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OFICINA BÁSICA DE MÚSICA, PARA QUE?

A METODOLOGIA DE "OFICINA"
(Publicado em “Sensos”. Reprodução com finalidade didática)

Emílio Terraza
É bastante comum hoje também no domínio das artes, vermos a denominação
de Oficina aplicada à realização de trabalhos em equipe, ou à forma ministrar
informações Apesar das semelhanças dos mecanismos utilizados neste tipo de "atelier",
nem todos os que dele se servem têm os mesmos conceitos sobre a coisa, nem a
mesma forma ou ângulo de abordagem. Por outro lado, a ideia de Oficina pode ser
entendida de mais de uma maneira e inclusive utilizada para diferentes propósitos,
embora o ideal seria que não houvesse deturpações, para não concluir um processo de
aquisição de uma estrutura de pensamento com uma forma de "alta recreação" (quando
abordada como disciplina) e como "vate tudo" (quando abordada como processo
composicional).

Sem nenhum intuito de fazer comparações vamos aqui colocar apenas o nosso
ponto de vista ou conceito. Vamos tentar resumir e, sobretudo, tirar a mística que
durante considerável tempo vem envolvendo a área da arte e em particular da música
pelo simples fato de ser dada uma carga maior à sensibilidade e à criação. Esta
mistificação se verifica como se o homem tivesse que ser menos sensível e criativo. Se
o poder criador e a sensibilidade do homem devem estar presentes na área cia
medicina, da matemática, da física e de qualquer outra área das ciências, da mesma
forma, na área da arte, devem estar presentes a informação, o raciocínio, a disciplina,
o método, etc.

A "Oficina de Música" e um mecanismo onde a teoria e a prática caminham juntas


num processo dialético, e não como coisas separadas. Neste mecanismo a música deve
ser situada dentro de um campo de conhecimento abrangente. o "universo sonoro", cujo
material a ser organizado não é outra coisa senão os parâmetros de um fenômeno
acústico.
Apesar de simples, os princípios básicos sempre dão origem às formas de
estruturação as mais complexas, embora nem sempre com algum conteúdo. Mas é
preciso compreender bem os princípios para que, aplicando uma metodologia
conveniente (e antes de mais nada uma conceituação adequada do que seja
"estrutura"), possamos chegar a "digerir" e manipular informações e prepor e
sistematizar a organização de elementos estruturais, atingindo um objetivo, para
primeiro entender o que é um sistema, antes de aprender um sistema qualquer.

No caso da Oficina Básica de Música, que como seu nome indica é "básica" (o
que não se pode confundir com "elementar"), importa mais o como fazer do que o que
fazer; o como pensar é mais importante que o que pensar, importa mais capacitar-se
para atingir um objetivo a ser alcançado. O processo conta mais que o resultado sonoro.
Evidentemente isto já não acontece no domínio do "processo composicional", onde o
que mais importa é o contrário: o resultado final.

Este processo pretende ser eminentemente criativo, mas nem por isso isento de
normas e leis a serem seguidas.

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Assim sendo, há o que se poderia denominar: "algumas regras do jogo". Aqui
estão algumas destas regras aceitar a relatividade como o único absoluto; não usar
modelos como "padrões”, mas apenas como referenciais e também aprender a ter
referenciais para fazer-modelos; aprender a caracterizar e definir a essência e os
elementos de um universo de ideias ou de coisas, neste caso o “universo sonoro" e os
parâmetros do som; dimensionar; desenvolver noção de proporções, estabelecer
escalas de valores e "funções"; ver possibilidades de combinações e manipulação dos
parâmetros do som e das fontes sonoras; necessidade de uma simbologia de
representação; caracterizar o valor intrínseco de um elemento sonoro e seu valor
relativo dentro de um contexto; desenvolver uma técnica própria de estruturação e,
enfim, todas as particularidades e componentes que devam ser levados em
consideração e que formem parte de todos os processos estruturais, até que se possa
dar uma forma à ideia; em suma, concretizar urna abstração.

Os conteúdos são decorrentes do processo de formação, norteados pelos


objetivos. A conclusão de trabalhos, em número e prazos determinados, assim como a
quantidade de informações fornecidas, no sentido de esgotar um "programa", não é o
que mais importa neste processo. O que importa é adquirir, através de uma atividade,
uma experiência, e assimilar uma instrumentação que capacite para afirmar-se no
decorrer da trajetória dessa atividade.

Por esse motivo um determinado trabalho é considerado terminado quando se


esgotam as possibilidades de novas informações decorrentes do mesmo, ou quando ele
já não apresenta a necessária motivação para um maior aprofundamento. Neste
momento é substituído pelo início de um novo trabalho, que também partirá de
informações iniciais e se desenvolverá em forma análoga já num nível de maior
complexidade, e assim sucessivamente.

Quanto à objetividade e à subjetividade, o processo visa que a própria


subjetividade seja norteada de maneira crescente por valores objetivos.

Sabemos que uma questão (ou conceito) mal colocada pode gerar erros
psicológicos, condicionamentos, e ter toda sorte de implicações e consequências
indesejáveis. É muito comum ver-se um determinado sistema, processo composicional,
ou ponto de vista estético, ser tomado, como sendo “música” ou “a maneira de fazer
música". Não é condenável a identificação ou a escolha de tal ou tal sistema, mas é
condenável a colocação de uma suposta verdade como sendo “a Verdade". A verdade
tem sues formas próprias de manifestação que são inconfundíveis.

Nesta metodologia, não é o simples fato de sua utilização que evita pretensas
posições de “donos da verdade". O objetivo principal da metodologia deve ser, como
dissemos antes, o de provocar a aquisição de uma estrutura de pensamento, e não
apenas o de transmitir informações. Não se pode confundir o fenômeno natural da
imaginação com o ato de pensar.

Por outro lado, ê preciso também convencer-se de que o universo cia criação
não é um universo caótico, carente de normas e leis. Faz-se necessário combater
aquela ideia romântica do artista erroneamente identificado como eventual "artista
festivo", cujo produto "artístico” e comportamento assustam. É evidente que a

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"festividade", a falta de seriedade, a leviandade e outras formas do comportamento
humano, são constantes em determinados "pretensos artistas". Isso não deve levar a
crer que tais atitudes sejam condições "sine qua non" para qualificar o artista cu qualquer
outro profissional.

Por vezes observa-se um tipo de comportamento do artista. que se identifica com


uma certa "boemia". Mas este comportamento se caracteriza por ser um estado da alma
(é bom frisar], e nada tem a ver com a forma sui generis de modus vivendi. Isto quando
existe, é problema de cada um. dos seus gostos e maneiras, mas, fica claro que um tal
comportamento nada tem a ver com a arte e a criação. Pelo contrário, é justamente no
campo da criação, pelas infinitas opções que apresenta, onde se faz mister uma maior
disciplina mental, maturidade, coerência e capacidade de escolha.

Agora é claro... há muitas maneiras de criar.

Para concluir, através da filosofia da "Oficina", podem também ser obtidas


conquistas nos demais campos do conhecimento humano em suas mais diversas
formas de manifestação.

O produto não será necessariamente "arte", mas a arte de criar, de pensar;


produzindo alguma coisa de interesse geral.

Evidentemente, é preciso somar a isto as antigas e tradicionais informações, não


como um todo acabado, mas sim como um referencial a ser "computado” (numa
linguagem de nosso tempo). Assim, pode-se avançar bastante, sobretudo se se
consegue, durante o processo, a informação suficiente que nos permita dimensionar
não já o que sabemos, mas o que não sabemos.

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