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A VONTADE DE DEUS

Uma Visão Bíblica de Como Entender a Vontade de Deus para sua Vida

OS QUATRO
SENTIDOS DA
VONTADE DE DEUS
Aula 5

... continuação ...


“A vontade de Deus para vós é esta: a vossa santifica-
ção (...). Porque Deus não nos chamou para a impu-
reza, mas para a santificação. Portanto, quem rejeita
isso não rejeita o homem, mas Deus, que vos dá o seu
Espírito Santo.” (1 Ts 4.3a,7,8 – A21)

1. A VONTADE MORAL DE DEUS

A vontade moral de Deus, também chamada de vontade precep-


tiva, refere-se à sua vontade no sentido de preceito, norma e lei. É
o que Deus quer no tocante à conduta de todos os seres humanos.
Um bom exemplo da vontade moral de Deus, em relação à huma-
nidade, são os 10 mandamentos (Êx 20).
Diversas passagens bíblicas usam a expressão “vontade de Deus” no
sentido de preceito, como podemos ver no exemplo:

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“Gosto de fazer a tua vontade, ó meu Deus; sim, tua


lei está dentro do meu coração.” (Sl 40.8 – A21)

A poesia hebraica usa muito o paralelismo, a repetição de uma fra-


se anterior, porém, com outras palavras. Sendo assim, no versículo
citado acima, as expressões: “gosto de fazer” é sinônimo de “dentro
do meu coração”, e “tua vontade” é sinônimo de “tua lei”.

a. Por que Deus requer do homem um tipo de conduta especí-


fico?

A vontade preceptiva de Deus (sua lei moral) diz respeito ao tipo


de conduta que o homem deve ter. Por que Deus requer esse tipo
específico de conduta do homem? Essa é uma questão complexa,
mas C. S. Lewis, em seu livro Cristianismo Puro e Simples, comenta
algo muito interessante a respeito da vontade moral de Deus. Ele
diz:

Conta-se a história de um garoto a quem pergunta-


ram como achava que Deus era. O garoto respondeu
que, pelo que era capaz de compreender, Deus era ‘o
tipo de pessoa que está sempre xeretando a vida dos
outros para ver se alguém está se divertindo e tenta
acabar com isso’. Infelizmente, parece-me que é essa
a ideia que um número considerável de pessoas faz
da palavra “Moral”: algo que se intromete em nossa
vida e nos impede de ter momentos agradáveis. Na
realidade, as regras morais são como que instruções
de uso da máquina chamada Homem. Toda regra
moral existe para prevenir o colapso, a sobrecarga ou
uma falha de funcionamento da máquina. É por isso
que essas regras, no começo, parecem estar em cons-
tante conflito com nossas inclinações naturais. Quan-
do estamos aprendendo a usar qualquer mecanismo,
o instrutor vive dizendo “Não, não faça isso”, porque
existem diversas coisas que, embora pareçam muito
naturais e até acertadas na forma de lidar com a má-
quina, na verdade não funcionam.1

1
C. S. Lewis, Cristianismo Puro e Simples, Pag. 91, 92.

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C. S. Lewis nos ajuda na compreensão dessa questão dando-nos


a ideia de que se o ser humano fosse uma máquina, a lei de Deus
seria o manual de como ela funciona, ou seja, a lei de Deus não está
relacionada simplesmente ao fato de Deus ser alguém sistemático,
que exige que as coisas sejam do seu jeito, e não tolera que seja
de outra forma. Mas a lei de Deus está relacionada, principalmente,
ao fato de como o ser humano pode viver em maior plenitude ou
como ele pode realmente funcionar e gozar do seu pleno poten-
cial.
A vontade moral de Deus diz respeito ao estilo de vida que o ser
humano foi criado para viver. Ele nos criou à sua imagem e se-
melhança para que pudéssemos refletir sua glória na terra, e os
atributos de seu santo caráter. Portanto, é somente ao viver dessa
forma que estaremos usufruindo do nosso pleno potencial como
seres humanos. É por isso que os salmistas sempre se referem à lei
de Deus com prazer e paixão:

“Os preceitos do SENHOR são retos e alegram o cora-


ção; o mandamento do SENHOR é puro e ilumina os
olhos.” (Sl 19.8 – A21)

“Como são felizes os íntegros, os que seguem a lei do


Senhor! Como são felizes os que obedecem a seus
preceitos e o buscam de todo o coração”.
(Sl 119:1, 2 - NVT)

“Como tenho prazer em teus mandamentos! Como


eu os amo!” (Sl 119.47 – NVT)

“Como eu amo a tua lei; penso nela o dia todo!”


(Sl 119.97 – NVT)

“Teus preceitos são meu tesouro permanente; são o


prazer do meu coração.” (Sl 119.111 – NVT)

b. Por que o homem nem sempre obedece à lei de Deus?

Não somente os salmistas expressavam esse amor e prazer em rela-


ção à lei de Deus, mas vemos essa mesma paixão em toda a Bíblia.
O Apóstolo Paulo, por exemplo, diz que em sua mente tinha prazer
na lei de Deus; em seu interior concordava que a lei de Deus era
realmente boa, por isso, desejava obedecê-la. Porém, ele percebeu

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que nos desejos de sua natureza humana havia outra inclinação,


outra força atuando, outra “lei” que era contrária à lei de Deus.

“De modo que a lei é santa, e o mandamento, santo,


justo e bom. Então, o que era bom tornou-se em mor-
te para mim? De modo nenhum. Mas o pecado, para
que se mostrasse como pecado, produziu em mim a
morte por meio do que era bom; a fim de que pelo
mandamento o pecado se mostrasse extremamente
pecaminoso. Porque sabemos que a lei é espiritual;
mas eu sou limitado pela carne, vendido como escra-
vo do pecado. Não entendo o que faço, pois não pra-
tico o que quero, e sim o que odeio. E, se faço o que
não quero, concordo que a lei é boa. Agora, porém,
não sou mais eu quem faz isso, mas o pecado que
habita em mim. Porque eu sei que em mim, isto é, na
minha carne, não habita bem algum; pois o querer o
bem está em mim, mas não o realizá-lo. Pois não faço
o bem que quero, mas o mal que não quero. Portanto,
se faço o que não quero, já não sou eu quem o faz,
mas o pecado que habita em mim. Desse modo, des-
cubro esta lei em mim: quando quero fazer o bem, o
mal está presente em mim. Porque, no que diz respei-
to ao homem interior, tenho prazer na lei de Deus;
mas vejo nos membros do meu corpo outra lei guer-
reando contra a lei da minha mente e me fazendo
escravo da lei do pecado, que está nos membros do
meu corpo.” (Rm 7.12-23 – A21)

Basicamente todos os seres humanos vão concordar que os princí-


pios da lei de Deus são bons, justos e falam de virtudes louváveis e
dignas de serem praticadas. Essa concordância se dá porque o ser
humano foi criado justamente para viver esses princípios, só através
deles pode funcionar em sua plenitude.

c. Pecado: O maior empecilho da humanidade

O pecado (transgressão da lei de Deus) mina, minimiza e impede o


ser humano de viver o seu pleno potencial. Ele o desfigura, pois é
como um vírus que sabota todo o seu sistema de funcionamento,
reduzindo, limitando e fazendo-o viver de forma inferior à vida para
a qual foi criado.

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Fomos criados para viver em comunhão íntima e intensa com Deus,


experimentar alegria e satisfação profundas, amar de forma radical
e realizar boas obras. Porém, o pecado tem nos impedido de viver
plenamente tudo isso. A Bíblia diz que ele nos atrapalha de prosse-
guir a carreira que nos foi proposta.

“Portanto, uma vez que estamos rodeados de tão


grande multidão de testemunhas, livremo-nos de
todo peso que nos torna vagarosos e do pecado que
nos atrapalha, e corramos com perseverança a corri-
da que foi posta diante de nós. Mantenhamos o olhar
firme em Jesus, o líder e aperfeiçoador de nossa fé.
Por causa da alegria que o esperava, ele suportou a
cruz sem se importar com a vergonha. Agora ele está
sentado no lugar de honra à direita do trono de Deus.
Pensem em toda a hostilidade que ele suportou dos
pecadores; desse modo, vocês não ficarão cansados
nem desanimados. Afinal, ainda não chegaram a ar-
riscar a vida na luta contra o pecado.”
(Hb 12.1-4 – NVT)

d. Santidade: a nossa real identidade

A vontade moral de Deus é um chamado à nossa real identidade.


Deus nos chama para a santidade, porque fomos criados e projeta-
dos para vivermos dessa forma, e é somente assim que viveremos
mais plenamente como seres humanos. Deus nos criou à sua ima-
gem, isto é, nos criou para a santidade; essa é a nossa identidade e
destino. Por isso, ele nos diz: “Sejam santos, porque eu sou santo”.

“Mas, assim como é santo aquele que os chamou,


sejam santos vocês também em tudo o que fizerem,
pois está escrito: “Sejam santos, porque eu sou santo.”
(1 Pd 1.15,16 – NVI)

“Portanto, sejam perfeitos como perfeito é o Pai celes-


tial de vocês.” (Mt 5.48 – NVI)

“Portanto, sede imitadores de Deus, como filhos ama-


dos” (Ef 5.1 – A21)

Santidade e filiação estão, intimamente, ligados, e não tem como


separá-los um do outro. O cristão é alguém que foi regenerado

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(nasceu de novo), purificado dos seus pecados e recebeu nova


vida mediante a habitação do Espírito Santo nele. É somente por
meio dessa nova vida que ele pode viver em santidade.

“E, se o Espírito de Deus que ressuscitou Jesus dos mor-


tos habita em vocês, o Deus que ressuscitou Cristo Je-
sus dos mortos dará vida a seu corpo mortal, por meio
desse mesmo Espírito que habita em vocês. Portanto,
irmãos, vocês não têm de fazer o que sua natureza
humana lhes pede, porque, se viverem de acordo
com as exigências dela, morrerão. Se, contudo, pelo
poder do Espírito, fizerem morrer as obras do corpo,
viverão, porque todos que são guiados pelo Espírito
de Deus são filhos de Deus. Pois vocês não receberam
um espírito que os torne, de novo, escravos medrosos,
mas sim o Espírito de Deus, que os adotou como seus
próprios filhos. Agora nós o chamamos “Aba, Pai”, pois
o seu Espírito confirma a nosso espírito que somos fi-
lhos de Deus.” (Rm 8.11-16 – NVT)

Portanto, devemos abrir cada vez mais espaço para que o Espírito
Santo que habita em nós forme em nosso interior o caráter santo de
Jesus, o Filho perfeito de Deus.

e. O custo e a recompensa da obediência

O que mais caracterizou Jesus, em sua vida terrena, foi sua pro-
funda devoção a Deus, seu amor supremo e obediência radical ao
Pai. Ele foi tentado em tudo, mas não pecou porque amava ao Pai
acima de todas as coisas. É esse amor radical que o Espírito Santo
quer gerar em nós.
Jesus foi obediente até a morte, por isso, o Pai o exaltou sobrema-
neira:

“Tende em vós o mesmo sentimento que houve em


Cristo Jesus, que, existindo em forma de Deus, não
considerou o fato de ser igual a Deus algo a que de-
vesse se apegar, mas, pelo contrário, esvaziou a si
mesmo, assumindo a forma de servo e fazendo-se
semelhante aos homens. Assim, na forma de homem,

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humilhou a si mesmo, sendo obediente até a morte, e


morte de cruz. Por isso, Deus também o exaltou com
soberania e lhe deu o nome que está acima de qual-
quer outro nome; para que ao nome de Jesus se do-
bre todo joelho dos que estão nos céus, na terra e de-
baixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo
é o Senhor, para glória de Deus Pai.” (Fp 2.5-11 – A21)

Somos chamados a ter o mesmo sentimento que houve em Cristo


Jesus, e a percorrer o mesmo caminho que ele percorreu (esvazia-
mento e obediência aos mandamentos de Deus), mesmo que isso
nos custe tudo. Sendo assim, se por amor a ele nos tornamos partici-
pantes de seus sofrimentos, também o seremos da sua glória. Visto
que vivemos em um ambiente hostil, a obediência aos mandamen-
tos de Deus tem as suas implicações: sofrimentos e perseguições.

“Na verdade, todos os que querem viver uma vida


piedosa em Cristo Jesus sofrerão perseguições.”
(2 Tm 3.12 – A21)

Porém, a perseverança na obediência, mesmo que cause persegui-


ções e aflições, produz grande recompensa:

“Por isso não nos desanimamos. Ainda que o nosso


exterior esteja se desgastando, o nosso interior está
sendo renovado todos os dias. Pois nossa tribulação
leve e passageira produz para nós uma glória incom-
parável, de valor eterno, pois não fixamos o olhar nas
coisas visíveis, mas naquelas que não se veem; pois as
visíveis são temporárias, ao passo que as que não se
veem são eternas.” (2 Co 4.16-18 – A21)

Fomos criados para Cristo Jesus, e para o prazer que consiste em


amá-lo acima de todas as coisas. A santidade que nos é proposta
por ele não tem a ver com simplesmente obedecer a uma lista de
regras exteriores, mas tem a ver com devoção íntima e profunda,
amor radical e alegre rendição à sua vontade, a qual está devida-
mente revelada em seus mandamentos.

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Jesus deixou-nos claro a relação que há entre amor e obediência


aos seus mandamentos:

“Aqueles que aceitam meus mandamentos e lhes obe-


decem são os que me amam...” (Jo 14.21a – NVT)

O apóstolo João dá testemunho dessa verdade:

“E sabemos que o conhecemos se obedecemos a seus


mandamentos. Se alguém diz: ‘Eu o conheço’, mas
não obedece a seus mandamentos, é mentiroso e a
verdade não está nele. Mas quem obedece à pala-
vra de Deus mostra que o amor que vem dele está
se aperfeiçoando em sua vida. Desse modo, sabemos
que estamos nele. Quem afirma que permanece nele
deve viver como ele viveu.” (1 Jo 2.3-6 – NVT)

f. Quatro considerações sobre a vontade moral de Deus

Heber campos Jr., no livro “Tomando decisões segundo a vontade


de Deus”, faz quatro considerações importantes sobre a vontade
preceptiva de Deus:

Primeiramente, cumprir essa vontade não é uma


questão de opção. ... A palavra de Deus não fornece
meras dicas ou sugestões para a vida, mas regras que
não podemos desprezar. Isto não significa que preci-
samos olhar para a vontade de Deus apenas como
uma obrigação, pois cumprir essa vontade tem de ser
o nosso deleite (Rm 12:2).

Em segundo lugar, nem tudo o que é revelado é pre-


ceito, mas todo preceito é revelado. ... Deus não es-
conde a sua vontade de nós. Tudo o que precisamos
para uma vida agradável a Ele foi revelado. Essa von-
tade não se adivinha, mas se conhece por intermédio
da Palavra e se pratica.

Em terceiro lugar, os preceitos do Senhor devem ser


o principal alvo do nosso conhecimento. ... Portan-
to, devemos encher nossas mentes e corações dos
mandamentos do Senhor a fim de que eles brotem
em tempos de decisão. Nosso conhecimento das

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Escrituras entra em ação quando estamos numa en-


cruzilhada e precisamos de norte. Quando Jesus foi
tentado, respondeu com a Palavra que brotou de
seu coração (Mt 4). Quando Jonas foi engolido pelo
peixe, orou em conformidade com o livro de Salmos
(Jn 2); isto é, em tempos de aflição, trechos da Pala-
vra lhes vieram à mente. Por isso, precisamos meditar
constantemente nos mandamentos de Deus
(Sl 1:1-3; Pv 6:20-22).

Por último, por causa da nossa desobediência, do


pecado que em nós ainda habita, esta vontade nem
sempre é cumprida. O fato de Deus querer a nossa
santificação não significa que ele determina e realiza
a santificação em todos os homens.2

g. O contraste entre a vontade moral e a vontade soberana de


Deus

A vontade moral de Deus diz respeito aos preceitos de Deus, por


isso, ela também é chamada de vontade preceptiva, ou seja, é a
vontade de Deus no sentido de ser aquilo que ele requer do ser hu-
mano. Já a vontade soberana de Deus, diz respeito aos seus decre-
tos, e, por isso, é também chamada de vontade decretiva – a vonta-
de de Deus no sentido daquilo que ele determinou para acontecer.
Ao compararmos esses dois sentidos da vontade de Deus, podemos
observar que há um contraste entre eles, porém, não devemos cair
no erro de pensar que são contraditórios ou auto-excludentes.
Sobre esse contraste, Kevin DeYoung, diz o seguinte:

“Enquanto à vontade decretiva de Deus se refere às


coisas como elas são, a vontade preceptiva se refere
às coisas como elas deveriam ser. Sei muito bem que
estou deixando de lado uma questão fundamental:
Como pode Deus decretar tudo o que acontece e, ao

2
Heber campos Jr., Tomando decisões segundo a vontade de Deus, pág.
48,49.

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mesmo tempo, nos considerar responsáveis por nos-


sas ações? Esse é um antigo dilema que coloca frente
a frente a soberania divina e a responsabilidade hu-
mana. A Bíblia afirma as duas coisas com clareza Am-
bos os lados da vontade divina estão nas Escrituras. A
vontade decretiva de Deus, o que ele predeterminou
no passado eterno, não pode ser frustrada. A vontade
preceptiva de Deus, a maneira como ele quer que
vivamos não pode ser desconsiderada.”3

Há um texto nas Escrituras, no qual a vontade preceptiva e a von-


tade decretiva de Deus aparecem lado a lado:

“As coisas encobertas pertencem ao SENHOR, nosso


Deus, mas as reveladas pertencem a nós e aos nossos
filhos para sempre, para que obedeçamos a todas as
palavras desta lei.” (Dt 29.29 – NVI)
Na versão seguinte, o texto fica ainda mais claro:

“O Senhor, nosso Deus, tem segredos que ninguém


conhece. Não seremos responsabilizados por eles,
mas nós e nossos filhos somos responsáveis para sem-
pre por tudo que ele nos revelou, para que obedeça-
mos a todos os termos desta lei.” (Dt 29.29 – NVT)

Deus tem segredos que ninguém conhece, essa é a sua vontade


soberana. É certo que existe uma pequena parte desses segredos
de Deus que ele revelou nas Escrituras, porém, tem a ver, principal-
mente, com o plano geral de redenção, por exemplo, as profecias
messiânicas e escatológicas.
O texto diz que não seremos responsabilizados por aquilo que Deus
não nos revelou, explicitamente, em sua Palavra. Porém, em con-
traste com a sua vontade soberana, está a sua vontade moral, e
esta, sim, ele nos revelou plenamente em sua Palavra, e, por isso,
nos responsabiliza por conhecê-la e praticá-la.

3
Kevin DeYoung, “Faça alguma coisa”, pág. 24.

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O Apóstolo Paulo exorta a nos aprofundar na compreensão da von-


tade de Deus revelada a nós:

“Portanto, não sejam insensatos, mas procurem com-


preender qual é a vontade do Senhor.” (Ef 5.17 – NVI)

Conhecer e obedecer à vontade revelada do Senhor não é uma


questão de opção, pois a consequência de desobedecê-la é a mor-
te. Isso é muito sério!
Porém, Deus derramou, generosamente, sobre nós a sua graça. Por
meio dela temos o perdão dos pecados mediante o sangue de Je-
sus, e também toda instrução e capacitação para vivermos uma
vida de santidade, em obediência ao Senhor. A graça nos ensina e
capacita a renunciar a impiedade, as paixões mundanas, e a viver
neste mundo de maneira sóbria, justa e piedosa, como diz as Escri-
turas:

“Porque a graça de Deus se manifestou, trazendo sal-


vação a todos os homens e ensinando-nos para que,
renunciando à impiedade e às paixões mundanas, vi-
vamos neste mundo de maneira sóbria, justa e piedo-
sa, aguardando a bendita esperança e o aparecimen-
to da glória do nosso grande Deus e Salvador, Cristo
Jesus, que se entregou a si mesmo por nós para nos
remir de toda a maldade e purificar para si um povo
todo seu, consagrado às boas obras.”
(Tt 2.11-14 – A21)

Por fim, para uma melhor compreensão desse contraste entre a


vontade decretiva e preceptiva de Deus, vamos sintetizá-lo no
quadro:

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VONTADE DECRETIVA VONTADE PRECEPTIVA


(Vontade soberana) (Vontade moral)

Oculta Revelada
(Deus tem segredos que ninguém
(Deus a revelou, completa e expli-
conhece. Ele não deve nenhum
tipo de satisfação a ninguém) citamente, a nós em sua Palavra)

Certamente acontecerá Nem sempre acontece


(Ela independe do desejo hu- (Por causa da rebeldia e insubmis-
mano de submeter-se a Deus,
tanto ímpios quanto justos a são humana, ela nem sempre é
cumprem) cumprida)

Não somos responsáveis Seremos responsabilizados


(Deus nos deu claramente os seus
(Deus não nos cobrará aquilo que
mandamentos e deles seremos
não nos revelou) cobrados)

Não devemos nos preocupar Deve ser a nossa maior


preocupação
(Deus não nos manda descobri-la
(Devemos encher nossas mentes
e nem nos promete revelá-la, por-
e corações dos mandamentos
tanto, não devemos ficar ansiosos do Senhor, a fim de vivermos em
quanto ao nosso futuro) maior plenitude)

Descanso Trabalho
(Devemos descansar humilde- (Obedecer aos mandamentos
mente na soberania de Deus, exige esforço da nossa parte, mas
sabendo que todas as coisas que
nos acontece vêm das suas mãos, Deus nos dá a sua graça para nos
para o nosso próprio bem e aper- capacitar a realizar tudo o que nos
feiçoamento) foi ordenado em sua lei)

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A VONTADE DE DEUS
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2. A VONTADE DE DEUS NA DISTRIBUIÇÃO DOS SEUS DONS E


CHAMAMENTOS

O quarto e último sentido da vontade de Deus, diz respeito aos


dons e chamamentos no corpo de Cristo. Visto que cada crente
é um membro diferente no Corpo, a vontade de Deus acerca dos
dons e chamamentos difere de pessoa para pessoa.
Em sua primeira carta aos coríntios, Paulo fala da diversidade de
dons na Igreja. Ele diz que o Espírito Santo concede dons a cada
um, conforme deseja:

“Há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo.


Há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mes-
mo. E há diversidade de realizações, mas é o mesmo
Deus quem realiza tudo em todos. Mas a manifesta-
ção do Espírito é dada a cada um para benefício co-
mum. Porque a um é dada, pelo Espírito, a palavra de
sabedoria; a outro, pelo mesmo Espírito, a palavra de
conhecimento. A outro, pelo mesmo Espírito, é dada
a fé; a outro, pelo mesmo Espírito, dons de curar; a
outro, a realização de milagres; a outro, profecia; a
outro, o dom de discernir os espíritos; a outro, varieda-
de de línguas; e a outro, interpretação de línguas. Mas
um só Espírito realiza todas essas coisas, distribuin-
do-as individualmente conforme deseja.”
(1 Co 12:4-11 - A21)

Além da diversidade de dons, Paulo também fala da diversidade de


ministérios na Igreja, os quais Cristo chamou e designou conforme
a sua vontade, tendo em vista a edificação do seu próprio corpo:

“E ele designou uns como apóstolos, outros como


profetas, outros como evangelistas, e ainda outros
como pastores e mestres, tendo em vista o aperfeiço-
amento dos santos para a obra do ministério e para
a edificação do corpo de Cristo; até que todos che-
guemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do
Filho de Deus, ao estado de homem feito, à medida
da estatura da plenitude de Cristo; para que não se-
jamos mais inconstantes como crianças, levados ao
redor por todo vento de doutrina, pela mentira dos
homens, pela sua astúcia na invenção do erro; pelo

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A VONTADE DE DEUS
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contrário, seguindo a verdade em amor, cresçamos


em tudo naquele que é a cabeça, Cristo. Nele o corpo
inteiro, bem ajustado e ligado pelo auxílio de todas as
juntas, segundo a correta atuação de cada parte, efe-
tua o seu crescimento para edificação de si mesmo no
amor.” (Ef 4.11-16 – A21)

É por isso que Paulo, muitas vezes, disse que era um apóstolo “se-
gundo a vontade de Deus”:

“Eu, Paulo, apóstolo de Cristo Jesus pela vontade de


Deus, enviado para anunciar a vida que ele prometeu
por meio da fé em Cristo Jesus.” (2 Tm 1.1 – NVT)

3. O QUE REALMENTE ESTÁ EM “JOGO”?

O nosso objetivo, com todas essas especificações em relação à ex-


pressão “vontade de Deus”, é esclarecer o que realmente está em
jogo em meio a tudo isso.
Não sei se você percebeu o que está sempre em conflito, nessa
questão da vontade de Deus. Mas observe: afirmar que Deus tem
um plano individual e detalhado para a sua vida não é errado, pois
você está se referindo aos decretos de Deus, o autor da história.
Porém, esses decretos são ocultos a nós e não nos compete sabê-
-los. Dizer que devemos descobrir qual é a vontade de Deus para
nossas vidas ou colocar expectativa de que Deus vai revelá-la não é
bíblico, é errado e gera muita ansiedade, subjetivismo e frustração.
O que está em conflito nessa questão é que, sem o perceber, so-
brepomos à vontade soberana de Deus a sua vontade moral. Ao
colocarmos nosso foco e expectativa em descobrir algo que a Bíblia
não nos revelou, tiramos nossas energias do foco que realmente
deveria nos importar, isto é, cumprir os mandamentos de Deus e ser
santo como ele é santo.
Portanto, é necessário redirecionarmos o nosso olhar e energia para
aquilo que Deus realmente está requerendo de nós. Todas as nos-
sas forças devem ser concentradas em conhecer os mandamentos
do Senhor, compreender a profundidade de cada um deles e apli-
cá-los a todas as áreas da nossa vida, todos os dias.
Não devemos nos iludir, Satanás é o mais interessado em que o
nosso foco não esteja nos mandamentos do Senhor. Ele não quer

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ver na terra um povo santo e, por isso, fará de tudo para nos roubar
daquilo que realmente importa.

4. ENCONTRANDO LIBERDADE NO PÁTIO DE ESTACIONAMENTO

Diante de tudo isso, podemos dizer que a nossa percepção da von-


tade de Deus para as nossas vidas, se parece mais com um “pátio
de estacionamento” do que com um “trilho de trem”.
A ilustração do trilho sugere uma sequência única de acontecimen-
tos. É como se tivéssemos de “acertar” a única opção, pois se a
perdermos acabaremos em maus lençóis e para sempre confinados
a uma vida desorientada e fracassada.
Já, a figura do pátio de estacionamento sugere outra ideia. Frank
Viola, em seu livro “Redescobrindo a Vontade de Deus”, traz essa
ilustração da seguinte forma:

Imagine um pátio de estacionamento público. Obser-


ve que ele tem limites. Pelos limites ficamos sabendo
onde o pátio começa e onde termina. Sabemos o que
está dentro e fora dele.

A beleza do pátio de estacionamento é a liberdade


que ele apresenta. Há muitas escolhas dentro dele. Os
motoristas podem escolher livremente entre as muitas
vagas para estacionar

Certamente, algumas escolhas podem ser mais sábias


do que outras. Se estiver chovendo, provavelmente
será mais sábio e mais vantajoso estacionar em uma
vaga que esteja perto do edifico do que naquela que
está distante dele. No entanto, muitas vagas de esta-
cionamento são igualmente apropriadas. Uma não é
melhor do que a outra.4

4
Frank Viola, Redescobrindo a Vontade de Deus, Pag. 35.

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A VONTADE DE DEUS
Uma Visão Bíblica de Como Entender a Vontade de Deus para sua Vida

Nesta ilustração temos os limites do pátio de estacionamento bem


definidos, e dentro dele várias vagas legítimas.
Diante disso, podemos dizer que os limites do pátio têm a ver com
a vontade moral de Deus. Quais são os limites que devem permear
as nossas escolhas? A lei de Deus, aquilo que é moralmente correto.
Porém, dentro da legitimidade da lei de Deus existem várias op-
ções que podemos escolher livremente, não precisamos esperar
uma intervenção sobrenatural de Deus para nos guiar. Nesse caso,
o que precisamos é aprender o caminho da sabedoria (iremos nos
aprofundar neste assunto nos capítulos 7 e 8).

5. REVISANDO

Como vimos, há quatro sentidos distintos para a expressão “vontade


de Deus” e para cada um deles há uma atitude correta da nossa
parte:

1º - A Vontade Eterna de Deus (seu propósito eterno)


Esse sentido tem a ver com aquilo que é central e governante no
coração de Deus. Ele nos revelou o seu propósito eterno nas Es-
crituras, o qual deve ser também o nosso (aquilo que é central e
governante em nossos corações e decisões).

2º - A Vontade Soberana de Deus (sua vontade decretiva)


Deus determina e administra todos os acontecimentos da história
(grandes ou pequenos, bons ou maus) com o objetivo de realizar
todo o seu propósito. Ele não nos revelou a sua vontade soberana,
por isso, ela é secreta e não nos compete sabê-la. É preciso, então,
humildade para reconhecer que não a conhecemos; e, confiança
para saber que estamos nas mãos de um Deus todo poderoso e
bom.

3º - A Vontade Moral de Deus (sua vontade preceptiva)


Tem a ver com a sua lei e com a conduta que ele requer da hu-
manidade. Por sua vez, essa conduta tem a ver com a forma como
fomos criados para ser, e com o modo como podemos desfrutar
do nosso pleno potencial. A vontade moral de Deus está explicita-
mente revelada nas Escrituras e é nosso dever conhecê-la, amá-la e
obedecê-la. Ela deve ser o centro do nosso conhecimento.

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A VONTADE DE DEUS
Uma Visão Bíblica de Como Entender a Vontade de Deus para sua Vida

4º - A Vontade de Deus na Distribuição dos Dons e Chamamentos


Essa vontade de Deus se refere ao lugar e função de cada membro
no corpo de Cristo. Ele quer que desenvolvamos os dons e talentos
que nos deu para, assim, podermos servir uns aos outros.
Cada um desses sentidos da vontade de Deus requer de nós uma
atitude diferente. Não devemos ficar tensos, pensando que Deus
está nos escondendo algo fundamental para a nossa caminhada
cristã, pois ele é completamente confiável.

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