Fernão Lopes, Crónica de D. João I – o cronista e o historiador
Fernão Lopes caracteriza-se por ser, simultaneamente, um cronista e um
historiador. Com efeito, ao ser designado por D. Duarte como cronista do Reino, Fernão Lopes ficou responsável pela redação das Crónicas de D. Pedro I, D. Fernando e D. João I. As suas crónicas, no entanto, não se restringiam à simples compilação de acontecimentos históricos por ordem cronológica – pelo contrário, nelas se traduz a articulação entre a consulta de fontes e a investigação original e crítica, associada a uma visão global e integradora de várias perspetivas e uma dimensão fortemente interpretativa e estética. Trata- se, pois, de crónicas que refletem não só “ o historiador de méritos excecionais” como também o “verdadeiro narrador artista, preocupado com a beleza da forma e não apenas com a verdade do conteúdo”, nas palavras do Professor Lindley Cintra. Em termos de conteúdo, a qualidade de Fernão Lopes é visível, no caso da Crónica de D. João I, no modo como os atores individuais e coletivos são encarados ao longo da narrativa: o cronista realça a atuação não apenas de atores individuais (com destaque, naturalmente, para o Mestre de Avis) mas também a atuação da própria população, que age como um todo, consciente da importância das suas liberdades e responsabilidades face à necessidade de manutenção da independência. Ao nível da forma, a prosa cronística de Fernão Lopes destaca-se, essencialmente, pelo coloquialismo – presente, por exemplo, nas constantes interpelações ao leitor, pelo visualismo e pelo dinamismo- não podendo aqui deixar de ser referida a importância dada ao rigor e à plasticidade da pormenorização, bem como ao uso expressivo de figuras estilísticas como a comparação ou a enumeração. Por estas razões, Fernão Lopes pode ser cumulativamente encarado como o primeiro grande cronista e o primeiro grande historiador português.