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DOCUMENTOS OFICIAIS DO ENSINO A

MÉDIO E FORMAÇÃO DO LEITOR R


T
Sônia Maria Xavier Duarte * I
Beth Marcuschi ** G
O
Resumo Este estudo explora o tratamento oferecido à leitura em
documentos oficiais direcionados para o ensino de
Língua Portuguesa no Brasil (PCNEM, OCEM e PNLEM).
Mais precisamente, procura delinear o perfil de leitor
que, no momento atual, se pretende formar no nível médio
da escolarização básica brasileira. Por este caminho,
busca também oferecer, às instâncias responsáveis
pela elaboração de currículos, aos professores que
atuam em sala de aula e aos estudiosos da linguagem,
subsídios para a compreensão de propostas de ensino
de leitura em vigor. No decorrer do artigo, com base em
pressupostos da Linguística Aplicada, são debatidos,
dentre outros, conceitos como os de língua, texto e
letramento, bem como diferentes concepções teóricas
e metodológicas de leitura. O estudo conclui que o * Secretaria
conjunto de documentos investigados orienta, de forma Municipal de
Educação do
geral, para a formação do “leitor crítico”, embora nem Estado de
sempre priorize fenômenos linguísticos e estratégias Pernambuco
pedagógicas convergentes. ** Universidade
Federal de
Palavras-chave: Leitura, documentos oficiais, ensino médio, formação Pernambuco
do leitor.

Introdução Nacionais do Ensino Médio (PCNEM),


publicado em 1999, por trazerem as

N
o presente artigo, analisamos o diretrizes para a formação média; as
tratamento oferecido à leitura em Orientações Curriculares para o Ensino
alguns dos documentos oficiais Médio (OCEM), publicadas em 2008, por
direcionados para o ensino médio. Mais terem sido distribuídas aos professores
precisamente, buscamos compreender como aporte para a construção do
que leitor, de acordo com os referidos currículo escolar e para a formação
documentos, se pretende formar ao longo continuada; e o Catálogo do Programa
deste nível de ensino. Para atingirmos Nacional do Livro para o Ensino Médio
nosso objetivo, investigamos tanto os (PNLEM) 2009, edição 2008, por se tratar
conceitos de língua, texto, letramento e de uma publicação utilizada pelos
gênero textual, quanto a fundamentação professores para a escolha do livro
teórico-metodológica defendidos, de didático adotado em sala de aula. Todos
modo explícito ou subjacente, nos esses documentos foram elaborados por
documentos. instâncias do Ministério da Educação
Dentre o extenso leque de (MEC) em colaboração com outras
documentos oficiais disponíveis, instituições educacionais e, segundo
analisamos: os Parâmetros Curriculares recomendam, devem ser usados na

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Sônia Maria Xavier Duarte; Beth Marcuschi
escola, tanto para a construção do projeto século XIX, será, posteriormente,
de ensino, quanto para a formação dos consolidada por Ferdinand de Saussure
professores. Assim, além de servirem e Noam Chomsky, no século XX.
para a elaboração dos currículos Saussure, apesar de conceder que a
escolares, para a formação continuada língua é um fenômeno social, analisa-a
dos professores e para a condução das como um código, uma estrutura de
aulas, os documentos configuram as signos. Assim, “a visão saussuriana de
orientações de esferas públicas da língua se dava a partir do sistema num
educação (órgãos do executivo e recorte sincrônico e com base nas
universidades, dentre outras) para o unidades abaixo do nível da frase
trabalho realizado na escola básica. (fonema, morfema, lexema). Não havia
O presente estudo é, pois, atenção para o uso” (MARCUSCHI, 2008,
relevante, na medida em que se propõe p. 27-28). Por sua vez, Chomsky
delinear o perfil de leitor que subjaz, no distinguia, na linguagem, a competência
momento atual, a essas esferas de e o desempenho, “em que o primeiro era
produção e transposição do saber. Na o plano universal, ideal e próprio da
primeira parte do artigo discutimos os
espécie humana (inato), sendo o
postulados teóricos por nós assumidos;
segundo o plano individual,
na sequência, analisamos a abordagem
particularístico e exteriorizado, não sendo
de leitura adotada nos documentos que
este de interesse para os estudos
compõem o corpus. Ao término do
trabalho, traçamos algumas científicos da língua” (MARCUSCHI, 2008,
considerações a respeito da noção de p. 32). Apesar de Saussure reconhecer a
leitor que emerge dos documentos oficiais dimensão social da linguagem e de
investigados. Chomsky voltar-se para uma dimensão
subjetivista, ambos operam como uma
Debatendo alguns conceitos básicos concepção de língua enquanto código e
Ao longo deste item, debatemos assumem como unidade máxima de
algumas noções (língua, texto e leitura) reflexão a frase. As duas teorias, portanto,
fundamentais para apoiar teoricamente a não se ocupam do texto e do uso da
análise realizada na segunda parte do língua, e, em consequência, ficam
artigo. Para tanto, recorremos, sobretudo, impossibilitadas de abordar a
às contribuições de Marcuschi (2008), compreensão e a significação situada.
Koch (2002), Soares (2005), Kleiman b) Como instrumento, vista como
(2000), entre outros autores. Também transparente e desvinculada de qualquer
nos valemos de reflexões advindas da característica de natureza cognitiva e
Linguística Aplicada, por entendermos social. Os estudos linguísticos neste
que elas possibilitam um enfoque enfoque se concentram, sobretudo, no
interdisciplinar pautado na perspectiva sistema e nos aspectos comunicacionais
sociointeracionista da linguagem. da língua (de indivíduo para indivíduo, à
revelia do social). Nesta concepção, o
Noções de língua e de texto texto é um “simples produto da codificação
Iniciamos a discussão a respeito de um emissor a ser decodificado pelo
das concepções de língua e de texto leitor/ouvinte, bastando a este, para tanto,
presentes em diferentes estudos o conhecimento do código, já que o texto,
linguísticos, recorrendo a Marcuschi uma vez codificado, é totalmente explícito”
(2008, p.59), que mostra a questão sob (KOCH, 2002, p.16). Assim, a
vários ângulos teóricos. Segundo o autor, compreensão se torna algo objetivo e a
pode-se ver a língua: transmissão de informações um
a) Como forma ou estrutura, processo natural.
percebida como código ou sistema de c) Como atividade cognitiva ou como
signos. Esta perspectiva, inaugurada no um sistema de representação, entendida

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como um ato de criação e de expressão tratamos, a seguir, dos enfoques de
do pensamento. Nesta visão, a língua é leitura e ensino daí decorrentes. Mais
percebida unicamente como fenômeno precisamente, discutimos as noções de
mental e sistema de representação leitura como decodificação, como
conceitual. Conforme Marcuschi (2008, estratégia cognitiva e como prática social.
p.60), quando se toma a língua como um A proposta de leitura como
fenômeno apenas cognitivo, não se decodificação dá ênfase à transparência
consegue explicar seu caráter social, já do texto. Nesta perspectiva, a língua é vista
que a cognição admitida nessas teorias como código e o texto, dotado de sentido
é subjetivista. Com isso, as dimensões único, fechado, expressa de forma clara
textual e da compreensão ficam e objetiva o que o autor quer dizer. Desse
igualmente descaracterizadas. modo, é praticamente nula a
d) Como atividade sócio-histórica, possibilidade do leitor se equivocar na
sociocognitiva e sociointerativa, compreensão, pois a ele compete captar
percebida como opaca e situada. Aqui, o essa única interpretação possível,
sistema da língua não deixa de ser decifrando o código. O foco da leitura está
considerado, mas o foco do interesse no texto, ele é objetivo e traz na sua
volta-se para a observação da língua em materialidade um sentido único e
seu funcionamento social, cognitivo e transparente, capaz de ser apreendido,
histórico. Nesta linha de abordagem, sem problemas. Compreender é,
predomina a ideia de que a língua é uma portanto, decodificar. Percebe-se que
atividade, um fenômeno encorpado, essa visão de leitura, além de centrar
portanto não é abstrata, nem autônoma. A todas as expectativas na transparência do
língua é geradora de sentidos produzidos texto, não leva em conta outros elementos
em contextos sociais de uso. Em função e fatores de ordem externa ao texto que
disso, o texto, sem deixar de ser também influenciam na realização da sua
considerado em seu aspecto compreensão. É, assim, uma concepção
organizacional interno, é visto
que forma um leitor decodificador,
prioritariamente do ponto de vista
decifrador, que apenas percebe o que
enunciativo. Em suma, o texto é tido como
está na superficialidade do texto. Não
um evento comunicativo que possibilita a
explora aspectos sociais, cognitivos,
criação de sentidos através de ações
históricos e interacionais para a
linguísticas, sociais e cognitivas. A
construção dos sentidos é realizada pelos construção dos possíveis sentidos do
sujeitos no curso do processo texto, de grande relevância na formação
interacional. do leitor proficiente.
Neste trabalho, orientamos nosso A percepção de leitura como
olhar investigativo em convergência com estratégia cognitiva situa o leitor no centro
a concepção sociointeracionista da do processo. Como bem destaca Kleiman
língua(gem), por entendermos que ela (2004, p.14), para esse enfoque “era o
propicia, no ensino de leitura da língua leitor quem ocupava um lugar
materna, uma abordagem que valoriza o proeminente e central na investigação (...),
desenvolvimento da competência pois interessava o seu funcionamento
sociocomunicativa dos alunos em cognitivo durante o processo de
diferentes situações do cotidiano. compreensão da língua escrita”; esse
leitor era “inteligente, imprevisível, criativo”,
Enfoques básicos sobre a leitura e o seu capaz de “fazer hipóteses e de inferir de
ensino modos diversos”. Nesses estudos,
Debatidas algumas das abordam-se os conceitos de estratégia
concepções de língua e de texto mais cognitiva e metacognitiva de leitura,
evidenciadas pelas teorias linguísticas, conceitos esses que dizem respeito ao

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desenvolvimento do processo cognitivo do negociação” (MARCUSCHI, 2008, p.248).
leitor frente ao texto a ser compreendido. Os sujeitos envolvidos no processo são
Ao falarmos em cognição e em vistos, como pontuam Koch e Elias (2009,
metacognição estamos distinguindo p.10-11), como “atores/construtores
duas fases de desenvolvimento dos sociais, sujeitos ativos que –
conhecimentos: uma automática e dialogicamente – se constroem e são
inconsciente e outra em que há um construídos nos textos”, textos estes que
controle ativo. Do ponto de vista da são considerados o lugar da interação e
concepção cognitiva, o ensino da leitura da constituição dos interlocutores.
desenvolve-se a partir da reprodução, por Entendemos que o desenvolvimento
imitação, de um modelo. É um ensino de uma proposta sociointeracionista de
focado nas capacidades psicolinguísticas ensino da língua pode favorecer a
do leitor e tem uma visão subjetiva da ampliação do grau de letramento dos
compreensão. A ênfase está no leitor; são alunos, pois está pautada na formação
as suas capacidades cognitivas e do leitor crítico, a partir do conhecimento
linguísticas que estão em jogo, cabe a das diversas práticas sociais de leitura,
ele mobilizar conhecimentos de ordem que constituem e são constituídas pelos
pessoal para efetivar a compreensão. O gêneros textuais. Por isso mesmo, um
leitor pode até ter problemas de ensino de leitura que objetive o
compreensão, mas é capaz de determinar desenvolvimento dessas práticas deve
por si só a natureza desses problemas e pautar-se pelo trabalho com os diversos
de propor possíveis soluções para eles. gêneros textuais que circulam
Como se percebe, essa concepção atribui socialmente. Segundo Kleiman (1996,
unicamente ao leitor a responsabilidade p.91), o ato de ler gêneros diversos exige
pela condução do processo de posturas diferenciadas para a construção
compreensão. de “relações e conexões entre os vários
A visão da leitura como prática social nós da imensa rede de conhecimento que
enfatiza o processo interacional. Quando nos enreda a todos”, por isso, faz-se
se fala em leitura como prática social, necessário um ensino que vise à
cogita-se que a leitura de um texto vai apropriação da leitura, para que os jovens
além do conhecimento dos aspectos saibam fazer uso dela numa sociedade
linguísticos compartilhados pelos cada vez mais exigente dessa prática. Se
sujeitos envolvidos no processo. a proposta é ampliar o letramento e
Percebe-se, então, a leitura como uma garantir que a leitura adquira um valor
construção de sentido, na qual sujeitos social para os alunos, parece apropriado,
ativos se engajam em uma constante então, orientar o ensino da leitura pelos
busca pelas relações que possam ser diversos gêneros textuais que circulam
levadas em consideração para o êxito da na sociedade.
compreensão. Dessa forma, a foco da Compartilhamos da opinião de
leitura deixa de ser apenas uma das Marcuschi (2008, p.154), quando diz que
partes envolvidas no processo, como nas “é impossível não se comunicar
perspectivas de leitura vistas verbalmente por algum gênero”, pois “a
anteriormente, para recair na interação manifestação verbal se dá sempre por
autor-texto-leitor. Nessa percepção, o meio de textos realizados por algum
trabalho de compreensão é tido como gênero”. Por isso, estamos submetidos
construtivo, criativo e sociointerativo. O a uma grande variedade deles, e, se
sentido que se estabelece não está “nem quisermos usá-los adequadamente,
no texto nem no leitor nem no autor, e sim precisamos compreendê-los e produzi-
numa complexa relação interativa entre los. Para o autor, fundamentado em
os três e surge como efeito de uma Bronckart, “a apropriação dos gêneros é

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um mecanismo fundamental de alunos para o mundo contemporâneo, e
socialização, de inserção prática nas trazem como principal eixo o respeito à
atividades comunicativas humanas” diversidade. Estabelecem também a
(MARCUSCHI, 2008, p. 154). Sendo visão da área e suas disciplinas bem
assim, o estudo dos gêneros textuais é como reflexões sobre o ensino e a
fator decisivo tanto para o aprimoramento aprendizagem de competências gerais a
da competência em leitura do aprendiz, serem objetivadas no ensino médio. O
quanto para sua incursão nas práticas documento, tratando do sentido do
sociais, favorecendo ainda uma aprendizado na área, determina que:
abordagem interdisciplinar no espaço
escolar. Dessa forma, o ensino da leitura As propostas de mudanças
a partir dos gêneros textuais incorre numa qualitativas para o processo de
ensino-aprendizagem no nível médio
prática pedagógica mais aproximada dos indicam a sistematização de um
“usos” que são feitos dos textos na conjunto de disposições e atitudes
sociedade. Sabemos que essa prática como pesquisar, selecionar
sofrerá sempre uma “adequação” informações, analisar, sintetizar,
argumentar, negociar significados,
pedagógica ao meio escolar, mesmo co-operar, de forma que o aluno possa
assim ela parece ser, no momento, a participar do mundo social, incluindo-
proposta mais apropriada para se aí a cidadania, o trabalho e a
desenvolver as capacidades de continuidade dos estudos. (p. 125)
letramento dos educandos.
De acordo com as orientações
A leitura nos documentos oficiais do acima, percebemos uma significativa
ensino médio mudança no que se determina como
Neste tópico, analisamos a objeto de estudo da área; o enfoque deixa
abordagem de leitura presente nos de ser o conteúdo e passa a ser o
documentos selecionados (PCNEM, desenvolvimento de capacidades globais
OCEM, PNLEM). Discutimos, de início, a a partir do tratamento das informações,
visão de cada documento sobre o ensino do contexto e da percepção do aluno. O
da língua materna. Depois, observamos atendimento a essa proposta, que se
a concepção de leitura nele explicitada ou pretende interdisciplinar, aponta, portanto,
a ele subjacente. Na sequência, para uma forma diferenciada de ensino
abordamos o tratamento oferecido no da língua. No que tange à compreensão,
documento a conceitos relacionados à de uma forma mais ampla, os PCNEM
leitura, como os de língua, linguagem e declaram que
texto, dentre outros. Posteriormente,
estabelecemos o perfil de leitor que cada Compreender a língua é saber avaliar
documento pretende formar. e interpretar o ato interlocutivo, julgar,
tomar uma posição consciente e
responsável pelo que se fala/escreve.
PCNEM – uma proposta híbrida de ensino Toda fala/escrita é histórica e
da leitura socialmente situada, sua atualização
A apresentação dos PCNEM de demanda uma ética (p. 143).
Língua Portuguesa (1999) especifica que
o documento está pautado nas diretrizes Essa perspectiva nos remete à
propostas para a área pela Lei de concepção de compreensão ativa e
Diretrizes e Bases da Educação Nacional responsiva de Bakhtin/Volochinov (1981).
nº 9.394/96 e pelo Parecer da Câmara de Para o autor, o discurso é social, histórico
Educação Básica do Conselho Nacional e ideologicamente situado e a
de Educação nº 15/98. Essas diretrizes compreensão se dá na interação com o
têm como referência a perspectiva de outro, numa relação de alteridade. Jurado
criar uma escola média, que atenda às e Rojo (2007, p.39), já indicavam que a
expectativas de formação escolar dos concepção de leitura nos PCNEM (1999)

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é a de “um ato interlocutivo, dialógico; trechos, porém, encontramos as seguintes
implica diálogo entre autores e textos, a definições:
partir do que vão sendo produzidos os
discursos”. Assim, pode-se dizer que os A linguagem é uma herança social,
uma “realidade primeira”, que, uma
Parâmetros apontam para uma noção de vez assimilada, envolve os
leitura/compreensão como produção de indivíduos e faz com que as
sentidos, ou seja, como uma resposta estruturas mentais, emocionais e
ativa do leitor ao que lê num determinado perceptivas sejam reguladas pelo
seu simbolismo (p. 125).
tempo e espaço social. A linguagem verbal é um dos meios
De forma a entendermos se esta que o homem possui para
concepção se sustenta, é importante representar, organizar e transmitir
de forma específica o pensamento
observamos o tratamento dispensado a
(p. 125-126). (grifos nossos)
outros conceitos imprescindíveis para
que o ensino de leitura se efetive. No caso
Predomina, neste trecho, uma
dos PCNEM, voltamos nossa atenção
concepção de linguagem como cognição,
para as noções de linguagem, língua,
como representação do pensamento,
texto, letramento e gêneros textuais.
que, quando assimilada, passa a regular
A noção de linguagem foi apontada,
estruturas mentais, emocionais e
na época do lançamento dos PCNEM,
perceptivas. Assim, como se percebe, o
como inovadora. Observemos, então, de
documento assume a linguagem, ora a
que maneira os Parâmetros a explicitam: partir de uma perspectiva cognitivista, ora
sociointeracionista. A linguagem tanto é
A linguagem é considerada (...) a
capacidade humana de articular vista da perspectiva do sujeito
significados coletivos e psicológico, dono da sua vontade, um
compartilhá-los, em sistemas sujeito social e interativo, mas que detém
arbitrários de representação, que
o domínio de suas ações, quanto é
variam de acordo com as
necessidades e experiências da vida abordada da perspectiva do sujeito ativo,
em sociedade. A principal razão que (re)produz o social na medida em
de qualquer ato de linguagem é a que interage com o outro, um sujeito que
produção de sentido (p. 125).
Produto e produção cultural, nascida
constrói sua identidade na relação com o
por força das práticas sociais, a outro. O ensino da língua nos PCNEM,
linguagem é humana e, tal como o como se pode depreender das reflexões
homem, destaca-se pelo seu aqui desenvolvidas, está voltado,
caráter criativo, contraditório,
pluridimensional, múltiplo e
alternadamente, para um sujeito
singular, a um só tempo (p. 125). psicológico, que domina e determina
O caráter dialógico das suas ações, e para um sujeito ativo que
linguagens impõe uma visão muito se forma na interação com o outro. Essa
além do ato comunicativo superficial
e imediato. Os significados perspectiva não está consubstanciada na
embutidos em cada imbricação desses sujeitos, mas na sua
particularidade devem ser separação, efetivando uma visão
recuperados pelo estudo dicotômica do ensino da língua.
histórico, social e cultural dos
símbolos que permeiam o Vejamos agora as referências sobre a
cotidiano (p. 126). (grifos nossos) concepção de língua presentes nos PCNEM:

(...) a língua, produto humano e


Percebemos, nesses tópicos, uma
social que organiza e ordena de
concepção de linguagem como produção forma articulada os dados das
de sentidos no contexto das práticas experiências comuns aos membros
sociais, mais precisamente, vislumbramos de determinada comunidade
linguística. (p. 125)
aí um enfoque sociointeracionista na (...) é um código ao mesmo tempo
perspectiva dialógica de Bakhtin. Em outros comunicativo e legislativo. (p. 131)

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A língua compreendida como anteriormente, destacando-se a natureza
linguagem que constrói e
“desconstrói” significados
intertextual e dialógica dos textos.
sociais. (p. 138) Não encontramos, nos PCNEM,
A língua situada no emaranhado uma referência direta ao letramento, mas
das relações humanas, nas quais podemos dizer que esta noção perpassa
o aluno está presente e mergulhado.
Não a língua divorciada do contexto todo o documento, na medida em que a
social vivido. Sendo ela dialógica proposta para o ensino médio é conduzida
por princípio, não há como separá- via textos que circulam na sociedade e
la de sua própria natureza, mesmo
em situação escolar. (p. 138)
via reflexões sobre o “uso da língua na
(...) o estudo da língua materna vida e na sociedade” (p. 137). Essa
deve, pela interação verbal, permitir maneira de conceber o estudo da língua
o desenvolvimento das possibilita que os textos em circulação
capacidades cognitivas dos
nas práticas sociais se tornem objeto de
alunos. (p. 139) (grifos nossos)
estudo na escola e, consequentemente,
que se ampliem os usos que os
Pelos trechos acima, podemos
perceber que a concepção de língua aprendizes fazem da leitura em todas as
segue, nos PCNEM, o mesmo aspecto instâncias da vida. Por este caminho,
híbrido da concepção de linguagem. abre-se espaço também para o trabalho
Assim, ao mesmo tempo em que a língua com os diversos gêneros textuais e/ou
é vista como um código, um produto que discursivos, ainda que de forma
constrói significados, é também tangencial, como podemos constatar nas
percebida como dialógica, situada nas determinações abaixo:
relações humanas. Portanto, apesar de
Comparar os recursos expressivos
a noção de leitura defendida pelos
intrínsecos a cada manifestação da
PCNEM pautar-se pelo dialogismo, os linguagem e as razões das escolhas,
conceitos de língua e de linguagem sempre que isso for possível, permite
oscilam entre uma concepção de código aos alunos saber diferenciá-los e
inter-relacioná-los. O estudo dos
e de interação.
gêneros discursivos e dos modos
A mesma tensão pode ser como se articulam proporciona uma
identificada no tratamento dispensado à visão ampla das possibilidades de
ideia de texto pelos Parâmetros: usos da linguagem. (p. 129)
A aprendizagem do caráter produtivo
da linguagem faz parte constante do
A unidade básica da linguagem
controle sobre o texto que será
verbal é o texto, compreendido como
elaborado. O fazer comunicativo
a fala e o discurso que se produz,
exige formas complexas de
e a função comunicativa, o
aprendizagem. Deve-se conhecer o
principal eixo de sua atualização e a
quê o e o como, depois dessa
razão do ato linguístico. (p. 139)
análise reflexiva, tenta-se a
O texto só existe na sociedade e é
elaboração, com a consciência de
produto de uma história social e
que ela será considerada dentro de
cultural, único em cada contexto,
uma rede de expectativas
porque marca o diálogo entre os
interlocutores que o produzem e autorizadas (p. 131).
entre os outros textos que o
compõem. (p. 139) (grifos nossos) Apesar de presentes, as
recomendações encontradas no
Notamos que ao texto é atribuída, documento, no que se refere ao trabalho
de início, tão somente a função restritiva com os gêneros textuais, são breves,
de comunicar. Em seguida, esta sucintas e, a nosso ver introduzidas de
perspectiva é ampliada e o texto é maneira um tanto abstrata. Não há uma
visualizado como um produto social, explicitação detalhada do conceito de
único em cada contexto, que guarda gênero textual e/ou discursivo adotado ou
relação com outros textos produzidos da forma como ele poderia ser explorado

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no contexto escolar, principalmente no teórico-práticas mais aprofundadas sobre
que diz respeito à leitura. Para remeter ao o tema. O documento perde, assim, um
uso dos gêneros em situações sociais, momento importante para ampliar e
os PCNEM recorrem a uma metáfora do explicitar noções relacionadas aos
hipertexto: gêneros textuais. Pode-se supor, dessa
forma, que um percentual significativo de
A partir de uma ideia, podem-se abrir
muitas “janelas”; o sentido das professores não se sentirá seguro na
escolhas pode depender do acaso condução do estudo dos gêneros textuais
ou do interesse particular. No acaso, em sua prática pedagógica, o que
a possibilidade de atingir os objetivos
desejados é externa à proposição acarretará algum prejuízo na formação do
individual. Quando há um interesse leitor proficiente.
definido, o controle sobre para que e Após a análise de conceitos que, nos
para onde se quer ir pertence àquele
que sabe escolher. Na vida, na PCNEM, estão relacionados de modo
produção do discurso, algo mais evidenciado à leitura, passamos a
semelhante ocorre. São muitas refletir sobre algumas das competências
“janelas” a serem abertas para se
escrever um texto, por exemplo. Se e habilidades propostas pelo documento.
o aluno não aprender a abri-las, as No conjunto, os PCNEM (1999, p. 145)
chances de não chegar a lugar algum indicam competências e habilidades,
ou de não atender aos objetivos
propostos é grande (p. 131).
que, por serem formuladas de maneira
ampla, podem abranger vários eixos do
Acreditamos que, colocada dessa ensino. Por isso, dentre as competências
forma, a perspectiva de trabalho com os e habilidades propostas, selecionamos
gêneros textuais permanece vaga e sem para debate as cinco (ver Quadro 1,
objetivos claros. É importante lembrar que abaixo) que, no nosso entender,
uma parcela expressiva dos professores contemplam de modo mais específico o
ainda não teve acesso a discussões trabalho com a leitura.

Quadro 1: COMPETÊNCIAS E HABILIDADES – PCNEM

Competências e habilidades a serem desenvolvidas em Língua Portuguesa

Representação e • Compreender e usar a Língua Portuguesa como língua


comunicação materna, geradora de significação e integradora da
organização do mundo e da própria identidade.
Investigação e • Analisar os recursos expressivos da linguagem verbal,
compreensão relacionando textos/contextos, mediante a natureza, função,
organização, estrutura, de acordo com as condições de
produção, recepção (intenção, época, local, interlocutores
participantes da criação e propagação das ideias e
escolhas, tecnologias disponíveis).
• Recuperar, pelo estudo do texto literário, as formas
instituídas de construção do imaginário coletivo, o
patrimônio representativo da cultura e as classificações
preservadas e divulgadas, no eixo temporal e espacial.
• Articular as redes de diferenças e semelhanças entre a
língua oral e escrita e seus códigos sociais, contextuais e
linguísticos.
Contextualização • Considerar a Língua Portuguesa como fonte de legitimação
sociocultural de acordos e condutas sociais e como representação
simbólica de experiências humanas manifestas nas formas
de sentir, pensar e agir na vida social.

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Documentos oficiais do ensino médio e formação do leitor
No item referente à ‘Representação Percebe-se assim uma mescla das
e comunicação’, destacamos a concepções cognitivista e
competência que aponta para as sociointeracionista para o ensino e a
possibilidades dos usos da língua na aprendizagem da língua. O documento
sociedade e da constituição da identidade destaca também a importância a ser dada
do sujeito. Ela sugere a leitura dos textos ao texto, visto que é a unidade básica da
linguagem verbal, que por sua vez, é o
fundamentada na percepção de que
cerne do ensino da Língua Portuguesa, e
O uso depende de se ter
se caracteriza como “construção humana
conhecimento sobre o dito/escrito (a e histórica de um sistema linguístico e
leitura/análise), a escolha de gêneros comunicativo em determinados
e tipos de discurso. Tais escolhas contextos”. (p. 139)
refletem conhecimento e domínio de Dessa forma, podemos dizer que
“contratos” textuais não declarados,
mas que estão implícitos. Tais
a proposta de leitor nos PCNEM é
contratos exigem que se fale/ construída com base tanto na perspectiva
escreva desta ou daquela forma, individual do cognitivismo quanto na
segundo este ou aquele gênero. Disso perspectiva sociointeracionista. Espera-
saem as formas textuais. (p. 144) se, na formação do ensino médio, que o
leitor possa construir sentidos para os
No tópico que trata da ‘Investigação e textos a partir das suas capacidades
compreensão’, elencamos as três cognitivas de compreensão da linguagem
competências estabelecidas, uma vez e na relação com o outro, na interação
que todas elas, a nosso ver, são usadas propiciada pelas práticas sociais. Sendo
para o desenvolvimento da leitura. assim, os PCNEM pretendem formar o
Observamos que a análise de recursos leitor ativo, aquele que avalia, interpreta,
da linguagem verbal, o estudo do texto julga, toma posição consciente e
literário e a percepção das diferenças e responsável.
semelhanças entre a língua oral e escrita Embora os PCNEM já apontem para
contribuem para a formação do leitor e uma perspectiva mais ampla do ensino
que, segundo o documento, “quanto mais da língua, deixa de lado alguns aspectos
dominamos as possibilidades de uso da que poderiam contribuir para sua adoção
língua, mais nos aproximamos da de maneira mais efetiva na escola. Por
eficácia comunicativa” (p. 143). exemplo, a oscilação entre a concepção
O terceiro ponto abrange a de língua como código e como processo
‘Contextualização sociocultural’ e de interação, e a não determinação do que
estabelece que “a Língua Portuguesa é seria o trabalho nessa visão podem
um produto de linguagem e carrega favorecer o distanciamento dos
dentro de si uma história de acumulação/ professores em relação à proposta, pois
é complexo aderir a uma concepção que
redução de significados sociais e
não esteja claramente explicitada.
culturais” (p. 142), característica
Acreditamos que essas questões
imprescindível para uma leitura atenta acabaram por influenciar na decisão das
dos textos em circulação na sociedade. escolas de, via de regra, relegarem os
Podemos, então, concluir que a PCNEM a segundo plano quando do
língua, sob a perspectiva dos PCNEM, desenvolvimento de suas propostas
deve ser estudada vinculada ao seu uso, pedagógicas.
no emaranhado das relações humanas
e não separada desse contexto. Os
OCEM – uma visão integrada da leitura
Parâmetros fundamentam o ensino na
com os demais eixos de ensino
contextualização, numa perspectiva
dialógica, observando o princípio da As Orientações Curriculares para
transdisciplinaridade, apesar da o Ensino Médio (OCEM) são um
proposta, em determinados conceitos, documento oficial, elaborado por uma
dar ênfase ao aspecto do equipe técnica da Secretaria de Educação
desenvolvimento cognitivo do aluno. Básica do Ministério da Educação, e

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Sônia Maria Xavier Duarte; Beth Marcuschi
também se pauta nos marcos legais de leitura se caracterizam como
estipulados para o ensino médio na “situações significativas de interação entre
LDBEN (Lei nº 9394/96). o aluno e os autores lidos, os discursos
Antes de iniciarmos a reflexão sobre e as vozes que ali emergirem, viabilizando,
a leitura nas OCEM, é importante assim, a possibilidade de múltiplas
registrarmos algumas especificidades da leituras e a construção de vários
proposta em relação ao estudo da Língua sentidos”. (p. 33)
Portuguesa no ensino médio. Há, no De acordo com a proposta, “é na
documento, uma separação entre os interação em diferentes instituições
conteúdos de Língua Portuguesa e de sociais (a família, o grupo de amigos, as
Literatura, apresentados em capítulos
comunidades de bairro, as igrejas, a
distintos, sugerindo, assim, uma divisão
escola, o trabalho, as associações, etc.)
no exercício da disciplina (aulas de língua
que o sujeito aprende e apreende as
e aulas de literatura). Em função dessa
organização, e por questão de espaço e formas de funcionamento da língua” (p.
de foco no ensino da língua, optamos, 24) e, dessa maneira, constrói seus
neste trabalho, pela análise do capítulo conhecimentos relativos aos usos da
das OCEM que trata dos “Conhecimentos língua em diferentes situações.
de Língua Portuguesa”. Percebemos, nessa proposição, a
Começamos observando a natureza ao mesmo tempo social e
perspectiva de linguagem adotada na cognitiva da interação dos sujeitos.
proposta. O documento esclarece que, na Concluímos, assim, pelo que foi
sala de aula, as múltiplas linguagens analisado até o momento, que do ponto
devem ser consideradas, uma vez que de vista das OCEM “a língua é uma das
estas possibilitam letramentos múltiplos. formas de manifestação da linguagem, é
O documento concebe a leitura, ao lado um entre os sistemas semióticos
da escrita, como ferramentas de construídos histórica e socialmente pelo
empoderamento social. Para tanto, é do homem” (p. 25), e, esse homem recorre
professor o dever de resgatar as práticas ao sistema linguístico, com seu léxico,
de linguagem e os respectivos textos que suas regras fonológicas, morfológicas,
representam a realidade da comunidade sintáticas e semânticas para a produção
em que a escola está inserida. O trabalho das suas práticas orais e escritas de
com a língua(gem) na escola deve levar interação.
em conta tanto a norma gramatical padrão Essa multiplicidade de linguagens
quanto as normas sociopragmáticas – no perfil traçado nas OCEM para o aluno
sem os quais é impossível atuar, de forma do ensino médio prevê que, ao longo de
bem-sucedida, nas práticas sociais de sua formação, ele possa
uso da língua.
O documento também estabelece conviver, de forma não só crítica
a inclusão de diferentes manifestações mas também lúdica, com situações
de produção e de leitura de textos,
da linguagem (dança, música, teatro,
atualizados em diferentes suportes
escultura, pintura), valorizando a e sistemas de linguagem – escrito,
diversidade de ideias, culturas e formas oral, imagético, digital, etc. –, de
de expressão. Traz a sugestão de modo que conheça – use e
compreenda – a multiplicidade de
“práticas de leitura por meio das quais os linguagens que ambientam as
alunos possam ter acesso à produção práticas de letramento
simbólica do domínio literário, de modo multissemiótico em emergência em
nossa sociedade, geradas nas (e
que eles, interlocutivamente,
pelas) diferentes esferas das
estabeleçam diálogos (e sentidos) com atividades sociais – literária,
os textos lidos”. Dessa forma, os eventos científica, publicitária, religiosa,

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Documentos oficiais do ensino médio e formação do leitor
jurídica, burocrática, cultural, observados e analisados nas suas
política, econômica, midiática,
esportiva, etc. (p. 32)
ocorrências sociais. Portanto, o
documento nos permite inferir uma
A perspectiva é que essas práticas concepção de texto enquanto evento
social, fundamentado nas interações
de leitura e de escrita “propiciem a
entre leitores e autor, fazendo emergir os
formação humanista e crítica do aluno,
discursos e as vozes numa perspectiva
que o estimulem à reflexão sobre o
de múltiplas leituras e sentidos vários,
mundo, os indivíduos e suas histórias, sendo necessário, para que as
sua singularidade e identidade”. (p. 33). possibilidades de compreensão se
Como se percebe, predomina, nessas efetivem, o letramento do aluno.
recomendações, uma visão bakhtiniana Observamos, aqui, que as OCEM inserem
da leitura como forma de interação a perspectiva do letramento em múltiplas
pautada no dialogismo e na linguagens como ponto fundamental para
multiplicidade de vozes, amparada nas o desenvolvimento integral da proficiência
perspectivas teóricas da Análise da leitora. Isso significa dizer que
Conversação, da Linguística Textual e das
Teorias da Enunciação. a escola que se pretende
efetivamente inclusiva e aberta à
Na sequência da análise dos diversidade não pode ater-se ao
conceitos no documento, observamos letramento da letra, mas deve, isso
as referências sobre a língua. sim, abrir-se para os múltiplos
letramentos, que, envolvendo uma
Constatamos que, nas OCEM, as enorme variação de mídias,
práticas de ensino e de aprendizagem constroem-se de forma
da língua devem levar em consideração multissemiótica e híbrida. (p. 29)
a apreensão das práticas de linguagem,
dos modos de uso da língua construídos Há, então, no documento, uma
e somente compreendidos nas perspectiva mais abrangente do termo
interações. O documento sugere, para letramento, tanto que é usado no plural
tanto, que os projetos de intervenção “letramentos” e se efetiva a partir do
didática tomem como conhecimento, da compreensão e do uso
das múltiplas linguagens que convivem
objetos de ensino e de aprendizagem na sociedade.
tanto as questões relativas aos usos No que concerne ao conceito de
da língua e suas formas de
atualização nos eventos de interação
gênero textual, a proposta enfatiza que
(os gêneros do discurso) como as estes devem ser estudados na
questões relativas ao trabalho de perspectiva da sua produção, recepção
análise linguística (os elementos
formais da língua) e à análise do e análise de fatores de variabilidade em
funcionamento sociopragmático dos suas práticas. Para o documento, “o
textos (tanto os produzidos pelo professor deve procurar, também,
aluno como os utilizados em situação
resgatar do contexto das comunidades
de leitura ou práticas afins). (p. 36)
em que a escola está inserida as
Este aspecto remete, agora, à práticas de linguagem e os respectivos
visão do documento sobre texto. Nele, o textos que melhor representam sua
trabalho com a leitura vem determinado realidade”. (p. 28)
pela formação e/ou consolidação do gosto Consideremos, no Quadro 2
e pelo desenvolvimento da capacidade de abaixo, proposto pelas OCEM (2006, p.
compreender textos escritos, pela 37-38), os eixos organizadores das
proposta de escuta de textos, pela ações de ensino e de aprendizagem para
compreensão de textos lidos, textos estes o ensino médio.

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Sônia Maria Xavier Duarte; Beth Marcuschi

Quadro 2 – EIXOS ORGANIZADORES DAS ATIVIDADES DE LÍNGUA


PORTUGUESA NO ENSINO MÉDIO – PRÁTICAS DE LINGUAGEM – OCEM

ATIVIDADES DE PRODUÇÃO E RECEPÇÃO DE TEXTOS


Atividades de produção escrita e de leitura de text os gerados nas diferentes
esferas de atividades sociais – públicas e privadas
Tais atividades, principalmente se tomadas em relação aos textos privilegiados no
ensino fundamental, devem focalizar, no caso da leitura, não apenas a formação ou
consolidação do gosto pela atividade de ler, mas sim o desenvolvimento da
capacidade de compreensão do texto escrito, seja aquele oriundo de esferas
privadas, seja aquele que circula em esferas públicas. Essa mesma lógica deve
orientar a seleção e a condução pedagógica de atividades de produção escrita,
voltadas para a formação e o refinamento de saberes relativos às práticas de uso da
escrita na nossa sociedade, tanto para as ações de formação profissional continuada
quanto para aquelas relativas ao exercício cotidiano da cidadania.
Atividades de produção de textos (palestras, debate s, seminários, teatro, etc.)
Por meio desse tipo de expediente, pode-se não só contribuir para a construção e a
ampliação de conhecimentos dos alunos sobre como agir nessas práticas, como
também promover um ambiente profícuo à discussão e à superação de preconceitos
linguísticos e, sobretudo, à investigação sobre as relações entre os gêneros da
oralidade e da escrita, sobre a variação linguística, sobre níveis de formalidade no
uso da língua, por exemplo.
Atividades de escuta de textos (palestras, debates, seminários, etc.) em
situação de leitura em voz alta
Esse tipo de atividade tem especial relevância na construção de saberes com os
quais o aluno possa atuar, futuramente, em práticas muito caras ao domínio
acadêmico e a outros espaços de formação e aprimoramento profissional.
Considerado esse objetivo, podem ser propostas, na sequência das atividades de
escuta, ações de sumarização, materializadas em textos orais ou escritos.
Atividades de retextualização: produção escrita de textos a partir de outros
textos, orais ou escritos, tomados como base ou fon te
Como tais atividades se caracterizam pela produção de um novo texto a partir de
outro, ocorre mudança de propósito em relação ao texto que se toma como base ou
fonte. Isso pode ser realizado, por exemplo, em tarefas de produção de resumos,
resenhas e pesquisas bibliográficas.
Atividades de reflexão sobre textos, orais e escrit os, produzidos pelo próprio
aluno ou não
Em se tratando de textos produzidos pelo próprio aluno, essas atividades podem
envolver a reelaboração (revisão/reescrita) de textos com o objetivo de torná-lo (mais)
adequado ao quadro previsto para seu funcionamento. Nesse caso, a ação de
reflexão, tomada individualmente ou em grupo, terá como meta a avaliação do texto
e, quando for o caso, sua alteração. Com relação aos textos produzidos por outros
autores que não o próprio aluno, tais atividades podem se materializar, por exemplo,
em momentos de comentários, discussões e debates orais sobre livros, peças
publicitárias, peças teatrais, programas de TV, reportagens, piadas, acontecimentos
do cotidiano, letras de música, exposições de arte, provas, etc. Esse tipo de prática,
quando executado em grupo, pode se dar oralmente ou até mesmo por escrito, em
listas de discussão pela internet, por exemplo. Assegura-se, por meio desse
expediente, um espaço para a reflexão sistemática sobre valores, ideologias e
(pre)conceitos que perpassam os textos em estudo.

Mediante a análise do quadro acima, atividades de leitura e de escrita em


podemos dizer que, no tocante ao ensino diferentes esferas públicas e privadas da
da leitura, as OCEM trazem uma proposta sociedade. Os segundo e terceiro tópicos
integradora desta habilidade com os tratam da produção e recepção de
demais eixos do conhecimento. O gêneros da oralidade e da escrita
primeiro tópico, por exemplo, trata das (palestras, debates, seminários). As

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Documentos oficiais do ensino médio e formação do leitor
determinações se pautam na escuta e na • às restrições da situação
(instituição em que ocorre, âmbito
discussão acerca das especificidades da interação (privado ou público),
desses gêneros, ou seja, na modalidade usada (escrita ou falada),
compreensão dos diferentes aspectos tecnologia implicada, etc.);
envolvidos na sua construção e recepção • ao momento social e histórico em
que se encontram engajados não só
(leitura). O quarto tópico, por sua vez, os interlocutores como também
pressupõe a adequada compreensão de outros sujeitos, grupos ou
um determinado texto base ou fonte, para comunidades que eventualmente
que o encaminhamento da atividade de estejam afeitos à situação em que
emerge o texto.
retextualização se efetive. Já nas (d) cognitivo-conceitual,
atividades de reflexão, no quinto tópico, associada aos conhecimentos sobre
percebemos a leitura voltada para os o mundo – objetos, seres, fatos,
aspectos do funcionamento do propósito fenômenos, acontecimentos, etc. –
que envolvem os conceitos e suas
comunicativo dos textos e para a
inter-relações. (p. 21-22)
observação de valores, ideologias e
(pre)conceitos encontrados nesses
A proposta de leitura sugerida pelas
textos.
OCEM se apoia, assim, nas dimensões
Concluímos, após a observação do
linguística, textual, sociopragmática e
Quadro 2, que o ensino da Língua
discursiva da língua(gem). Há, nela, uma
Portuguesa proposto pelas OCEM está
orientação para o trabalho com as
fundamentado nas “práticas de
diferentes dimensões do funcionamento
linguagem”, ou seja, nos gêneros textuais,
do texto e com relação à compreensão
e que se realiza através da produção,
dos vários textos que circulam na
recepção e análise dos fatores de
sociedade (tanto em esferas públicas
variabilidade nessa(s) e dessa(s)
quanto privadas), passando também por
práticas. Este encaminhamento opera
uma reflexão sobre os valores, ideologias
com uma visão integrada da leitura,
e (pre)conceitos presentes nos textos. O
produção e análise linguística. Dessa
trabalho é integrado, na medida em que
forma, os estudos da língua têm o texto
os conteúdos de leitura, produção e
como ponto de partida e de chegada e
análise estão imbricados, sendo possível
estão fundamentados nas múltiplas
realizá-lo de forma conjunta.
dimensões de recepção e produção, tais
No capítulo que trata dos
como abaixo elencadas:
Conhecimentos de Língua Portuguesa,
(a) linguística, vinculada, portanto,
as OCEM norteiam para a formação de
aos recursos liguísticos em uso um leitor crítico que compreenda os textos
(fonológicos, morfológicos, lidos, consolide o gosto pela atividade de
sintáticos e lexicais); leitura e observe o texto quanto aos
(b) textual, ligada, assim, à
configuração do texto, em gêneros valores, intenções e ideologias nele
discursivos ou em sequências presentes. Notamos também uma
textuais (narrativa, argumentativa, preocupação com a formação do leitor via
descritiva, injuntiva, dialogal);
(c) sociopragmática e discursiva,
textos que circulam nas práticas sociais
relacionada, por conseguinte: nas quais está inserido, tanto pelo uso
• aos interlocutores; quanto pela reflexão, propiciando o seu
• a seus papéis sociais (por exemplo, desenvolvimento como cidadão e
pai/filho, professor/aluno, médico/
paciente, namorado/namorada, garantindo a ampliação do seu grau de
irmãos, amigos, etc., que envolvem letramento para melhor desempenho de
relações assimétricas e/ou sua participação na sociedade.
simétricas);
• às suas motivações e a seus
Consequentemente, as OCEM pretendem
propósitos na interação (como formar um leitor crítico que, além de
produtores e/ou receptores do texto); compreender os múltiplos sentidos dos

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Sônia Maria Xavier Duarte; Beth Marcuschi
textos, perceba as marcas de valores, Já a noção de texto está estabelecida
intenções e ideologias neles presentes. como processo construído em situação
de interação, e a sua compreensão se
PNLEM – uma percepção da leitura em realiza pelo cruzamento tanto das
sua multiplicidade de sentidos informações explícitas quanto pelas
O catálogo do Programa Nacional inferências possíveis de serem realizadas
do Livro para o Ensino Médio (PNLEM/ pelo leitor a partir de seus conhecimentos
2009) de Língua Portuguesa traz a síntese linguísticos, cognitivos, históricos, sociais
das obras didáticas que foram avaliadas e de suas concepções, valores e
e aprovadas no processo de seleção do ideologia.
PNLEM/2007 para adoção nas escolas da A ficha também anuncia os
rede pública de ensino a partir de 2009. O aspectos que as atividades de leitura
documento foi elaborado pelo Ministério devem levar em consideração para a
da Educação, por meio da Secretaria de construção dos sentidos do texto: os
Educação Básica, em parceria com o fatores de textualidade; a exploração do
Fundo Nacional de Desenvolvimento da
conteúdo e da forma; a proposição de
Educação. Foi planejado com a intenção
questões de caráter interpretativo,
de apresentar aos professores um
inferencial e crítico; a exploração dos
parecer baseado na estrutura das obras,
elementos linguísticos; a ampliação do
na análise crítica dos aspectos
vocabulário; a exploração dos implícitos
conceituais, metodológicos e éticos; e de
trazer também algumas sugestões para e dos constituintes de cada gênero; a
a prática pedagógica. Salientamos que a intertextualidade; a interdisciplinaridade;
análise dos conceitos orientadores do a articulação com as atividades de
PNLEM foi feita com base nas questões produção textual e com os conhecimentos
da ficha de avaliação, pois não há, no linguísticos e literários. Pelos fenômenos
documento em tela, explicitação das priorizados, podemos dizer, então, que os
concepções teórico-metodológicas conceitos de língua e texto estão em
utilizadas como referência e/ou critério de convergência com a concepção de leitura
avaliação das obras. Nesta ficha, estão adotada pelo documento.
as questões de caráter teórico- Também a concepção de letramento
metodológicas que devem ser levadas se faz presente no PNLEM, na medida em
em consideração para aprovação ou não que os critérios de avaliação se
da obra didática avaliada. preocupam em qualificar como positiva
Percebemos, no documento, a uma obra didática que selecione textos
presença da concepção das esferas literárias e não-literárias, da
sociointeracionista da língua(gem), pois, modalidade oral e escrita, de maior
pelos questionamentos feitos, devem ser circulação social e ligados aos contextos
consideradas adequadas as obras que
de uso dos alunos. Há igualmente a
levem em consideração o trabalho com
preocupação em garantir o uso dos
textos concebidos como processo de
diversos gêneros textuais visando à
interação e vinculados à situação
ampliação do repertório cultural do aluno;
comunicativa. Dessa maneira, podemos
crer que, nessas obras, a língua deve ser a presença de textos integrais ou, se
vista como atividade social e fragmentados, acompanhados da sua
historicamente situada, contemplada em devida contextualização em relação às
seu aspecto sistemático, mas observada obras das quais foram retirados. A
em seu contexto de uso. proposta determina que o trabalho com

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Documentos oficiais do ensino médio e formação do leitor

os gêneros textuais seja fonte de à leitura, contidas na Ficha de Avaliação


interdisciplinaridade, de diálogo com do catálogo do PNLEM/2009 (p. 128-130),
outras áreas do conhecimento. e que serviram de orientação para o
Observemos, no Quadro 3, que parecer dos avaliadores das coleções de
segue, algumas das questões referentes livros didáticos do período.

Quadro 3: FICHA DE AVALIAÇÃO – PNLEM

LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTOS


2.1. Conceitos gerais

a) O texto é concebido como um processo construído em situação de interação?


(Ou é considerado apenas um produto, desvinculado da situação comunicativa?)
b) A concepção de leitura contempla a possível multiplicidade de sentidos construídos a
partir do texto?
(Ou contempla o texto como dotado de um único sentido hegemônico?)
2.2. Metodologia do ensino
2.2.1. Da leitura

a) A seleção de textos propicia o contato do aluno com diversos gêneros textuais?


b) A seleção de textos contempla:
tanto textos literários quanto não-literários?
tanto textos de modalidade oral quanto de modalidade escrita?
gêneros de maior circulação social, ligados à experiência do aluno?
opções que levam em conta o compromisso de ampliar o repertório cultural do aluno?
c) Há predominância de textos apresentados na íntegra?
Caso contrário, os fragmentos constituem unidade coerente?
Os fragmentos estão contextualizados em relação à obra de que foram extraídos?
AS ATIVIDADES DE LEITURA

d) levam em consideração os fatores de textualidade para a construção do sentido do


texto?
e) exploram os textos em seus aspectos mais significativos e pertinentes – quanto ao
conteúdo e à forma?
f) propõem questões de caráter interpretativo, inferencial e crítico?
(Ou se limita a propiciar digressões de caráter subjetivo e/ou a testar a compreensão do
texto?)
g) exploram os elementos linguísticos como recursos para a construção do sentido textual?
(Ou se limitam a utilizar o texto como pretexto para exploração de conteúdos gramaticais?)
h) desenvolvem estratégias que promovam a ampliação do vocabulário?
i) exploram os implícitos como elementos fundamentais à construção do sentido do texto?
j) exploram os constituintes de cada gênero aplicados à construção do texto?
(Ou se limitam a descrever os gêneros textuais desvinculados da construção do texto?)
l) contemplam a intertextualidade, de modo a motivar a inter-relação de conteúdos e/ou
formas?
m) propiciam a abordagem da interdisciplinaridade e o consequente diálogo com áreas
afins?
n) desconsideram a articulação com as atividades de produção textual e com os
conhecimentos linguísticos e literários?

Podemos dizer, a partir da ficha, que Apresenta-se, assim, o caráter dialógico


a leitura, na avaliação do PNLEM, é no qual as possibilidades de leitura serão
fundamentada nas múltiplas determinadas pela relação interacional
possibilidades de sentidos que podem autor-texto-leitor.
ser construídos a partir do texto. Dessa Percebe-se também, em relação ao
forma, prepondera a perspectiva ensino de leitura, uma referência aos
bakhtiniana das múltiplas leituras, diversos gêneros textuais e às suas
abandonando a concepção hegemônica características quanto à textualidade, à
do texto dotado de sentido único. forma, à contextualização. A leitura, então,

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Sônia Maria Xavier Duarte; Beth Marcuschi

se efetiva na multiplicidade de aspectos, Palavras finais


corroborando a concepção de texto como Tendo em vista as reflexões aqui
processo construído em situação de desenvolvidas, podemos dizer que, nos
interação, pressupondo a língua nas suas documentos oficiais do ensino médio –
dimensões estrutural e PCNEM, OCEM, PNLEM –, os tipos de
sociocomunicativa, de natureza dinâmica leitor que se pretende formar são
e variável, um sistema adaptável ao convergentes, embora cada um tenha
contexto sociocultural. optado por propostas metodológicas
Dessa forma, observamos que o diferentes e também por determinações
PNLEM/2009, ao avaliar os livros didáticos mais sutis ou mais enfáticas em relação
de Língua Portuguesa para o ensino às concepções teóricas e aos fenômenos
médio, dedica especial atenção à leitura, de linguagem priorizados. Percebemos,
sua metodologia de ensino e às através dessas diferentes abordagens
atividades utilizadas para o seu teórico-metodológicas declaradas nos
desenvolvimento. Tudo isso documentos, que a proposta do processo
fundamentado na articulação com a de formação do leitor no ensino médio
produção de texto e a análise linguística, vem paulatinamente aderindo às novas
valorizando, também, o recurso da tendências apontadas pelas recentes
interdisciplinaridade com áreas afins. pesquisas acadêmicas na área
A observação dos aspectos linguística.
relacionados à leitura, no catálogo, Enquanto os PCNEM, como
aponta para a orientação de um trabalho documento introdutório das mudanças,
pautado nas concepções acadêmicas ainda trazem uma mistura das
mais atuais do ensino da leitura, ou seja, concepções cognitivista e
na perspectiva sociointeracionista – sociointeracionista da linguagem, as
desde a percepção de leitura como OCEM e o PNLEM mostram considerável
múltiplas possibilidades de sentidos e o avanço nesse aspecto. Dessa forma,
conceito de texto como processo podemos dizer que tanto as OCEM quanto
construído em situação de interação, até o PNLEM deixam transparecer, de modo
as orientações sobre a metodologia e as mais explícito, uma gradual adesão à
determinações das atividades para o seu teoria sociointeracionista no processo de
ensino. Além disso, os livros didáticos, ensino/aprendizagem da leitura.
para serem aprovados no programa e, Acreditamos que seja importante
consequentemente, utilizados na escola, ratificar, nesse momento, os perfis de
precisam explorar os textos nas suas formação de leitor que encontramos em
diversas características e possibilidades cada documento. Verificamos que, nos
de produção de sentidos. PCNEM, o leitor pretendido avalia,
Como se percebe, o PNLEM/2009 interpreta, julga, toma posição consciente
pleiteia a formação de um leitor e responsável. É, portanto, um leitor ativo.
multifacetado, capaz de fazer relações Nas OCEM, o leitor deve compreender os
entre os aspectos linguísticos, textuais, textos e observá-los criticamente,
históricos e socioculturais na construção percebendo valores, intenções e
dos múltiplos sentidos a partir dos textos ideologias presentes, ou seja, é um leitor
lidos, o que, acreditamos, seja a forma crítico. Já no PNLEM, o leitor presumido
mais adequada, no momento, de é aquele que faz relações entre os
trabalhar a leitura no contexto escolar. aspectos linguísticos, textuais, históricos,

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Documentos oficiais do ensino médio e formação do leitor

sociais e culturais para a construção dos professores tenham o conhecimento


múltiplos sentidos dos textos, mais adequado dessas concepções teórico-
precisamente, é o leitor multifacetado. metodológicas e dos documentos oficiais
A nosso ver, esses avanços nos do ensino. Pensamos que, uma vez
documentos oficiais do ensino médio atendidas essas necessidades, teremos
serão incorporados ao cotidiano da sala uma escola mais preparada para formar
de aula, na medida em que os leitores proficientes.

SECONDARY SCHOOL OFFICIAL DOCUMENTS


AND READER DEVELOPMENT

ABSTRACT
The present study explores official documents approaches concerning the teaching of
Portuguese in Brazil (such as PCNEM, OCEM and PNLEM). More specifically, it aims to
delineate the reader profile which is presently sought to develop during the secondary
school years of Brazilian basic schooling. In that regard, the present paper also intends
to provide curricula elaboration authorities, classroom-active teachers, and language
scholars, means of understanding current propositions to the teaching of reading.
Throughout the paper, based on assumptions of Applied Linguistics, concepts such
as language, text and literacy are discussed, as well as different theoretical and
methodological conceptions of reading. This study concluded that the set of documents
analyzed lead, generally, to the development of a “critic reader” although they do not
always prioritize linguistic phenomena and concurring pedagogical strategies.

Keywords: reading; official documents; secondary school; reader development

Artigo submetido para publicação em: 20/05/2011


Aceito em: 28/07/2011

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