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Universidade Federal Fluminense

Departamento de Letras
ESPECIALIZAÇÃO EM CULTURA, LÍNGUA E LITERATURA LATINA

MÔNICA NUNES DE NEVES

ANÁLISE EPISTOLOGRÁFICA

PLÍNIO, O JOVEM – EPÍSTOLA 1:22

Trabalho apresentado ao curso de Pós


Graduação em Cultura, Língua e Literatura
Latina da Universidade Federal Fluminense –
UFF como requisito parcial para aprovação na
disciplina Estudos de Epistolografia Latina.

Docente: Drª: Renata Cazarini

Niteroi
2021
RESUMO

Caius Plinius Caecilius Secundus ou Plínio, o jovem (61-112 d.C.), foi um orador e
poeta romano, também jurista, político e Governador Imperial da Bítinia. Muito conhecido por
sua produção literária, sobretudo pelo epistolário com dez livros, escritos em prosa, e pelo
Panegírico de Trajano, nos quais retratou singularidades históricas e cotidianas de sua época.
Em suas obras o autor revelou aspectos relevantes de pessoas e personalidades de seu círculo,
enfatizando também o gênero epistolar, bem como variados recursos de retórica. Nesse
contexto, o objetivo deste trabalho se volta para à análise epistolográfica da correspondência
1:22, enviada por Plínio ao amigo Catílio Severo, notável senador, com a finalidade de elogiar
os feitos de Tício Aristo, jurista romano, retratado por ele como pessoa de nobre caráter e
práticas exemplares.

Palavras-chave: Epistolografia romana; Plínio, o jovem; Epístola 1:22; Análise epistolográfica.

Caio Plínio Cecílio Segundo (Caius Plinius Caecilius Secundus), mais conhecido como
Plínio, o Jovem ou Plínio, o moço, oriundo de família equestre, foi um escritor romano, orador,
jurista, político e nomeado em 111 d.C, pelo Imperador Trajano, Governador Imperial da
Bítinia1. (BAYET, 1981, p. 427). Nasceu em Como, por volta de 62.d.C, estudou em Roma sob
a tutela de Quintiliano, conforme retratado pelo próprio em sua epístola VI, 6;3.

De sua produção literária chegou até nós o Panegírico de Trajano e o conjunto de 318
Cartas (litterae curatius scriptae), escritas em prosa e distribuídas em dez livros, sendo os nove
primeiros compostos de 247 correspondências, todos organizados e publicados por ele. No
entanto, o décimo livro, composto por 121 missivas, trata-se de uma publicação póstuma e
registra a correspondência com o Imperador Trajano. (GIESEN; LEITE, 2019, p. 10) O
conjunto dessas cartas inclui um repertório de variados assuntos, bem como destinatários
diversos, dentre eles Tácito e Suetônio, sendo, durante muito tempo, uma importante fonte para
pesquisas e estudos de fatos históricos e das práticas sociais e culturais adotadas pelos cidadãos
romanos do século I, de nossa era. A classicista Leni Ribeiro Leite2, descreve que “os temas na

1
Bítinia – em latim: Bithynia foi uma cidade romana localizada na antiga Ásia Menor.
2
Leni Ribeiro Leite é doutora em Letras Clássicas pela UFRJ e atua principalmente na área de Estudos Clássicos,
nos seguintes temas: lírica latina, Marcial, epigrama, Estácio, recepção do clássico, representação e ensino de
latim.
correspondência pliniana são tão diversos quanto os tons do discurso e a extensão dos textos”.
(GIESEN; LEITE, 2019, p. 14) Logo, implica dizer que há cartas que versam a respeito de
assuntos graves, enquanto outras tratam de assuntos literários ou do cotidiano romano. Além
disso, Plínio também escreveu epístolas sobre política e até mesmo do que costumavam praticar
no fórum da cidade.

O conteúdo das cartas de Plínio nos remete a um princípio pragmático, ou seja, o autor
e seus destinatários faziam parte de uma distinta camada social da elite romana e apresentam
uma visão de mundo marcada por experiências individuais comuns confirmadas pela relação
de amizade. Além disso, tais experiências retratam as práticas de determinados grupos sociais
cujos papéis eram importantes na vida em comunidade. Portanto, sob essa ótica, a historiadora
Renata Biazotto Venturini3 afirma que as “Cartas de Plínio, o Jovem, não são textos inocentes
e transparentes. Foram escritas com diferentes intenções e estratégias, que demonstram a forte
articulação com o poder político por parte do autor das Cartas e do seu elenco de
correspondentes”. (VENTURINI, 2005, p.153)

O uso do discurso elogioso colabora para a elaboração da epistolografia pliniana, logo


é a partir desta técnica que nos debruçaremos em especial sobre a correspondência entre Plínio
e Catilio Severo, que foi um notável senador (Consul suffetus) entre os anos 110 e 120 d.C.
Trataremos da análise da epístola 1.22, na qual o autor elenca características virtuosas de Tício
Aristo, cujas virtudes e atitudes deverão ser tomadas como exemplos a serem imitados e
rememorados. Para além do caráter exemplar, vale destacar a questão da amizade como ponto
fundamental na epistolografia de Plínio, haja vista que anuncia uma relação mais íntima entre
autor e destinatário. A missiva possui saudação e despedida como todas as epístolas latinas
costumavam ser escritas, ou seja, ele usou a inscrição inicial (inscriptio) “C. PLINIUS CATILIO
SEVERO SUO S.” para anunciar remetente e o destinatário, além da saudação final
(subscriptio), “Adeus”.

Outra característica essencial elencada na correspondência é a virtus e Venturini salienta


que a identidade do autor está presente em suas cartas uma vez que ele também fazia parte da
esfera política romana e prezava pelos ideais morais da tradição. Assim, ela diz que

Plínio, o Jovem se identificou com o meio social que o envolvia e que está
presente em suas Cartas. Tal identidade pode ser atestada por sua escala de
valores, já que suas palavras estavam fundamentadas na certeza de que a

3
Renata Lopes Biazotto Venturini é doutora em História social pela Universidade de São Paulo, com ênfase em
História Antiga, atuando principalmente nos seguintes temas: principado romano, instituições políticas, patronato,
poder imperial, epístolas de Caio Plínio Cecíllio Segundo.
virtude era o supremo bem. Ele próprio era um homem que ocupava uma
posição privilegiada na sociedade e que admirava os homens de moral.
(VENTURINI, 2011, p.176)

O latinista italiano Ettore Paratore4 descreve que o estilo do discurso de Plínio “revela-
se singularmente próximo do de Quintiliano: é quase festivamente correntio, tudo menos alheio, em
cadência e vocábulos, ao sermo familiaris contemporâneo[...].” (PARATORE, 1987, p. 748) Dito isto,
podemos afirmar que a carta é breve, escrita em prosa com linguagem simples e de fácil
entendimento, sem deixar de ser elegante, contendo 12 (doze) parágrafos nos quais logo de
início Plínio busca elencar as virtudes de Tício Aristo.

Vimos que a correspondência de Plínio foi organizada e publicada por ele mesmo,
possuindo caráter tanto público quanto privado. Ressaltamos que as missivas do autor nos
fornecem a ideia de construção de imagens dos destinatários e de si mesmo, visto que ele
também fazia parte da elite intelectual que procurou exaltar em seus escritos. Essas construções
se dão primeiramente a partir dos elogios que foram feitos e que elevam o caráter moral dos
correspondentes ou elogiados sugerindo a construção de um éthos moral que se relaciona com
as virtudes desejáveis, segundo o missivista.

Pierre Grimal, latinista italiano, atesta que a imagem romana de um povo virtuoso tem
correspondência com os primeiros tempos, ou seja, com o passado histórico ao qual conferem
relevada dignidade. Segundo ele, essa “virtude romana é feita de vontade, de severidade (a
gravitas, a seriedade, isenta de frivolidade), a dedicação à pátria.” (GRIMAL, 2018, p. 70)
Podemos perceber nesse movimento a exaltação do mos maiorum, ponto importante da tradição
romana. Desta feita, os louvores foram dedicados à carreira e a moral de Tício, uma vez que
seus exemplos como cidadão de Roma deveriam ser lembrados na posteridade. Isto fica claro
nos parágrafos 1 e 2 e 3, quando Plínio diz que:

1[...] Não há nada mais sério, mais nobre ou mais douto que ele [...] 2. Ele
detém tantos conteúdos, tantos exemplos, tanta tradição! [...] 3. Há tanta
integridade em suas falas, tanta autoridade, tão contida e adequada delonga.
Existe algo que ele não saiba de pronto? [...] (GIESEN; LEITE, 2019, p.214)

O estilo literário pliniano apresenta diversos recursos da retórica, tais como a repetição
(repetitio) e amplificação (amplificatio) na construção das frases. Por conseguinte, vemos o uso
da repetição sonora disposto estrategicamente para produzir um efeito harmônico ao exaltar as

4
Ettore Paratore foi um latinista e acadêmico italiano, considerado um dos maiores estudiosos da literatura
latina na segunda guerra mundial.
virtudes de Tício Aristo e da amplificação para dar ênfase à uma ideia ou destacar qualidades
ou particularidades de alguém, neste caso o elogiado. Observamos a repetição em várias frases
e tomamos como exemplo o parágrafo 4, no qual ele diz “Além disso, há tanta simplicidade
em seu modo de vida, tanta modéstia em seus hábitos!”. Já a amplificação pode ser percebida
quando Plínio descreve a competência do elogiado no parágrafo 2 dizendo: “Quão competente
ele é no direito público e no privado! Ele detém tantos conteúdos, tantos exemplos, tanta
tradição! (Quam peritus ille et privati iuris et publici! Quantum rerum, quantum exemplorum,
quantum antiquitatis tenet!)”. Na sequência, o missivista utiliza a comparação (comparatio)
quando menciona que Tício não deve ser comparado aos homens que se dedicam à sabedoria
pela forma física (parágrafo 6).

No parágrafo 8 emerge a questão da morte voluntária quando se fala sobre Tício Aristo
deixar a vida, por vontade própria, caso sua doença fosse instransponível. Cabe explicar que o
suicídio era “legitimado” em situações de dor e sofrimento por doenças incuráveis ou casos em
que não houvesse saída e, portanto, sob a luz da doutrina estoica, desde que não contrariasse a
lei da natureza ou o destino, a ideia de pôr fim à própria vida era concebida racionalmente e
levada à prática como opção de liberdade diante da impossibilidade de viver dignamente. Outro
fator que se distingue é a apatheia estoica quando o autor diz que “você ficaria admirado se
presenciasse com que paciência ele suporta essa doença, como resiste à dor [...]” (parágrafo 7),
ou seja, afirma a capacidade de se manter indiferente à dor e aos infortúnios causados pela
enfermidade, mantendo assim a tranquilidade da alma.

Nesta carta, Plínio nos dá pistas a respeito de querer estar em seu próprio ócio, haja vista
que tal condição era muito almejada pelos patrícios romanos. Tamanho é o desejo do autor que
o mesmo sinaliza o seguinte: “[...] uma vez libertado, retornarei para minha casa em Laurento,
isto é, para meus livros e tabuinhas e para meu tempo de estudo.” (Parágrafo 11) Somente
nessa passagem percebemos três elementos a considerar: 1) a ênfase no otium, por conta da
pressão que ele demonstra sentir por estar longe dos seus afazeres; 2) a evidência do registro
histórico das tabuinhas como suporte para escrita das epístolas e, por fim, a localização exata
de sua residência em Laurento.

Considerações Finais:

Analisar uma epístola escrita há muitos anos é um trabalho desafiador que requer
paciência e ausência de opiniões pessoais. No caso da epístola pliniana foi possível perceber
que o autor usa de forma inteligente tal recurso para expressar suas ideias, fatos do cotidiano
romano, bem como elencar qualidades e desfiar elogios ou recomendações sobre pessoas
próximas a ele. Para além de uma simples missiva epiditica, Plinio revela vasto conhecimento
adquirido nas escolas de retórica, seja pelo uso dos recursos empregados na epístola analisada
ou pela construção elegante de suas frases. Assim, o saldo deste trabalho tornou-se positivo,
pois além de propiciar a oportunidade de conhecer seu epistolário, destacou elementos variados
da cultura romana e registro histórico do suporte material das cartas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

GIESEN, Kátia Regina; LEITE, Leni R. As cartas de elogio de Plínio, o Jovem. Vitória, ES:
EDUFES, 2019.
GRIMAL, Pierre. A civilização romana. Lisboa: Ed. 70, 1984.
PARATTORE, Ettore. História da Literatura Latina. Tradução de. Manuel Losa. Lisboa:
Fundação Calouste Guldenkian, 1987.
Venturini, Renata. L. B. AS PALAVRAS E AS IDÉIAS: O PODER NA ANTIGÜIDADE.
Diálogos, 9 (2), p. 143-155, 2005. Recuperado de
http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/Dialogos/article/view/41404
_______________. Estoicismo e imperium: a virtus do homem político romano Acta
Scientiarum Education. Maringá, v. 33, n. 2, p. 175-181, 2011. DOI:
10.4025/actascieduc.v33i2.13145

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