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Skinner, B.F - para Além Da Liberdade e Da Dignidade (Traducao Portuguesa)
Skinner, B.F - para Além Da Liberdade e Da Dignidade (Traducao Portuguesa)
Skinner
CIÊNCIAS DO HOMEM
Colecção plural,
porque atenta a todos os saberes do homem
na sua convergência e nas suas tensões;
crítica,
porque ao serviço
da genuína ilustração intelectual;
actual,
ao ritmo da investigação em curso,
mas sem renegar a riqueza
das obras relevantes do passado.
PARA ALEM DA
A
E DA
DIGNIDA
D
E
Título original:
B e y o n d F ree dom a n d Dignity
© B. F. Skinner Foundation
ISBN 972-44-1051 - X
Esta obra está protegida pela lei. Não pode ser reproduzida
no todo ou em parte, qualquer que seja o modo utilizado,
incluindo fotocópia e xerocópia, sem prévia autorização do Editor.
Qualquer transgressão à lei dos Direitos do Autor será passível de
procedimento judicial.
B. F. Skinner
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PARA ALEM DA
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edições 70
U M A T E C N O L O G IA D O C O M PO R TA M EN TO
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PARA ALÉM DA LIBERDADE E DA DIGNIDADE
Quer tivesse podido prever tais danos, quer não, o homem deve repará-
-los ou tudo estará perdido. No entanto, para que tal reparação seja possível,
é necessário que reconheça a natureza da dificuldade. Apenas pela aplicação
das ciências físicas e biológicas não resolveremos os nossos problemas, uma
vez que as soluções residem noutro campo. Melhores contraceptivos só
controlarão o crescimento populacional se forem usados. Novos armamentos
poderão equilibrar-se com novos sistemas de defesa e vice-versa, mas só
poderemos evitar o holocausto nuclear se as condições de antagonismo bélico
entre as nações forem alteradas. Novos métodos de agricultura e medicina
não terão qualquer valia se não forem postos em prática, do mesmo modo
que o problema habitacional não se resume apenas à construção de edifícios
e cidades, pois envolve igualmente o modo de vida das pessoas. Só se resolverá
o problema da aglomeração populacional excessiva convencendo-se as pessoas
a não se aglomerarem; por seu turno, o ambiente continuará a deteriorar-se
enquanto não se abandonar as práticas que conduzem à poluição.
Em suma, precisamos de alterar consideravelmente o comportamento
humano, mas não poderemos fazê-lo recorrendo exclusivamente à física e à
biologia, por mais esforços que fizermos. (E há outros problemas, como o
colapso do nosso sistema educacional e a alienação e revolta dos jovens,
problemas para os quais as tecnologias física e biológica são tão obviamente
irrelevante que jamais foram aplicadas.) Não basta «usar a tecnologia com
um entendimento mais profundo dos problemas humanos» nem «consagrar
a tecnologia às necessidades espirituais do homem», ou tão-pouco «encorajar
os tecnólogos a debruçarem-se sobre os problemas humanos». Tais expressões
significam que a tecnologia cessa onde começa o comportamento humano e
que devemos prosseguir, como acontecia no passado, com o que aprendemos
através da experiência pessoal, da compilação de experiências pessoais
chamada história ou com o uso selectivo de experiências encontradas na
sabedoria popular e nas normas consuetudinárias. Tudo isto esteve à nossa
disposição durante séculos, e tudo o que temos paramostrar é o estado do
mundo actual.
O que precisamos é de uma tecnologia do comportamento. Poderíamos
resolver rapidamente os nossos problemas se pudéssemos regular o
crescimento da população mundial com a mesma precisão com que
regulamos o rumo de uma nave espacial, aperfeiçoar a agricultura e a
indústria com um pouco da confiança com que aceleramos partículas de
alta energia ou caminhar para um mundo de paz com uma progressão
regular e constante como a da física na sua aproximação do zero absoluto
(ainda que, presumivelmente, quer o mundo de paz, quer o zero absoluto
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que Newton rejeitou quando afirmava que hypotheses non fingo - «não
formulo hipóteses» - ainda que nem sempre agisse estritamente de acordo
com as suas palavras.) Durante muito tempo, a biologia continuou a apelar
para a natureza das coisas vivas e só no século XX veio a abandonar
totalmente as forças vitais. Todavia, atribui-se ainda o comportamento
à natureza humana, subsistindo uma desenvolvida «psicologia das diferenças
individuais», segundo a qual os indivíduos são comparados e descritos
em termos de traços de carácter, capacidades e aptidões.
Quase todos os que se interessam pelos problemas humanos - o
cientista político, o filósofo, o homem de letras, o economista, o psicólogo,
o linguista, o sociólogo, teólogo, o antropólogo, o educador ou o
psicoterapeuta - continuam a falar do comportamento humano nestes termos
pré-científicos. Todas as edições de jornais diários, revistas, publicações
especializadas e todos os livros que abordem de algum modo o
comportamento humano fornecer-nos-ão exemplos. Dizem-nos que para
controlar o crescimento demográfico mundial precisamos de mudar as
nossas atitudes em relação aos filhos, superar o orgulho pelo tamanho
da fam ília ou pela potência sexual, criar um certo sentido de
responsabilidade em relação aos nossos descendentes e reduzir o papel
desempenhado pelas famílias grandes em minorar a preocupação com
a velhice. A fim de trabalhar pela paz, devemos fazer face à sede de
poder ou às ilusões paranóicas dos dirigentes; devemos recordar-nos de
que as guerras principiam na mente dos homens, de que existe algo de
suicida no homem - talvez um instinto da morte - que conduz à guerra
e de que o homem é agressivo por natureza. Para resolver os problemas
da pobreza, devemos incutir amor-próprio, encorajar o espírito de iniciativa
e reduzir a frustração. Para atenuar o descontentamento dos jovens, devemos
proporcionar-lhes um certo sentido de finalidade e minorar os sentimentos
de alienação ou desânimo. Ao verificarmos que não dispomos de quaisquer
meios eficazes para materializar tais medidas, nós próprios podemos sofrer
uma crise de convicção ou perda de confiança, o que somente poderá
obviar-se com o retomo à fé nas capacidades inatas do homem. Tudo
isto se refere a verdades fundamentais, que quase ninguém põe em causa.
Todavia, não encontramos nada de semelhante na física moderna nem
na maior parte do âmbito da biologia, o que pode muito bem explicar
as razões por que foram durante tanto tempo proteladas uma ciência e
uma tecnologia do comportamento.
Costuma supor-se que a objecção «behaviorística» às ideias,
sentimentos, traços de carácter, vontade, etc., diz respeito à matéria de
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que consta serem feitos. Durante mais de dois mil e quinhentos anos
não deixou por certo de debater-se certas questões obstinadas acerca da
natureza da mente que continuam sem resposta. Como, por exemplo, pode
a mente mover o corpo? Ainda em 1965, Karl Popper5 formulou a questão
nos seguintes termos: «O que pretendemos é compreender como certas
coisas imateriais como propósitos, deliberações, planos, decisões, teorias,
tensões e valores podem desempenhar um dado papel na produção de
mudanças físicas no mundo material.» Além disso, como é natural,
queremos saber de onde provêm esses elementos imateriais. Para essa
pergunta, os gregos tinham uma resposta simples: dos deuses. Como
salientou Dodds6, os gregos acreditavam que, se um indivíduo procedia
de um modo insensato, era porque um deus hostil implantara (paixão
desmedida) no seu peito. Um deus amistoso poderia conceder a um guerreiro
uma quantidade adicional de m e n o z que o ajudaria a combater
fulgurantemente. Aristóteles pensava existir algo de divino no pensamento
e, por sua vez, Zenão sustentava que o intelecto era Deus.
Actualmente, não podemos adoptar esta linha de pensamento.
A alternativa mais comum consiste em apelar para acontecimentos físicos
precedentes. Afirma-se que a herança genética do indivíduo produto da
evolução da espécie - explica parte do funcionamento da sua mente e
que a sua história pessoal explica o restante. Por exemplo, em consequência
da competição (física) no decurso da evolução, os homens têm agora
sentimentos (não-físicos) de agressividade que conduzem a actos (físicos)
de hostilidade. Outro exemplo: o castigo (físico) que uma criança pequena
recebe quando se entrega a experiências sexuais gera sentimentos de
ansiedade (não-físicos) que afectarão o seu comportamento sexual (físico)
quando adulto. O estádio não-fisico abarca evidentemente longos períodos
de tempo: a agressividade remonta a milhões de anos da história da evolução
e a ansiedade adquirida na infância subsiste até à velhice.
Poderia evitar-se o problema de passar de uma coisa para outra se
tudo fosse ou mental ou físico, e foram já consideradas ambas as
possibilidades. Alguns filósofos procuraram circunscrever-se ao mundo
da mente, argumentando que só a experiência imediata é real, pelo que
a psicologia experimental teve início como tentativa para descobrir as
leis mentais que regiam as interacções entre os elementos mentais. As
teorias «intrapsíquicas» da psicoterapia contemporânea dizem-nos como
um sentimento conduz a outro (como a frustração gera agressividade,
por exemplo), como os sentimentos se inter-relacionam e como os
sentimentos expulsos da mente lutam por aí reentrar. Foi Freud quem,
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não fugimos porque temos medo, mas sim que temos medo porque fugimos.
Por outras palavras, o que sentimos quando temos medo é o nosso
comportamento, o mesmo comportamento que, do ponto de vista tradicional,
exprime o sentimento e é explicado por ele. Mas quantos dos que
examinaram o argumento de James observaram que na realidade não se
assinalou qualquer facto antecedente? Nenhum dos «porque» deveria ser
tomado a sério, pois não se deu qualquer explicação para a razão por
que fugimos e sentimos medo.
Quer nos encaremos como sentimentos que se explicam por si mesmos,
quer consideremos o comportamento motivado pelos sentimentos, prestamos
muito pouca atenção às circunstâncias precedentes. O psicoterapeuta toma
conhecimento dos primórdios da vida do seu paciente quase exclusivamente
através das recordações deste, as quais sabemos serem passíveis de falhas,
chegando a argumentar que o importante não é o que aconteceu na realidade,
mas aquilo de que o paciente se recorda. Deve haver, na literatura
psicanalítica, pelo menos cem referências à sensação de ansiedade para
cada referência a um episódio envolvendo punição ao qual se remonta
na explicação da ansiedade. Parece até dar-se preferência a antecedentes
que estejam claramente fora do nosso alcance. Actualmente, por exemplo,
verifica-se um grande interesse pelo que deve ter ocorrido durante a evolução
da espécie com vista a explicar o comportamento humano e damos a
impressão de falar com especial convicção, precisamente por apenas
podermos inferir o que efectivamente aconteceu.
Incapazes de compreender a maneira ou a razão de uma dada pessoa
proceder, atribuímos o seu comportamento a outra pessoa que não podemos
ver e cujo comportamento também não podemos explica» mas sobre a
qual não somos levados a fazer perguntas. Adoptamos provavelmente esta
estratégia não tanto por falta de interesse ou capacidade, mas devido
à perene convicção de que não existem antecedentes relevantes para grande
parte do comportamento humano. A função do homem interior consiste
em fornecer uma explicação que, por sua vez, não será explicada.
A explicação cessa com ele. Ele não é um mediador entre história passada
e comportamento presente, mas sim um centro do qual emana o
comportamento. Ele inicia, dá origem e cria e, enquanto o faz, permanece
divino, como o era para os gregos. Afirmamos que é autónomo e, do
ponto de vista de uma ciência do comportamento, isso quer dizer milagroso.
Esta posição é, evidentemente, vulnerável. O homem autónomo serve
para explicarmos unicamente aquilo que não somos ainda capazes de
explicar de outro modo. A sua existência depende da nossa ignorância,
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Com efeito, sentimos aquilo que está dentro de nós próprios, mas não
sentimos as coisas que foram inventadas para explicar o comportamento.
O possesso não sente o demónio que o possui e poderá até negar a sua
existência. O delinquente juvenil não sente a sua personalidade perturbada.
O homem inteligente não sente a sua inteligência, nem o introvertido
a sua introversão. (Na realidade, há quem afirme que estas dimensões
da mente ou do carácter só são observáveis mediante complexos processos
estatísticos.) Quem fala não sente as regras gramaticais que aplica na
construção das frases que profere, além de que os homens falaram
gramaticalmente durante milhares de anos sem que soubessem da existência
de regras. Quem responde a um questionário não sente as atitudes ou
opiniões que o levam a assinalar itens de uma determinada maneira.
É certo que sentimos determinados estados do nosso corpo associados
ao comportamento; no entanto, como salientou Freud, actuamos do mesmo
modo quando não os sentimos. São, pois, subprodutos que não devem
ser confundidos com causas.
Existe uma razão muito mais importante para a nossa lentidão em
nos desfazermos das explicações mentalísticas: tem sido difícil encontrarmos
alternativas. Presumivelmente, devemos procurá-las no ambiente exterior,
ainda que o papel desempenhado pelo ambiente não seja de modo nenhum
claro. A história da teoria da evolução ilustra o problema. Até ao século
XIX, o ambiente foi considerado apenas como um cenário passivo do
nascimento, reprodução e morte dos mais diferentes tipos de organismos.
Ninguém notou que o ambiente era responsável pela existência de muitas
espécies diferentes (e atribuía-se tal facto, de modo bastante significativo,
à Mente criadora). O problema é que o ambiente actua de um modo
imperceptível: não impele nem puxa, selecciona. Durante milhares de
anos da história do pensamento humano, o processo de selecção natural
passou despercebido, não obstante a sua extraordinária importância. Quando,
finalmente, foi descoberto, converteu-se naturalmente na chave da teoria
evolucionista.
O efeito exercido pelo ambiente9 no comportamento permaneceu
obscuro durante um período ainda mais longo. Podemos ver o que os
organismos fazem ao mundo que os cerca, ao suprirem por meio dele
as suas necessidades e ao defenderem-se dos seus perigos; porém,
muito mais difícil é apreciar a acção que o mundo exerce sobre eles.
Descartes10 foi quem primeiro sugeriu a possibilidade de o ambiente
desempenhar um papel activo na determinação do comportamento e,
segundo tudo nos leva a crer, apenas o pôde fazer porque se lhe deparou
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uma sugestiva pista. Ele conhecia certas máquinas automáticas dos Jardins
Reais de França, manobradas hidraulicamente por meio de válvulas ocultas.
Conforme a descrição do próprio Descartes, ao entrarem nos jardins, as
pessoas «necessariamente pisam determinados ladrilhos ou lages, de tal
forma dispostos que, ao aproximarem-se de uma Diana no banho, fazem
com que ela se esconda atrás das roseiras e, se tentarem segui-la, fazem
com que Neptuno avance para elas, ameaçando-as com o seu tridente».
As esculturas divertiam precisamente porque procediam como se fossem
pessoas; parecia, por conseguinte, que algo de muito semelhante ao
comportamento humano poderia ser explicado mecanicamente. Descartes
entendeu a sugestão: os organismos vivos poderiam mover-se por motivos
análogos. (Ele excluiu o organismo humano, presumivelmente para evitar
polémicas de ordem religiosa.)
A a ç ã o ativadora do ambiente veio a denominar-se «estímulo» -
que provém da palavra latina que significa «aguilhão» o efeito sobre
um organismo recebeu o nome de «resposta», enquanto ambos passaram
a constituir um «reflexo». Os reflexos foram pela primeira vez demonstrados
em pequenos animais decapitados como, por exemplo, salamandras, e
é significativo que tal princípio tenha sido contestado durante todo o
século XIX, uma vez que parecia negar a existência de um agente autónomo,
a «alma da espinal medula», a que se atribuía o movimento do corpo
decapitado. Quando Pavlov mostrou como se podia formar novos reflexos
através do condicionamento, nasceu uma psicologia do estímulo-
-resposta perfeitamente instituída, segundo a qual todo o comportamento
passou a ser encarado como reacções a estímulos. Determinado escritor
exprimiu-a nos seguintes termos: «Pela vida fora, ou somos aguilhoados
ou chicoteados.»11 Contudo, o modelo estímulo-resposta jamais chegou
a ser muito convincente nem resolveu o problema básico, porquanto algo
de semelhante ao homem interior tinha de ser inventado para converter
um estímulo em resposta. A teoria da informática esbarrou no mesmo
problema quando foi necessário inventar «processador» interno que
convertesse input em output.
É relativamente fácil observar o efeito de um estímulo provocador
e não surpreende que a hipótese de Descartes tenha conservado durante
largo tempo uma posição dominante na teoria do comportamento; não
passou, no entanto, de uma pista falsa, da qual só agora se vai libertando
a análise científica. O ambiente não só aguilhoa ou chicoteia como ainda
selecciona. O seu papel é semelhante ao da selecção natural, embora
numa escala de tempo bastante diferente, e precisamente por essa razão
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que precisam de ser vigiados, do mesmo modo que apreciamos mais quem
fala uma língua naturalmente do que quem precisa de consultar regras
gramaticais.
Ao ocultarmos o controlo a fim de evitar a perda de prestígio ou
reivindicar mérito que não nos pertence, estamos a reconhecer essa curiosa
relação entre o mérito e a imperceptibilidade das condições controladoras.
Qualquer general faz o possível por conservar a sua dignidade quando
se faz transportar num jeep por terreno irregular, do mesmo modo que
o flautista continua a tocar mesmo que lhe passeie pelo rosto uma mosca.
Evitamos espirrar ou rir em momentos solenes e, depois de cometer um
erro crasso, procuramos agir como se não o tivéssemos cometido.
Submetemo-nos à dor sem titubear, comemos com afectação embora
estejamos com um apetite devorador, retiramos displicentemente os nossos
ganhos da mesa de jogo e corremos o risco de queimar-nos ao pousar
cuidadosamente uma travessa que escalda. (Ao cuspir um pedaço de batata
muito quente, Dr. Johnson pôs em causa o valor deste acto, exclamando
para os surpreendidos convivas: «Um tolo tê-lo-ia engolido!») Por outras
palavras, resistimos a quaisquer condições em que actuemos de modo
pouco digno.
Procuramos aumentar o nosso valor disfarçando ou encobrindo formas
de controlo. O locutor de televisão utiliza uma espécie de ponto que é
invisível para o espectador, do mesmo modo que o conferencista só sub-
-repticiamente relanceia os olhos pelas suas notas, pelo que ambos dão
a impressão de falar de memória ou improvisar quando, na realidade,
(o que é menos louvável) estão a ler. Tentamos fazer com que nos tenham
em melhor conta inventando motivos menos coercivos para a nossa conduta.
«Salvamos as aparências», atribuindo o nosso comportamento a causas
menos visíveis ou menos imperiosas - comportando-nos, por exemplo,
como se não nos encontrássemos sob uma ameaça. Para imitarmos São
Jerónimo, fazemos da necessidade uma virtude, agindo com prontidão
quando nos forçam a agir como se estivéssemos livres de qualquer coacção.
Encobrimos a coacção fazendo mais do que somos obrigados: «Se alguém
te obrigar a caminhar uma milha, acompanha-o em duas»34. A fim de
evitarmos o descrédito motivado por procedimento censurável, alegamos
motivos irresistíveis, como observou Choderlos de Laclos em As Ligações
Perigosas: «A mulher tem de ter um pretexto para entregar-se ao homem.
E qual deles será melhor do que parecer ceder à força?»
Aumentamos a consideração que nos é devida expondo-nos a situações
que habitualmente suscitam comportamento indigno, ao mesmo tempo
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que nos eximimos a agir dessa forma. Buscamos condições que tenham
reforçado positivamente determinado comportamento para, em seguida,
nos abstermos de adoptá-lo. Cortejamos a tentação, do mesmo modo que
o santo exacerbava as virtudes da vida eremítica através da proximidade
voluntária de belas mulheres ou deliciosas iguarias. Continuamos a
mortificar-nos, à semelhança do que fazem os flageladores, se bem que
pudéssemos deixar de fazê-lo de um momento para o outro, ou a submeter-
-nos ao destino do mártir quando poderíamos evitá-lo.
Quando está em causa a consideração a tributar aos outros,
minimizamos a evidência das causas do seu comportamento. Preferimos
recorrer a admoestações suaves do que a castigos, já que os reforços
condicionados dão menos nas vistas do que os não-condicionados e a
evitação constitui um procedimento mais louvável do que a fuga. Preferimos
dar ao aluno uma pista a dizer-lhe toda a resposta, pela qual será
considerado caso a sugestão lhe baste. Limitamo-nos a sugerir ou aconselhar
de preferência a dar ordens. Damos o nosso beneplácito àqueles que,
inevitavelmente, vão proceder de forma repreensível, como sucedeu com
aquele bispo que, ao presidir a um jantar, declarou: «Podem fumar os
que tiverem de fazê-lo». Ao aceitar as explicações que nos dão sobre
o seu comportamento, por mais inverosímeis que sejam, estamos a ajudar
aqueles que procuram salvaguardar o seu prestígio. Pomos à prova o
merecimento de uma dada pessoa, proporcionando- lhe razões para que
proceda de modo pouco louvável. A paciente Griselda, figura feminina
da galeria chauceriana, provou a sua fidelidade ao marido, resistindo às
prodigiosas razões que este lhe deu para ser infiel.
Elogiar em proporção inversa à evidência das causas do comportamento
poderá constituir uma simples questão de boa administração. Como é
natural, somos criteriosos na utilização dos nossos recursos: não há o
mínimo interesse em louvarmos alguém por determinado acto que de
qualquer modo iria praticar e avaliamos as probabilidades pelos dados
de que dispomos. Sentimo-nos particularmente inclinados a louvar uma
dada pessoa quando não conhecemos outro meio de conseguir resultados
ou não existem outros motivos que a levem a agir de modo diferente.
Não dispensamos elogios que não produzam efeitos. Não desperdiçamos
encómios com actos reflexos, já que só muito dificilmente poderão ser
consolidados (se é que alguma vez chegam a sê-lo) através de reforço
operante. Não elogiamos as pessoas por actos casuais, e calamo-nos quando
o seu mérito é reconhecido por outrem. Não louvamos, por exemplo,
as pessoas que dão esmolas e o apregoam antecipadamente35, uma vez
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destruímos o elogio que merecia por sabê-la. Dar a um devoto uma prova
da existência de Deus é destruir a sua pretensão de fé pura. O místico
não vê com bons olhos a ortodoxia; o antinomismo defendia que proceder
bem em obediência a normas não constitui sinal de genuína bondade.
Não é com facilidade que demonstramos virtudes cívicas na presença
da polícia. Exigir a um cidadão que assine um juramento de lealdade
é destruir parte da lealdade que poderia de outro modo reivindicar, uma
vez que todo o comportamento leal subsequente poderá ser atribuído ao
juramento.
O artista põe objecções (e leva a mal) quando lhe dizem estar a
pintar um tipo de quadro que se vende bem. Do mesmo modo reage
o escritor a quem apontam produzir obras puramente comerciais ou ainda
o deputado a quem acusam de apoiar determinada medida com vista a
obter votos. É provável que protestemos (com ressentimento) se nos disserem
que estamos a imitar uma pessoa admirada ou que nos limitamos a repetir
o que ouvimos dizer ou lemos em livros. Opomo-nos (com ressentimento)
a qualquer referência de que as consequências aversivas a despeito das
quais procedemos bem não são importantes. Assim, não admitimos que
nos digam que a montanha que estamos prestes a escalar não é realmente
difícil, que o inimigo que vamos atacar não é efectivamente temível, que
o trabalho que temos em mãos não é verdadeiramente árduo ou, como
La Rochefoucauld, que procedemos bem porque não temos a força de
carácter necessária para proceder mal. Quando R W. Bridgman argumentava
que os cientistas sentem-se particularmente inclinados a admitir e corrigir
os seus erros visto que na ciência um erro não demora a ser descoberto,
pensou-se que ele contestava a virtude dos cientistas.
De longe em longe, os progressos verificados na tecnologia física
e biológica deram a impressão de ameaçar o valor ou a dignidade ao
reduzirem as oportunidades do homem receber louvores ou ser alvo de
admiração. A ciência médica restringiu a necessidade de se sofrer em
silêncio e, portanto, as oportunidades de se ser admirado por tal. As
edificações à prova de fogo não deixam lugar a bombeiros corajosos,
assim como barcos e aviões seguros tomam desnecessários marinheiros
e pilotos corajosos. Os modernos estábulos de gado leiteiro não precisam
dos recursos de um Hércules37. Quando se toma desnecessário qualquer
trabalho exaustivo e perigoso, as pessoas que se distinguiam pela sua
capacidade de trabalho e coragem parecem-nos simplesmente ridículas.
Neste ponto, a literatura da dignidade entra em conflito com a literatura
da liberdade, a qual favorece uma redução dos aspectos aversivos da vida
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A PERMISSIVIDADE
Tem sido objecto de sérias propostas uma permissiv idade sem reservas
como alternativa para a punição. Dado que não deverá exercer-se qualquer
controlo, a autonomia do indivíduo será incontestável. Se a pessoa procede
bem, é porque é por natureza boa ou possui autocontrolo. A liberdade
e dignidade encontram-se garantidas. Um homem livre e virtuoso não
precisa de ser governado (os governos apenas corrompem) e no seio da
anarquia poderá ser naturalmente bom e admirado por tal. Não precisa
de nenhuma religião ortodoxa, pois é piedoso e procede piamente sem
obedecer a normas, talvez com a auxílio de uma experiência mística directa.
Não necessita de incentivos económicos organizados, pois é por natureza
laborioso e trocará com os outros parte do que possui, em bases justas
e segundo as condições naturais da oferta e da procura. Não necessita
de mestres; aprende porque gosta de aprender e a sua curiosidade natural
estipula o que ele precisa de saber. Se a vida se tornar excessivamente
complexa ou se o seu status natural for perturbado por ocorrências fortuitas
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ALTERNATIVAS PARA A PUNIÇÃO
dele uma solução, a qual precisa apenas de ser extraída com a ajuda
do terapeuta-parteiro. Como afirmou determinado escritor: «Freud e Sócrates
partilharam três princípios: conhece-te a ti mesmo; a virtude é conhecimento
e o método maiêutico, ou a arte da obstetrícia, que é, obviamente, o
processo (psic ... ) analítico.»47 No âmbito religioso, estão associadas ao
misticismo práticas semelhantes: a pessoa não necessita de obedecer a
normas, como disporia a ortodoxia, uma vez que o comportamento correcto
emanará de fontes interiores.
A obstetrícia intelectual, terapêutica e moral pouco mais fácil é do
que o controlo punitivo, dado que exige artes bastante subtis e atenção
concentrada, embora tenha também as suas vantagens. Parece conferir
um estranho poder àquele que a pratica. A semelhança do uso cabalístico
de sugestões e alusões, alcança resultados aparentes desproporcionais às
medidas empregues. Não diminui, no entanto, a aparente contribuição
do indivíduo. Ele é digno de todo o mérito pelo facto de saber antes
de aprender, por ter dentro de si as sementes de uma boa saúde mental
e pela sua capacidade de entrar em comunicação directa com Deus. Quem
pratica a maiêutica tem ainda a importante vantagem de evitar
responsabilidades. Assim como a parteira não tem culpa se o bebé é um
nado-morto ou apresenta deformidade, também o professor não é responsável
pelo fracasso do estudante, o psicoterapeuta pela incapacidade do paciente
em resolver os seus problemas ou o chefe religioso místico pelo mau
comportamento dos seus discípulos.
As práticas maiêuticas não deixam, todavia, de ter o seu lugar próprio.
Determinar até que ponto o professor deve ajudar o aluno à medida que
este adquire novas formas de comportamento constitui problema delicado.
O professor deverá esperar pela resposta do aluno, de preferência a
apressar-se a transmitir-lhe o que deve fazer ou dizer. Como dizia Coménio,
quanto mais o professor ensina, tanto menos o aluno aprende. Este lucra
de outras maneiras. De um modo geral, não gostamos que nos contem
quer o que já sabemos quer o que provavelmente nunca viremos a saber
bem ou com bons resultados. Não lemos livros que versem assuntos com
que estejamos já perfeitamente familiarizados ou com que estejamos tão
pouco familiarizados que é provável nunca chegarmos a entendê-los. Lemos
obras que nos ajudam a dizer aquilo que, de qualquer modo, estávamos
na iminência de expressar, embora não o fizéssemos sem ajuda.
Compreendemos o autor, ainda que tivéssemos sido incapazes de formular
o que compreendemos antes que ele o confiasse ao papel. Existem vantagens
semelhantes para o paciente da psicoterapia. As práticas maiêuticas são
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A ORIENTAÇÃO
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com alguém para que não gaste dinheiro, chamando-lhe a atenção para
o seu baixo saldo bancário e alcançaremos o nosso objectivo se, no passado,
sofreu por se lhe ter acabado o dinheiro. Em contrapartida, persuadimos
os outros recorrendo a estímulos associados a consequências positivas.
Etimologicamente, o termo está relacionado com o verbo adoçar.
Persuadimos alguém quando tornamos uma dada situação mais propícia
à acção, descrevendo-lhe prováveis consequências reforçadoras. Volta a
deparar-se-nos aqui uma aparente discrepância entre a força dos estímulos
que empregamos e a amplitude do efeito alcançado. Tanto o acto de urgir
como a persuasão só serão eficazes se existir já alguma tendência para
agir e, somente enquanto esta permanecer sem explicação, o comportamento
poderá ser atribuído ao homem interior.
Crenças, preferências, percepções, necessidades, propósitos e opiniões
são outros atributos do homem autónomo que se alteram (segundo se
crê) quando manipulamos a mente alheia. Todavia, o que se modifica
em qualquer dos casos é uma probabilidade de acção. A crença de uma
dada pessoa de que um soalho a sustentará quando caminhar sobre ele
depende das suas experiências passadas. Se já caminhou sobre ele muitas
vezes sem que tivesse havido qualquer incidente, voltará a fazê-lo
prontamente e o seu comportamento não gerará qualquer dos estímulos
aversivos reconhecidos como ansiedade. A pessoa pode afirmar que tem
«fé» na solidez do soalho ou «confiança» em que a sustentará; porém,
o que sente como fé ou confiança não são estados de espírito mas, na
melhor das hipóteses, subprodutos do comportamento em relação a
acontecimentos anteriores e não explicam porque a pessoa caminha de
uma dada maneira.
Consolidamos uma «crença» quando aumentamos as probabilidades
de acção através do reforço do comportamento. Quando consolidamos
a confiança de determinada pessoa em que o soalho a sustentará
induzindo-a a caminhar sobre ele, não se pode dizer que estejamos a
modificar uma crença, mas, segundo a perspectiva tradicional, fazêmo-
-lo quando lhe garantimos verbalmente que o soalho é sólido, demonstramos
a sua solidez caminhando nós próprios sobre ele ou descrevemos a sua
estrutura e estado. A única diferença reside na evidência das medidas
tomadas. A mudança que ocorre quando a pessoa «aprende a confiar
no soalho» caminhando sobre ele constitui o efeito característico do
reforçamento. A mudança que se verifica quando lhe dizem que o soalho
é sólido, quando vê outra pessoa andar por cima dele ou quando é
«convencido» pela garantia de que o soalho a sustentará depende de
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O S V A LO RES
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com
otambém a seu favor. Mas a favor de quem deverá ser posta em
práti ca uma poderosa tecnologia do comportamento? Quem deverá
em prática e com que fins? Temos deixado implícito que os efeitos
de uma prática são melhores do que os da outra, mas em que nos baseamos
para tanto? O que é este «bom», em relação ao qual se diz que algo
diferente é «melhor»? Poderemos definir o que seja uma vida boa? Ou
o progresso em direcção a uma vida boa? E, na verdade, o que é o progresso?
Qual é, em suma, o significado da vida tanto para o indivíduo como
para a espécie?
As interrogações deste tipo parecem apontar para o futuro e dizer
respeito não às origens do homem mas ao seu destino. Afirma-se
naturalmente que elas implicam «juízos de valor», pois põem questões
que não dizem respeito a factos, mas ao modo como os homens encaram
os factos, que não dizem respeito àquilo que o homem é capaz de fazer,
mas àquilo que deve fazer. Costuma sugerir-se que as respostas estão
fora do alcance da ciência, com o que estão muitas vezes de acordo físicos
e biólogos com uma certa justificação, dado que efectivamente as suas
ciências não detêm as respostas. A física pode dizer-nos como se constrói
uma bomba nuclear, mas não nos diz se deverá construir-se. A biologia
pode dizer-nos como controlar a natalidade e adiar a morte, mas não
se deveríamos fazê-lo. As decisões que envolvem os empregos da ciência
parecem exigir um tipo de sabedoria que, por qualquer razão curiosa,
é negada aos cientistas. Caso lhes seja permitido emitir qualquer juízo
de valor, terão de o fazer apenas da sabedoria que partilham com o vulgo.
O cientista do comportamento cometeria um erro se anuísse. O que
as pessoas sentem em relação aos factos ou o que significa sentir algo
são questões para que uma ciência do comportamento deveria ter resposta.
É indubitável que um facto é diferente do que a pessoa sente a seu respeito,
mas o que a pessoa sente também é um facto. A origem das complicações
(aqui como em outros campos) reside no apelo para o que as pessoas
sentem. Uma maneira mais vantajosa de formular a questão seria esta:
se uma análise científica é capaz de nos dizer como modificar o
comportamento, poderá indicar-nos quais as modificações a fazer? Trata-
-se de uma pergunta sobre o comportamento daqueles que efectivamente
propõem e produzem modificações. Entre as boas razões que nos levam
a agir no sentido de melhorar o mundo e a progredir com vista a uma
melhor maneira de viver figuram certas consequências do nosso
comportamento, das quais fazem parte as coisas a que damos valor e
classificamos de boas.
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ético ou moral, mas apenas uma afirmação acerca de uma rede rodoviária.
Algo mais próximo de um juízo de valor parece transparecer numa
afirmação como «Dev(er)ia ler David Copperfield», que podemos traduzir
por «Será reforçado se ler David Copperfield». Trata-se de um juízo de
valor na medida em que sugere que o livro será reforçante. Poderemos
tornar explícita tal sugestão se mencionarmos parte das nossas razões:
«Se gostou de Great Expectations, dev(er)ia ler D a v i Copperfield». Tal
juízo de valor é correcto se se considerar verdade generalizada que quantos
são reforçados pela leitura de Great Expectations o são igualmente pela
outra obra de Dickens.
«Should» e «onght», começam a pôr questões mais difíceis quando
nos voltamos para as contingências nas quais a pessoa é induzida a agir
para o bem dos outros. «Deve(ria) dizer a verdade», é um juízo de valor
na medida em que diz implicitamente respeito a contingências reforçantes,
podendo ser traduzido do seguinte modo: «Se é reforçado pela consideração
dos outros, será reforçado quando disser a verdade». O valor encontra-
se nas contingências sociais que vigoram por razões de controlo. Constitui
um juízo moral ou ético no sentido em que ethos e mores se reportam
às práticas consuetudinárias de um dado grupo social.
Encontramo-nos num campo em que é fácil perder de vista as
contingências. Uma pessoa conduz bem um automóvel devido às
contingências de reforço que modelaram e mantêm o seu comportamento.
A explicação tradicional para esse comportamento consiste em afirmar
que a pessoa possui os conhecimentos ou a perícia requeridos para conduzir
um carro, mas tais conhecimentos e tal perícia devem, por sua vez, ser
feitos remontar a contingências que poderão ter sido já usadas para explicar
o comportamento. Não dizemos que a pessoa faz o que «deve fazer»
ao conduzir um cano devido a qualquer noção interior do que é correcto
ou certo. Todavia, é provável que apelemos para qualquer virtude interior
a fim de explicarmos as razões por que a pessoa procede bem para com
os outros. Ora ela procede bem, não porque a sociedade a tenha dotado
de um certo sentido de responsabilidade ou obrigação ou ainda de lealdade
ou respeito pelos outros, mas sim porque criou contingências sociais
eficazes. Os comportamentos classificados de bons ou maus e de certos
ou errados não são devidos à bondade ou à maldade, a um bom ou mau
carácter ou a um conhecimento do que é certo e do que é errado;
devem-se, sim, a contingências que envolvem uma grande diversidade
de reforçadores, que incluem já os generalizados reforçadores verbais
«Bem!», e «Mal!», «Certo!» e «Errado!».
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uma lei apenas por causa das contingências a que se reportam a norma
ou a lei, mas quem formula as normas e leis inclui geralmente contingências
adicionais. O operário da construção civil obedece a uma dada norma
quando usa um capacete. As contingências naturais, que implicam uma
certa protecção contra a queda de objectos, não são muito eficazes, pelo
que tem de fazer-se cumprir a norma: quem não usar o capacete de protecção
será despedido. Não existe qualquer conexão natural entre o uso de capacete
e a conservação de um emprego; a contingência é mantida a fim de
servir de apoio às contingências naturais mas menos eficazes que justificam
uma dada protecção contra a queda de objectos. Poderíamos apresentar
argumentos paralelos para qualquer norma que envolva contingências
sociais. Ainda que no fim de contas as pessoas procedam de uma maneira
mais eficaz se lhes disserem a verdade, os ganhos são demasiado remotos
para afectar quem lhes diz a verdade e são, portanto, necessárias
contingências adicionais para manter um dado comportamento. Dizer a
verdade é, pois, considerado bom. É a maneira certa de agir, ao passo
que mentir é mau e errado. A «norma» é simplesmente uma afirmação
de contingências.
O controlo intencional «para o bem dos outros» torna-se mais poderoso
quando é exercido por organizações religiosas, governamentais, económicas
e educacionais60. Um dado grupo social mantém um certo tipo de ordem
punindo os seus membros quando procedem mal; porém, quando esta
função é assumida por um governo, a punição é confiada a especialistas,
que têm à sua disposição formas mais poderosas como multas,
encarceramentos ou a morte. O «bom» e o «mau» tornam-se «legal» e
«ilegal» e as contingências são codificadas em leis que especificam
comportamentos e eventuais punições. As leis são úteis àqueles que têm
de respeitá-las, uma vez que especificam o comportamento a ser evitado,
e têm vantagens para aqueles que as fazem cumprir, dado que especificam
o comportamento a ser punido. O grupo social é substituído por uma
organização de contornos muito mais nítidos - um estado ou nação -
cuja autoridade ou poder para punir podem ser assinalados por meio de
cerimónias, bandeiras, música e histórias a respeito de prestigiosos cidadãos
cumpridores da lei e de transgressores infames.
Uma organização religiosa constitui uma forma especial de governo
sob o qual o «bom» e o «mau» se convertem em «piedoso» e «pecaminoso».
As contingências que envolvem reforços positivos e negativos, muitas
vezes exacerbados ao máximo, são codificadas (como mandamentos, por
exemplo) e mantidas por especialistas, que contam geralmente com o
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A E V O L U Ç Ã O D E U M A CULTURA
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enumerando muitas das suas práticas, tal como descrevemos uma espécie
através da enumeração das suas características anatómicas. Duas ou mais
culturas podem partilhar uma prática, do mesmo modo que duas ou mais
espécies podem partilhar uma característica anatómica. À semelhança das
características de uma dada espécie, as práticas de uma cultura são
veiculadas pelos seus membros, que as transmitem a outros. De uma maneira
geral, quanto maior for o número de indivíduos que veiculam uma espécie
ou uma cultura, tanto maiores serão as suas possibilidades de sobreviver.
Tal como uma espécie, uma cultura é seleccionada pela sua adaptação
a um dado ambiente: na medida em que uma cultura ajuda os seus membros
a prover às suas necessidades e a evitar os perigos, ela ajuda-os a sobreviver
e a transmitir a cultura. Os dois tipos de evolução estão intimamente
entrelaçados. Os mesmos indivíduos transmitem tanto uma cultura como
uma constituição genética, se bem que de maneiras muito diferentes e
durante períodos diferentes das suas vidas. A capacidade de sofrer as
modificações comportamentais que tornam possível uma cultura foi
adquirida durante uma evolução da espécie e, reciprocamente, a cultura
determina muitas das características biológicas transmitidas. Muitas culturas
actuais, por exemplo, possibilitam aos indivíduos (que de outro modo
não o conseguiriam) sobreviver e procriar. Nem todas as práticas de uma
cultura assim como nem todas as características de uma espécie são
adaptativas, já que determinadas práticas e características não-adaptativas
podem ser veiculadas por outras adaptativas. Deste modo, certas culturas
e espécies que são pouco adaptativas podem sobreviver durante muito
tempo.
A mutações genéticas correspondem novas práticas. Uma nova prática
pode enfraquecer uma cultura (por exemplo, conduzindo a um consumo
supérfluo de recursos ou debilitando a saúde dos seus membros) ou forta-
lecê-la (ajudando os seus membros, por exemplo, a utilizar os recursos
naturais de uma maneira mais eficaz ou a melhorar a sua saúde). À
semelhança de uma mutação, uma alteração da estrutura de um gene
não está relacionada com as contingências de selecção que afectam a
característica resultante, pelo que a origem de uma dada prática também
não está necessariamente relacionada com a seu valor de sobrevivência.
A alergia alimentar de um chefe influente poderá dar origem a uma lei
dietética, determinada idiossincrasia sexual a uma prática matrimonial,
as características de um terreno a uma estratégia militar (e as práticas
poderão ser ainda valiosas para a cultura por razões completamente
divorciadas entre si). Como é evidente, as origens de muitas práticas
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esse aspecto dirá respeito aos meios de fazer com que as pessoas fiquem
cada vez mais submetidas ao controlo das consequências do seu próprio
comportamento.
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modo mais eficaz os bens de que uma cultura necessita, com um consumo
de recursos e um índice de poluição mínimos. Um partido que ocupe
o poder poderá agir fundamentalmente no sentido de conservar o poder,
reforçar aqueles indivíduos que governa (que, por sua vez, o mantêm
no poder) ou ainda promover os interesses do estado instituindo, por
exemplo, um programa de austeridade que possa custar ao partido não
só o poder como também apoio.
Podemos igualmente detectar os mesmos três níveis no planeamento
de uma cultura tomada como um todo. Se o seu arquitecto for um
individualista, conceberá um mundo no qual se encontrará sob um controlo
mínimo e aceitará os seus próprios bens como valores supremos. Se esteve
exposto a um ambiente social adequado, visará o bem dos outros, talvez
em detrimento de bens pessoais. Se o seu interesse reside essencialmente
no valor de sobrevivência, então conceberá uma cultura tendo em vista
os seus resultados positivos.
Quando uma cultura induz alguns dos seus membros a trabalhar
pela sua sobrevivência, que deverão eles fazer? Terão de prever algumas
dificuldades que se depararão à cultura. Tais dificuldades surgem
habitualmente num futuro distante e os seus pormenores nem sempre
são nítidos. Se bem que seja longa a história das visões apocalípticas,
só recentemente se devotou uma atenção especial à previsão do futuro.
Não existe nada que possamos fazer a respeito de dificuldades
completamente imprevisíveis, mas também é certo que podemos antever
alguns problemas se inferirmos certos dados através de uma análise da
realidade actual. Poderá, deste modo, bastar-nos observar o aumento
constante da população da terra, das proporções e localização dos arsenais
nucleares ou ainda da poluição do ambiente e do esgotamento dos recursos
naturais. Nesta conformidade, podemos modificar determinadas práticas
a fim de induzir as pessoas a ter menos filhos, gastar menos em armas
nucleares, deixar de poluir o ambiente e moderar o consumo dos recursos
naturais.
Não é preciso predizer o futuro para verificar alguns dos casos em
que a força de uma cultura depende do comportamento dos seus membros.
Aquela cultura que mantém a ordem civil e se defende de ataques liberta
os seus membros de certos tipos de ameaças e presumivelmente proporciona-
-lhes mais tempo e energia para outras actividades (particularmente se
a ordem e a segurança não forem mantidas pela força). Uma cultura
precisa de diversos bens para a sua sobrevivência a sua força deverá
depender em parte das contingências económicas que preservam a
PLANEAMENTO DE UMA CULTURA
e a tecnologia.
Podemos encontrar na literatura utópica um grande número de
projectos culturais73. Vários escritores confiaram ao papel as suas versões
da vida ideal e sugeriram meios de alcançar tal objectivo. Platão, em
A República, optou pela solução política; Santo Agostinho, em A Cidade
de Deus, pela religiosa. Thomas More e Francis Bacon, ambos homens
de leis, fundamentaram-se no direito e na ordem, enquanto os utopistas
rousseaunianos de Setecentos se voltaram para uma suposta bondade natural
do homem. O século XIX procurou soluções económicas, enquanto o século
XX assistiu ao aparecimento do que podemos designar por utopias
comportamentais74, nas quais se começou a debater (muitas vezes
catolicamente) uma vasta gama de contingências sociais.
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uma pessoa que não voltará a ver? O controlo ético poderá sobreviver
em pequenos grupos; o controlo de populações globais, porém, terá de
ser delegado a especialistas - polícia, sacerdotes, proprietários, professores,
terapeutas e outros agentes, todos eles apoiados nos seus reforçadores
especializados e contingências codificadas. Tais agentes de controlo estão
provavelmente em conflito entre si e estarão quase de certeza em conflito
com qualquer novo conjunto de contingências. Onde não for excessivamente
difícil alterar a instrução informal, por exemplo, é quase impossível
modificar um sistema educacional. É relativamente fácil alterar as práticas
matrimoniais e aquelas que dizem respeito ao divórcio e à procriação,
à medida que a sua importância para a cultura se altera; no entanto,
é quase impossível alterar os princípios religiosos que ditam tais práticas.
É fácil modificar os limites de aceitação de diversos tipos de comportamento
como certos, mas é difícil modificar as leis de um governo. Os valores
reforçantes dos produtos económicos são mais flexíveis do que os valores
estabelecidos por instituições económicas. As palavras da autoridade são
mais inflexíveis do que os factos a que dizem respeito.
Tanto quanto se refere ao mundo real, não nos surpreende que o
termo utópico signifique impraticável. A história parece comprová-lo:
durante quase dois mil e quinhentos anos propôs-se diversos modelos
utópicos e a maior parte das tentativas para concretizá-los redundou em
malogros ignominiosos. Todavia, a realidade histórica contraria sempre
as probabilidades de que aconteça algo de novo - eis o que se entende
por história. As descobertas e invenções científicas são improváveis -
eis o que se entende por descoberta e invenção. E, se as economias
planejadas, as ditaduras benevolentes, as sociedades perfeicionistas e outros
projectos utópicos fracassaram, devemos recordar-nos de que também
malograram culturas que não foram planeadas, dirigidas ou levadas à
perfeição. O malogro nem sempre é um erro, pois pode ser simplesmente
o melhor que se pôde fazer em determinadas circunstâncias. O verdadeiro
erro reside em deixar de tentar. Talvez não possamos planear ainda uma
cultura global bem sucedida, mas podemos, dentro de um plano
fragmentário, conceber práticas melhores. Os processos comportamentais
do mundo em geral são os mesmos que encontramos na comunidade utópica,
além de que as práticas têm os mesmos efeitos pelas mesmas razões.
Deparamos com as mesmas vantagens quando pomos em relevo
contingências de reforço em vez de estados de espírito ou sentimentos.
Constitui sem dúvida problema momentoso, por exemplo, o facto de os
estudantes já não responderem nos moldes tradicionais aos ambientes
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Dado que se trata de uma acusação grave, devemos tomá-lo muito a sério.
Diz-se que a principal diferença entre o homem e os outros animais decorre
do facto de ter «consciência da sua própria existência». Ele sabe o que
está a fazer; sabe que teve um passado e terá um futuro; «reflecte sobre
a sua própria natureza»; só ele segue a clássica injunção «conhece-te
a ti próprio». Qualquer análise do comportamento humano que desprezasse
tais factos seria na verdade imperfeita, o que acontece em alguns casos.
O chamado «behaviorismo metodológico» limita-se àquilo que pode ser
publicamente observado - poderão existir processos mentais, mas são
excluídos, pela sua natureza, da análise científica. Os «behavioristas» da
ciência política e muitos filósofos positivistas lógicos têm seguido um
rumo idêntico. Contudo, dado que pode estudar-se a auto-observação, esta
deve ser incluída em qualquer estudo razoavelmente completo do
comportamente humano. Em vez de neglicenciar a consciência, uma análise
experimental do comportamento tem posto em relevo certas questões
cruciais. O problema não está em determinar se o homem é capaz de
se conhecer a si mesmo mas o que aprende quando o faz.
O problema resulta em parte do facto indiscutível da «privatividade»
individual: uma pequena parte do universo está encerrada na pele de
cada indivíduo. Seria tolice negar a existência deste mundo privado, como
é igualmente tolice defender que, por ser privado, é de natureza diferente
do mundo exterior. A diferença não reside na matéria de que se compõe
esse mundo interior, mas na sua acessibilidade. Existe uma intimidade
exclusiva numa dor de cabeça, num sentimento de angústia ou num
solilóquio silencioso. A intimidade é por vezes penosa (não somos capazes
de fechar os olhos quando temos certas dores de cabeça), mas não o
é necessariamente, e parece apoiar a doutrina de que o conhecimento
é uma espécie de posse.
A dificuldade é que, embora essa condição de intimidade possa
aproximar o «conhecedor» do objecto do seu conhecimento, ela interfere
no processo pelo qual ele vem a conhecer alguma coisa. Como vimos
no Capítulo 6, as contingências em que uma criança aprende a descrever
os seus sentimentos são necessariamente imperfeitas; a comunidade verbal
não pode empregar os métodos que utiliza quando ensina a criança a
descrever objectos. Existem, é certo, contingências naturais em que
aprendemos a responder a estímulos íntimos e que produzem formas de
comportamento de grande precisão: não seríamos capazes de andar, saltar
ou fazer um «mortal» se não fôssemos estimulados por certas partes do
nosso próprio corpo. Contudo, é muito reduzida a consciência associada
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tudo isso com máquinas e seriam menos que humanos se o não fizessem.
O que actualmente encaramos como comportamento mecânico foi,
efectivamente, mais corrente antes da invenção de tais instrumentos.
O escravo na plantação de algodão, o guarda-livros à sua mesa de trabalho
e o estudante submetido, a exercícios repetitivos por um professor - estes
é que eram os homens-máquinas.
As máquinas substituem as pessoas quando fazem o que estas já
fizeram, pelo que as consequências sociais podem ser sérias. A medida
que a tecnologia progride, as máquinas vão assumindo cada vez mais
funções humanas, mas só até um certo ponto. Construímos máquinas
que reduzem alguns dos aspectos aversivos do ambiente (os trabalhos
estafantes, p. e.) e que produzem reforçadores mais positivos. Construímo-
-las precisamente porque o fazem. Não temos qualquer razão que nos
leve a construir máquinas para serem reforçadas por tais consequências
e, se tal fizéssemos, estaríamos a privar-nos a nós próprios de reforço.
Se as máquinas que o homem constrói vierem, eventualmente, a fazer
com que ele se torne supérfluo, será por acaso, não de propósito.
Um dos papéis importantes do homem autónomo tem sido o de
confiar ao comportamento humano uma determinada orientação, pelo que
se tem afirmado que, ao desapossarmos um agente interior, deixamos
o próprio homem sem um objectivo. Como precisou certo escritor, «dado
que uma psicologia científica deve, objectivam ente, encarar o
comportamento humano como determinado por leis necessárias, deverá
representá-lo como não intencional». Contudo, essas «leis necessárias»
só teriam tal efeito se se referissem exclusivamente a condições antecedentes.
A intenção, e o propósito reportam-se a consequências selectivas cujos
efeitos podem ser formulados em «leis necessárias». Terá a vida, em todas
as formas existentes à superfície da terra, um propósito e provará isso
a existência de um planeamento intencional? A mão do primata
desenvolveu-se a fim de que se pudesse manipular os objectos com mais
sucesso, mas esse objectivo deve ser encontrado, não num certo planeamento
anterior, mas sim no processo de selecção. De um modo semelhante,
o propósito de um movimento hábil da mão deverá, no condicionamento
operante, ser encontrado nas consequências que se lhe seguem. Um pianista
não adquire nem executa o comportamento de tocar fluentemente uma
escala devido a uma intenção prévia de o fazer. As escalas tocadas
fluentemente são reforçantes por muitas razões e seleccionam movimentos
hábeis. Tanto na evolução da mão humana como nos seus usos adquiridos
não está em causa qualquer intenção ou propósito anterior.
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por outros homens. Não será ele, nesse caso, apenas uma vitima? E certo
que os homens têm sido vítimas, assim como causadores de vítimas, mas
o termo é excessivamente forte visto sugerir despojamento, o que não
é, de modo nenhum, uma consequência essencial do controlo interpessoal.
Mas, mesmo sob um controlo benevolente não será o indivíduo, na melhor
das hipóteses, um espectador que pode seguir, impotente, os acontecimentos
sem neles interferir? Não estará ele «sem possibilidade de fuga na sua
longa luta para controlar o seu próprio destino»?
Só o homem autónomo é que se encontra numa via sem saída.
O homem pode ser controlado pelo seu ambiente que é, quase inteiramente,
obra sua. O ambiente físico da maior parte das pesssoas é, em larga
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ajuíza do seu valor, transforma-os para melhor (ou para pior, se for
descuidada) e poderá ser responsabilizada pelas suas acções e justamente
recompensada ou punida pelas consequências. De acordo com a imagem
científica, a pessoa é um membro de uma espécie modelada por
contingências evolucionárias de sobrevivência, apresenta processos
comportamentais que a submetem ao controlo exercido pelo ambiente em
que vive e, de uma maneira geral, ao controlo exercido por um ambiente
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a ser o que sempre foi. Mas uma nova teoria poderá alterar aquilo que
podemos fazer em relação ao seu objecto. Uma perspectiva científica do
homem oferece possibilidades estimulantes. Ainda não vimos o que o
homem pode fazer do homem.
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NOTAS
1 C. D. Darlington, The Evolution o f Man and Society. Citado em Science, 1970, 168,
1332.
2 «Causa». O que deixou de ser corrente na linguagem científica foi a causalidade de «botão
e alavanca» da ciência oitocentista. As causas aqui referidas são, tecnicamente falando, as variáveis
independentes das quais o comportamento, como variável dependente, é uma função. Vide SHB,
cap. 3.
Sobre
3 «posse», vide COR, cap. 9.
4 Herbert Butterfield, Teh Origins o f Modern Science (Londres, 1957).
5 Karl R. Popper, O f Clouds and Clocks (St. Louis, Washington University Press, 1966),
pág. 15.
6 Eric Robertson Dodds, The Greeks and the Irrational (Berkeley; University o f California
Press, 1951).
7 Mente e comportamento; vide COR, cap. 8.
8 William James, «What Is an Emotion?» Mind, 1884, 9, pág. 188-205.
9 O papel do ambiente; vide COR, cap. 1.
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NOTAS
43 Mill, sobre a bondade; vide resenha de James Fitzjames Stephen, Libert}’, Equality,
Fraternity, in Times Literary Supplement, 3 de Out. de 1968.
44 Raymond Bauer, The New Man in Soviet Psychology, (Cambridge; Harvard Universty
Press, 1952).
45 Joseph de Maistre; o passo foi citado no New Statesman de Agosto/Setembro de 1957.
46 Sócrates como «parteira»; Platão, Meno.
47 Freud e a maiêutica; citação de Walter A. Kaufmann em David Shakow, «Ethics for
a Scientific Age: Some Moral Aspects o f Psychoanalysis», The Psychoanalytic Review, outono
de 1965, 52, n.° 3.
48 Alexis de Tocqueville, Democracy in America, (Cambridge; Sever & Francis, 1863).
49 Ralph Barton Perry, Pacific Spectator, primavera de 1953.
50 Sugestões e indicações; vide VB, cap. 10.
51 Discriminação operante: vide SHB. Cap. 7.
52 Editorial sobre o aborto, Time, 13 de Outubro de 1967.
53 Reforçadores positivos; vide nota 20.
54 Para a importância dos reforçadores na evolução da espécie, vide COR, cap. 3.
55 Condicionamento respondente; vide SHB, cap. 4.
56 Sobre respostas de aprendizagem a estímulos interiores, vide SHB, cap. 17.
57 Eric Robertson Dodds, op. cit.
58 Deveria; vide SHB, pág. 429.
Formas verbais que correspondem a certas formas do nosso verbo dever, na acepção de
«ser obrigado», «ser conveniente», «ser necessário» [N. T.].
59 Karl R. Popper, The Open Society and Its Enemies (Londres; Routledge & Kegan Paul,
1947), pág. 53.
60 Para uma análise desenvolvida das instituições governamentais, religiosas, económicas,
educacionais e psicoterapêuticas, vide SHB, see. 5.
61 Abraham H. Maslow, Religions, Values, and Peak-Experiences (Columbus; Ohio State
University Press, 1964).
62 Dante, O Inferno, canto III.
63 Jean-Jacques Rousseau, Dialogues (1789).
64 O núcleo essencial de uma cultura; Alfred L. Krober e Clyde Kluckhohn, «Culture:
A Critical Review o f Concepts and Definitions», publicado Harvard University Peabody Museum
o f American Archaeology and Ethnology Papers, vol 47, n.°l (Cambridge, 1952) (Ed. paper-
-back, 1963).
65 A geografia de Roma; vide, por exemplo, F. R. Cowell, Cicero and the Roman Republic
(Londres; Pitman & Sons, 1948).
66 Danvinismo social; vide Richard Hofstadter, Social Darwinism in American Thought
(Nova lorque; George Braziller, 1944).
67 Leslie A. White, The Evolution o f Culture (Nova lorque; McGraw-Hill Book Co., 1959).
68 Linguagem que se desenvolve como um embrião; vide Roger Brown e Ursula Bellugi,
«Three Processes in the Child’s Acquisition o f Syntax», Harvard Educational Review, 1964,
34, n.o 2, 133-151.
69 A linguagem da criança selvagem; Eric H. Lenneberg, in Biological Poundations O f
Language (Nova lorque; John Wiley & Sons, Inc., 1967) assume a posição oposta em relação
à maioria dos psicolinguistas, no sentido de que determinada faculdade interior não passa pelo
seu «desenvolvimento normal» (pág. 142).
70 Modificando os sentimentos. Temos a impressão de que os sentimentos podem ser
modificados quando incitamos uma pessoa a beber um trago ou quando ela própria «reduz
os aspectos aversivos do seu mundo interior» bebendo, ou fumando marijuana. Contudo, o
que muda, não é o sentimento, mas a condição física que a pessoa sente. O arquitecto de uma
cultura modifica os sentimentos que acompanham o comportamento nas suas relações com o
ambiente, mas fá-lo modificando o ambiente.
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97 Consciência e conhecimento; vide SHB, cap. 17.
98 Processos mentais de generalização, abstracção et al. vide COR, págs.247 e seg., e TT,
pág. 120.
99 Resolução de problemas; vide SHB, págs. 246-254, e COR, cap. 6.
100 Sobre a interpretação dos «correlatos fisiológicos», vide Brain and Conscious Expe
rience (Nova lorque; Springer-Verlag, 1966), onde, segundo um crítico da obra («Science and
Inner Experience» de Josephine Semmes, Science, 1966, 154, 754-756) se fazia referência a
uma conferência realizada «para analisar as bases materiais da actividade mental».
101 Touro paleolítico. Atribuído ao prof. René Dubos por John A. Osmundsen, The New
York Times, 30 de Dez. de 1964.
102 Cópias interiores do ambiente; vide COR, pág. 247 e seg.
103 Wilson Follett, Modern American Usage (Nova lorque; Hill & Wang, 1966).
104 Pecado e pecador; vide Homer Smith, Man and His Gods (Boston; Little, Brown, 1952),
pág. 236.
105 «Algo a respeito dos próprios negros»; vide Science News, 20 de Dezembro de 1969.
106 O ego; vide SHB, cap. 18.
107 Joseph Wood Krutch, «Epitaph for an Age», New York Times Magazine, 30 de Junho
de 1967.
108 A citação foi extraída de uma crítica da obra The Broken Image: Man, Science, and
Society de Floyd W. Matson (Nova iorque; George Braziller, 1964) publicada em Science,
1964, 144, 829-830.
109 Abrahain H. Maslow, op. cit.
110 C. S. Lewis, The Abolition o f Man (Nova lorque; Macmillan, 1957).
111 Fonte externa de poder. J. P. Scott, «Evolution and the Individual», memorando preparado
para a conferência C de uma série de Conferências sobre a Teoria Evolutiva e o Progresso
Humano, realizadas na American Academy o f Arts and Sciences (28 de Nov. de 1960).
112 Devido a diferenças nas modalidades de transmissão, uma «geração» tem significados
muito diferentes dentro da evolução biológica e da evolução cultural. No que se refere à segunda,
pouco mais é do que uma medida de tempo. As mudanças ocorridas numa cultura («mutações»)
podem ocorrer e perder-se muitas vezes numa única geração.
113 Étienne Cabet, Voyage en Icarie (Paris, 1848).
114 Espécies; vide Ernst Mayr, «Agassiz, Darwin and Evolution», Harvard Library Bulletin,
1959, 13, n.° 2.
115 Ernest Jones, The Life and Work o f Sigmund Freud (Nova lorque; Basic Books, 1955).
116 Historiador: H. Stuart Hughes, Consciousness and Society (Nova lorque; Alfred
A. Knopf, 1958).
117 Keats sobre os trabalhos de Newton. Relato de Oscar Wilde numa carta a Emma Speed,
datada de 21 de Março de 1882. Rupert Hart-Davis, org., The Letters o f Oscar Wilde
(Londres, 1962).
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