótese indutiva que ├  → r, para todo r < i; segue-se que ├ 
→ j, isto é, que ├  → (k → i), e que ├  → k; ora, como ( → (k → i)) → (( →
k) → ( → i)) é uma instância de AX 2, temos por MP que ├ ( → k) → ( → i), donde,
novamente por MP, se segue que ├  → i; temos então por indução completa sobre i que
├  → i;

7
Vamos adotar a notação 1, ..., n├  como abreviação para {1, ..., n}├ .
28

ora, como por definição de dedução m = , temos que ├  →  é um caso particular do que
acabamos de provar.

Exercício 1.3.1
Prove que as seguintes fórmulas de L(A) são teoremas no sistema formal M.
a) (P  Q)  ((Q  R)  (P  R))
b) (P  (Q  R))  (Q  (P  R))
c) ~~P  P
d) (~Q  ~P)  (P  Q)
e) P  ((P  Q)  Q)

O sistema formal Dn

Seja Dn o seguinte sistema formal, no qual valem as convenções notacionais especificadas


para o sistema formal M, com exceção das abreviações:
Dn = (L(A), PDn)
PDn = AXDn  RIDn
AXDn = 
RIDn = {((, ), &  ( & , ( & , (, v (,  v ), (( v , ,
),), ((  ,   ),   ), (  ,   ), (  ,   ), ( {}├ , ├
  ), ((  , ), ), (~~, ), ( {}├  & ~, ├ ~)}, onde é um conjunto de
fórmulas de L(A’), e , ,  e são fórmulas de L(A).

Portanto, Dn não possui nenhum axioma, e possui um conjunto infinito de regras de


inferência, sendo que o conceito de regra de inferência foi ampliado para admitir pares
ordenados cujos membros são deduções. Todas as regras de inferência de Dn se encaixam em
um de treze esquemas de regras de inferência, que podem ser apresentados em forma de
operações, da seguinte maneira:


&
A esse esquema vamos chamar ‘introdução da conjunção’, e vamos usar a notação I& para
nos referirmos a ele.
29

 &  & 



Esses esquemas serão chamados conjuntamente de ‘eliminação da conjunção’, e vamos nos
referir a eles com a notação E&.


 v  v 
Esses esquemas serão chamados conjuntamente de ‘introdução da disjunção’, e vamos nos
referir a eles com a notação Iv.

v

 _

Esse esquema será chamado ‘eliminação da disjunção’, e vamos nos referir a ele com a
notação Ev.




Esse esquema será chamado ‘introdução do bicondicional’, e vamos nos referir a ele com a
notação I.

    

Esses esquemas serão chamados conjuntamente de ‘eliminação do bicondicional’, e vamos
nos referir a eles com a notação E.

 {}├ __


├   
30

Esse esquema será chamado ‘prova condicional’ (ou introdução da implicação), e vamos nos
referir a ele com a notação PC (ou I).




Esse é o esquema de ‘modus ponens’, que ocorre no sistema formal M (que podemos também
chamar de eliminação da implicação), e vamos nos referir a ele com a notação MP (ou E).

  {}├ &~__
├ ~
Esse esquema será chamado ‘redução ao absurdo’ (ou introdução da negação), e vamos nos
referir a ele com a notação RAA (ou I~).

~~_

Esse esquema será chamado ‘eliminação da negação’, e vamos nos referir a ele com a notação
E~.

Note-se que Dn possui os operadores lógicos v, & e ↔ como primitivos, de modo que,
em Dn, uma fórmula como  &  não é entendida como uma abreviação para ~ ( → ~),
como ocorre em M. Isso quer dizer que, enquanto em M o teorema ~ ( → ~) → ( & ) é
na realidade uma instância do teorema  → , com a abreviação de ~ ( → ~) usada no
conseqüente, em Dn ~ ( → ~) → ( & ) é um teorema essencialmente diferente de  → .
De fato, para provar ~ ( → ~) → ( & ) em M, apenas provamos ~ ( → ~) → ~ ( →
~), que é uma instância de  → , e substituímos o conseqüente dessa implicação por sua
abreviação ( & ), o que obviamente não é uma aplicação de nenhum postulado de M. Já
para provar ~ ( → ~) → ( & ) em Dn temos que mostrar que ( & ) se segue de uma
hipótese ~ ( → ~) pela aplicação das regras de inferência de RIDn, já que em L(A) ( & ) é
uma fórmula primitiva, e não uma abreviação para ~ ( → ~). É fácil mostrar que qualquer
fórmula  ↔  de L(A) – em que  é a abreviação utilizada em L(A-) para , ou em que  é a
abreviação utilizada em L(A-) para  – é um teorema de Dn, o que torna possível que M e Dn
31

sejam sistemas formais equivalentes, como vamos provar mais abaixo, no sentido de que todo
teorema de M é um teorema de Dn e vice-versa, a despeito do fato de que M e Dn utilizam
linguagens formais diferentes.
Convém ainda notar que o teorema da dedução permite que se obtenha em M os
mesmos resultados que obtemos em Dn mediante o uso da regra de prova condicional. É
possível também provar que, em M, de uma dedução de  & ~ a partir de   {} pode-se
obter uma dedução de ~ a partir de 8. Isso nos permite concluir que também podemos obter
em M os mesmos resultados que obtemos em Dn com o uso da regra de redução ao absurdo.
Contudo, enquanto toda dedução obtida em M a partir de uma dedução anterior pode ser
obtida diretamente, isto é, sem recurso a resultados metateóricos como o teorema da dedução,
há em Dn deduções e provas que não podem ser obtidas sem recurso a regras como PC e
RAA, que são regras básicas de Dn, assim como é o caso de MP para M. Assim, por exemplo,
se obtenho ├  →  – mediante recurso ao teorema da dedução – de uma dedução anterior
de  a partir de   {}, posso obter →  a partir de  usando apenas os axiomas de M e
MP, do modo que é sugerido na própria demonstração do teorema da dedução. Mas em Dn
eventualmente só será possível obter  →  a partir de  aplicando PC a uma dedução de  a
partir de   {}.

Exemplo 1.3.3
Como exemplo de uma dedução em Dn, vamos mostrar que há uma dedução de P
 R a partir de {P  Q, Q  R} em Dn.

I
1) P  Q P
2) Q  R P
3) P P
4) Q 1,3 MP
5) R 2,4 MP

II - Como I é uma dedução de R a partir de {P  Q, Q  R}  {P} em Dn, temos, por PC,


que há uma dedução de P  R a partir de {P  Q, Q  R} em Dn.

8
Cf. pg. 25 abaixo.
32

A dedução de P  R a partir de {P  Q, Q  R}, acima, claramente não está de


acordo com a definição de dedução dada anteriormente. Isso se deve ao fato de termos
alargado o conceito de regra de inferência em Dn, para permitir que uma dedução possa ser
obtida de outra. Como vimos, esse procedimento também ocorre em M, onde utilizamos o
metateorema da dedução para obter deduções de deduções anteriores, embora em M tal
procedimento seja dispensável. Entretanto, podemos adequar todas as deduções em Dn ao
nosso conceito de dedução, modificando as regras de PC e RAA, bem como a definição de
dedução, da seguinte maneira:
Em primeiro lugar, vamos definir alguns conceitos auxiliares:

DEF. 1.3.9: Uma fórmula  de L(A) é uma hipótese em uma dedução (ou prova) sse, nessa
dedução (ou prova),  não foi obtida de fórmulas anteriores na dedução (ou prova) por
aplicação de uma regra de inferência.

Note-se que já estamos usando o conceito de dedução (ou prova) que será definido a
seguir, o qual, por não ser geral, mas particularizado para o sistema Dnnão admite axiomas.
Portanto, se as hipóteses não são fórmulas obtidas de outras por aplicação de regras de
inferência, isso significa que qualquer fórmula de L(A) pode ser introduzida em uma
demonstração como uma hipótese9.
Na definição seguinte, em vez de falarmos na i-ésima fórmula de uma dedução (ou
prova) com n fórmulas, vamos supor que cada fórmula da dedução (ou prova) está disposta
em uma linha separada, como fizemos nos exemplos dados até aqui, e vamos falar na fórmula
da i-ésima linha de uma dedução (ou prova) com n linhas.

DEF. 1.3.10: Se uma hipótese  ocorre na i-ésima linha de uma dedução (ou prova), então
dizemos que  é uma hipótese descartada na j-ésima linha dessa dedução (ou prova), para
qualquer j  i, sse a k-ésima fórmula da dedução (ou prova) em questão foi obtida por PC ou
RAA aplicada nas linhas i-k, e j ≥ k; se  é uma hipótese não-descartada na j-ésima linha de
uma dedução (ou prova), dizemos que  é uma hipótese vigente nessa linha da dedução (ou
prova).

9
A garantia formal da legitimidade deste e de qualquer outro procedimento utilizado em Dn ou outro sistema
formal é dada pelas provas de correção e consistência de tal sistema formal. No caso de Dn, mostraremos adiante
que é um sistema formal equivalente a M, no sentido de que possui um conjunto de teoremas idêntico ao de M,
que é um sistema formal consistente e correto, como também demonstraremos adiante.
33

PC: Se a r-ésima fórmula de uma dedução ou prova, 1  r  , é uma hipótese , isto é, se a


fórmula em questão não foi obtida das anteriores na seqüência por aplicação de regras de
inferência, então, se  é a r+m-ésima fórmula da dedução ou prova em questão, para qualquer
m < , e a i-ésima fórmula da mesma, para todo i tal que r  i  r+m, não é uma hipótese
vigente na k-ésima linha da dedução ou prova em questão, para todo k  r+m, então podemos
descartar a j-ésima fórmula de nossa dedução ou prova, para todo j tal que r  j  r+m, e obter
   das fórmulas descartadas, por aplicação de PC; o efeito de termos descartado tais
fórmulas é que nenhuma fórmula poderá ser obtida das mesmas na continuação da dedução ou
prova em questão.

RAA: Se a r-ésima fórmula de uma dedução ou prova, 1  r  , é uma hipótese , então, se


uma fórmula da forma & ~ é a r+m-ésima fórmula da dedução ou prova em questão, para
qualquer m < , e a i-ésima fórmula da mesma, para todo i tal que r  i  r+m, não é uma
hipótese vigente na k-ésima linha da dedução ou prova em questão, para todo k  r+m, então
podemos descartar a j-ésima fórmula de nossa dedução ou prova, para todo j tal que r  j 
r+m, e obter ~ das fórmulas descartadas, por aplicação de RAA; o efeito de termos
descartado tais fórmulas é que nenhuma fórmula poderá ser obtida das mesmas na
continuação da dedução ou prova em questão.

DEF. 1.3.11: Seja  um conjunto de fórmulas de L(A), e  uma fórmula de L(A); então, uma
dedução de  a partir de  em Dn é uma seqüência 1, 2, ..., n de fórmulas de L(A), n < ,
tal que n = , e, para cada i, 1  i  n, i  , ou i é uma hipótese descartada, ou i foi
obtida de fórmulas anteriores na seqüência, por meio de aplicação de uma regra de inferência
de RIDn.

Obviamente, a definição modificada de prova segue-se da definição anterior, já que,


independente do sistema formal, há uma prova de uma fórmula  se e somente se há uma
dedução de  partir de .

Exemplo 1.3.4
Como exemplo de uma dedução em Dn satisfazendo nossa definição modificada de
dedução, vamos refazer a dedução do exemplo anterior aplicando PC em sua forma
modificada.
34

1) P  Q P
2) Q  R P
3) P H (PC)
4) Q 1,3 MP
5) R 2,4 MP
6) P  R 3-5 PC

E como exemplo de uma prova em Dn, vamos demonstrar que (P  Q)  ((Q  R)


 (P  R)) é um teorema de Dn.

1) PQ H (PC)
2) QR H (PC)
3) P H (PC)
4) Q 1,3 MP
5) R 2,4 MP
6) PR 3-5 PC
7) (Q  R)  (P  R) 2-6 PC
8) (P  Q)  ((Q  R)  (P  R)) 1-7 PC

Os símbolos ‘H (PC)’, à direita da fórmula da linha 3 no exemplo de dedução, e das


fórmulas das linhas 1, 2 e 3 do exemplo acima indicam que tais fórmulas são hipóteses abertas
para aplicação da regra de PC. Os traços verticais começando em cada uma dessas linhas
indica a vigência da hipótese que se encontra na linha em questão.

Exercício 1.3.2
Demonstre as seguintes asserções:
a) {(P  ~Q) v (Q  R), ~R v ~~S, ~ (~T v S) & Q}├Dn ~P
b) {P v (Q & ~R), P  S, Q  ~T, ~R  O}├Dn (S v ~T) v O
c) {(P & ~Q)  (~Q  R), ~ ((P  Q) v R)}├Dn Q
d) {(R v S) & P)  (~R  T), ~ (P  (~R & ~S)), ~S}├Dn ~T
e) {P v (~Q & R), P  ~S, ~ (~ (~R v Q) v ~~S)}├Dn T
35

Exercício 1.3.3
Prove que as seguintes fórmulas são teoremas de Dn:
a) P v ~P
b) (Q  P) v (~Q  P)
c) P  P
d) P  ((P & Q) v (P & ~Q))
e) (P & ~P)  Q
f) P  (~P  Q)
g) Q  (P v ~P)
h) (P  Q)  ((Q  R)  (P  R))
i) (P v Q)  (((P  R) & (Q  S))  (R v S))
j) ((P & Q)  R)  (P  (Q  R))
k) ((P v Q) & ~P)  Q
l) ~ (P & ~P)
m) ~ (P  ~P)
n) (P & Q)  (Q & P)
o) (P & (Q & R))  ((P & Q) & R)
p) (P v Q)  (Q v P)
q) (P v (Q v R))  ((P v Q) v R)
r) (P & (Q v R))  ((P & Q) v (P & R))
s) (P v (Q & R))  ((P v Q) & (P v R))
t) ~ (P & Q)  (~P v ~Q)
u) ~ (P v Q)  (~P & ~Q)
v) (P  Q)  (~Q  ~P)
w) (P  Q)  ~ (P & ~Q)
x) (P  Q)  ((P & Q) v (~P & ~Q))
y) ~ (P  Q)  ((P & ~Q) v (~P & Q))
z) ~~P  P

Uma vez que um teorema da forma 1 → (2 → (... (n → )... ) tenha sido
demonstrado em Dn, pode-se introduzir uma nova regra de inferência em Dn, com a forma 1,
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2,... , n├ . Diremos que uma tal regra é uma regra derivada de Dn, em oposição ás dez
regras de RIDn, às quais chamaremos de regras básicas de Dn. O que justifica a introdução de
regras derivadas em Dn é o fato de que, se 1 → (2 → (... (n → )... ) é um teorema em Dn,
então podemos obter  em uma dedução em que  = {1,... , n}, como é óbvio, simplesmente
aplicando MP à premissa 1 e ao teorema em questão, e depois ao resultado desse MP e a 2,
e assim por diante, n vezes. Em sendo assim, a partir de um teorema de Dn da forma  ↔ ,
podemos obter duas regras derivadas, uma com a forma ├ , e a outra com a forma ├ ,
ou seja, desde que tenhamos provado  ↔  em Dn, podemos substituir qualquer ocorrência
da fórmula  por  em uma prova ou dedução em Dn, e vice-versa. Note-se que, utilizando o
que acabamos de dizer e E&, podemos mostrar que de um teorema da forma (1 & 2 & ... &
n) →  podemos também obter a regra derivada 1, 2,... , n├ .
Desse modo, ex. 1.1.3 e ou ex. 1.1.3 f nos dá a regra derivada , ~├ , que
denotaremos mediante o uso da notação CT (contradição). Ex. 1.1.3 h nos dá a regra derivada
 → ,  → ├  → , à qual vamos nos referir com a notação SH (silogismo hipotético). Já
ex. 1.1.3 i nos dá a regra  v ,  → ,  → ├  v , a que vamos nos referir com a notação
DC (dilema construtivo). Com base em ex. 1.1.3 k obtemos a regra  v , ~├ . Como (( v
) & ~) →  também é um teorema em Dn,  v , ~├  é também uma regra derivada de
Dn. A qualquer dessas regras vamos nos referir com a notação SD (silogismo disjuntivo). Ex.
1.1.3 n nos dá as regras  & ├  &  e  & ├  & , ás quais vamos nos referir com a
notação CM & (comutativa da conjunção). As regras denotadas por AS & (associativa da
conjunção), têm a forma (( & ) & )├ ( & ( & )) e a forma ( & ( & ))├ (( & ) &
), e são obtidas com base no teorema do ex. 1.1.3 o. Com base no ex. 1.1.3 p obtemos as
regras ( v )├ ( v ) e ( v )├ ( v ), que denotamos por meio da notação CM v
(comutativa da disjunção). O ex. 1.1.3 q nos dá as regras (( v ) v )├ ( v ( v )) e ( v (
v ))├ (( v ) v ), às quais vamos nos referir com a notação AS v (associativa da disjunção).
Com base no ex 1.1.3 r obtemos as regras ( & ( v ))├ (( & ) v ( & )) e (( & ) v (
& ))├ ( & ( v )), que vamos denotar mediante o uso da notação DT & (distributiva da
conjunção). As regras ( v ( & ))├ (( v ) & ( v )) e (( v ) & ( v ))├ ( v ( & )),
às quais vamos nos referir utilizando a notação DT v (distributiva da disjunção), nos são
dadas pelo ex. 1.1.3 s. O ex. 1.1.3 t nos dá as regras ~ ( & )├ (~ v ~) e (~ v ~)├ ~ (
& ), às quais vamos nos referir com a notação DM & (lei de De Morgan aplicada a uma
conjunção negativa). Com a notação DM v (lei de De Morgan aplicada a uma disjunção
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negativa) vamos nos referir às regras ~ ( v )├ (~ & ~) e (~ & ~)├ ~ ( v ), que nos
são dadas pelo ex. 1.1.3 u. Vamos denotar por TR (transposição) as regras ( → )├ (~ →
~) e (~ → ~)├ ( → ), que obtemos do ex. 1.1.3 v. Do ex. 1.1.3 w obtemos as regras (
→ )├ ~ ( & ~) e ~ ( & ~)├ ( → ), às quais vamos nos referir com a notação IM
(implicação material).
As regras que mencionamos no parágrafo precedente são normalmente utilizadas em
deduções e provas em Dn, e os itens do exercício 1.1.3 que nos permitem obter tais regras
foram incluídos nesse exercício com o propósito deliberado de introduzir as regras em
questão. É claro, no entanto, que de qualquer teorema de Dn da forma 1 → (2 → (... (n →
)... ) ou da forma (1 & 2 & ... & n) →  podemos também obter uma nova regra derivada
1, 2,... , n├ . Por exemplo uma regra muito utilizada em livros de lógica básica é a regra
comumente designada como modus tollens (MT), que possui a forma  →  , ~├ ~. Essa
regra é obtida quando provamos em Dn o teorema ( → ) → (~ → ~), ou seja, o lado
direito, por assim dizer, do ex. 1.1.3 v, que nos deu a regra TR. Também podemos obter MT
do teorema (( → ) & ~) → ~, é claro.

Na seqüência, vamos demonstrar que os sistemas formais M e Dn são equivalentes, no


sentido de que  é um teorema em M se e somente se  é um teorema em Dn. Para tanto,
vamos demonstrar que os postulados de M podem ser obtidos dos postulados de Dn e vice-
versa. Note-se que a rigor, como LM ≠ LDn, não há como demonstrar a equivalência entre esses
sistemas formais no sentido especificado. De fato, haverá fórmulas de L Dn que serão teoremas
no sistema formal Dn, mas não o serão em M, simplesmente por não serem fórmulas de LM.
Entretanto, notando que, se incluirmos em L M todas aquelas abreviações que admitimos para
algumas fórmulas de M, então LM passa a ser idêntica a LDn, podemos simplesmente tomar LM,
supor LDn idêntica a LM, admitir as abreviações usuais para ambas as linguagens, e mostrar
que teoremas de Dn que envolvem as abreviações mencionadas, se escritos em sua forma
primitiva, são também teoremas de M.
Para começar, vamos demonstrar que os postulados de M podem ser obtidos daqueles
de Dn.

AX1:   (  )
Prova:
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1)  H (PC)
2)  H (PC)
3) ~ H (RAA)
4)  & ~ 1,3 I&
5) ~~ 3,4 RAA
6)  5 E~
7)  2-6 PC
8)   (  ) 1-7 PC

AX2: (  (  ))  ((  )  (  ))


Prova:

1)   (  ) H (PC)
2)  H (PC)
3)  H (PC)
4)  1,3 MP
5)  2,3 MP
6)  4,5 MP
7)  3-6 PC
8) (  )  (  ) 2-7 PC
9) (  (  ))  ((  )  (  )) 1-8 PC

AX3: (~  ~)  ((~  )  )


Prova:
1) ~  ~ H (PC)
2) ~   H (PC)
3) ~ H (RAA)
4) ~ 1,3 MP
5)  2,3 MP
6)  & ~ 4,5 MP
39

7) ~~ 3-6 RAA


8)  7 E~
9) (~  )   2-8 PC
10) (~  ~)  ((~  )  ) 1-9 PC

Como a regra MP existe igualmente em Dn, as três provas acima encerram a primeira
parte de nossa demonstração de equivalência entre os sistemas M e Dn. Agora, vamos
demonstrar que os postulados de Dn podem ser obtidos dos postulados de M.

Para começar, note-se que já verificamos que o esquema PC vale em M. De fato, fizemos isso
ao demonstrar o teorema da dedução, uma vez que esse teorema fornece em M uma regra para
obter deduções de outras deduções, que é idêntica ao esquema PC do sistema Dn. Obviamente
também já temos que MP vale em M, já que essa regra pertence a RIM.

Vamos agora demontrar que o esquema E~ vale em M.

Teorema 1: ~~  
Prova: exercício 1.3.1, item c.

Agora, vamos mostrar que o esquema I& vale em M:

Teorema 2:
1)  P
2)  P
3) ~~( → ~) P
4)  → ~ T1
5) ~ 1, 4 MP
Logo, {; ; ~~( → ~)}├ ~
TD: {; }├ ~~( → ~) → ~
TD: {}├  → (~~( → ~) → ~)
TD: ├  → ( → (~~( → ~) → ~))

Teorema 3:
40

1)  P
2)  P
3)  → (~~( → ~) → ) AX1
4) ~~( → ~) →  2, 3 MP
5)  → ( → (~~( → ~) → ~)) T2
6)  → (~~( → ~) → ~) 1,5 MP
7) ~~( → ~) → ~ 2, 6 MP
8) (~~( → ~) → ) → ((~~( → ~) → ~) → ~( → ~)) AX3
9) (~~( → ~) → ~) → ~( → ~) 4, 8 MP
10) ~( → ~) 7, 9 MP
Logo, {; }├ ~( → ~), isto é, {; }├  & 

Vamos agora obter E& em M:


Teorema 4:   
Prova: ver exemplo 1.1.2.

Teorema 5:
1) ~ →  P
2) ~ → ~ T4
3) (~ → ~) → ((~ → ) → ) AX3
4) (~ → ) →  2, 3 MP
5)  1, 4 MP
Logo, {~ → }├ 

Teorema 6:
1) ~( → ~) P
2) ~ P
3)  P
4) ~~ P
5) ~ → (~~ → ~) AX1
6) ~~ → ~ 2 , 5 MP
7)  → (~~ → ) AX1
41

8) ~~ →  3 , 7 MP
9) (~~ → ~) → ((~~ → ) → ~) AX3
10) (~~ → ) → ~ 6 , 9 MP
11) ~ 8, 10 MP
Logo, {~( → ~); ~; ; ~~}├ ~
TD: {~( → ~); ~; }├ ~~ → ~

Teorema 7:
1) ~( → ~) P
2) ~ P
3)  P
4) ~~ → ~ 1, 2, 3 T6
5) ~ 4 T5
Logo, {~( → ~); ~; }├ ~
TD: {~( → ~); ~}├  → ~

Teorema 8:
1) ~( → ~) P
2) ~ P
3)  → ~ 1 ,2 T7
4) ~( → ~) → (~ → ~( → ~)) AX1
5) ~ → ~( → ~) 1, 4 MP
6) ( → ~) → (~ → ( → ~)) AX1
7) ~ → ( → ~) 3, 6 MP
8) (~ → ~( → ~)) → ((~ → ( → ~)) → ) AX3
9) (~ → ( → ~)) →  5, 8 MP
10)  7, 9 MP
Logo, {~( → ~); ~}├ 
TD: {~( → ~)}├ ~ → 

Teorema 9:
1) ~( → ~) P
42

2) ~ →  1 T8
3)  2 T5
Logo, {~( → ~)}├ , isto é, { & }├ 

Teorema 10:
1) ~( → ~) P
2) ~ P
3) (~ → ~(→ ~)) → ((~ → ( → ~)) → ) AX3
4) ~( → ~) → (~ → ~( → ~)) AX1
5) ~ → ~( → ~) 1, 4 MP
6) (~ → ( → ~)) →  3, 5 MP
7) ~ → ( → ~) AX1
8)  6, 7 MP
Logo, {~( → ~); ~}├ 
TD: {~( → ~)}├ ~ → 

Teorema 11:
1) ~( → ~) P
2) ~ →  1 T10
3)  2 T5
Logo, {~( → ~)}├ , isto é, { & }├ 

Vamos agora obter Iv em M:

Teorema 12:
1)  P
2) ~ P
3) ~ P
4) (~ → ~) → ((~ → ) → ) AX3
5) ~ → (~ → ~) AX1
6) ~ → ~ 2, 5 MP
7) (~ → ) →  4, 6 MP
43

8)  → (~ → ) AX1
9) ~ →  1, 8 MP
10)  7, 9 MP
Logo, {; ~; ~}├ 
TD: {; ~}├ ~ → 

Teorema 13:
1)  P
2) ~ P
3) ~ →  1, 2 T12
4)  3 T5
Logo, {; ~}├ 

Teorema 14:
Por T13 temos {; ~}├ , logo, por TD temos que {}├ ~ → , isto é, {}├  v 

Vamos agora obter Ev em M:

Teorema 15:
1)  →  P
2) ~ P
3) ~~ P
4) (~~ → ~) → ((~~ → ) → ~) AX3
5) ~ → (~~ → ~) AX1
6) ~~ → ~ 2, 5 MP
7) (~~ → ) → ~ 4, 6 MP
8) ~~ →  T1
9)  3, 8 MP
10)  1, 9 MP
11)  → (~~ → ) AX1
12) ~~ →  10, 11 MP
13) ~ 7, 12 MP
44

Logo, { → ; ~; ~~}├ ~


TD: { → ; ~}├ ~~ → ~

Teorema 16:
1)  →  P
2) ~ P
3) ~~ → ~ 1, 2 T15
4) ~ 3 T5
Logo, { → ; ~}├ ~

Teorema 17:
1)  P
2) ~ P
3) ~~( → ) P
4) ~~( → ) → ( → ) T1
5)  →  3, 4 MP
6)  1, 5 MP
7) (~~( → ) → ~) → ((~~( → ) → ) → ~( → )) AX3
8) ~ → (~~( → ) → ~) AX1
9) ~~( → ) → ~ 2, 8 MP
10) (~~( → ) → ) → ~( → ) 7, 9 MP
11)  → (~~( → ) → ) AX1
12) ~~( → ) →  6, 11 MP
13) ~( → ) 10, 12 MP
Logo, {; ~; ~~( → )}├ ~( → )
TD: {; ~}├ ~~( → ) → ~( → )

Teorema 18:
1)  P
2) ~ P
3) ~~( → ) → ~( → ) 1, 2 T17
4) ~( → ) 3 T5
45

Logo, {; ~}├ ~ ( → )

Teorema 19:
1) ~ →  P
2)  →  P
3)  →  P
4) ~ P
5) ~ 2, 4 T16
6) ~ 3, 4 T16
7) ~(~ → ) 5, 6 T18
8) (~ → ~(~ → )) → ((~ → (~ → )) → ) AX3
9) ~(~ → ) → (~ → ~(~ → )) AX1
10) ~ → ~(~ → ) 7, 9 MP
11) (~ → (~ → )) →  8, 10 MP
12) (~ → ) → (~ → (~ → )) AX1
13) ~ → (~ → ) 1, 12 MP
14)  11, 13 MP
Logo, {~ → ;  → ;  → ; ~}├ 
TD: {~ → ;  → ;  → }├ ~ → 

Teorema 20:
1) ~ →  P
2)  →  P
3)  →  P
4) ~ →  1, 2, 3 T19
5)  4 T5
Logo, {~ → ;  → ;  → }├ , isto é, { v ;  → ;  → }├ 

Agora vamos demonstrar que I↔ vale em M:

Teorema 21:
1)  →  P
46

2)  →  P
3) ( → ) & ( → ) 1, 2 T3
Logo, { → ;  → }├ ( → ) & ( → ), isto é, { → ;  → }├ ( ↔ )

Vamos provar a validade de E↔ em M:

Teorema 22:
1) ( → ) & ( → ) P
2)  →  1 T9
Logo, { →  &  → }├ ( → ), isto é, { ↔ }├ ( → )

Teorema 23:
1) ( → ) & ( → ) P
2)  →  1 T11
Logo, {( →  & ( → }├ ( → ), isto é, { ↔ }├ ( → )

Neste ponto, de modo a completar nossa demonstração de equivalência entre M e DN,


resta-nos apenas demonstrar que o esquema RAA vale em M. Como RAA, tal como PC, é um
esquema para se obter deduções de outras deduções, a prova de que tal esquema é válido em
M deve ser um metateorema, tal como o teorema da dedução. Vamos chamar a esse teorema
de ‘teorema da não-contradição’.

TEOREMA DA NÃO-CONTRADIÇÃO: As deduções em M são tais que de uma dedução 


 {}├  & ~ podemos obter a dedução ├ ~.
Prova: Seja  = {1, ..., n}, para algum n < , então temos por hipótese que 1, ..., n ,  ├ 
& ~; vamos mostrar que podemos estender essa dedução para obter ~; primeiramente,
note-se que se substituirmos  por ~~ na dedução sob consideração, ainda vamos obter  &
~; de fato, basta tomar a dedução original com a referida substituição, e inserir ~~ → 
após ~~, justificando com T1, daí então se obtém  por MP, e a dedução segue como a
inicial; agora, de posse dessa nova dedução, a partir de  & ~, obtemos  por T9 e ~ por
T11; como (~~ → ~) → ((~~ → ) → ~) é uma instância de AX3, e ~ → (~~ → ~)
é uma instância de AX1, temos por MP que ~~ → ~, e depois, novamente por MP, que
47

(~~ → ) → ~; daí, como  → (~~ → ) é uma instância de AX1, temos por MP que
~~ → , donde, novamente por MP, se segue ~; assim, temos que qualquer dedução da
forma   {}├  & ~ pode ser estendida para uma outra dedução que tem a forma  
{~~}├  & ~, a qual, por seu turno, pode ser estendida para uma outra que tem a forma 
 {~~}├ ~; de tal dedução, aplicando TD, podemos obter ainda uma outra, com a forma
├ ~~ → ~daí, utilizando o teorema 5, obtemos uma dedução com a forma ├ ~

Sobre a prova acima para o teorema da não-contradição, note-se que estivemos


utilizando o procedimento sugerido na prova para obter diversos dos teoremas 1-23.
Está completa nossa demonstração de que os postulados de Dn valem em M. Como já
havíamos provado que os postulados de M valem em Dn, temos então que esses dois sistemas
são equivalentes, o que significa que todo teorema de M é um teorema de Dn e vice-versa.

1.4. METATEORIA

Até aqui, estivemos expondo a sintaxe e a semântica do cálculo proposicional.


Passaremos, agora, a tratar da metateoria do cálculo proposicional, cujo objetivo é demonstrar
algumas propriedades dos sistemas formais, como, por exemplo, a convergência entre
propriedades sintáticas e semânticas desses sistemas. O objeto de nosso estudo metateórico
será o sistema formal M, apresentado mais acima. Os principais resultados que vamos obter
são demonstrações da correção, completude, consistência e decidibilidade desse sistema
formal.
Dizemos que um sistema formal é correto se toda fórmula que for uma conseqüência
lógica sintática de um conjunto de fórmulas da linguagem formal desse sistema também for
uma conseqüência lógica semântica desse mesmo conjunto de fórmulas. Intuitivamente, dizer
que um sistema formal é correto é o mesmo que dizer que há uma convergência entre a noção
sintática e a noção semântica de conseqüência lógica. Se isso ocorre, uma conseqüência
particular é que o conjunto dos teoremas do sistema formal em questão está contido no
conjunto das fórmulas válidas do mesmo, isto é, todo teorema do referido sistema formal é
válido10, o que justifica intuitivamente o uso do termo ‘correção’ do sistema formal.

10
Como as provas podem ser feitas de modos diversos, pode-se provar primeiro este resultado, e derivar-se o
anterior como um caso particular. Na verdade, basta provar um deles, que o outro se segue como corolário. Por
essa razão, faremos apenas as demostrações envolvendo as noções de teorema e validade.
48

Quanto à completude, dizemos que um sistema formal é completo quando toda


fórmula que for uma conseqüência lógica semântica de um conjunto de fórmulas da
linguagem formal desse sistema for também uma conseqüência lógica sintática do mesmo
conjunto de fórmulas. Portanto, falando intuitivamente, a noção de completude também
pressupõe uma convergência entre as noções sintática e semântica de conseqüência lógica,
mas no sentido oposto da noção de correção, isto é, da semântica para a sintaxe, e não vice-
versa, como é o caso da correção. Desse modo, quando um sistema é completo o conjunto de
suas fórmulas válidas está contido no conjunto de seus teoremas, o que significa que toda
fórmula válida do sistema é um teorema do mesmo, isto é, pode ser demonstrada nesse
sistema (ver definição de ‘teorema’). Isso justifica, mais uma vez falando intuitivamente, o
uso do termo ‘completude’ para designar esse conceito formal. Obviamente, um sistema
formal correto e completo possui um conjunto de teoremas idêntico ao conjunto de suas
fórmulas válidas.
Por fim, quanto às noções de consistência e decidibilidade de sistemas formais,
dizemos que um sistema formal é consistente quando não pertencem ao conjunto dos
teoremas desse sistema uma fórmula e sua negação. Intuitivamente, isso significa que não se
pode demontrar contradições nesse sistema. E dizemos que um sistema formal é decidível se o
conjunto de seus teoremas é decidível, isto é, se há um método efetivo para decidir se uma
fórmula qualquer da linguagem do sistema em questão pertence ou não a esse conjunto.
Falando de modo mais preciso, um sistema formal F é decidível se há algoritmo que, ao
receber como entrada uma fórmula  qualquer da linguagem formal de F, retorna 1, por
exemplo, se  é um teorema de F, e 0 caso contrário11.

LEMA 1.4.1: Todos os axiomas de M são tautologias.


Prova:
a) axiomas da forma   (  ): suponha-se que axiomas da forma   (  ) não
sejam tautologias, então existe uma valoração v tal que v (  (  )) = 0; segue-se que v
() = 1 e v (  ) = 0; segue-se que v () = 1 e v () = 0; mas v () = 1, donde se conclui
que não há uma tal valoração v e que, portanto, todo axioma da forma   (  ) é uma
tautologia;

11
Essa definição para um sistema formal decidível não é de todo formal, já que envolve a noção de algoritmo,
que não foi definida aqui em nenhum lugar. Entretanto, ela pode ser completamente formalizada se, no lugar de
algoritmos, falarmos em uma função recursiva (cf. capítulo 3) que tome por domínio o conjunto dos números de
Gödel (cf. capítulo 3) das fórmulas de F, e por contradomínio o conjunto {0, 1}, por exemplo, e tal que f (n) = 1
sse n é o número de Gödel de um teorema de F.
49

b) axiomas da forma (  (  ))  ((  )  (  )); suponha-se que axiomas da


forma (  (  ))  ((  )  (  )) não sejam tautologias, então existe uma
valoração v tal que v ((  (  ))  ((  )  (  ))) = 0; segue-se que v
(  (  )) = 1 e v ((  )  (  )) = 0; segue-se que v (  ) = 1 e v (  ) = 0;
segue-se que v () = 1 e v () = 0; agora, suponha-se que v () = 1; nesse caso, v (
 (  )) = 0, mas já vimos que v (  (  )) = 1; portanto v () = 0; mas, nesse caso, v
(  ) = 0, e, entretanto, já vimos que v (  ) = 1; segue-se que não há uma tal valoração
v e que, portanto, todo axioma da forma (  (  ))  ((  )  (  )) é uma
tautologia;
c) axiomas da forma (~  ~)  ((~  )  ); suponha-se que axiomas da forma
(~  ~)  ((~  )  ) não sejam tautologias, então existe uma valoração v tal que
v ((~  ~)  ((~  )  )) = 0; segue-se que v (~  ~) = 1 e v ((~  )  ) =
0; segue-se que v (~   = 1 e v () = 0; agora, suponha-se que v () = 1; segue-se que
v (~  ~) = 0; mas já vimos que v (~  ~) = 1; portanto, v () = 0; segue-se que
v (~   = 0; mas já vimos que v (~   = 1; portanto, não há uma tal valoração v,
donde se segue que todo axioma da forma (~  ~)  ((~  )  ) é uma tautologia.

LEMA 1.4.2: Toda fórmula obtida de duas tautologias por meio de aplicação de MP é
também uma tautologia.
Prova: Se uma fórmula  foi obtida de duas outras por aplicação de MP, essas fórmulas são da
forma    e ; suponha-se que i)    e  são tautologias; segue-se que v (  ) = 1 e
v () = 1 para toda valoração v; agora, suponha-se que ii)  não é uma tautologia; segue-se
que há uma valoração, digamos, v1, tal que v1 () = 0; mas v1 () = 1, donde se segue que
v1 (  ) = 0, contradizendo a hipótese i) de que    é uma tautologia; portanto,  é uma
tautologia.

TEOREMA 1.4.3: M é correto, isto é, todo teorema de M é uma tautologia.


Prova: Pelas definições de teorema e prova, se conclui que o conjunto dos teoremas de M é
formado pela união entre o conjunto dos axiomas de M e conjunto de todas as fórmulas que
podem ser obtidas a partir deles por aplicação de MP; portanto, o teorema segue-se por lema
1.3.1 e lema 1.3.2.
50

LEMA 1.4.4: Seja  uma fórmula de L(A-) e 1, 2, ..., k as variáveis proposicionais que
ocorrem em ; então, se para uma dada valoração v e 1  i  k, i’ = i caso v (i) = 1, i’ =
~i caso v (i) = 0, ’ =  caso v () = 1, e ’ = ~caso v () = 0, teremos que 1’, 2’, ...,
k’├ ’.
Prova: Por indução sobre o número n de operadores lógicos que ocorrem em .
Base: n = 0
Como não ocorrem operadores lógicos em ,  = 1; suponha-se que i) v () = 1; segue-se
que v (1) = 1 e, portanto, que ’ =  e 1’ = 1; conclui-se, então, que 1’├ ’ é o caso, pois
temos, por substituição, 1├  e, daí, 1├ 1, o que obviamente é o caso; agora, suponha-se
que ii) v () = 0; segue-se que v (1) = 0 e, portanto, que ’ = ~ e 1’ = ~1; mais uma vez,
conclui-se que 1’├ ’ é o caso, pois temos, por substituição, ~1├ ~ e, daí, ~1├ ~1, o que
obviamente é o caso; por conseguinte, lema 1.3.3 é o caso para n = 0.
Hipótese indutiva (HI): suponha-se que lema 1.3.3 vale para todo j < n
Há dois casos a considerar:
Caso 1:  = ~
Como  = ~, e ocorrem n operadores em , o número j de operadores de  é menor que n;
portanto, por HI, lema 1.3.3 vale para .
Sub-caso 1.a.: v () = 1 na valoração v dada
Como  = ~, v () = 0; assim, ’ =  e ’ = ~; então dado que lema 1.3.3 vale para ,
temos que 1’, 2’, ..., k’├ ’ e, por substituição, que 1’, 2’, ..., k’├ ; pelo teorema  
~~, temos que 1’, 2’, ..., k’├ ~~; mas ~~ = ~, donde se segue que 1’, 2’, ..., k’├ ~
e, por substituição, que 1’, 2’, ..., k’├ ’
Sub-caso 1.b.: v () = 0 na valoração v dada
Como  = ~, v () = 1; portanto, temos que ’ = ~ e ’ = ; por HI, temos que 1’, 2’, ...,
k’├ ’, isto é, que 1’, 2’, ..., k’├ ~; mas  = ~, donde segue que 1’, 2’, ..., k’├  e,
portanto, que 1’, 2’, ..., k’├ ’
Caso 2:  =   
Como  =   , e ocorrem n operadores em , temos que o número j de operadores de  é
menor que n, o mesmo ocorrendo com o número l de operadores de , donde se segue, por HI,
que lema 1.3.3 vale para  e para ; além disso, uma vez que, para quaisquer conjuntos de
fórmulas  e , e para qualquer fórmula , se ├  então   ├ , e uma vez que o
51

conjunto das variáveis proposicionais de  está contido no conjunto das variáveis


proposicionais de , o mesmo ocorrendo com o conjunto das variáveis proposicionais de ,
segue-se que não é necessário, ao aplicar o lema 1.3.3 para  e para , usar as enumerações
das variáveis proposicionais que ocorrem nessas fórmulas, podendo-se usar a enumeração 1,
2, ..., k das variáveis proposicionais de .
Sub-caso 2.a.: v () = 0 na valoração v dada
Como v () = 0, segue-se que v (  ) = 1, isto é, v () = 1; portanto, ’ = ~, e ’ = ; por
HI, temos que 1’, 2’, ..., k’├ ’, isto é, 1’, 2’, ..., k’├ ~; pelo teorema ~  (  ) e
por MP, temos que 1’, 2’, ..., k’├   , isto é, 1’, 2’, ..., k’├ ; segue-se que 1’, 2’, ...,
k’├ ’
Sub-caso 2.b.: v () = 1 na valoração v dada
Como v () = 1, v (  ) = 1, isto é, v () = 1, donde temos que ’ =  e ’ = ; por HI, 1’,
2’, ..., k’├ ’, isto é, 1’, 2’, ..., k’├ ; daí, por AX1, isto é,   (  ) e MP, temos que
1’, 2’, ..., k’├   , isto é, 1’, 2’, ..., k’├ ; portanto, 1’, 2’, ..., k’├ ’
Sub-caso 2.b.: v () = 1 e v () = 0 na valoração v dada
Como v () = 1 e v () = 0, segue-se que v (  ) = 0, isto é, v () = 0; daí temos que ’ = ,
’ = ~, e ’ = ~; por HI, temos que 1’, 2’, ..., k’├ ’ e 1’, 2’, ..., k’├ ’, isto é, 1’,
2’, ..., k’├  e 1’, 2’, ..., k’├ ~; pelo teorema   (~  ~ (  )) e MP, temos que 1’,
2’, ..., k’├ ~  ~ (  ); novamente por MP, temos que 1’, 2’, ..., k’├ ~ (  ), isto é,
1’, 2’, ..., k’├ ~; portanto, 1’, 2’, ..., k’├ ’
Por exaustão de casos, temos que se lema 1.3.3 vale para todo j < n, lema 1.3.3 vale também
para n; acrescentando a isso que lema 1.3.3 vale para n = 0, temos, por indução completa, que
lema 1.3.3 vale para toda fórmula de L(A).

TEOREMA 1.4.5: M é completo, isto é, se  é uma fórmula de L(A -) e uma tautologia, então
 é um teorema de M.
Prova: seja  é uma fórmula de L(A-) e uma tautologia, e 1, 2, ..., k as variáveis
proposicionais que ocorrem em ; por lema 1.3.3, temos que 1’, 2’, ..., k’├ ’; como  é
uma tautologia, v () = 1 para toda valoração v e, portanto, ’ = ; segue-se que 1’, 2’, ...,
k’├ ; consideremos, i) valorações v tais que v (k) = 1; segue-se que k’ = k e, portanto,
que 1’, 2’, ..., k├ ; daí, pelo teorema da dedução, temos que 1’, 2’, ..., k-1’├ k  ;
52

agora, vamos considerar valorações v em que v (k) = 0; nesses casos, k’ = ~k, seguindo-se
daí que 1’, 2’, ..., ~k├ ; pelo teorema da dedução, resulta disso que 1’, 2’, ..., k-1’├ ~k
 ; agora, empregando o teorema (  )  ((~  )  ) e MP, temos que
1’, 2’, ..., k-1’├ ; repita-se, então, os passos i) e ii) e o raciocínio subseqüente k-1 vezes,
para 1, 2, ..., k-1; como resultado, se obterá ├ , isto é,  é um teorema de M

COROLÁRIO 1.4.6: M é consistente, isto é, não existe um  tal que  é uma fórmula de
L(A), ├  e ├ ~.
Prova: Suponha-se que existe um  tal que  é uma fórmula de L(A-), ├  e ├ ~; pelo
teorema 1.3.1, segue-se que  e ~ são tautologias; portanto, para qualquer valoração v, v ()
= 1 e v (~) = 1; como v () =1, segue-se que v (~) = 0; mas já vimos que v (~) = 1; logo,
não existe um  tal que  é uma fórmula de L(A-), ├  e ├ ~.

TEOREMA 1.4.7: M é decidível, isto é, existe um método efetivo para se decidir, para
qualquer fórmula  de L(A), se  é um teorema de M.
Prova: Pelo teorema 1.3.2, se  é uma fórmula de L(A-) e uma tautologia, então  é um
teorema de M; portanto, se conseguirmos um método efetivo para determinar se uma fórmula
 de L(A-) é uma tautologia, teremos conseguido, ipso facto, um método efetivo para
determinar se  é um teorema de M; pela definição de tautologia, uma fórmula  é uma
tautologia se v () = 1 para toda valoração v; se  possui n variáveis proposicionais, o número
de valorações para  é, claramente, 2n; como toda fórmula é uma expressão, e uma expressão,
por definição, é uma seqüência finita de símbolos, segue-se que n é sempre finito; portanto, o
número 2n de valorações para  é finito; nesse caso, basta listar todas as valorações para , e
verificar v () em cada uma, o que é possível fazer com base na definição de valoração; se v
() = 1 em todas essas valorações,  é uma tautologia e, portanto, um teorema de M.

Exercício 1.4.1:
a) prove que, dado um conjunto qualquer de fórmulas ,  é insatisfatível sse existe uma
fórmula  tal que ├  & ~ (em M ou Dn).
b) prove que se  é uma contradição (semântica), então ├  → ( & ~) (M ou Dn), sendo 
uma formula qualquer.
53

b) prove que, se ╞ , então 1 & ... & n & ~ é uma contradição (semântica), sendo  um
conjunto de fórmulas qualquer, 1, ..., n as fórmulas em , e  uma fórmula qualquer.

Dados os teoremas de correção e de completude de M, temos que, para uma fórmula 


qualquer de L(A), ├  sse ╞ . Ora, já mencionamos que ├ 1 → (2 → ... (n → ) ...) sse
{1; ... ; n} ├ . Agora, vamos verificar que ╞ 1 → (2 → ... (n → ) ...) sse {1; ... ; n}
╞ , de modo a podermos concluir que {1; ... ; n} ├  sse {1; ... ; n} ╞ . Suponha-se que
{1; ... ; n} ╞ ; então, por definição, v () = 1 para toda valoração v tal que v (i) = 1 dado
todo i tal que 1  i  n; considere-se então todas aquelas valorações v tais que v (i) = 1 para
todo i tal que 1  i  n; temos que v (n → ) = 1, já que v () = 1; mas nesse caso v (n-1 →
(n → )) = 1, o que terá como resultado que v (n-2 → (n-1 → (n → ))) = 1, e assim por
diante, até obtermos v (1 → (2 → ... (n → ) ...)) = 1; agora vamos considerar aquelas
valorações w tais que w (i) = 0 para algum i tal que 1  i  n; suponhamos que w () = 1;
temos então que temos que w (n → ) = 1, independente de w (n); nesse caso w (n-1 → (n
→ )) = 1, independente de w (n-1), e assim por diante, como no caso anterior, até obtermos
w (1 → (2 → ... (n → ) ...)) = 1; agora, se tiver mos w () = 0, é possível que tenhamos w
(n → ) = 0, caso tivermos w (n) = 1; e nesse caso, se tivermos w (n-1) = 1 teremos também
que w (n-1 → (n → )) = 0; mas, eventualmente, por suposição, encontraremos algum i tal
que w (i) = 0, resultando em w (i → ... (n → ) ...)) = 1; se i = 1, então temos que w (1 →
(2 → ... (n → ) ...)) = 1; senão, teremos que w (i-1 → (i → ... (n → ) ...))) = 1,
independente de w (i-1), e assim por diante, até obtermos que w (1 → (2 → ... (n → ) ...))
= 1; desse modo, em qualquer dos casos temos que, se {1; ... ; n} ╞ , então ╞ 1 → (2
→ ... (n → ) ...); agora, considere-se que ╞ 1 → (2 → ... (n → ) ...); segue-se que v ()
= 1 ou existe algum i, 1  i  n, tal que v (i) = 0, para qualquer valoração v, pois, do
contrário, teríamos v (1 → (2 → ... (n → ) ...)) = 0 dada alguma valoração v, e nesse caso
não teríamos ╞ 1 → (2 → ... (n → ) ...); mas isso é o mesmo que dizer que se v (i) = 1
para todo i tal que 1  i  n, então v () = 1, o que por definição significa que {1; ... ; n} ╞
. Assim, {1; ... ; n} ╞  sse ╞ 1 → (2 → ... (n → ) ...).
Temos, pois, que  ├  sse  ╞ , para qualquer conjunto  de fórmulas de L(A), e
para qualquer fórmula de L(A). Esse é um resultado de correção e completude de M (e
portanto também de Dn) mais amplo que o que provamos inicialmente, já que a correção e a
completude de M tais como provadas mais acima são casos particulares do resultado que
54

acabamos de obter. De fato, se  ├  sse  ╞  para qualquer conjunto  de fórmulas e


fórmula , então ├  sse ╞  para qualquer fórmula , isto é, ├  sse ╞ . Em alguns
textos de lógica, de fato, se prova inicialmente os teoremas de correção e completude do
cálculo sentencial nessa forma generalizada envolvendo o conceito de conseqüência lógica, e
se obtém a correção e completude envolvendo os conceitos de teorema e tautologia como
casos particulares. É claro que também o teorema de decidibilidade pode ser estendido da
mesma forma, de modo que temos que há um algoritmo que, ao receber como entrada um par
ordenado (, ), dá como saída uma resposta ‘sim’ se  é uma conseqüência lógica de , e
uma resposta ‘não’ no caso contrário.

Exercício 1.4.2
Determine quais das seguintes afirmações são corretas, e em caso positivo prove a
correção das mesmas. O sistema formal a ser considerado – M ou Dn – é indiferente, dada a
equivalência entre esses dois sistemas.
a) ├ (P v ~Q) → (P ↔ ~R)
b) ├ (P → (Q v ~R)) → ((R & ~Q) → ~P)
c) {(P v Q) → ~(R ↔ ~Q); ~(Q → (~R & P)}├ ~R v P

Vamos considerar uma fórmula qualquer de L(A) que sabemos ser uma tautologia, e
portanto um teorema do cálculo sentencial, digamos: ~ (~ (P v Q) ↔ ~ (~Q & ~P)). Como
essa fórmula é uma tautologia, sabemos que sua oposta (para qualquer fórmula  de L(A),
chamemos de oposta de  à fórmula ~, se  não possui a forma ~, e à fórmula  se 
possui a forma ~) é uma contradição. No caso de nosso exemplo, a oposta é a fórmula ~ (P v
Q) ↔ ~ (~Q & ~P). Se supusermos que existe uma valoração v tal que v (~ (P v Q) ↔ ~ (~Q
& ~P)) = 1, obteremos eventualmente uma contradição. De fato, se v (~ (P v Q) ↔ ~ (~Q &
~P)) = 1, então v (~ (P v Q)) = v (~ (~Q & ~P)). Suponha-se que v (~ (P v Q)) = v (~ (~Q &
~P)) = 1; então v (P v Q) = v (~Q & ~P) = 0; se v (P v Q) = 0 então v (P) = v (Q) = 0; se v
(~Q & ~P) = 0, então ou v (~Q) = 0 ou v (~P) = 0; suponhamos que v (~Q) = 0; então v (Q) =
1, e portanto não é o caso que v (Q) = 0, já que v é uma função; como temos aqui uma
contradição, concluímos que v (~P) = 0; então v (P) = 1, e portanto não é o caso que v (P) = 0,
e temos novamente uma contradição. Vamos agora supor que v (~ (P v Q)) = v (~ (~Q & ~P))
= 0; então v (P v Q) = v (~Q & ~P) = 1; se v (~Q & ~P) = 1, então v (~Q) = v (~P) = 1; donde
se segue que se v (Q) = v (P) = 0; se v (P v Q) = 1 então ou v (P) = 1 ou v (Q) = 1;
55

suponhamos que v (P) = 1; então não é o caso que v (P) = 0, já que v é uma função, e temos
aqui uma contradição; já se v (Q) = 1, não é o caso que v (Q) = 0, e de novo temos uma
contradição. Ora, isso sugere um modo diferente, eventualmente mais prático, de se verificar
se uma fórmula qualquer de L(A) é uma tautologia, e portanto um teorema do cálculo
sentencial. Em vez de construir a tabela de verdade de , o que pode ser muito trabalhoso, no
caso de  possuir muitas variáveis sentenciais, podemos tomar a oposta  de , supor que há
uma valoração v tal que v () = 1, e verificar se essa suposição conduz a contradições em
todos os casos possíveis. Um modo simples de se executar esse procedimento consiste em
contruir um gráfico, comumente chamado de árvore de refutação, para nossa fórmula ,
obedecendo às seguintes regras.
Se  =  & , então supor que v () = 1 implica que v () = v () = 1, e, nesse caso
escrevemos  abaixo de  (ou na seqüência do gráfico), e  abaixo de ; se  =  v , então
supor que v () = 1 implica que v () = 1 ou v () = 1, e, para considerar cada caso em
separado, desenhamos duas setas na seqüência do gráfico, uma apontando para a esquerda e a
outra para a direita, de modo a abrirmos dois “ramos” na seqüência do gráfico, e escrevemos
 no ramo da esquerda, e  no ramo da direita; se  =  → , notando que a fórmula ~ v  é
equivalente a  → , abrimos dois ramos no gráfico, e escrevemos ~ no ramo da esquerda, e
 no ramo da direita; se  =  ↔ , notando que a fórmula ( & ) v (~ & ~) é
equivalente a  ↔ , abrimos dois ramos no gráfico, e escrevemos  e  no ramo da
esquerda, uma abaixo da outra, e ~ e ~ no ramo da direita, uma abaixo da outra; se  = ~ (
& ), notando que a fórmula ~ v ~ é equivalente a ~ ( & ), abrimos dois ramos no
gráfico, e escrevemos ~ no ramo da esquerda, e ~ no ramo da direita; se  = ~ ( v ),
notando que a fórmula ~ & ~ é equivalente a ~ ( v ), escrevemos ~ e ~ na seqüência
do gráfico, uma abaixo da outra; se  = ~ ( → ), notando que a fórmula  & ~ é
equivalente a ~ ( → ), escrevemos  e ~ na seqüência do gráfico, uma abaixo da outra; se
 = ~ ( ↔ ), notando que a fórmula ( & ~) v (~ & ) é equivalente a  ↔ , abrimos
dois ramos no gráfico, e escrevemos  e ~ no ramo da esquerda, uma abaixo da outra, e ~ e
 no ramo da direita, uma abaixo da outra; se  = ~~, escrevemos  abaixo de . Como se
pode notar, a aplicação dessas regras resulta em uma decomposição de , e, em cada um
desses casos, marcamos a fórmula  com um sinal qualquer, para indicar que a mesma já foi
decomposta. Caso alguma das fórmulas resultantes da decomposição de  em questão se
enquadrar em algum dos 8 casos acima, deve-se decompor essa fórmula de acordo com as
56

mesmas regras, e marcá-la com o sinal indicador de que foi decomposta, e continuar o
processo, caso alguma das fórmulas resultantes se enquadrar em algum dos oito casos sob
consideração. Ora, os únicos casos que não se enquadram nos oito acima são aqueles em que 
é atômica, ou em que  = ~, sendo  uma fórmula atômica. Esses casos não provocarão a
continuação do desenho do gráfico, de modo que o mesmo estará terminado quando, tendo
partido de , não tivermos nenhuma fórmula marcada com o sinal indicador de decomposição,
exceção feita para as fórmulas atômicas e para as fórmulas da forma ~, com  atômica. A
leitura do gráfico completo, então, indicará que  é uma contradição, e que portanto sua
oposta , em que estávamos interessados no início, é uma tautologia (e portanto um teorema
do cálculo sentencial), caso tivermos um par de fórmulas  e ~, com  atômica12, em cada
caminho que vai da fórmula mais baixa de cada ramo do gráfico até .

Exemplo 1.4.1: Vamos fazer a árvore de refutação para  = ~ (~ (P v Q) ↔ ~ (~Q & ~P)). A
oposta de  é  = ~ (P v Q) ↔ ~ (~Q & ~P), que têm a forma  ↔ , de modo que
começamos nosso gráfico do modo seguinte:

~ (P v Q) ↔ ~ (~Q & ~P) √

~ (P v Q) PvQ
~ (~Q & ~P) ~Q & ~P

Utilizamos o sinal √ como indicador de que ~ (P v Q) ↔ ~ (~Q & ~P) já foi decomposta.
Como em cada ramo ainda temos duas fórmulas não marcadas com √ que não são atômicas
nem negativas de atômicas, devemos continuar a desenhar o gráfico. Note-se que, no ramo da
direita, não escrevemos ~~ (P v Q) e ~~ (~Q & ~P), de acordo com nossa regra para fórmulas
do tipo  ↔ , mas fomos diretamente para as fórmulas que sabíamos que seriam obtidas
aplicações subseqüentes da regra para fórmulas da fóma ~~. Esse é umprocedimento
comumente utilizado para simplificar as árvores de refutação.

12
Na verdade, não é necessário que d seja atômica, e nem precisamos concluir nossos gráficos para realizar sua
leitura, podendo concluir um ramo qualquer do gráfico toda vez que encontrarmos um par de fórmulas d e ~d no
caminho que vai da fórmula mais baixa do ramo até g. No entanto, não mencionamos esses fatos para simplificar
nossa descrição genérica das árvores de refutaçao.
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~ (P v Q) ↔ ~ (~Q & ~P) √

~ (P v Q) √ PvQ√
~ (~Q & ~P) √ ~Q & ~P √
~P ~Q
~Q ~P

Q P ~Q ~P
X X X X

Note-se que a ordem que escolhemos para aplicar as regras de decomposiução às fórmulas é
irrelevante. No ramo da direita, por exemplo, decompusemos primeiro a fórmula ~Q & ~P, e
depois a fórmula P v Q. Por motivos práticos, é interessante decompor primeiro aquelas
fórmulas cuja forma é tal que a decomposição não requer abertura de ramos. O gráfico acima
está terminado, pois não há nele nenhuma fórmula não marcada com √ que não seja atômica
ou negativa de atômica. Ao ler o gráfico, notamos que, no ramo mais à esquerda, por
exemplo, temos o par Q e ~Q no caminho que vai da fórmula mais baixa do ramo, Q, à
fórmula  = ~ (P v Q) ↔ ~ (~Q & ~P). Para indicar esse fato, escrevemos um X abaixo desse
ramo, e dizemos que o ramo “fechou”. De acordo com nossa descrição feita mais acima das
árvores de refutação, um gráfico em que todos os ramos fecham, como o de nosso exemplo,
indica que  é uma contradição, e que, portanto sua oposta  é uma tautologia. Assim, temos
que  = ~ (~ (P v Q) ↔ ~ (~Q & ~P)) é uma tautologia, e portanto um teorema do cálculo
sentencial.
Uma vez que se ╞ , para um dado conjunto de fórmulas  e uma fórmula , a
conjunção 1 & 2 & ... & n & ~ das n fórmulas de  e de ~ é uma contradição, temos que
a árvore de refutação dessa conjunção, caso todos os seus ramos fechem, vai indicar que ╞
, e portanto que ├ , em qualquer sistema formal equivalente a M. Além disso, a árvore de
refutação da conjunção 1 & 2 & ... & n indica se  é consistente: todos os ramos fecham se
 for inconsistente. No caso de uma fórmula  qualquer, vimos como utilizar a árvore de
refutação da oposta de  para determinar se  é um teorema do cálculo sentencial. Se
tivermos uma resposta negativa para essa questão, saberemos que  não é uma tautologia.
Polomos então construir a árvore de refutação de  para determinar o estatus semântico de :
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se todos os ramos da árvore de refutação de  fecharem,  é uma contradição, do contrário,


como sabemos que  não é uma tautologia, teremos que  é contingente. Desse modo,
podemos utilizar as árvores de refutação para resolver qualquer das questões que estivemos
resolvendo mediante o uso de tabelas-verdade.

Exercício 1.4.3: Verifique se os seguintes conjuntos de fórmulas são consistentes:


a) A = {P → ~Q; (Q & ~R) ↔ ~ (R → ~S); (R & T) v ~P; R v (Q → ~K)}
b) B = {L v ~ ((M v N) → G); (G v ~R) & H; H ↔ (T v ~M)}
c) A  B

Exercício 1.4.4: Sendo A e B os conjuntos de fórmulas do exercício anterior, determine quais


das seguintes asserções são verdadeiras:
a) A╞ P & ~R
b) A╞ Q v T
c) A  B╞ (L & P) v (M & S)
d) B╞ H → ~N
e) B╞ (L → ~N) → ~H

Exercício 1.4.5: Determine o estatus semântico das seguintes fórmulas:


a) (P & ~Q) v (R → (T v ~H))
b) (P v (~ (R → S) & ((T & M) → L))) → ((P v (~S & R)) & ((~ (~ (~T v ~M) & ~L)) v P))

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