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42 Revista Contabilidade & Finanças FIPECAFI - FEA - USP ARTIGO

APLICAÇÕES SOCIAIS DAS SOCIEDADES COOPERATIVAS: UM mODELO DE DEMONSTRAÇÃO CONTÁBIL

Análise do Processo da Comunicação Contábil: Uma


Contribuição para a Solução de Problemas Semânticos,
Utilizando Conceitos da Teoria da Comunicação*
José Maria Dias Filho
Mestrando em Controladoria e Contabilidade da FEA/USP – Professor da Universidade Estadual de Feira
de Santana – BA

Masayuki Nakagawa
Pesquisador e Coordenador de Projetos da Fipecafi-FEA/USP

RESUMO ABSTRACT

Tendo em vista que a compreensibilidade das in- Considering the understandability of accounting
formações contábeis é um dos atributos necessários information as one of the necessary attributes for
para que a Contabilidade possa servir ao processo Accounting to be able to assist in the decision-making
decisório, o presente trabalho procura discutir até que process, this paper discusses to which degree the
ponto os usuários de tais informações conseguem users of such information manage to understand the
compreender a ter minologia empregada na terminology used in accounting disclosure.
evidenciação contábil. Literature reveals that, although the preoccupation
A literatura revela que a preocupação com o with the understandability aspect in accounting is not
aspecto da compreensibilidade na área contábil não new, it is increasing to the extent that the variety of
é nova, mas nota-se que ela vem aumentando na users of accounting information is amplified, whether
medida em que o leque de usuários das informa- this is urged by the phenomenon of market
ções contábeis se amplia, quer seja impulsionado globalization, or by the progress of information
pelo fenômeno da globalização de mercados, quer technology. Besides, it is observed that the most
pelo progresso das tecnologias da informação. Além traditional users, such as suppliers, clients and
disso, observa-se que os usuários mais tradicio- investors, are becoming more demanding in relation
nais, tais como fornecedores, clientes e investido- to the quantity and quality of the information they are
res, tornam-se mais exigentes em relação à quan- offered.
tidade e à qualidade das informações que lhes são On the basis of current literature and some research
oferecidas. results, the hypothesis is brought up that many terms
Tomando-se por base a literatura corrente e alguns used in financial statements are not understood by the
resultados de pesquisas, levanta-se a hipótese de que persons they are destined for, or are interpreted in a
muitos termos empregados nas demonstrações different way than what was pretended. It is alleged
contábeis não são compreendidos por seus destinatá- that one of the probable causes of this lack of
rios ou são interpretados de maneira diferente da que correspondence between intended and attained
se pretendia. Alega-se que uma das prováveis causas meanings lies not only in the use of eminently technical
desse desencontro entre significados pretendidos e al- terms, but also in the habit of accountants to attribute
cançados não reside apenas no uso de termos emi- technical meanings to words used with a different
nentemente técnicos, mas também no hábito de os meaning in common language. As an example, we
contadores atribuírem significados técnicos a palavras quote that the user can not only ignore the accounting
que são utilizadas com sentido diferente na linguagem meaning of a term like goodwill, but can also attribute
comum. A título de exemplo, cite-se que o usuário tanto an unwanted meaning to the term depreciation.

* Artigo originalmente apresentado no XVI Congresso Brasileiro de Contabilidade, realizado em Goiânia de 15 a 20 de outubro de 2000.

Revista Contabilidade & Finanças FIPECAFI - FEA - USP, São Paulo, FIPECAFI, v.15, n. 26, p. 42 - 57, maio/agosto 2001
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pode ignorar o significado contábil de um termo como If this can occur with those users that are more
goodwill, como também atribuir um significado diferen- familiar with accounting terminology, such as, for
te do desejado ao termo depreciação. example, investors, creditors and other similar
Se isso pode ocorrer com usuários mais familiariza- users, what can be said then about the less
dos com a terminologia contábil, a exemplo de investido- traditional users, such as environmental protection
res, credores e outros semelhantes, o que pode ser dito entities, non-governmental organizations in defense
em relação aos menos tradicionais, tais como entidades of human rights, or even the common citizen who,
de proteção ambiental, organizações não governamen- by himself, turns to financial statements to know
tais voltadas para a defesa dos direitos humanos, ou até about the relation between companies and the
mesmo o cidadão comum que, por si próprio, recorra a environment they work in.
demonstrações contábeis para conhecer a relação das In view of what was mentioned above, and
empresas com o ambiente onde opera? considering that Accounting is characterized as a
Diante disso, e considerando que a Contabilidade communication process, the use of concepts from
se caracteriza como um processo de comunicação, Communication Theory is proposed, in order to
propõe-se que se utilizem os conceitos da Teoria da develop and improve methodologies that allow for
Comunicação para desenvolver e aprimorar metodo- the adjustment of the terminology used in accounting
logias que permitam ajustar a terminologia utilizada disclosure to the characteristics and necessities of
na evidenciação contábil às características e neces- its users. If the Theory referred to has been used
sidades de seus usuários. Se a referida Teoria tem ver y successfully in various areas of human
sido utilizada com muito êxito em diversos ramos do knowledge, such as economy, psychology and
conhecimento humano, tais como a economia, a psi- biophysics, it is probable that Accounting will also
cologia e a biofísica, é provável que a Contabilidade be able to take advantage of its conceptual
também possa extrair proveito de seu arcabouço framework in order to reach a higher level of efficacy
conceitual para alcançar maior eficácia no processo in the accounting information communication
de comunicação das informações contábeis. process.

Palavras-Chave: evidenciação, teoria da comuni- Key words: disclosure, communication theory,


cação, qualidades da informação, processo decisório. information qualities, decision-making process.

1. INTRODUÇÃO comunicação eficaz entre a empresa e os diversos


agentes que com ela interagem, tais como acionis-
Apesar do entendimento geral de que a comuni- tas, clientes, fornecedores, empregados, entidades
cação é função básica da atividade contábil, na me- governamentais, entre outros que se apoiam na
dida em que se reconhece que sua missão é identifi- evidenciação contábil para melhorar a qualidade de
car, mensurar e comunicar os eventos que afetam o suas decisões.
patrimônio das entidades, poucas pesquisas têm sido As discussões deverão se concentrar sobre a di-
realizadas, em nosso meio, no sentido de investigar mensão semântica das informações contábeis e te-
se a linguagem utilizada na evidenciação contábil rão como suporte os princípios da Teoria da Comuni-
permite uma compreensão satisfatória dos elemen- cação, bem como algumas pesquisas realizadas em
tos que podem afetar as decisões econômico-finan- diversos países com o objetivo de aferir o grau de
ceiras dos usuários da Contabilidade. compreensibilidade das referidas informações.
Considerando que o entendimento das informa- Outro objetivo deste trabalho é demonstrar que
ções contábeis constitui requisito essencial para que os conceitos da Teoria da Comunicação podem con-
as mesmas sejam utilizadas adequadamente no pro- tribuir no desenvolvimento de metodologias voltadas
cesso decisório, o presente trabalho procura esti- para identificar e corrigir problemas semânticos que
mular reflexões no sentido de se avaliar até que pon- afetam as informações contábeis. A hipótese que
to a Contabilidade tem conseguido estabelecer uma orienta as reflexões é a de que o usuário médio das

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informações contábeis não consegue assimilar ade- espécie de manual intitulado “Accounting
quadamente o seu conteúdo por desconhecer mui- Terminology”, que foi publicado em 1931, em caráter
tos termos empregados na evidenciação ou por lhes experimental. Posteriormente, o mesmo comitê pre-
atribuir significados diferentes daqueles que o conta- parou um relatório mais amplo contendo uma grande
dor normalmente pretende transmitir. Nestas circuns- quantidade de definições de termos utilizados pela
tâncias, entende-se que tais informações não sejam Contabilidade, mas o mesmo não chegou a ser pu-
bem aproveitadas como instrumento de apoio ao pro- blicado em razão de muitas polêmicas que acabou
cesso decisório. provocando. No período de 1939 a 1953, oito docu-
mentos semelhantes foram preparados por esse
2. CARACTERIZAÇÃO GERAL DO Comitê e publicados sob o título de “Accounting
PROBLEMA Research Bulletins”, os quais foram consolidados e
publicados como “Boletim de Terminologia nº. 1”.
2.1 PERSPECTIVA HISTÓRICA O plano original do grupo de estudos envolvido
Há muito tempo, a dimensão semântica das infor- com questões terminológicas era reunir um conjunto
mações contábeis vem despertado a atenção de di- de pessoas representativas de diversos segmentos
versos autores e entidades que se preocupam com a sociais que faziam uso de termos semelhantes aos
qualidade da evidenciação. Hendriksen (1999), por utilizados pela Contabilidade para construir definições
exemplo, explica que os números e as classificações que fossem compreendidas por ampla maioria. Ima-
contábeis sofrem variações quanto à interpretação ginava-se que se um grupo constituído por contado-
que o usuário das demonstrações poderá atribuir aos res, advogados, economistas, financistas, gerentes,
mesmos. Exemplificando, esse autor afirma que o bancários, líderes sindicais, consultores de empre-
item caixa normalmente é compreendido como os sas e outros congêneres chegassem a um consenso
contadores o desejam, porém o mesmo não se veri- sobre o significado de termos contábeis, todos os
fica em relação à expressão despesas diferidas. Para demais grupos de usuários poderiam adotá-los sem
esse termo, segundo Hendriksen, não há qualquer dificuldades. Entretanto, maiores esforços foram
interpretação específica além dos processos estru- direcionados para questões ligadas a mensuração,
turais que lhe deram origem. em virtude de rápidas variações de preços que afe-
Na obra referenciada, Hendriksen destaca que a taram o ambiente econômico, deixando-se de orga-
preocupação das teorias que se concentram no as- nizar a desejada terminologia “comum”.
pecto semântico da linguagem contábil é encontrar Uma revisão das recomendações contidas nos
formas de melhorar a interpretação das informações citados Boletins indica que, além de desenvolver de-
contábeis a partir da observação e da experiência finições para aplicação geral no campo contábil, em
humanas. Referindo-se à importância desse assun- algumas situações o Comitê dirigiu atenção para pro-
to, o autor lembra que o Financial Accounting blemas de uniformidade e para dificuldades semânti-
Standards Board – FASB, em particular, está sem- cas geradas pelo uso de termos que também eram
pre procurando livrar o balanço de itens que care- empregados na linguagem comum. Constatou-se que
çam de conteúdo semântico. os maiores problemas de interpretação das informa-
Além do FASB, tanto a Associação Americana de ções contábeis estavam relacionados com o uso de
Contabilidade - AAA como o Instituto Americano de palavras que, apesar de muito difundidas na lingua-
Contadores Públicos Certificados- AICPA têm dedi- gem cotidiana, eram empregadas com sentido muito
cado alguma atenção a esse problema, especialmen- diferente pela Contabilidade. Em alguns casos, o
te no que se refere a informações contábeis voltadas Comitê recomendou a substituição de palavras des-
para usuários externos. Em 1920, o AICPA estabele- sa natureza ou então procurou esclarecer o signifi-
ceu um Comitê de Terminologia com o propósito ini- cado contábil, conforme se verificou em relação aos
cial de compilar um conjunto de palavras e expres- seguintes termos: “depreciation”, “asset”, “liability” e
sões utilizadas com maior frequência pela Contabili- “value”. Entre os termos indicados para substituição,
dade, objetivando fixar significados mais precisos para destacam-se: “reserve”, “ surplus” e “bookvalue”.
cada uma delas. Desse esforço inicial, resultou uma Destas considerações, depreende-se que, em algu-
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mas situações, o comitê entendeu que certos ter- tual queda no grau de utilização das informações
mos utilizados pela Contabilidade, embora isentos de contábeis.
uso comum, precisavam sofrer alguns ajustes No que se refere à Lei das Sociedades por Ações
conceituais para alcançar significados mais precisos (6.404/76), embora tenha representado um passo
entre os usuários das informações contábeis. Já, em muito importante rumo à evolução do nível de
outras casos, percebeu-se que a melhor solução se- evidenciação contábil no Brasil, observa-se que essa
ria descontinuar o uso de termos muito encastelados norma incorreu em algumas falhas terminológicas,
na linguagem comum sempre que incorporassem incorporando termos pouco esclarecedores, tais
significados diferentes daqueles que com eles se como “ativo diferido”, “resultado de exercícios futu-
pretendia transmitir no campo da Contabilidade. ros” e outros. Espera-se que problemas dessa natu-
No tocante à Associação Americana de Con- reza sejam corrigidos quando de sua reformulação.
tabilidade, esforços foram empreendidos por essa
entidade, notadamente no período de 1936 a 1964, 2.2 A NATUREZA DO PROBLEMA SEMÂNTICO
no sentido de clarificar e de integrar determinados Num processo de comunicação, o problema se-
termos contábeis. Algumas contribuições foram ofe- mântico diz respeito à distância existente entre o sig-
recidas ao desenvolvimento de conceitos relevantes, nificado que um emissor pretende transmitir através
tais como entidade, realização, confronto entre re- de determinado código e a interpretação que o re-
ceitas e despesas, etc. Contudo, muito pouco foi re- ceptor atribui à mensagem recebida. De acordo com
alizado para resolver problemas de natureza essen- Berlo (1999:41-73), para minimizar esse problema, é
cialmente semântica, a não ser quando se recomen- necessário utilizar códigos lingüísticos que permitam
dou que a palavra “reserve” deixasse de ser utilizada a melhor aproximação possível entre significados
em demonstrações contábeis de publicação obriga- pretendidos e alcançados.
tória, por considerá-la de entendimento muito confu- Assim, na área contábil, a dificuldade de ordem
so para a maioria dos usuários. Mesmo assim, cabe semântica se manifesta quando o significado que o
salientar que esse órgão compartilhava do entendi- contador pretende atribuir a termos e expressões
mento de que a maneira como as informações veiculados nas demonstrações contábeis se distan-
contábeis eram comunicadas exigia elevada capaci- cia daquele que realmente lhes é atribuído pelos res-
dade de compreensão por parte do usuário. pectivos destinatários. Segundo Haried (1970), esse
No Brasil, observa-se que a qualidade da desencontro entre significados tanto pode ocorrer em
evidenciação contábil tem evoluído nas últimas dé- relação a expressões eminentemente técnicas e es-
cadas, sobretudo no campo das companhias aber- pecíficas da área contábil, como também em rela-
tas, em função de contribuições de algumas entida- ção a termos que possuem significados bem defini-
des como a Comissão de Valores Mobiliários – CVM, dos na linguagem de uso comum, mas são utilizados
o Instituto Brasileiro de Pesquisas Contábeis, com conotação diferente no meio contábil.
Atuariais e Financeiras – IPECAFI/USP, o Conselho Para melhor compreensão do problema ora abor-
Federal de Contabilidade e o Instituto Brasileiro dos dado, torna-se necessária uma visão inicial acerca
Contadores – IBRACON. Nota-se que esforços têm do processo de comunicação das informações
sido empreendidos por essas entidades no sentido contábeis. Segundo Bierman e Drebin (1979:258),
de melhorar o poder informativo das demonstrações um modelo básico de comunicação, em sentido am-
contábeis, seja através de pesquisas, de pronunci- plo, é constituído dos seguintes elementos:
amentos técnicos ou de programas de qualificação Y uma fonte de informação que produz uma
profissional. Aliás, o próprio IBRACON, ao estabele- mensagem, ou seqüência de mensagens a
cer a Estrutura Conceitual Básica da Contabilidade, serem comunicadas ao receptor;
em 1986, em parceria com o IPECAFI, procurou Y um transmissor que opera a mensagem de al-
alertar para o aspecto da compreensibilidade das in- guma forma para produzir um sinal passível de
formações contábeis, declarando que falhas de co- ser transmitido através do canal;
municação decorrentes de problemas de linguagem Y canal, que é o meio utilizado para se transmitir
estão entre os fatores que podem explicar uma even- o sinal;
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Y receptor, que realiza a operação inversa do terminologia empregada pela Contabilidade?


transmissor, reconstruindo a mensagem a partir Y em caso negativo, quais os termos que mais
do sinal; e contribuem para que se estabeleçam proble-
Y destino, que é a pessoa para a qual a mensa- mas de ordem semântica nas informações
gem é dirigida. contábeis?
Num sistema contábil, os referidos elementos Y qual a contribuição que a Teoria da Comunica-
podem ser visualizados da seguinte forma: os even- ção pode oferecer para melhorar a eficiência
tos econômicos são as fontes básicas da informação do processo de comunicação entre a Contabi-
contábil; o contador atua como transmissor, obser- lidade e os usuários das informações
vando estes eventos e codificando-os para transmitir contábeis?
a informação através dos relatórios contábeis, os Estas são as questões para as quais o presente
quais, por sua vez, formam o canal básico desse trabalho pretende levantar respostas, ou, pelo me-
tipo de comunicação. Finalmente, a mensagem é nos, provocar reflexões e estimular pesquisas.
recebida, decodificada e interpretada pelo adminis-
trador ou tomador de decisão, que figura no proces- 3. JUSTIFICATIVAS
so como destinatário final.
De acordo com Bierman e Drebin (1979:258-9), Se a eficácia de qualquer processo de comunica-
em termos práticos, o sistema contábil se apresenta ção exige, entre outras coisas, que os produtores da
um pouco mais complexo do que o descrito, haja vista informação e seus destinatários atribuam os mes-
que muitos subsistemas também participam desse mos significados aos códigos lingüísticos utilizados,
processo. A título de exemplo, os autores lembram há de se admitir que o aprimoramento do potencial
que, na realidade, raramente o contador observa os de evidenciação dos demonstrativos contábeis re-
fenômenos econômicos de forma direta, mas por meio quer pelo menos uma avaliação periódica do grau de
de diversos documentos, como notas fiscais, recibos, compreensibilidade da terminologia empregada pela
canhotos de cheques, etc. Porém, essa estrutura bá- Contabilidade. Entende-se que esse é o primeiro pas-
sica do modelo de comunicação é válida para efeitos so necessário para que eventuais ajustes sejam
de análise de muitos problemas que afetam a qualida- efetuados objetivando adequar a terminologia contábil
de das informações contábeis, particularmente no to- à capacidade de compreensão dos usuários das in-
cante ao aspecto da compreensibilidade. formações contábeis.
Essa visão sistêmica do processo de comunica- A preocupação com a linguagem contábil tende a
ção procura facilitar o entendimento de que o proble- aumentar na medida em que o leque de agentes in-
ma semântico associado à informação contábil deve teressados em informações contábeis se amplia,
ser considerado de forma contextualizada, isto é, passando a incorporar elementos de características
partindo do sistema emissor até se chegar ao desti- bem diversificadas em relação aos tradicionais. Como
natário. Ao receber informações sobre os eventos exemplo, temos: organizações não governamentais
econômicos, o contador deve interpretá-las fielmen- voltadas para a proteção ambiental e para a defesa
te, selecionar o conteúdo de interesse do usuário e dos direitos humanos, associações comunitárias,
codificá-lo de forma compreensível. agremiações políticas e até mesmo o cidadão que,
Desse modo, entende-se por que compreensi- individualmente, pode se interessar por informações
bilidade também passa a ser um conceito chave no de natureza contábil para fazer julgamentos acerca
processo da comunicação contábil. Esse aspecto será do desempenho das empresas e de suas relações
analisado em maior profundidade no decorrer deste com a sociedade. Com o progresso da tecnológica
trabalho, de forma que essa abordagem preliminar da informação e a conseqüente diminuição de bar-
objetiva apenas facilitar a compreensão dos seguin- reiras geográficas, deverão surgir novas categorias
tes problemas: de usuários, exigindo-se cada vez mais aprimoramen-
tos no processo da comunicação contábil.
Y em geral, os usuários das informações Diante disso, parece ser relevante verificar se a
contábeis compreendem satisfatoriamente a terminologia utilizada na produção das informações
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contábeis é compatível com os referenciais cognitivos (1989:133) ao explicar que, em muitas ocasiões, os
atuais, haja vista que os processos perceptivos se sistemas de informação são concebidos sem consi-
alteram em função do contexto, fazendo da comuni- derar se o destinatário da mesma se encontra em
cação um fenômeno essencialmente dinâmico, in- condições de compreendê-la e utilizá-la em todo o
serido numa dimensão psicossocial. seu potencial. Esse autor destaca que, quando o usu-
A necessidade de pesquisas relacionadas com ário não consegue compreender a informação com
a função da comunicação contábil tem sido desta- facilidade, tende a ignorá-la e se sente estimulado a
cada por diversos autores. Alguns já vêm utilizando criar sistemas paralelos, de caráter informal, para
o aparato conceitual da Teoria da Comunicação para atender a suas necessidades. Corroborando esse
avaliar até que ponto os usuários dos demonstrati- pensamento, Adelberg (1977:101) explica que, em
vos contábeis conseguem compreender o seu con- última instância, o propósito central da Contabilidade
teúdo. Haried (1970:226), por exemplo, constatou a é alcançar êxito no processo de comunicação, per-
existência de problemas semânticos em demons- mitindo que suas mensagens sejam bem compreen-
trações contábeis dirigidas a usuários externos. Num didas e utilizadas como luzes no processo decisório.
estudo comparativo destinado a avaliar técnicas de
pesquisas aplicadas à Contabilidade, esse autor 4. REFERENCIAL TEÓRICO
observou que a maior fonte de problemas semânti-
cos na área contábil está relacionada com a ten- Revisando a literatura contábil, verifica-se que, há
dência de se atribuirem significados técnicos a ter- muito tempo, diversos autores vêm alertando para o
mos que têm conotações diferentes e bem consoli- problema da compreensibilidade das informações
dadas no meio popular, tais como reservas e de- contábeis. Em geral, afirma-se que tão importante
preciação, por exemplo. quanto produzir a informação certa é garantir que
De igual forma, Oliver (1974) aplicou técnicas de ela se torne compreensível ao usuário, para que ele
diferenciação semântica entre membros de sete gru- possa utilizá-la como instrumento de apoio ao pro-
pos profissionais para verificar se determinados con- cesso decisório.
ceitos contábeis apresentavam diferentes significa- De fato, se a Contabilidade tem por missão facili-
dos. Os resultados confirmaram a hipótese de que tar a tomada de decisões, o mínimo que se pode
alguns termos não são bem compreendidos até mes- esperar das demonstrações contábeis são informa-
mo por estudantes e profissionais de Contabilidade. ções claras e compreensíveis, a fim de que o usuário
Problemas semelhantes também foram detectados possa identificar as alternativas de ação e selecionar
por Adelberg (1977), Belkaoui (1980), Houghton a que mais se afine com seus objetivos.
(1988) e Johnson (1991). Segundo Griffin e Williams (1963:787-88), ao lon-
É preciso considerar que o valor das informações go dos tempos, refinamentos ocorridos na prática
depende da capacidade que elas tenham de melho- contábil têm produzido uma variedade de novos ter-
rar o conhecimento sobre determinada realidade, mos e expressões, gerando grande confusão para o
reduzindo riscos e incertezas, de tal maneira que seus leitor menos afeito a tais evoluções. Esses autores
destinatários se sintam mais apoiados no processo acrescentam que embora não se possa culpar o Con-
decisório. Com razão, pode-se argumentar que isso tador pelo desejo de conferir uma feição mais
depende também de outros atributos qualitativos além estilizada aos contornos de sua atividade, pelo me-
da compreensibilidade, como, por exemplo, pontuali- nos deve-se considerar que a conseqüência de tal
dade, adequação ao modelo decisório, etc. Porém, refinamento, quando desacompanhado da preocupa-
não se pode negar que se a informação for incom- ção de que a terminologia empregada possa ser com-
preensível todo o esforço de produzi-la será inválido. preendida, gera efeitos desastrosos, comprometen-
Aliás, em tal circunstância, sequer mereceria ser con- do a própria utilidade das demonstrações contábeis.
ceituada como informação, mas simplesmente como De acordo com Anderson (1963:60), a lingua-
um conjunto de dados desprovidos de qualquer valor gem contábil tem se desenvolvido com o uso de
semântico. palavras incorporadas ao cotidiano das pessoas, mas,
Esse aspecto é bem salientado por Guerreiro “contraditoriamente, isso acaba prejudicando o en-
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tendimento das demonstrações contábeis, porque da mesma forma como a imprensa precisa seguir
normalmente a Contabilidade atribui a tais palavras certas regras no uso de uma língua para veicular in-
e frases um significado muito específico e distancia- formações de interesse público, a Contabilidade tam-
do do entendimento que elas poderiam produzir numa bém deve observar regras específicas para comuni-
conversação normal”. Esse autor entende que os car os eventos de natureza econômica que interes-
Contadores estariam prestando um serviço de me- sam aos usuários das informações contábeis. Con-
lhor qualidade aos analistas financeiros se padroni- tinuando, esse autor alerta que a inobservância de
zassem a nomenclatura e as interpretações utiliza- certas regras não apenas poderá gerar interpreta-
das nas demonstrações contábeis de vários grupos ções distorcidas, mas também acarretar riscos de
de empresas. penalidades para o contador em razão de “má repre-
Segundo Goldberg (1965:368), em Contabilida- sentação, falsidade ideológica ou perjúrio”. Por fim,
de, como em qualquer outro campo do conhecimen- Ijiri salienta que, como qualquer outro tipo de lingua-
to que envolve relações humanas, observa-se uma gem, a Contabilidade deve ser flexível para se adap-
considerável pressão no sentido de preservar uma tar às mudanças ambientais e procurar acompanhar
linguagem familiar e pouco especializada, evitando- as características dos usuários, especialmente no que
se, contudo, termos que, apesar de comuns, carre- se refere às suas capacidades cognitivas.
gam significados imprecisos. Esse autor explica que, Segundo Devine (1985), a Contabilidade tem sido
infelizmente, na literatura contábil “pouquíssimas” inundada com tantos chavões, estereótipos e frases
expressões podem ser usadas inequivocamente sem desprovidos de significados objetivos, que chega a
qualquer risco de serem mal interpretadas. Segundo se configurar como um agregado de “palavras tira-
ele, esse problema, por si só, já é suficiente para nas” que bloqueiam uma comunicação eficiente.
justificar um enorme volume de entendimentos Laudie (1987:579-604) refere-se à Contabilidade
distorcidos sobre o conteúdo de demonstrativos como um processo de comunicação bidirecional e
contábeis. interpessoal, e destaca que é importante questionar
Referindo-se ao processo da evidenciação o significado do que está sendo comunicado aos usu-
contábil, Hendriksen e Breda (1992:873) afirmam que ários das informações contábeis, uma vez que a lin-
tão importante quanto a forma que se atribui às de- guagem se caracteriza como um instrumento de co-
monstrações contábeis são as descrições nelas utili- municação que requer ajustes continuados em fun-
zadas e o grau de detalhamento empregado. Os au- ção dos agentes que participam do processo.
tores salientam que o uso de títulos e descrições Referindo-se ao mesmo problema, Johnson
apropriados podem ser esclarecedores para o leitor, (1991:11) afirma que a terminologia contábil tem se
ao passo que termos obscuros só podem levar à con- expandido tanto quanto a própria profissão, de tal
fusão ou incompreensão. Na seqüência, eles desta- forma que conceitos e termos empregados na Con-
cam que termos técnicos só podem ter utilidade caso tabilidade Gerencial, por exemplo, se distanciam cada
possuam significados precisos e sejam geralmente vez mais de uma base contábil única e consistente,
bem conhecidos. Finalmente, adverte-se que, em passando a incorporar significados oriundos de di-
Contabilidade, muitas expressões técnicas carecem versos ramos de conhecimento como Economia,
dessa precisão. Engenharia, Finanças, etc. Comprovando essa afir-
Iudícibus (1997:113) também concorda que “é mação, McCabe (1973) constatou que algumas pa-
importante utilizar, nas demonstrações, uma termi- lavras freqüentemente empregadas na área de cus-
nologia clara e relativamente simplificada”. Esse au- tos apresentavam significados completamente dife-
tor acrescenta que “termos (e grupos) obscuros como rentes em seis manuais de apenas duas organiza-
‘resultado pendente’, ‘pendente’ ou mesmo resultado ções profissionais pertencentes ao mesmo ramo de
de exercícios futuros devem ser evitados, por não atividade.
serem precisos.” Ainda segundo Johnson (1991), alguns órgãos li-
Ijiri (1975:14) afirma que a Contabilidade, como gados à profissão contábil, a exemplo do AICPA e
linguagem dos negócios, tem muito em comum com da Associação Americana de Contabilidade, vêm re-
outros tipos de linguagem. Esse autor explica que, conhecendo a existência de problemas
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terminológicos, razão pela qual têm publicado manu- contábil orientada para usuários externos não reside
ais de “definições” objetivando uniformizar a adoção apenas no uso de expressões técnicas, mas está
de certos termos entre os profissionais responsáveis relacionado também com o hábito de os contadores
pela geração das informações contábeis. atribuírem significados técnicos a palavras que são
O problema da compreensibilidade das informa- empregadas com sentido diferente na linguagem
ções contábeis também já foi objeto de discussão na popular.
Organização das Nações Unidas - ONU, onde um De fato, diversos pesquisadores, como Haried
grupo de especialistas em padrões internacionais de (1970), têm constatado que termos como deprecia-
Contabilidade concluiu que a complexidade dos ne- ção, reservas, provisões, Lucros Acumulados e ou-
gócios não pode ser utilizada como desculpa para a tros semelhantes costumam transmitir significado
apresentação de informações pouco inteligíveis. Em muito diferente da realidade que objetivam veicular.
seus relatórios, os especialistas destacaram que a Goldberg (1965) também faz referência a esse fato
forma de apresentação, a terminologia adotada, os mencionando que até mesmo usuários mais sofisti-
conceitos e hipóteses estabelecidos, devem ser ex- cados como analistas financeiros relacionam o ter-
pressos de maneira não ambígua e suficientemente mo depreciação com o declínio no valor do bem.
explicitados para que a informação seja compreendi- Segundo esse autor, raramente o termo “deprecia-
da com garantia. ção” é associado ao procedimento de alocação sis-
De modo semelhante, o Comitê de Padrões temática de custos.
Contábeis Internacionais do International Accounting A princípio, o desenvolvimento de uma terminolo-
Standards Committee – IASC tem considerado que gia técnica dentro de um determinado campo pode
a evidenciação contábil deve ser clara e compreen- ser considerado como um passo necessário para
sível, ainda que influenciada por políticas contábeis reduzir problemas dessa natureza. Porém, conforme
que variam de empresa para empresa, tanto dentro alerta Ijiri (1975), embora conceitos complexos pos-
de um mesmo país como de um país para outro. sam indicar progresso científico, não são necessari-
Entende-se que, em qualquer circunstância, o usuá- amente importantes em determinadas áreas. Esse
rio da Contabilidade precisa de informações claras autor esclarece que, em alguns ramos do conheci-
para fazer julgamentos adequados e adotar decisões mento, a virtude da simplicidade pode ser muito mais
racionais. relevante, e acrescenta que talvez a Contabilidade
O FASB , através do Statement of Financial seja um desses, por representar “a linguagem dos
Accounting Concepts nº. 1, estabelece que a negócios que é usada por muita gente.”
evidenciação contábil deve fornecer informações que De fato, é preciso considerar que nem sempre as
sejam úteis para investidores e credores atuais e em demonstrações contábeis se dirigem a um público
potencial, bem como para outros usuários que te- especializado, podendo incluir também pessoas que
nham por objetivo a tomada racional de decisões de possuem pouco domínio das particularidades ineren-
investimento, crédito e outras semelhantes. Em 1980, tes à terminologia contábil. É certo que a compreen-
definindo os atributos qualitativos das informações são de informações contábeis requer algum conhe-
contábeis, através do Statement nº. 2, o referido ór- cimento prévio sobre atividades econômicas e dis-
gão considerou que a compreensibilidade é um dos posição para examiná-las cuidadosamente, confor-
requisitos necessários para que um número mais me alerta o FASB, mas, mesmo assim, a experiên-
amplo de usuários possa assimilar o significado de cia tem demonstrado que expressões mais sofistica-
tais informações e utilizá-las adequadamente no pro- das como goodwill, equivalência patrimonial, resulta-
cesso decisório. do de exercícios futuros, ativo diferido e outras
correlatas não são bem compreendidas sequer por
5. FOCOS DE PROBLEMAS usuários especializados, como investidores, e nem
SEMÂNTICOS mesmo por estudantes de Contabilidade. O termo
“reservas”, por exemplo, costuma ser confundido
De acordo com Adelberg (1977), o foco de pro- freqüentemente com segregação de recursos finan-
blemas semânticos constatados na comunicação ceiros para reposição de ativos específicos.
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Fatos dessa natureza foram comprovados em gênero têm sido realizadas no sentido de avaliar o
pesquisa realizada por Silva (1995) junto a adminis- grau de compreensibilidade das informações
tradores de empresas situadas na região metropoli- contábeis, principalmente no que se refere às cha-
tana de São Paulo. O estudo procurou verificar se o madas evidenciações narrativas, onde se incluem as
código lingüístico utilizado pela Contabilidade estava Notas Explicativas, Relatórios da Administração, Pa-
sendo entendido pelos usuários das informações receres dos Auditores etc. Como exemplo, cite-se um
contábeis. Para tanto, selecionou-se uma amostra estudo realizado por Gibson e Schroeder (1990:78-
composta em 62,6% de pessoas oriundas dos cur- 87) para avaliar as características da linguagem utili-
sos de Economia, Administração e Contabilidade, por zada na elaboração de Notas Explicativas contidas
se considerar que tais usuários possuíam conheci- em demonstrações contábeis dos maiores bancos
mentos razoáveis para alcançar uma boa compreen- internacionais, situados em nove países de língua
são das demonstrações contábeis. Os resultados inglesa. Os autores partiram da hipótese de que a
evidenciaram que a maioria dos pesquisados que têm complexidade da linguagem poderia comprometer o
opinião formada sobre o grau de entendimento das processo de análise e interpretação efetuadas por
informações contidas no Balanço Patrimonial não credores, investidores e depositantes. Como resulta-
consegue compreendê-las por completo. do, observou-se que a terminologia empregada na
Quanto à terminologia adotada na elaboração elaboração das referidas notas explicativas foi consi-
dos demonstrativos contábeis, constatou-se que mais derada pela maioria dos pesquisados como “incom-
da metade dos pesquisados não consegue entender preensível” ou pouco reveladora dos fatos que deve-
perfeitamente o significado da conta “Banco Conta riam explicar.
Movimento”. Em relação aos que não possuem for- Em outros estudos realizados pelos mesmos au-
mação contábil, a situação é bem pior. Para eles, o tores, constatou-se que cerca de 60% dos investido-
termo equivalência patrimonial se apresenta como res profissionais, embora já familiarizados com a com-
algo quase que totalmente estranho. De igual forma, plexa terminologia dos demonstrativos contábeis,
mais da metade dos pesquisados não compreendia consideraram que as informações seriam melhor
adequadamente o significado da conta provisão para compreendidas se as notas explicativas fossem
devedores duvidosos. Aliás, constatou-se que o ter- redigidas numa linguagem mais compreensível e li-
mo provisão sequer foi compreendido pelos usuários vre de jargões técnicos. Mesmo assim, verificou-se
em geral, o que indica ser aconselhável substituí-lo que termos que possuem significados bem estabe-
por outro capaz de expressar melhor a idéia que se lecidos no cotidiano das pessoas são menos com-
deseja comunicar, conforme sugeriu a própria pes- preendidos do que termos específicos da área
quisa. O mesmo foi constatado em relação aos ter- contábil.
mos Reserva de Capital e Saldo Credor da Correção Para atenuar problemas dessa natureza Bedford
Monetária, haja vista que a maioria dos usuários re- (1965:7) sugere que se utilizem definições
velou desconhecer o significado preciso de ambos. operacionais na comunicação de determinados even-
No mesmo trabalho, Silva declara que “mais da tos registrados pela Contabilidade. Exemplificando,
metade dos pesquisados gostariam que a Contabili- esse autor considera que uma definição do tipo
dade utilizasse uma linguagem mais acessível aos “alocações ao período corrente do custo original do
não-contadores, que são a maioria dos usuários das ativo” expressa com maior perfeição a informação
informações contábeis”. Por fim, a pesquisa sugeriu contábil que normalmente se busca transmitir atra-
a realização de um levantamento completo dos ter- vés do termo “depreciação”. De igual forma, Silva,
mos técnicos utilizados pela Contabilidade, na pesquisa retromencionada, recomenda alterar o
objetivando substituí-los por outros mais comunicati- termo “Equivalência Patrimonial” para “Ganhos ou
vos, na medida do possível. Estudos dessa natureza Perdas de nossos Investimentos em Outras Empre-
demonstram que efetivamente existem graves pro- sas”, tendo em vista que boa parte dos usuários da
blemas semânticos na comunicação contábil orien- Contabilidade desconhecem seu significado. Embo-
tada a usuários externos. ra isso exija esforços e experimentações para cons-
Nos Estados Unidos, diversas pesquisas desse truir frases sucintas que representem conteúdos
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ANÁLISE DO PROCESSO DA COMUNICAÇÃO CONTÁBIL: UMA CONTRIBUIÇÃO PARA A SOLUÇÃO DE PROBLEMAS SEMÂNTICOS,
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UTILIZANDO CONCEITOS DA TEORIA DA COMUNICAÇÃO

operacionais passíveis de serem transmitidos atra- Os referidos autores explicam que, para tanto, o
vés dos demonstrativos contábeis, realmente pode primeiro passo consiste em entender que a Contabi-
valer a pena na medida em que contribua para redu- lidade é de fato um processo de comunicação e que
zir sérios problemas semânticos derivados da termi- o mesmo se desenvolve em duas dimensões: a di-
nologia presente. mensão da observação e a dimensão da produ-
Como se observa, diversas constatações empíricas ção. A primeira dimensão é constituída das seguin-
realizadas ao longo do tempo comprovam a importân- tes etapas: recebimento de informações sobre os
cia de se utilizar uma linguagem capaz de facilitar o eventos econômicos da empresa, interpretação des-
entendimento dos usuários das informações contábeis sas informações e seleção daquela que deverá ser
e de comunicar com fidelidade os fenômenos que se comunicada. Já a dimensão da produção, segundo
busca representar. Nesse ponto, referência deve ser os autores, se caracteriza por envolver as seguintes
feita à lúcida observação de Martins (1998:24) sobre atividades: codificação da informação e transmissão
o problema terminológico: “desde que duas pessoas desta para o usuário.
resolvam comunicar-se é importante que passem a Partindo dessa visão, Bedford e Beladouni (1962)
dar aos objetos, conceitos e idéias o mesmo nome, desenvolveram um modelo para descrever e avaliar
sob pena de, no mínimo, reduzir-se o nível de enten- o processo da comunicação contábil, tendo como
dimento”. O referido autor completa afirmando: “o que estrutura os seguintes elementos: os eventos econô-
comumente se denomina de mero problema de termi- micos, o contador, os demonstrativos contábeis e o
nologia, talvez fosse melhor tratado como magno pro- usuário das informações neles contidas. Adicional-
blema de terminologia”. mente, o referido modelo incorpora os conceitos de
Portanto, uma comunicação significativa de da- fidelidade e significância, objetivando caracterizar,
dos contábeis exige, entre outras coisas, que os res- respectivamente, a relação desejada entre o conta-
ponsáveis por sua preparação e aqueles que irão dor e o usuário e a relação entre os demonstrativos
utilizá-los atribuam aproximadamente o mesmo sig- contábeis e os eventos econômicos. Nesse contex-
nificado para os símbolos adotados. to, significância diz respeito ao grau de relevância e
adequação com que a Contabilidade consegue des-
6. A TEORIA DA COMUNICAÇÃO crever os eventos econômicos, ao passo que fideli-
APLICADA À EVIDENCIAÇÃO CONTÁBIL dade se refere à correspondência que deve existir
entre os significados que o usuário atribui às mensa-
Caracterizada a existência de problemas semân- gens e aqueles que o contador pretende transmitir.
ticos no processo de comunicação das informações Diversos depoimentos sobre a Teoria da Comuni-
contábeis, torna-se necessário identificar cação sugerem que a proposta de Bedford e
metodologias que possam contribuir para eliminá-los Baladouni é pertinente no sentido de aproveitá-la para
ou pelo menos reduzi-los. Neste tópico, tentaremos aprimorar o processo da comunicação contábil.
explicar como os fundamentos da Teoria da Comuni- Hayakawa (1967:336), por exemplo, afirma que a
cação podem ser utilizados com esse objetivo. Teoria da Comunicação tem contribuído para a so-
Reconhecendo que a comunicação é um elemento brevivência do homem e a evolução da própria soci-
essencial ao cumprimento das funções inerentes à edade como um todo, na medida em que fornece
Contabilidade, diversos autores propõem que se uti- elementos conceituais necessários à construção e à
lizem os princípios da Teoria da Comunicação para melhoria de instrumentos que nos permitem com-
melhorar a qualidade das informações contábeis. partilhar experiências, valores culturais, e aprimorar
Bedford e Baladouni (1962), por exemplo, salientam as interações humanas através da comunicação.
que se os conceitos da referida Teoria têm sido apli- Smith (1972) destaca que a Teoria da Comunica-
cados com muito êxito em diversos ramos do conhe- ção tem influenciado o desenvolvimento de muitos
cimento humano, como a psicologia experimental, a ramos do conhecimento humano, especialmente no
lingüística e a biofísica, então deveríamos tentar campo das pesquisas relacionadas com neurologia,
aproveitá-los para aprimorar o processo da comuni- tecnologias de mídia, lingüística, psicologia, psiquia-
cação contábil. tria, comportamento de grupos, teoria das organiza-
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ções, desenvolvimento de sistemas de informações, tor. O emissor, como o próprio nome sugere, é um
economia, pedagogia, entre outras. transformador de sinais que tem por finalidade codi-
Referido-se às diversas aplicações da Teoria da ficar a mensagem e torná-la compreensível ao desti-
Comunicação, Epstein (1988) procura demonstrar que natário; a mensagem, por sua vez, é o instrumento
a mesma se desenvolveu de tal forma que adquiriu que une o emissor ao receptor, permitindo veicular
importância considerável em diversas áreas como diversos conteúdos, tais como: ordens, instruções,
psicolingüistica, economia, desenho industrial, biolo- pedidos, sugestões, opiniões, etc.; o código pode ser
gia, psicologia, etc. Esse autor explica que os funda- considerado como um sistema de regras que relaci-
mentos da Teoria da Comunicação têm sido aplica- onam seus usuários sob a forma de reciprocidade
dos com sucesso em processos de avaliação de tex- para tornar inteligível o conteúdo da mensagem; o
tos lingüísticos, tanto no que se refere à informação canal é o meio utilizado para transportar a mensa-
objetiva, calculada exclusivamente a partir de medi- gem e tem como requisitos básicos: facilidade de
das efetuadas sobre o texto, quanto à subjetiva, com- manuseio e de reprodução, durabilidade, facilidade
putada quando se leva em conta o desempenho de de conservação, resistência etc. Assim como o códi-
determinados sujeitos ou classes de sujeitos frente go, o canal precisa ser dominado tanto pelo emissor
a textos. quanto pelo receptor e ainda ser compatível com o
Assim, conclui-se pela conveniência de se exami- tipo de mensagem que se deseja transportar. Por
narem os conceitos básicos da Teoria da Comunica- último, temos o receptor, que é o destinatário da
ção, objetivando compreender como a mesma pode mensagem.
ser aplicada ao campo da Contabilidade e identificar Explorando a estrutura do modelo geral de co-
que contribuição ela pode oferecer ao aprimoramen- municação, Maser (1975) explica que o objetivo da
to da comunicação contábil. comunicação é partilhar informações e que o mes-
mo pode ser prejudicado por diversos fatores, tais
6.1 OS COMPONENTES DO PROCESSO DE como: “o emitente não se expressa de maneira ade-
COMUNICAÇÃO quada, dizendo algo diferente do que pretendia; b)
Em termos gerais, comunicação pode ser de- o receptor compreende a mensagem de modo
finida como a transferência de informações de uma inapropriado, que não se coaduna com a intenção
determinada fonte para um receptor. Como o objeti- do emitente; c) a mensagem recebida difere da en-
vo de um comunicador é realizar esse processo de viada, por ter sido deturpada ou alterada enquanto
maneira eficiente, estudiosos dessa área têm procu- era transportada”.
rado desenvolver determinados modelos visando ao De acordo com Berlo (1960), desde que haja
aprimoramento da comunicação. um objetivo a comunicar, uma resposta a obter ou
A Teoria da Comunicação foi desenvolvida inicial- um comportamento a modificar através do ato co-
mente por Claude Shannon (1949), sob uma aborda- municativo, espera-se deste a maior fidelidade pos-
gem matemática, para resolver problemas relaciona- sível. Assim sendo, importa discutir quais os fatores
dos com a transmissão de sinais no campo das tele- associados à fonte, ao receptor, à mensagem e ao
comunicações. O modelo geral de comunicação con- canal que determinam a eficiência da comunicação.
cebido por Shannon, em versões mais reduzidas,
contempla três dimensões: a dimensão técnica, a 6.1.1 O EMISSOR
semântica e a pragmática. A primeira dimensão se Entre os fatores que atuam sobre o emissor da
relaciona com o processo técnico de transmissão dos mensagem, influenciando seu comportamento no ato
sinais; a dimensão semântica diz respeito à precisão comunicativo, seu objetivo, seus mecanismos
com que os símbolos podem “transportar” os signifi- codificadores e o conteúdo das mensagens, desta-
cados desejados e a dimensão pragmática diz res- cam-se: as habilidades comunicativas; o grau de co-
peito à eficiência com que os “significados recebi- nhecimento que ele possui a respeito do objeto e do
dos” despertam comportamentos. próprio processo da comunicação e, finalmente, sua
O referido modelo é composto dos seguintes ele- posição dentro do sistema sóciocultural.
mentos: emissor, mensagem, código, canal e recep- Considera-se que os níveis de habilidade comu-
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nicativa determinam a fidelidade da comunicação na interpretá-la, independentemente dos cuidados que


medida em que influenciam a capacidade individual a fonte possa ter adotado para estruturá-la.
de analisar os próprios objetivos e intenções, bem Seguindo o mesmo raciocínio, Berlo (1999) tam-
como a capacidade de codificar a mensagem de bém destaca que o receptor é o elo mais importante
maneira a expressar o que se pretende. em qualquer processo de comunicação, salientando
O nível de conhecimento é mais um fator a ser que se a mensagem não o atingir de maneira com-
considerado nesse contexto, e diz respeito tanto ao preensível, inútil terá sido o esforço de enviá-la. De
conhecimento do assunto que deverá ser veiculado fato, observa-se que na Teoria da Comunicação, o
através da mensagem, quanto ao próprio processo receptor ocupa posição de grande destaque. As se-
de comunicação. Aliás, afirma-se que o conhecimen- guintes considerações de Bloomfield (1933) ilustram
to do referido processo é um dos fatores que mais bem essa importância:
influencia o grau de fidelidade, pois este depende em “A preocupação com o receptor é um princípio
muito do nível de conhecimento que a fonte possui orientador para qualquer fonte de comunicação.
sobre as características do receptor, sobre os meios Ele tem sempre de ser lembrado, quando se deci-
pelos quais poderá produzir ou tratar as mensagens de sobre cada um dos fatores ligados à comuni-
e também sobre os tipos de canais que poderá utili- cação. Quando a fonte escolhe um código para
zar para conduzi-la. a mensagem, deve escolher um que seja co-
O último fator considerado nesse contexto, é o nhecido do receptor. Quando a fonte seleciona
sistema sociocultural. Para demonstrar como o mes- o conteúdo, a fim de refletir seu objetivo, selecio-
mo influencia o processo de comunicação, Berlo na um conteúdo que tenha significação para o
(1999) afirma que nenhuma fonte se comunica como receptor. A única justificativa para a existência da
livre agente sem ser influenciada por sua posição no fonte e para a ocorrência da comunicação, é o
sistema sociocultural. Portanto, entende-se que é receptor, o alvo ao qual tudo é destinado.” (grifos
necessário conhecer o tipo de sistema social em que nossos)
ela opera, o contexto cultural no qual se comunica, Assim como as habilidades comunicadoras da
as crenças e os valores culturais que lhe parecem fonte são importantes para capacitá-la a interpretar
dominantes, as formas de comportamento aceitáveis os eventos, criar e codificar a mensagem, as habili-
ou não aceitáveis, exigidas ou não exigidas em sua dades relacionadas com o receptor também são es-
cultura, etc. Como se observa, a posição da fonte no senciais à efetividade da comunicação, pois delas
contexto sociocultural realmente poderá afetar o seu depende a decodificação da mensagem recebida. Por
comportamento no processo de comunicação, na isso, não se pode predizer o êxito do ato comunicati-
medida em que ela cumpre papéis específicos e pos- vo apenas em função das habilidades da fonte ou do
sui percepções ou imagens variáveis sobre a posi- receptor, isoladamente, mas sempre em conjunto.
ção social e cultural do receptor.
6.1.3 A MENSAGEM
6.1.2 O RECEPTOR DA MENSAGEM Além da fonte e do receptor, outro elemento que
Segundo Schmutte (1983:24), cada elemento que também influencia a qualidade da comunicação é a
integra o processo de comunicação pode influenciar mensagem. Na análise desse componente, três ele-
o grau de fidelidade alcançado na transmissão de mentos estruturais devem ser considerados: o códi-
determinada mensagem. Porém, esse autor afirma go, o conteúdo e a forma como é tratada.
que, em termos de impacto sobre a eficiência geral O código geralmente é definido como qualquer
do processo, o receptor é o componente crítico. Con- grupo de símbolos capaz de ser estruturado de ma-
sidera-se que seu desempenho na decodificação da neira a produzir significados para alguém. Sob o
mensagem pode ser afetado por vários fatores, mas enfoque das ciências que estudam as linguagens,
nenhum deles é tão importante quanto o grau de como a Semiótica, por exemplo, a interpretação que
conhecimento que ele tenha sobre o código utilizado o receptor poderá atribuir aos códigos pode ser con-
pela fonte. Se o receptor não conhecer o código em- siderada em três níveis: a) sintático: reconhecimen-
pregado na composição da mensagem, não poderá to de um código em conexão com outros códigos (sen-
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tido lógico); b) semântico: compreensão do signifi- nal, na medida em que se comunique melhor desta ou
cado que o emissor pretendeu despertar através dos daquela maneira. Por exemplo: falando, utilizando lin-
códigos; c) pragmático: interpretação dos códigos guagem gráfica, demonstrando fisicamente, etc.
em termos de relevância, concordância ou Assim, todos os elementos que compõem o pro-
discordância, etc. A mais simples tarefa de interpre- cesso de comunicação devem ser considerados de
tação de qualquer mensagem requer certo grau de forma integrada, e nunca isoladamente. Em se tra-
familiaridade com o código que está sendo utilizado. tando de avaliar a eficiência da comunicação, tor-
Portanto, é necessário identificar até que ponto o na-se necessário contemplar múltiplos aspectos:
destinatário da mensagem está apto a compreendê- habilidades comunicadoras da fonte e do receptor,
lo, conforme já se destacou. seus níveis de conhecimento sobre o assunto vei-
No que se refere ao conteúdo da mensagem, o culado, papéis no sistema social, o contexto cultu-
mesmo deve ser entendido como a substância esco- ral onde se encontram inseridos, adequação do
lhida pelo emissor para exprimir seu objetivo. Consi- código, conteúdo da mensagem, compatibilidade
derando que o receptor é o foco do processo de co- do canal, etc.
municação, a definição do conteúdo de uma mensa-
gem deve levar em consideração, pelo menos, os
seguintes fatores: o tipo de informação que o usuário 7. CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
deseja encontrar, que uso fará dela e como o siste-
ma de informação poderá ser projetado para satisfa- Considerando que o processo de comunicação
zer suas necessidades. contábil incorpora os elementos conceituais da Teo-
Se a mensagem não for relevante diante dos ob- ria da Comunicação, observa-se que a mesma real-
jetivos do usuário, inútil terá sido o esforço de produ- mente pode fornecer subsídios para o aprimoramen-
zi-la. Assim, pode-se afirmar que comunicação efici- to das informações contábeis, na medida em que
ente é aquela que transporta informações úteis, for- expõe as funções inerentes a cada componente do
necendo subsídios para que o homem possa decidir ato comunicativo, bem como as relações que se es-
com maior segurança. Quando se trata de definir o tabelecem entre eles.
conteúdo de uma mensagem, o emissor deve consi- Desenvolvendo uma análise crítica sobre a apli-
derar que o ser humano raramente busca informa- cação da Teoria da Comunicação à Contabilidade,
ção como um fim em si mesma. Ao contrário, ela é Smith (1972) comprovou que seu arcabouço
procurada para apoiar o processo de tomada de de- conceitual contribui para se identificarem fatores pre-
cisão, objetivando solucionar problemas, alocar re- judiciais à qualidade das informações contábeis,
cursos etc. Por isso, é necessário considerar a visão como, por exemplo, a adoção de termos que não se
do usuário, suas necessidades e opiniões entre ou- apresentam ao alcance da compreensão de seus
tros fatores relevantes. usuários. O autor considera que a referida teoria fa-
vorece o desenvolvimento de pesquisas na área
6.1.4 O CANAL contábil, além de permitir aprimoramentos nos siste-
Para completar a análise sobre o processo de mas de informação, tanto no aspecto operacional
comunicação, restam algumas observações a res- como em suas relações com o usuário.
peito do canal, que é o veículo utilizado para trans- No estudo referenciado, Smith constatou tam-
portar a mensagem. bém que as informações contábeis podem sofrer
A fonte, ou codificador, precisa identificar a melhor distorções em função de problemas semânticos des-
maneira de atingir o receptor, ao menor custo possí- de o momento em que são produzidas. Isso aconte-
vel. Desse modo, a decisão sobre o tipo de canal utili- ce quando os produtores da informação não conse-
zado no transporte da mensagem depende de um guem interpretar adequadamente os eventos econô-
conjunto de fatores, entre os quais destacam-se: ade- micos que deveriam comunicar ou quando possuem
quação ao conteúdo da mensagem, ao código utiliza- níveis de compreensão diferenciados em relação a
do, às características do receptor, custo etc. A própria princípios e normas que orientam a prática contábil.
fonte também acaba influenciando a escolha do ca- Nesse caso, o mínimo que se pode afirmar sobre
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ANÁLISE DO PROCESSO DA COMUNICAÇÃO CONTÁBIL: UMA CONTRIBUIÇÃO PARA A SOLUÇÃO DE PROBLEMAS SEMÂNTICOS,
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UTILIZANDO CONCEITOS DA TEORIA DA COMUNICAÇÃO

a qualidade das informações geradas é que um mes- teriam background educacional suficiente para ‘dige-
mo evento econômico pode estar sendo relatado de rir’ tal forma de evidenciação.”
diversas maneiras, tanto no aspecto qualitativo como Estas considerações demonstram que os limites
no quantitativo. Diante disso, a informação perde sig- da evidenciação devem ser estabelecidos em função
nificado como instrumento de apoio ao processo das características e necessidades dos usuários,
decisório, ainda que seu destinatário consiga obser vando-se os conceitos de relevância e
compreendê-la adequadamente, haja vista que a fi- materialidade, para permitir uma compreensão
delidade na representação dos fatos e uniformidade satisfatória de todos os elementos contábeis que
ficaram prejudicadas. possam influenciar as decisões.
Outra lição que pode ser extraída da Teoria da Desse modo, fica claro que o importante não é
Comunicação é que a fonte produtora das infor- transmitir a maior quantidade possível de informa-
mações deve procurar reconhecer as necessida- ção, mas fornecer a informação necessária, de for-
des de cada estrato de usuário e avaliar sua habi- ma compreensível, numa relação custo/benefício
lidade em interpretar a informação adequadamen- otimizada, para que o usuário possa alcançar me-
te. Nesse sentido, Hendriksen (1992) salienta que lhores resultados no processo decisório.
o tipo e a quantidade de evidenciação são fatores A Teoria da Comunicação deixa claro que os signifi-
que dependem, pelo menos em parte, da capaci- cados não são propriedades das palavras, mas dos in-
dade que o leitor possua para interpretar dados divíduos. Discorrendo sobre o processo da comunica-
contábeis. Seguindo esse mesmo raciocínio, ção, Berlo (1999:184) ensina que se os sentidos fos-
Iudícibus (1997) explica que é necessário consi- sem encontrados nas palavras, qualquer pessoa com-
derar, “em cada circunstância de espaço e tempo”, preenderia qualquer linguagem, qualquer código. Na
a qualidade e a quantidade de informação que o seqüência, esse autor esclarece que “algumas pesso-
usuário pode assimilar. Esse autor reforça suas as têm sentido para certos códigos, outras não”.
considerações afirmando que: Portanto, para corrigir problemas relacionados
“De pouco ou quase nada poderá adiantar uma com a compreensibilidade das informações contábeis,
grande empresa industrial, que opera, admitamos, o presente trabalho propõe que se realizem pesqui-
na área de uma grande tribo do interior da África, sas periódicas no sentido de levantar as característi-
editar seus demonstrativos contábeis com a inclu- cas médias de estratos de usuários, a fim de identifi-
são de uma dose de evidenciação que vá ao ponto car eventuais dificuldades e elementos significativos
de incluir valores estimados, com várias distribuições que devem ser considerados no uso da terminologia
de probabilidades, análises de regressão de dados contábil. Um possível passo inicial é verificar se tais
passados etc., pois, possivelmente, o nível médio do usuários atribuem às informações o mesmo signifi-
leitor (supondo que os membros da tribo estivessem cado que os contadores pretendem transmitir com a
interessados em investir em uma multinacional) não terminologia atual.

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