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DEPOIS DA CHUVA...

Drama Homoerótico

Texto de:
JULIO CARRARA

Escrita em 2005

Atenção: Texto registrado e distribuído em caráter puramente de uso e leitura


PESSOAL. Todos os direitos reservados aos detentores legais dos direitos da
obra. Para a representação e comercialização legal da peça, entrar em contato
com o autor através do e-mail: julio.carrara@gmail.com
Julio Carrara Depois da Chuva... Pag.: 1

PERSONAGENS:
CRISTIANO
BRUNO
MULHER (OFF)
PASTOR (OFF)

ÉPOCA: Atual.

CENÁRIO: Um minúsculo apartamento, muito simples. Dois


colchões, um puff, um rack onde estão o som, a TV,
diversos CDs e livros de Direito como o Código Penal, por
exemplo. No proscênio, uma sacada. Porta de entrada de um
lado e do outro uma minúscula cozinha que conduz ao
banheiro.

(...) “Sejamos mais precisos: melhor que de


homossexualidade, deveríamos falar de relações entre
pessoas do mesmo sexo. Deveríamos, então, empregar o termo
homofilia”.
Jean-Philippe Catonné
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CENA 1

(LUZ EM RESISTENCIA REVELANDO A SALA DO APARTAMENTO VAZIA.


OUVE-SE RUÍDOS DE TRÂNSITO. A PORTA SE ABRE E ENTRAM BRUNO
E CRISTIANO CARREGADOS DE EMBRULHOS)

BRUNO
É aqui. Que tal, hein???

CRISTIANO
(OLHANDO PELA JANELA) A vista não é das melhores, mas
até que dá pra encarar. Morar no edifício São Benedito, do
lado do cinema pornô, na frente do Minhocão e em cima do
Ponto G?! Ninguém merece...

BRUNO
Mas daqui até o Mackenzie é um pulinho. O foda é esse
barulho infernal aí fora. E depois, quando a gente voltar
da facul, vamos estar tão cansados que nem vamos ouvir
nada. E com o tempo a gente se acostuma.

CRISTIANO
Puta sorte ter te encontrado pra dividirmos o apê. Eu
tava vendo umas pensões pra morar, mas quando via aqueles
seres bizarros aparecendo, picava a mula. Eu tava
desesperado atrás de alguém pra dividir o aluguel e o
condomínio. Meu pai tinha pensado na hipótese de ficar lá
em casa, mas eu não agüentaria ir e vir de Atibaia todos
os dias. Não iria render nada no curso.

BRUNO
É, o curso de Direito é foda. Não quero nem pensar
como é que vai ser.

CRISTIANO
Nem eu. Mas a gente tá junto nessa, véio. Um vai
cuidar do outro. Ainda mais agora que não temos mais mamãe
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e papai por perto pra ficar pegando no nosso pé... Esse é


o preço da tão sonhada liberdade. (CRISTIANO SOBE NO
PARAPEITO DA SACADA)

BRUNO
Sai daí, seu louco. Quer se esborrachar lá embaixo?

CRISTIANO
(ABRE OS BRAÇOS) “Minhas asas estão prontas para
voar. Eu gostaria de voltar no tempo. Ficaria mais tempo
vivo se tivesse menos liberdade”.

BRUNO
Credo, voltar no tempo e ter menos liberdade. Estou
contente com o aqui e agora.

CRISTIANO
(SAINDO DA SACADA) Eu também tô. Falei por falar. Tô
adorando esse gostinho de liberdade, cara. A gente vai ser
muito feliz aqui, Bruno.

BRUNO
Disso eu tenho certeza...

(AMBOS SE ABRAÇAM AFETUOSAMENTE)

CRISTIANO
Bem, ao trabalho...

BRUNO
Ao trabalho.

(COMEÇAM A ARRUMAR O AMBIENTE ALEGREMENTE. BRUNO COLOCA UM


CD NO SOM NUM VOLUME ENSURDECEDOR. DEPOIS DE UM TEMPO,
OUVE-SE BATIDAS NA PAREDE)

MULHER
(OFF, GRITANDO) Abaixa esse rádio...
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(CRISTIANO E BRUNO, SEM SE IMPORTAR, VÃO ATÉ A SACADA E


GRITAM PARA FORA)

AMBOS
Hein?

MULHER
(OFF, GRITANDO) Abaixa o diabo desse rádio...

BRUNO
Ih... ser vizinho de velha é foda.

CRISTIANO
Fala mais alto!!!!

MULHER
(OFF) Eu vou falar com a síndica e ela vai dar uma
multa pra vocês, seus malcriados. Não conhecem as regras
de condomínio, não?

AMBOS
Nããããoooo!

MULHER
(OFF) Vocês vão ver... Eu sou a primeira moradora
deste edifício e vou tomar providências contra vocês...

BRUNO
Vai correndo, velha do caralho!...

MULHER
(OFF) Vocês não perdem por esperar, moleques...

(AMBOS RIEM E VOLTAM PRA DENTRO)

CRISTIANO
Será que ela vai mesmo falar com a síndica?
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BRUNO
Se falar, falou... Olha só a minha cara de
preocupado... Qualquer coisa, a gente arrebenta ela e a
síndica de porrada... (RIEM)

CRISTIANO
Cara, você é muito louco...

BRUNO
Por que acha que escolhi essa profissão? Existe
alguém mais louco do que um advogado?

CRISTIANO
Ah, existe sim...

BRUNO
Quem?

CRISTIANO
Limpador de janela.

BRUNO
Porteiro de cinema pornô.

CRISTIANO
Maquiador de defunto.

BRUNO
Puta!

CRISTIANO
Padre!

BRUNO
Ah, padre não é profissão!

CRISTIANO
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E puta também não é!


(AMBOS CAEM NA GARGALHADA E COMEÇAM UMA GUERRA DE
TRAVESSEIROS)

CENA 2

(BRUNO E CRISTIANO SENTADOS NO PUFF COMENDO PIZZA E


TOMANDO COCA-COLA.)

BRUNO
Tô vendo que essa será a nossa refeição diária: pizza
com coca-cola. Desse jeito vou virar um hipopótamo.

CRISTIANO
O único jeito é aprender a cozinhar...

BRUNO
Eu não sei nem fritar ovo. O que sei é ferver o leite
e fazer miojo. Mais nada.

CRISTIANO
Eu até que sei fazer alguma coisa. Mas sou
preguiçoso. Não tenho saco pra cozinha. E depois da comida
pronta ainda tem que lavar as panelas, os pratos e os
talheres. É muito trampo.

BRUNO
Uma empregada seria o ideal, hein? O que acha?

CRISTIANO
É uma idéia...

BRUNO
Só não pode ser baranga. Porque o que mais existe
nesse meio é mulher bagaceira.

CRISTIANO
Pô, Brunão, você foi cruel!
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BRUNO
E não é verdade? Fala aí! As empregadas bonitinhas
estão em extinção... E se conseguirmos arrumar uma
gostosona pra trabalhar aqui, podemos aliviar nossas
tensões sexuais de vez em quando.

CRISTIANO
Você quer uma empregada ou uma puta?

BRUNO
Se for as duas coisas, melhor ainda. (RIEM. EM
SEGUIDA ARROTA)

CRISTIANO
Suspende a feijoada que o porco tá vivo!

BRUNO
Coca-Cola é foda...

CRISTIANO
Foda é galo: trepa com o cu, dorme no pau, tem uma
mulher galinha e um filho que é pinto... (RI)

BRUNO
(SEM ACHAR GRAÇA) Que babaca, cara.

CRISTIANO
Você não captou a minha piada...

BRUNO
(DEPOIS DE UM TEMPO) Nossa, faz duas semanas que eu
não dou uma boa bimbada. E você, Cris, há quanto tempo não
trepa?

CRISTIANO
Desde que nasci.
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BRUNO
Ah, brincou... Você ainda é virgem?

CRISTIANO
Sou.

BRUNO
Caralho! Como consegue? Mas nem uma chupadinha nos
peitinhos, nem um dedinho na xoxotinha? Nenhuma menina te
punhetou ou te chupou?

CRISTIANO
Não...

BRUNO
E nunca teve vontade? Curiosidade? Nunca teve desejo?
Nunca ficou de pau duro ao ver uma gostosa de mini-saia
passando rebolando perto de você? Nunca viu revistas de
sacanagem, filmes pornôs?

CRISTIANO
Já, claro. Como todo mundo. Mas eu...

BRUNO
Você é tímido, né? Mas não tem problema. Amanhã eu
vou te apresentar umas gatinhas lá do curso. Aí eu xaveco
elas pra você e você arrasta alguma pra cá e faz a festa.
Esse apê vai ser um verdadeiro puteiro, maluco. Mas como
só tem um cômodo aqui, vamos usar o velho truque da toalha
vermelha. Quando eu ou você estivermos na ativa com alguma
gata, vamos colocar a toalha na janela pra evitar
constrangimentos... Né?

CRISTIANO
(COM UM SORRISO AMARELO) É.

(CRISTIANO COM UM CONTROLE-REMOTO MUDA OS CANAIS DA TV)


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CRISTIANO
Merda. Não tem nada que preste este horário.

BRUNO
TV aberta é um lixo. Essa hora só tem programa de
igreja... (TIRANDO SARRO) Corre lá pegar um copo d’água
pro pastor abençoar!

(CRISTIANO COLOCA NUM PROGRAMA DE IGREJA. OUVE-SE EM OFF A


VOZ DE UM PASTOR)

PASTOR
“...liguem para o telefone que está aparecendo no seu
vídeo e respondam a pergunta da nossa enquete de hoje: a
homossexualidade é uma doença ou sem-vergonhice?”

CRISTIANO
Vai se foder, pastor de merda. (VAI MUDAR DE CANAL)

BRUNO
Não muda, não, Cris. Vamos ver esse circo.

PASTOR
“... Deus criou o Homem e a Mulher. Se continuar como
está, homem com homem e mulher com mulher, não haverá
dentro em breve mais seres humanos neste Planeta. Você,
amigo telespectador, que tem um filho homossexual, fique
tranqüilo. Não o leve para um psiquiatra que não resolve
nada. Esse desvio é espiritual. É coisa do tinhoso. Traga
ele até aqui na nossa igreja, que irei resolver esse
problema. Irei tirar o diabo que se apossou do corpo dele
e faz com que ele só lhe traga desgostos...”

CRISTIANO
(DESLIGA A TV) Vai se tratar, animal de bosta.

(CRISTIANO DESLIGA A TV. ESTÁ VISIVELMENTE NERVOSO)


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BRUNO
O que foi cara?

CRISTIANO
Eu fico puto quando escuto uma coisa dessa. Essa
falsa moral me irrita. E esse cara é homofóbico.

BRUNO
Calma cara. Relaxa. Da maneira que você reagiu,
parecia até que ele estava se referindo à você.

CRISTIANO
E se estivesse, Buba? E se eu fosse um homossexual?
Como acha que eu me sentiria?

BRUNO
Você tá muito abalado, Cris. Mas eu te entendo. Você
acabou de sair de casa e agora é que tá percebendo a barra
que vamos enfrentar daqui pra frente. Vem cá... (ABRAÇA O
AMIGO) Pensar muito no futuro estraga o presente.

(CRISTIANO TEM O OLHAR PERDIDO. LUZ CAI EM RESISTÊNCIA)

CENA 3

(LUZ SOBE LENTAMENTE. CRISTIANO ACORDA, LEVANTA-SE E VAI


ATÉ O BANHEIRO. LAVA O ROSTO, ENXUGA-O COM UMA TOALHA E
VEM PARA A COZINHA, PEGA UM COPO DE ÁGUA E BEBE. VOLTA PRA
SALA E FICA OLHANDO PARA BRUNO, QUE AOS POUCOS VAI
DESPERTANDO)

CRISTIANO
Boa tarde!!!!

BRUNO
(BOCEJA) Que horas são?
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CRISTIANO
Duas horas.

BRUNO
Putz, por que não me acordou antes?

CRISTIANO
Porque também acabei de acordar.

BRUNO
E aí, melhorou?

CRISTIANO
De quê? Ah, claro. Nem me lembrava mais. Foi bobagem
minha... Às vezes eu dou umas dessas. Vai se
acostumando...

BRUNO
(MEXENDO NO PÊNIS) Mijar com o pau duro é foda!

(LEVANTA-SE E VAI ATÉ O BANHEIRO. VIRA-SE DE COSTAS E


MIJA. DÁ A DESCARGA E VOLTA PARA A CAMA)

BRUNO
Já tomou banho?

CRISTIANO
Ainda não. Vou tomar mais tarde.

BRUNO
Então vou eu.

(TIRA TODA A ROUPA. CRISTIANO VIRA-SE DE COSTAS PARA ELE,


ENVERGONHADO)

BRUNO
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Por que ficou de costas, Cris?... Vai me dizer que


nunca viu outro homem pelado?
CRISTIANO
Já, mas...

BRUNO
Mas o quê? Pode se virar, cara. O que eu tenho entre
as pernas você também tem... E você, por que não fica
pelado também? É muito bom, mano. O legal é criar o
“bicho” solto. E se estamos sozinhos, porque não ficar
mais à vontade? Maldita a hora que inventaram peças de
roupa. Se dependesse de mim, todo mundo andava pelado. E
você? Vai ter vergonha de tirar a roupa na minha frente?

CRISTIANO
É que eu não me sinto à vontade. Sei lá. Acho
estranho... Eu não queria que achasse que eu estivesse me
insinuando pra você.

BRUNO
Ah, pára meu. E eu, por acaso, estou me insinuando
pra você?

CRISTIANO
Não. Claro que não.

BRUNO
Então não tem grilo... Não quero te ver constrangido,
belê?

CRISTIANO
Beleza, Buba. Vai pro seu banho.

(BRUNO ENTRA NO BANHEIRO E ABRE O CHUVEIRO)

BRUNO
Vou aproveitar pra tocar uma punheta. Vamos fazer um
campeonato de punheta, véio?
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CRISTIANO
Não tô a fim agora... Quem sabe, mais tarde. Vai
fundo...

BRUNO
Quando era moleque vivia com medo de bater punheta.
Diziam que dava espinha, pêlo na palma da mão, que o pau
ia cair. Mas que é bom, é. Qual foi o seu recorde?

CRISTIANO
Recorde de quê?

BRUNO
De punheta. Quantas você conseguiu bater num dia?

CRISTIANO
Duas.

BRUNO
Só duas? O máximo que eu consegui num dia foram nove.

CRISTIANO
Porra... Poderoso o rapaz!!!

BRUNO
Mas no outro dia, nem conseguia andar direito. Acho
que a minha mão tem a alma feminina. Quando vê meu pau, já
quer grudar. Ela até hoje foi a minha namorada mais
fiel... Bem, vou nessa. Tô com um tesão danado.

(BRUNO VAI PARA O BANHEIRO)

CRISTIANO
Oferece essa punheta pra velha aqui do lado...

BRUNO
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(VOLTA, CABISBAIXO) Porra, cara. Brochei.

(LUZ CAI EM RESISTÊNCIA)

CENA 4

(CRISTIANO E BRUNO ENTRAM CARREGADOS DE MATERIAIS.


EXAUSTOS, JOGAM OS MATERIAIS NUM CANTO E DEITAM-SE NA
CAMA)

CRISTIANO
Ufff, tô o pó da rabiola!

BRUNO
O professor pegou pesado mesmo. Logo no primeiro dia
de aula. Vai se foder.

CRISTIANO
Tem um “beck” aí?

BRUNO
Tem.

(BRUNO TIRA UM PAPELZINHO DO BOLSO DA CALÇA, ABRE-O,


PREPARA UMA SEDA E COMEÇA A DICHAVAR A MACONHA)

CRISTIANO
Nunca tive saco pra dichavar maconha, preparar o
cigarro de baseado. O “beck” já deveria vir pronto.

BRUNO
Aí não teria graça nenhuma. O barato é o ritual de
preparação da erva.

CRISTIANO
Nunca consegui enrolar direito. Como consegue?

BRUNO
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Anos de prática... Maconheiro profissional.

(BRUNO ACENDE O BASEADO, DÁ UM TAPINHA E PASSA PARA


CRISTIANO)

BRUNO
Esse fumo é do bom...

CRISTIANO
De quem você comprou?

BRUNO
Do Dani Maluco, do quarto semestre...

CRISTIANO
Esse curso tá começando bem...

BRUNO
E o que você esperava? A gente só faz duas coisas
numa faculdade: fuma maconha e trepa... Ah, seguinte: sabe
a Paulinha?

CRISTIANO
Que Paulinha?

BRUNO
Aquela loirinha tesuda da nossa sala que eu tava
azarando, saca? Aquela com cara de puta da Augusta!!!!

CRISTIANO
Hum, sei... O que é que tem?

BRUNO
Então, eu chamei ela pra ver um filme aqui amanhã
depois da aula.

CRISTIANO
E ela vem?
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BRUNO
Topou na hora.

CRISTIANO
Essa eu pago pra ver... Mas a gente não tem DVD
aqui... Ah, não, não me diga que você vai assistir ao
Intercine.

BRUNO
Não... nada disso. Não existe filme nenhum, meu
amigo. É uma jogada. Ela vem aqui, eu procuro o DVD e aí
eu me lembro que esqueci de trazer o aparelho lá de casa,
entendeu? Captou o meu raciocínio? Aí a gente ouve uma
musiquinha romântica, toma vinho à luz de velas. O clima
vai esquentando, eu faço ela beber bastante vinho... e
parto pro ataque. Aí ela vai estar tão chapada que nem vai
se lembrar do que aconteceu. (ESFREGA AS MÃOS) Nem
acredito que isso está acontecendo... É bom demais pra ser
verdade.

CRISTIANO
É. Mas não precisa se preocupar, viu? Eu não vou
atrapalhar vocês. Eu passo a noite naquele hotelzinho da
esquina. É um pulgueiro, mas dá pra encarar por uma
noite...

BRUNO
Deixa disso, Cris.

CRISTIANO
Eu não vou me sentir à vontade com vocês aqui. Era só
o que me faltava. Ficar de voyeur vendo você comer a mina.

BRUNO
Você não vai ficar de voyeur porque ela vai trazer
uma amiga com ela. (CRISTIANO SE AFOGA COM O BECK) Desta
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vez você não escapa. Vai perder o cabacinho... E vai gozar


muuuuuuuuito nos peitos da cachorra.
CRISTIANO
Mas eu nem sei quem é a garota!

BRUNO
Na hora você conhece.

CRISTIANO
Do jeito que sou sortudo, imagino o “dragão” que vai
aparecer aí...

BRUNO
Deixa de ser pessimista, truta. E mesmo que seja um
jaburu, ela tem buceta, não tem? Tapa a cara dela com um
travesseiro e manda ver. (RI)

CRISTIANO
Ria, seu bosta, ria da minha desgraça. Queria ver se
fosse contigo.

BRUNO
Ih, eu já comi tanta baranga que uma a mais, uma a
menos não iria fazer diferença. O que vier, eu traço
mesmo...

CRISTIANO
Até viado?

BRUNO
Pô, não precisa apelar, né? Não sou chegado em viado,
não. Credo! Meu negócio é buceta. Só buceta. Nem cu de
mulher eu curto. Muito menos um cu peludo de uma bicha
filha da puta...

(CRISTIANO LEVANTA-SE FURIOSO E DÁ UM SOCO NA PAREDE)

BRUNO
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O que foi Cris?

CRISTIANO
Eu nunca imaginei que você fosse preconceituoso.

BRUNO
Mas eu não sou preconceituoso. Foi só uma maneira de
falar.

CRISTIANO
Maneira de falar! Jamais esperava ouvir isso de você.
Justo de você, o meu melhor amigo.

BRUNO
Por que isso agora? Não existe nenhuma razão pra se
comportar assim. Você tomou as dores que não são suas.
Você nem é gay...

CRISTIANO
Mas tenho um primo que é. E eu sei o quanto ele sofre
com isso. Quando meu tio pegou ele trepando no banheiro
com o outro moleque, bateu tanto nele, até sangrar.
Chamou-o de lixo dos lixos e o internou numa clínica
psiquiátrica, porque achava que ele estava louco e que
precisava de um tratamento. Na clínica, enfiaram um cabo
no cu dele e deram tanto choque, mas tanto choque que o
coitado acabou pirando... Eu tenho vergonha de ser um ser
humano. Vergonha de pertencer a esse mundo desordenado,
preconceituoso. Eu tenho medo do futuro. Pior ainda, eu
tenho pânico quando sinto o desprezo das pessoas. Porque
poderia ser comigo. Poderia ser com você, Buba. Às vezes
eu fico com vontade de acabar com tudo. É tão simples.
Pular desta janela, tomar veneno, ter uma overdose, cortar
os pulsos, dar um tiro na cabeça, sei lá... Só precisa um
pouco de coragem. Um pouco de coragem pra gente acabar com
todo esse inferno. Não pode haver um lugar pior do que
essa merda de cidade, essa merda de estado, essa merda de
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planeta... O inferno é aqui, o inferno são as pessoas que


vivem aqui...

BRUNO
Desculpa Cris.

CRISTIANO
Nunca mais fale dessa maneira. Nunca mais. A
história do meu primo é muito forte pra mim. Entende agora
o motivo da minha raiva por aquele pastor de merda? E
depois quando você falou daquela maneira... É como se
tivesse me dado uma punhalada pelas costas.

BRUNO
Desculpa pela minha falta de tato.

CRISTIANO
Eu precisava falar isso, senão eu iria explodir...

BRUNO
Claro. E pode contar sempre comigo. Pra tudo...

(BRUNO COLOCA A CABEÇA DE CRISTIANO NO SEU COLO)

BRUNO
Tá mais calmo agora?

CRISTIANO
Buba...

BRUNO
Hum?!

CRISTIANO
Eu amo você.

BRUNO
(SORRI) Eu também amo você.
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(LUZ CAI EM RESISTÊNCIA)

CENA 5

(UMA FORTE CHUVA CAI LÁ FORA. SOMENTE RELÂMPAGOS E TROVÕES


CLAREIAM A CENA. A PORTA SE ABRE E ENTRAM OS GAROTOS
ENSOPADOS. BRUNO TEM UM LITRO DE VINHO NAS MÃOS)

CRISTIANO
Que dilúvio! Só está faltando a Arca de Noé...

BRUNO
(LIGANDO E DESLIGANDO O INTERRUPTOR DE LUZ) Pra
ajudar acabou a energia...

CRISTIANO
Vamos tirar essas roupas antes que a gente fique
doente.

(BRUNO COLOCA O VINHO NO CHÃO E AMBOS TIRAM AS ROUPAS)

CRISTIANO
Não se enxerga nada aqui dentro.

BRUNO
Vou ver se acho as velas. (ILUMINANDO A CENA COM UM
ISQUEIRO) Achei!

(ACENDE AS VELAS. ESSA CENA PERMANECERÁ POR UM BOM TEMPO A


LUZ DE VELAS. CRISTIANO PEGA UMA TOALHA E ENTREGA PRA
BRUNO)

CRISTIANO
A toalha... (PEGA OUTRA E AMBOS SE ENXUGAM)

BRUNO
Julio Carrara Depois da Chuva... Pag.: 21

Cara, sacanagem da Paulinha, né? Preferir a carona do


Caio do que vir aqui. Eu tava certo.. Ela é mesmo mó
putona.

CRISTIANO
Pelo menos eu me livrei da amiga dela. Eu tinha
certeza que ela era monstruosa. Toda gatinha anda com um
dragão do lado... Obrigado, meu São Sinfrônio por atender
as minhas preces...

BRUNO
Que porra de santo é esse?

CRISTIANO
Sei lá.

BRUNO
Por que as mulheres são interesseiras, né? Bastam ver
um carro ou dinheiro que estão logo abrindo as pernas.
Aquela frase está mesmo correta: Quem gosta de homem é
viado. Mulher gosta de dinheiro... (PERCEBE A GAFE) Ah,
desculpa, cara.

CRISTIANO
Tudo bem, fica frio.

BRUNO
E nem um banho quente vai dar pra gente tomar...
(GRITA) Merda de luz!

CRISTIANO
Mas tem vinho.

BRUNO
(ABRINDO O VINHO) Este vinho está longe de ser o do
Porto. Mas vamos encarar, né? Se a gente tivesse grana pra
comprar um melhor.
Julio Carrara Depois da Chuva... Pag.: 22

CRISTIANO
E isso embebeda rapidinho...

BRUNO
Eu sou péssimo pra beber. Bastam três tacinhas e já
tô capotando...

CRISTIANO
Ah, foda-se. Vamos chapar mesmo.

(BRUNO COLOCA O VINHO NAS TAÇAS)

BRUNO
(LEVANTANDO UM BRINDE) Um brinde à nossa amizade.

(BRINDAM. BEBEM)

BRUNO
Como esquenta...

CRISTIANO
Vamos virar tudo de uma vez?

BRUNO
Ah, não. Eu sou fraco.

CRISTIANO
Relaxa... Vamos curtir. Não vamos fazer isso todo o
dia...

(VIRAM A TAÇA. ENCHEM NOVAMENTE AS TAÇAS DE VINHO)

CRISTIANO
De novo.

(VIRAM A TAÇA NOVAMENTE)


Julio Carrara Depois da Chuva... Pag.: 23

BRUNO
(BÊBADO) Ah, Cris. Não agüento mais... Parei. (RI)

CRISTIANO
Mas e esse restinho?

BRUNO
Guarda pra temperar a salada... Ai, cara. Já tô
doidão... Vou capotar. Boa noite.

(DEITA-SE NA CAMA E ADORMECE IMEDIATAMENTE. CRISTIANO


TERMINA DE BEBER MAIS UM CÁLICE DE VINHO. FECHA A GARRAFA,
SENTA-SE AO LADO DE BRUNO E OBSERVA O CORPO DO RAPAZ.
PASSA AS MÃOS NOS CABELOS DO AMIGO, EM SEGUIDA ACARICIA O
SEU ROSTO E SUA BOCA. TOMADO POR UM SÚBITO DESEJO,
CRISTIANO BEIJA SUA BOCA. É UM BEIJO SUAVE, QUE SE
PROLONGA POR UM TEMPO. CRISTIANO AFASTA SUA BOCA DA DO
AMIGO. EM SEGUIDA BEIJA O PEITO, DESCE PRO ABDOME E SOBE
EM BRUNO, TRANSANDO COM ELE. BLACK-OUT)

CENA 6

(A LUZ AINDA NÃO VOLTOU. AMANHECE AOS POUCOS. BRUNO


CONTINUA DORMINDO. CRISTIANO, NA SACADA, SENTE A CHUVA
FINA MOLHAR O SEU ROSTO)

BRUNO
(DEITADO, RESMUNGANDO) Ai que dor de cabeça...
Maldito vinho... Que horas são, Cris?

CRISTIANO
Tá amanhecendo.

BRUNO
A luz já voltou?

CRISTIANO
Julio Carrara Depois da Chuva... Pag.: 24

Já... Vem aqui na janela sentir os pingos da chuva na


cara. (BRUNO LEVANTA-SE E VAI ATÉ A JANELA)

CRISTIANO
Que tal?

BRUNO
Ótimo pra curar a ressaca.

CRISTIANO
Vem comigo até a sacada?

BRUNO
É perigoso, cara. E eu morro de medo de altura. Eu sempre
tenho a impressão de que alguém vai chegar e me
empurrar...

(CRISTIANO ESTENDE A MÃO E LENTAMENTE TRAZ BRUNO ATÉ A


SACASA)

BRUNO
(APROXIMA-SE, TEMEROSO) Que cagaço.

(CRISTIANO OLHA ABOBALHADO PARA BRUNO)

BRUNO
Que cara é essa, Cris?... Você tá me olhando de uma
forma... Até parece que...

CRISTIANO
...que o quê?

BRUNO
Nada, não. Bobagem... coisa de bêbado.

CRISTIANO
Bruno, eu preciso te contar uma coisa
Julio Carrara Depois da Chuva... Pag.: 25

BRUNO
Conta aí...

CRISTIANO
É um segredo que eu guardo a sete chaves por um bom
tempo. Tinha medo, vergonha de contar pra alguém, mas eu
não consigo guardar isso por mais tempo. E eu preciso me
abrir com você.

(A CHUVA PARA E O SOL COMEÇA A NASCER)

BRUNO
Não me assuste, cara. Fala de uma vez.

CRISTIANO
Vamos sair daqui...(SAEM DA JANELA E SENTAM-SE NO
COLCHÃO NO CHÃO) Bruno...Não fala nada, só me escuta, por
favor... Me escuta e tenta me entender... Desde pequeno,
eu minto pra mim mesmo. Até ontem eu fingi ser uma pessoa
que não era, uma pessoa em que fui educado para ser. E
quanto mais o tempo passava, mais forte essa coisa se
manifestava em mim. Até o dia em que resolvi arrumar uma
namorada pra provar pra todo mundo, inclusive para mim,
que eu era um garoto como outro qualquer e não um
alienígena que todo mundo achava que eu fosse. Foi uma
catástrofe a relação com essa menina. Não durou duas
semanas. Terminei com ela e sequer disse o motivo pelo
qual estava terminando. Eu não sentia tesão por ela. Ela
poderia ficar pelada na minha frente que eu não iria
ligar. E não só ela. Qualquer menina poderia ficar pelada
na minha frente que não iria ligar, porque nunca senti
tesão por garotas. Nem por garotos.... Apenas por um
garoto. Um garoto que a cada olhar, a cada toque, a cada
gesto me fez sentir vivo e amado. Como nunca ninguém me
amou. Só que esse garoto nunca vai me olhar como eu queria
que olhasse.
Julio Carrara Depois da Chuva... Pag.: 26

BRUNO
E quem é esse garoto? Eu conheço?

CRISTIANO
Você é tão ingênuo a ponto de não perceber de quem eu
tô falando?

BRUNO
Juro que não faço idéia de quem seja.

CRISTIANO
É você, Buba! Eu sei que é difícil pra você entender,
mas por favor, não me queira mal... Quando eu vim morar
pra cá e a nossa relação se tornou mais íntima, aí eu tive
certeza daquilo que queria. Eu te dei várias indiretas que
você nem percebeu. Quando eu disse que te amava, você
levou por outro lado. Amor de amigo, amor de irmão... Eu
também te amo como amigo, como irmão... Mas, o que eu
sinto por você é... amor de homem.

BRUNO
(SEM PALAVRAS) Francamente, não sei o que dizer...

CRISTIANO
Não, não diga nada, deixe eu terminar... E ontem a
noite, depois que você caiu bêbado na cama, eu fiquei te
observando por um tempo. E ao te ver ali, dormindo, não
pude segurar o meu desejo. Experimentei um prazer que
nunca havia experimentado antes. Me sentir protegido pelos
seus braços, deitar no teu peito e ouvir o bater
descompassado do seu coração. Sentir o teu gozo me
inundando...

(BRUNO ESTÁ PERPLEXO. LEVANTA-SE E NÃO TEM CORAGEM DE


OLHAR PARA CRISTIANO. FICA DE COSTAS PARA ELE)

BRUNO
Julio Carrara Depois da Chuva... Pag.: 27

(A MEIA VOZ) Eu tenho... nojo de você... (FURIOSO)


Por que você fez isso comigo? Nunca me senti tão sujo!
Nenhum banho, água nenhuma vai limpar a sujeira que você
deixou em mim. Essa sujeira não tá no corpo, não. Tá na
alma. Minha alma tá imunda!

CRISTIANO
E a minha tá mais pura do que a alma de um bebê
recém-nascido, porque eu fui honesto com você.

BRUNO
Não, não foi. Você se aproveitou de um momento de
fraqueza que eu tive pra me usar.

CRISTIANO
Eu não te usei...

BRUNO
Ah, não? E o que fez, então? E eu que achava que você
fosse o meu melhor amigo. Que a gente iria construir algo
junto, e você pegou tudo isso e jogou pela janela... Sai
daqui, cara. Sai daqui antes que eu faça uma besteira.
Mesmo você sendo o asqueroso que é, eu não quero te fazer
mal.

CRISTIANO
E existe mal maior que me odiar?

BRUNO
Você é um traidor da pior espécie.

CRISTIANO
Se eu fosse um traidor você nunca saberia o que tinha
acontecido entre a gente. Eu guardaria isso só pra mim.
Seria um segredo só meu.

BRUNO
Julio Carrara Depois da Chuva... Pag.: 28

Que também trancaria a sete chaves como fez com a sua


homossexualidade... Não confiou nem na sua própria
família.

CRISTIANO
Pra quê? Pra eles me apedrejarem como o meu tio fez
com o meu primo? Pra eles me levarem ao psiquiatra, me
tratarem como doente mental? Eu me abri com você porque
tinha a certeza de que me entenderia... Só que você me
apedreja e ainda é capaz de ir correndo contar esse
segredo para os meus pais.

BRUNO
Não vou fazer isso.

(CRISTIANO CHORA E VAI ABRAÇAR BRUNO)

BRUNO
Tire suas mãos nojentas de cima de mim. Eu não quero
mais olhar pra tua cara. Eu quero que você se mude daqui o
quanto antes. E por favor, não piore as coisas.

CRISTIANO
Você fala como se estivesse disposto a não ceder e a
não acreditar?

BRUNO
É a minha última palavra. Procure outro lugar para
morar porque aqui, não dá mais. Acabou... (PEGA UMA
TOALHA) E agora dá licença que eu preciso muito de um
banho. Vou tentar me livrar dessa nhaca que você me
deixou. Que nojo! (VAI PARA O BANHEIRO)

CRISTIANO
Nenhuma mulher vai te dar o amor e o carinho que lhe
dei e ainda tenho pra dar. Pensa nisso. Se conseguir
provar que tudo o que eu fiz foi com má-intenção, aí sim,
pode me chamar de traidor.
Julio Carrara Depois da Chuva... Pag.: 29

(ABRE A PORTA E SAI)

CENA 7

(BRUNO ESTÁ DEITADO NO PUFF, PERTURBADO. OUVE-SE UMA CHAVE


GIRANDO NO TAMBOR. A PORTA SE ABRE E POR ELA ENTRA
CRISTIANO. ESTÁ ABATIDO. FICA PARADO NA PORTA ESPERANDO
ALGUMA REAÇÃO DE BRUNO, QUE PERMANECE INDIFERENTE O TEMPO
TODO)

CRISTIANO
Posso entrar?

BRUNO
Já entrou...

CRISTIANO
Cara, a gente precisa conversar.

BRUNO
Não tenho mais nada pra falar com você.

CRISTIANO
E o que você vai fazer?

BRUNO
Esperar que você tome vergonha nesta cara imunda e se
mande daqui...

CRISTIANO
Eu preciso de um tempo. Não é fácil alugar um apê. E
como eu vou explicar pro meu pai o motivo pelo qual estou
saindo daqui? Ele vai querer saber. E se descobrir o
verdadeiro motivo, nem sei o que ele seria capaz de
fazer... acho que seria capaz até de me matar.

BRUNO
Julio Carrara Depois da Chuva... Pag.: 30

Eu teria feito o mesmo se eu tivesse um filho como


você. Coitado do seu pai!!! Que humilhação pra ele...

CRISTIANO
Eu cometi algum crime? Porra, cara. Pensa que é fácil
pra mim? Você acha que eu estou feliz com essa situação?

BRUNO
E eu, Cristiano? Como acha que eu tô me sentindo?
Você conseguiu quebrar todos os laços de carinho que eu
tinha por você.

CRISTIANO
E é em nome desse carinho que eu te peço: tenta, ao
menos, entender o porquê “daquilo”.

BRUNO
Pára de ser ridículo! Você destruiu a minha vida.
Será que isso já não foi o suficiente? Por favor, não fale
mais comigo. Agora deixe eu ver a TV.

CRISTIANO
(ENTRA NA FRENTE DA TV) Não. A gente precisa
conversar nem que seja pela última vez.

BRUNO
Sai da frente...

CRISTIANO
De jeito nenhum.

BRUNO
Se você não sair da frente da porra desta TV, eu não
respondo por mim.

CRISTIANO
Vai fazer o quê?
Julio Carrara Depois da Chuva... Pag.: 31

BRUNO
Não me provoca...

CRISTIANO
(DESLIGA A TV) Vai fazer o quê?

BRUNO
(EMPURRA CRISTIANO VIOLENTAMENTE) Sai daí... Me deixa
em paz... Seu, seu... sua, sua...

CRISTIANO
Diga... O que eu sou? Diga! Ficou mudo porquê? Vai
fugir mais uma vez? Mais uma vez vai se comportar como um
covarde?

BRUNO
(EXPLODE) Covardia foi o que você fez comigo. Quando
eu olho pra sua cara eu tenho vontade de vomitar. Eu devo
ser muito burro mesmo. Como não fui perceber isso antes?
Mas tem uma coisa que não nega: a tua cara. É só olhar
com mais atenção pra você que logo a gente percebe o que
está por trás desta sua máscara.

(BRUNO COLOCA UMA BERMUDA E UMA CAMISETA REGATA E FAZ


MENÇÃO DE SAIR)

CRISTIANO
Onde você vai?

BRUNO
Não é da sua conta.

CRISTIANO
Vai fugir mais uma vez?

BRUNO
Entenda como quiser.
Julio Carrara Depois da Chuva... Pag.: 32

(BRUNO SAI. CRISTIANO CORRE ATÉ A PORTA E GRITA PARA FORA)

CRISTIANO
Vai... foge... vai pro inferno!

BRUNO
(OFF) Vai se foder.

(CRISTIANO BATE A PORTA. AO VOLTAR PARA DENTRO CHUTA O


PUFF COM MUITA RAIVA. EM SEGUIDA ELE SE COMEÇA A COLOCAR
SUAS ROUPAS NUMA MALA COM MUITA RAPIDEZ. BRUNO VOLTA)

BRUNO
Por que você tá arrumando a mala?

CRISTIANO
Não era isso que você queria? Que eu sumisse daqui?
Muito bem. Seja feita a sua vontade.

BRUNO
Peraí, cara. Não é assim. Vamos conversar.

CRISTIANO
Não temos mais nada pra conversar. Você já disse
tudo o que tinha pra me dizer.

BRUNO
Pra onde você vai?

CRISTIANO
Que importância tem isso agora?

BRUNO
Mas e a facu?

CRISTIANO
Julio Carrara Depois da Chuva... Pag.: 33

Antes de cair na estrada eu passo lá pra trancar a


matrícula.

BRUNO
Não faz isso, cara.

CRISTIANO
Não tava curtindo o curso. E também porque não vou
conseguir ficar perto de você depois de tudo o que
aconteceu entre a gente. Tô tirando meu time de campo.
(VAI SAINDO)

(BRUNO SEGURA CRISTIANO PELO BRAÇO E NUM IMPULSO, BEIJA-O.


QUANDO PERCEBE O QUE FEZ, EMPURRA CRISTIANO)

BRUNO
Vá embora, cara. Vai embora.

(BRUNO NÃO CONSEGUE ENCARAR CRISTIANO)

CRISTIANO
(AO CHEGAR NA PORTA, PÁRA E VIRA-SE PARA BRUNO) Até
quando vai continuar mentindo pra si mesmo, Bruno? Até
quando vai fingir ser uma pessoa que não é? Até quando vai
conviver com esse medo? Eu não queria estar no seu lugar,
porque viver com medo, Bruno, é viver pela metade.

(CRISTIANO SAI. BRUNO MANTÉM-SE INDIFERENTE. CRISTIANO


BATE A PORTA. NESSE MOMENTO, BRUNO DEIXA AFLORAR TODOS OS
SEUS SENTIMENTOS E FICA OLHANDO PARA O VAZIO ENQUANTO UMA
LÁGRIMA ESCORRE PELO SEU ROSTO. EM SEGUIDA CAMINHA
LENTAMENTE ATÉ A SACADA. LUZ CAI EM RESISTÊNCIA ATÉ O
BLACK-OUT FINAL)
FIM

Novembro/2005

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